Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 11/2021-T
Data da decisão: 2021-10-25  IRC  
Valor do pedido: € 466.739,54
Tema: IRC. Fundo de pensões de benefício definido. Alteração dos pressupostos actuariais.
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Sumário: I. IRC. Regime de dedutibilidade das contribuições suplementares para fundo de pensões, para cobertura de perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-colaboradores com direitos adquiridos, mas não individualizados. II. Sujeição ao regime de dedutibilidade previsto no n.º 7 do artigo 43.º do Código. III. Inaplicabilidade do regime dos encargos dedutíveis previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º e do regime do n.º 12 do artigo 18.º do Código.

 

I.             Relatório

 

1. A..., S.A. (doravante designado por “Requerente”), titular do número de identificação fiscal..., com sede no ..., Edifício..., ..., ...-...,  ..., e matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o mesmo número, veio, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral (coletivo), apresentando Pedido que visa a decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico com o número de processo ...2019..., referente à autoliquidação de IRC do período de tributação de 2015, contida no Despacho proferido a 1 de outubro de 2020, por subdelegação de competências, pela Diretora de Serviço Central da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, notificado ao Requerente no dia 8 de outubro de 2020 através do Ofício n.º... .

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo a Senhora Juiz Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Dr. Luís M. S. Oliveira e o Dr. Jaime Carvalho Esteves, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 21 de maio de 2021.

 

2. A fundamentar o pedido, argumenta o Requerente, entre o mais:

 

A)           Quanto ao pedido principal

 

De acordo com a decisão final do recurso hierárquico, a Requerida manteve a não aceitação fiscal das perdas atuarias associadas a responsabilidades passadas com os ex-colaboradores, no valor de € 1.527.654,00, sendo referido que tal dedução só seria possível ao abrigo do artigo 43.º do Código do IRC, com as limitações impostas no n.º 7 do mesmo artigo;

               

Para o Requerente, aquela interpretação é ilegal, porquanto defende que a dedutibilidade fiscal, no período de 2015, do mencionado valor de € 1.527.654,00, deve ser garantida por aplicação da regra contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, apoiando-se na Ficha Doutrinária n.º 3688/2016, sancionada por Despacho da Subdiretora-Geral no dia 27 de junho de 2017, (…) onde se pode ler que «No que respeita à perda atuarial associada a responsabilidades com ex-colaboradores, estando em causa responsabilidades passadas com os ex-trabalhadores com direitos adquiridos, podem estes gastos ser aceites, nos termos do artigo 23.º e não pelo artigo 43.º, ambos do CIRC, no momento em que se procede ao reconhecimento das alterações dos pressupostos atuariais e desde que a contribuição respetiva seja efetuada»;

 

E essa conclusão vai exatamente no mesmo sentido do teor do ponto 9.º desse mesmo Pedido de Informação Vinculativa, o qual refere que «Relativamente às perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-trabalhadores, partindo do pressuposto que estão em causa direitos adquiridos e que os ex-trabalhadores ainda não são pensionistas, tem-se entendido que, fiscalmente, se estiverem em causa responsabilidades passadas com os ex-trabalhadores com direitos adquiridos devem estes gastos ser aceites, nos termos do artº 23.º do CIRC, no momento em que se procede ao reconhecimento das alterações dos pressupostos atuariais e desde que a contribuição respetiva seja efetuada. Aliás, tendo em conta o regime da periodização económica, previsto no n.º 1 do artº 18.º do CIRC, estes gastos deverão ser, de facto, aceites no período a que digam respeito, isto é, no momento em que se reconhecem as responsabilidades decorrentes dessas alterações e que constituem direitos adquiridos e desde que a contribuição respetiva seja efetuada.» (sublinhado do Requerente);

 

No caso em análise, (i) estão em causa responsabilidades por serviços passados de

ex-colaboradores com direitos adquiridos, e (ii) tais responsabilidades foram integralmente financiadas (i.e. as contribuições respetivas foram entregues ao Fundo de Pensões);

 

Alega o Requerente que, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária explicitou que, «Dado que o teor da referida informação doutrinária era suscetível de dar azo a interpretações incorretas, em virtude de fazer alusão a direitos adquiridos, ao invés de direitos adquiridos e individualizados, deu-se conhecimento do teor da informação vinculativa de onde aquele foi retirado.». Ou seja, esclareceu a Requerida que a dedutibilidade da perda atuarial associada a responsabilidades com ex-colaboradores só poderia ser aceite nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, caso tais perdas respeitassem a contribuições para fundos de pensões que, na esfera dos beneficiários (ex-colaboradores), representassem direitos adquiridos individualizados e, por isso, tributados em sede de IRS ao abrigo do subalínea i) do ponto 3 da alínea b) do artigo 2.º do Código do IRS.»;

 

Sendo que a Informação Vinculativa n.º 11376 não contém qualquer menção e/ou esclarecimento ao facto de a dedução fiscal em IRC das perdas atuariais relativas a ex-colaboradores estar condicionada/dependente do enquadramento dessas responsabilidades, na esfera desses ex-colaboradores, como rendimentos do trabalho dependente;

 

Mais, o Requerente insurge-se contra a Requerida quando, embora admitindo que a referida Informação não se refere expressamente a “direitos adquiridos e individualizados”, postula que essa interpretação deve considerar-se subentendida por estarem em causa responsabilidades passadas com ex-colaboradores, estas podem ser aceites como gastos nos termos do artigo 23.º do CIRC» (sublinhados do Requerente);

 

Para o Requerente, tal fundamentação viola o «dever constitucional e legal de fundamentar os atos administrativos de um modo expresso, racional, coerente, suficiente e claro», dever que está consagrado no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo;

 

Argumenta o Requerente que a Ficha Doutrinária n.º 3688/2016 foi republicada no Portal das Finanças (como se da mesma Ficha Doutrinária se tratasse), consubstanciando tais comportamentos violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, tal como dos princípios do procedimento tributário, em concreto do princípio da colaboração, estabelecido nos artigos 55.º e 59.º da LGT, uma vez que o Requerente assumiu a boa-fé das informações disponibilizadas pela Autoridade Tributária no seu Portal.

 

B)           Quanto ao pedido subsidiário

 

Alega o Requerente que, não concedendo e subsidiariamente, deve ser aplicado o regime previsto no artigo 43.º do Código do IRC, nas condições previstas para os pensionistas, logo, sem limites de dedutibilidade fiscal;

 

O Requerente não admite assim a aplicação do n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC às perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-colaboradores, em face de todos os argumentos expostos e em face da analogia aplicável ao caso o não permitir, concluindo que, não concedendo o Tribunal quanto ao pedido principal, se deve admitir, a título subsidiário, considerar a aplicação do artigo 43.º do Código do IRC, nas condições previstas para os pensionistas, logo, sem limites de dedutibilidade fiscal, por aplicação analógica ao caso do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRC, com o afastamento da aplicação do n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC.

 

C)           Quanto ao segundo pedido subsidiário

 

Alega, ainda o Requerente, que não concedendo, e subsidiariamente, deve ser aplicado o regime previsto no n.º 12 do artigo 18.º do Código do IRC;

 

Entende o Requerente que não sendo a situação fiscalmente dedutível pela aplicação do artigo 43.º do Código do IRC, deverá de forma subsidiária – e assumindo a possibilidade de o Tribunal considerar que as referidas perdas atuariais associadas a responsabilidades passadas com ex-colaboradores com direitos adquiridos não são dedutíveis ao abrigo do artigo 43.º do Código do IRC (“regime especial”) –, que deverá ser, em última instância, atendida a sua dedutibilidade com base na parte final do n.º 12 do artigo 18.º do mesmo Código (“regime supletivo”);

 

Esta conclusão é, segundo o Requerente, uma exigência dos princípios da proporcionalidade, da tributação em função da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente pelo rendimento real e da propriedade privada, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 62.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa, não podendo resultar outro comando que não a dedutibilidade, ainda que em momento incerto, dos gastos ora em apreço;

 

Quanto ao momento do reconhecimento fiscal dos gastos em causa,  solicita o Requerente  que o Tribunal indique a alternativa que, no seu entendimento e neste cenário alternativo de aplicação limite, deverá ser adotada pelo Requerente, com vista à determinação do momento em que as responsabilidades passadas com ex-colaboradores poderão ser reconhecidas fiscalmente, apresentando no artigo 122.º do Pedido  alternativas/métodos que vislumbra como possíveis para a determinação do momento em que serão dedutíveis, para efeitos fiscais, as responsabilidades com o fundo de pensões, no que diz respeito aos ex-colaboradores, que, face ao acima exposto, deverão ser reconhecidas em períodos tributários futuros, nos termos do n.º 12 do artigo 18.º do Código do IRC.

 

O Requerente termina pedindo juros indemnizatórios.

 

3. Posição da Requerida

 

A)           Quanto ao pedido principal

 

Argumenta a Requerida que “(…) a razão da divergência entre o entendimento da AT e do Requerente a questão de saber se, no que respeita às perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-trabalhadores, se, para efeitos da dedução das referidas perdas ao abrigo do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) do CIRC, é ou não necessária a alegação e  comprovação de que as contribuições para os fundos de pensões respeitam a direitos adquiridos e individualizados dos empregados, encontrando-se particularizados e alocados a cada um dos beneficiários, nos termos previstos na sub-alínea i) do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS”;

 

O Requerente contesta a não dedutibilidade fiscal das perdas atuariais por responsabilidades passadas com ex-colaboradores, sustentando, como sustentou nos procedimentos administrativos, que, para efeitos de dedução ao lucro tributável, a Informação do pedido de informação vinculativa (PIV) n.º 11376 apenas exige que se trate de direitos adquiridos de ex-colaboradores, sem necessidade de se demonstrar que respeitam a direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, concluindo que a decisão da RG interpretou incorretamente a referida Ficha Doutrinária (cfr. artigo 46.º do PPA);

 

Argumenta a Requerida que não assiste razão à Requerente, porquanto “(…) a decisão da DSIRC sintetiza a fundamentação legal que permite concluir, sem qualquer dúvida, pela improcedência da sua pretensão e da legalidade da decisão da Reclamação Graciosa, concluindo: «17. Posto isto, e para finalizar conclui-se que os gastos associados a responsabilidades passadas com ex-colaboradores com direitos adquiridos só podem ser aceites, na totalidade. nos termos do artigo 23.º do CIRC, desde que, na ótica do ex-colaborador, seja considerado um rendimento perfeitamente individualizado. 18. No caso concreto aqui em análise, as perdas atuariais estão associadas a responsabilidades passadas com ex-colaboradores com direitos adquiridos, mas que não estão individualizados nem alocados a cada beneficiário, pelo que não se traduzem em rendimentos do trabalho dependente e consequentemente não são dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC. 19. Assim, não sendo possível o enquadramento fiscal das referidas perdas atuariais no artigo 23.º do CIRC, em virtude de os direitos adquiridos não estarem individualizados, voltamos, em termos de enquadramento fiscal, àquilo que foi dito anteriormente, ou seja, que, estando em causa contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades com pensões devidas em consequência de alterações dos pressupostos atuariais o seu enquadramento deve ser efetuado à luz do n.º 7 do artigo 43.º do CIRC. (…) 22. De acordo com a alínea b) do n.º 7 do artigo 43.º, quanto às perdas atuariais associadas a responsabilidades passadas com os ex-trabalhadores com direitos adquiridos, mas não individualizados. a dedutibilidade fiscal tem por limite o valor acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos n.ºs 2 e 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos imediatamente anteriores e os valores das contribuições efetuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos.»”;

 

Assim sendo, para a Requerida nada há a apontar à interpretação sustentada pela UGC e pela DSIRC, a qual consubstancia, seguramente, uma interpretação e rigorosa e precisa, conjugando de forma irrepreensível os normativos legais aplicáveis à factualidade apurada, dando conta das diferenças relativamente à situação apreciada no PIV n.º 11376; 

 

De qualquer modo, alega a Requerida que “(…)  mesmo considerando, sem conceder, que a AT atuou em sentido diferente da informação prestada no PIV n.º 3688/2016, o que não ocorreu, sempre se dirá que face ao supra expendido e contrariamente ao pugnado pela Autora, o fundamento último e essencial das decisões controvertidas prendem-se com os factos e as normas legais aplicáveis ao seu caso concreto.”

 

Com efeito, “os efeitos da informação vinculativa não vinculam o sujeito passivo e mesmo vinculando a AT, só no caso concreto, podem as informações vinculativas ser revogadas ou caducar, nos termos do n.º s 15 e 16 da LGT”;

 

No caso em análise “a informação vinculativa nem sequer foi pedida pelo Requerente”; 

“Não se trata, pois, de nenhuma orientação genérica constante de circular, regulamento ou instrumento de idêntica natureza que vincule a AT, mas de uma informação vinculativa que foi clarificada, e caso tal clarificação padecesse de ilegalidade ela poderia ser invocada pelo destinatário da informação vinculativa”;

“Nestes termos, não logrou o Requerente contraditar o entendimento da AT, não se verificando os requisitos para que seja aceite a dedutibilidade das perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-colaboradores, no valor de € 1.527.654,00, nos termos da interpretação conjugada do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) do CIRC, e da sub-alínea i) do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS”.

 

B) Quantos aos pedidos subsidiários

 

Alega a Requerida que, “ao contrário do que alega o Requerente, é absolutamente correta a interpretação da Direção de Serviços de IRC de enquadrar as perdas atuariais relativas a responsabilidades por serviços passados com ex-colaboradores no regime constante do n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC, propugnada na decisão final do recurso hierárquico”;

 

“Como plenamente demostrado, as contribuições em causa, sendo contribuições suplementares relativas a responsabilidades passadas de ex-trabalhadores, cabem no n.º 7 do art. 43.º, sendo que o montante da dedução está subordinada ao limite fixado na alínea b), do qual apenas são excluídas (pelo n.º 8) as contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades com pensionistas e com responsabilidades passadas isto é, que respeitam ao período anterior à transferência das responsabilidades para o fundo de pensões”;

 

“Com efeito, as contribuições suplementares relativas a responsabilidades com ex-trabalhadores só seriam tradas como são as contribuições referentes aos pensionistas se o n.º 8 do artigo 43.º contemplasse expressamente tal situação, o que não acontece, nem é possível o recurso à analogia”;

 

Para a Requerida, improcede igualmente o pedido quanto à alegada violação de vários princípios constitucionais, tais como: «da proporcionalidade, da tributação em função da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente pelo rendimento real e da propriedade privada, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 62.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa», tanto mais que não são minimamente concretizados pelo Requerente de que forma ocorre tal violação.

 

4. Por despacho do Presidente do Conselho Deontológico de 21 de junho de 2021, perante a renúncia do Dr. Jaime Carvalho Esteves, foi determinada a sua substituição pelo Dr. José Luís Ferreira.

 

Em 8 de julho de 2021, o Tribunal proferiu despacho com o seguinte conteúdo:

“Nos termos do previsto no n.º 3 do art. 9.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: “No caso de se verificar a substituição de árbitro, o tribunal arbitral decide se algum acto processual deve ser repetido em face da nova composição do tribunal, tendo em conta o estado do processo”.

Cumpre, nestes termos, na sequência da substituição de árbitro verificada na presente acção, apurar se se justifica que haja lugar a repetição de actos processuais praticados.

Nos presentes autos apenas houve lugar ao oferecimento de articulados.

Representando, estes, actos processuais para cuja produção, eficácia e interpretação, não se revela imprescindível a manutenção em juízo dos árbitros que se encontravam em exercício de funções no processo quando tais actos foram praticados, não se justifica que se repitam quaisquer actos processuais, prosseguindo a instância os seus demais e regulares termos.

Do presente despacho, notifiquem-se ambas as partes.

Lisboa, 07 de Julho de 2021.”

 

5. Por despacho de 8 de julho, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste e notificou as partes para a produção de alegações, no prazo de 15 dias e sucessivas, tendo designado o dia 21 de novembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

6. As partes produziram alegações reiterando os argumentos das peças processuais iniciais. 

 

 

II.            Saneador

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

III.          Do mérito

 

III-1 – Da matéria de facto

 

Factos provados

 

Julgam-se provados os seguintes factos, em que a convicção do Tribunal se fundou no teor do processo administrativo e nas posições assumidas por ambas as partes:

a)            A Requerente reveste a forma jurídica de sociedade comercial anónima, com sede social e direcção efectiva em território nacional, encontra-se sujeita ao regime geral de IRC na qualidade de sujeito passivo residente;

b)           A Requerente exerce a atividade bancária, encontrando-se, nessa qualidade, sujeita à supervisão do Banco de Portugal;

c)            Em 31 de Maio de 2016, a Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos de IRC (“modelo 22”) relativa ao período de tributação de 2015, o qual coincide com o ano civil;

d)           Na referida declaração, a Requerente deduziu, no campo 704 do quadro 07, uma variação patrimonial negativa no valor de € 1.338.667,96, discriminados da seguinte forma: (i) perda actuarial de € 829.596,00 ao nível das responsabilidades passadas com pensionistas e reformados, (ii) perda actuarial de € 212.731,07 referente à situação patrimonial de pensionistas reformados e (iii) € 296.340,89 proveniente da transição para as NCAs realizada no exercício de 2005;

e)           Foi acrescido no Campo 723 do Quadro 07, a título de realizações de utilidade social não dedutíveis, o valor de € 250.314,68;

f)            O resultado final da declaração periódica de rendimentos consistiu no apuramento de IRC liquidado de € 10.553.343,13, que se traduziu num montante a recuperar de € 6.505.088,71;

g)            O relatório actuarial do Plano de Pensões do A..., referente ao exercício de 2015, apresenta os seguintes ganhos e perdas:

             Total de perdas actuariais: € 6.299.866,00

             Valor das perdas para activos: € 3.675.370,00

             Valor das perdas para ex-colaboradores com direitos adquiridos: € 1.527.654,00

             Valor das perdas para reformados / pensionistas:  1.096.842,00;

h)           No quadro «ganhos e perdas atuariais» do relatório atuarial consta que, relativamente aos reformados e pensionistas, foram apuradas as seguintes perdas:

             Perdas resultantes de reconciliação anterior: € 829.596,00

             Perdas resultantes das contribuições de colaboradores/pagamento de benefícios - € 53.689,00 (sendo que a este valor deverá ser acrescida a importância de

€ 824,93, decorrente do valor inscrito no Campo 704 da Declaração Modelo 22 de IRC, perfazendo € 54.513,93)

             Perdas financeiras (desvios Fundo Pensões) - € 213.556,00;

i)             No quadro «ganhos e perdas atuariais» do relatório atuarial consta que, relativamente aos ex-colaboradores, foram apurados os seguintes valores:

             Perdas resultantes de reconciliação anterior - € 955.841,00

             Ganhos resultantes das contribuições de colaboradores/pagamentos de benefícios - € 2.260,00

             Perdas financeiras por desvio do Fundo de Pensões)

€ 574.073,00, perfazendo um total de perdas de € 1.527.654,00

j)             As responsabilidades por serviços passados de ex-colaboradores com direitos adquiridos em apreço decorrem do previsto na cláusula 140.ª (“Reconhecimento de direito em caso de cessação do contrato de trabalho”) do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) outorgado pela FEBASE – Federação do Setor Financeiro e pelas várias Instituições de Crédito, cujo texto consolidado foi publicado no BTE, 1.ª série, n.º 3, de 22 de janeiro de 2011, com as alterações publicadas no BTE, 1.ª série, n.º 8, de 29 de fevereiro de 2012;

k)            Atualmente, as referidas responsabilidades têm enquadramento legal na cláusula 98.ª (“Reconhecimento de direito em caso de cessação do contrato de trabalho”) do novo ACT do setor Bancário, cujo texto foi publicado no BTE n.º 29, de 8 de agosto de 2016, o qual revogou e substitui o anterior ACT.

l)             Foi efetuada uma contribuição para o Fundo de Pensões, no montante de

€ 6.750.000,00, em 31 de dezembro de 2015;

m)          O saldo inicial da conta #50 – Fundo de Pensões do balancete de 2015 apresenta o mesmo valor que o saldo final da mesma conta do balancete de 2014

(- € 358.001,17), e o saldo final negativo ascende a € 1.587.519,00;

n)           A contribuição efetuada para o Fundo de Pensões encontra-se registada a débito na conta #501 – Valor Patrimonial do Fundo de Pensões;

o)           A conta #701 – Remunerações de Empregados do balancete de 2015 registava um saldo no montante de € 11.641.541,78;

p)           As perdas totais com ex-colaboradores, no montante de € 1.527.654,00, respeitam a direitos adquiridos e não individualizados, não tendo sido objeto de tributação em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”);

q)           O Fundo de Pensões da Requerente, tal como os demais fundos de pensões do sistema bancário, constitui um fundo de pensões de benefício definido, na medida em que os benefícios (elemento fixo) se encontram definidos e as contribuições (elemento variável) são apuradas de forma a assegurar o financiamento de tais benefícios;

r)            Após a entrega de declaração periódica de rendimentos, a Requerente reanalisou as variações patrimoniais negativas contabilizadas nesses exercício de 2015, tendo concluído que, por lapso, não considerou como fiscalmente dedutíveis (i) uma parte das perdas actuariais referentes a responsabilidades assumidas com pensionistas, no valor de € 54.513,93 e (ii) a totalidade das perdas actuariais relativas a responsabilidades por serviços passados de ex-colaboradores com direitos adquiridos, no valor de € 1.527.654,00, na medida em que tais responsabilidades haviam sido integralmente financiadas (i. e. as contribuições foram pagas ao Fundo de Pensões);

s)            O acréscimo da dedução das duas aludidas variações patrimoniais negativas levaria a que o valor total das perdas actuariais se fixasse em € 2.920.835,89

(€ 1.338.667,96 + € 54.513,93 + € 1.527.654,00);

t)            A Requerente apresentou reclamação graciosa do acto tributário de autoliquidação, solicitando a correcção da autoliquidação pelo referido valor total e negativo de € 1.527,654,00);

u)           Em 13 de Novembro de 2018, a Requerente foi notificada do projecto de decisão, no qual a Requerida se propunha deferir parcialmente a reclamação graciosa. Concretamente, a Requerida propôs a aceitação da dedução da perda actuarial respeitante às responsabilidades com pensionistas no valor de € 54.513,93;

v)            Quanto às perdas atuariais por responsabilidades passadas com ex-colaboradores, no valor de € 1.527.654,00, a Requerida propôs o correspondente indeferimento;

w)          A Requerente exerceu o direito de audição prévia, sendo que a Requerida não alterou o projecto de decisão;

x)            Em 22 de Janeiro de 2019, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa; e

y)            Em 8 de Outubro de 2020, a Requerente foi notificada da decisão do recurso hierárquico, na qual a Requerida manteve a decisão de (i) deferir a dedução de € 54.513,93 referente às responsabilidades perante pensionistas e (ii) indeferir a dedução de € 1.527.654,00 respeitante às responsabilidades com ex-colaboradores.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer outros factos, com relevância para a decisão arbitral, a julgar como não provados.

 

 

III-1 – Do Direito

 

São as seguintes as questões a dilucidar no presente processo:

(A) Se existe vício de falta de fundamentação (artigos 58.º a 63.º e 75.º a 77.º do pedido de pronúncia arbitral);

(B) Se deve ser julgada ilegal, e portanto anulada, a decisão sobre o recurso hierárquico, na parte em que declara inaplicável o regime de dedutibilidade consagrado na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC às contribuições suplementares entregues pelo Requerente ao fundo de pensões no exercício de 2015, no valor de € 1.527.654,00, para cobertura de perdas atuariais por responsabilidades com ex-colaboradores com benefícios adquiridos (artigos 34.º e 37.º a 80.º do pedido de pronúncia arbitral);

(C) Subsidiariamente – caso este Tribunal Arbitral entenda improcedente a arguição de ilegalidade objeto da análise precedente – se deve ser julgada ilegal a referida decisão na parte em que declara que às referidas contribuições suplementares se aplica o regime fixado no n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC (artigos 35.º e 81.º a 105.º do pedido de pronúncia arbitral);

(D) Subsidiariamente – caso este Tribunal Arbitral entenda não julgar também ilegal a decisão na parte em que declara que às referidas contribuições suplementares se aplica o regime fixado no n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC – se lhes é aplicável o regime previsto no n.º 12 do artigo 18.º do Código do IRC (artigos 36.º e 106.º a 126.º do pedido de pronúncia arbitral);

(E) Se existe direito a juros indemnizatórios (artigos 127.º a 136.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

Passamos a apreciar e resolver cada uma das questões elencadas, sem prejuízo de o entendimento firmado relativamente a alguma poder fazer precludir o conhecimento de outras.

 

(A) Se existe vício de falta ou insuficiência de fundamentação

 

O Requerente alega a existência deste vício relativamente a dois pontos da decisão final que recaiu sobre o recurso hierárquico que apresentou:

 

(A–a) Um desses pontos (artigos 58.º a 63.º do pedido de pronúncia arbitral, 33.º a 36.º das alegações) é aquele em que na decisão final se escreve o seguinte:

«na PIV n.º 11376, no contexto do enquadramento em sede de IRS, dos rendimentos auferidos por beneficiários de fundos de pensões, só é utilizada a expressão “direitos adquiridos” e não a expressão “direitos adquiridos e individualizados”» [IV. B. 12]; «apesar de essa afirmação ser verdadeira, uma vez que não é dito expressamente “direitos adquiridos e individualizados”, isto está subentendido, na medida em que, na referida informação, se conclui que, estando em causa responsabilidades passadas com ex-colaboradores, estas podem ser aceites como gastos nos termos do artigo 23.º do CIRC» [IV. B. 13].

 

Alega o Requerente que «uma fundamentação da Autoridade Tributária com base num entendimento de “subentendido” viola o “dever constitucional e legal de fundamentar os atos administrativos de um modo expresso, racional, coerente, suficiente e claro”, dever que está consagrado no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo.»

 

Na verdade, a decisão sobre o recurso hierárquico prossegue afirmando que «o artigo 23.°, n.° 2, alínea d) do CIRC abrange os gastos relativos a contribuições para fundos de pensões que, na ótica do ex-trabalhador, sejam consideradas como rendimentos do trabalho dependente (uma vez que são obtidos em razão da prestação de trabalho àquela entidade), nos termos da subalínea i) do n ° 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, isto é, contribuições para fundos de pensões que respeitam a direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários» [IV. B. 14].

 

Porém, sobre esta conexão necessária entre remissão feita no PIV em questão para o regime do artigo 23.º do CIRC e o corolário da aplicação dos requisitos de tributação em IRS nos termos da subalínea i) do n ° 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do respetivo Código, também o Requerente expressa a sua discordância, afirmando que «o enquadramento apresentado pela Autoridade Tributária não se encontra previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, não resultando, portanto, nem da lei, nem da mencionada Ficha Doutrinária, que a dedutibilidade fiscal das perdas atuariais em análise, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, está condicionada à sua classificação como rendimento do trabalho dependente em sede de IRS.»

 

A alegada falta ou insuficiência de fundamentação, a dever dar-se por verificada, assentaria na incognoscibilidade ou obscuridade do sentido, pelo que o juízo a fazer sobre o cumprimento do dever de fundamentação – nos termos em que este vem estatuído no artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo, com a densificação constante do n.º 2 do artigo 153.º, do mesmo diploma, e no n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária – incide sobre a suficiência contextual desta específica explicitação de razões para permitir ao destinatário conhecer, sem obscuridade, o sentido da interpretação feita, para o decisor do recurso hierárquico concluir que o referido PIV comporta implicitamente o pressuposto da individualização dos direitos.

 

Se a boa interpretação a fazer do PIV – seja qual for o valor jurídico a retirar deste, no caso sub iudice – é a que defende o Requerente, ou é a que vem sustentada na decisão do recurso hierárquico, pode carecer de constituir objeto de ulterior análise de substância, mas pelos próprios termos da arguição do Requerente de imediato se alcança que, no fundo, este não considera a fundamentação expressa pela AT impediente de permitir compreender e analisar criticamente o iter cognoscitivo e valorativo desta.

 

A questão é que o Requerente discorda de que, em razão da remissão feita no PIV n.º 11376 para os “termos do artigo 23.º do CIRC”, esteja efetivamente “subentendido” neste que a expressão “direitos adquiridos” comporta implicitamente o requisito de serem também “individualizados”, pela razão de que, na sua interpretação, o regime da alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC não “subentende” a aplicação dos requisitos de tributação em IRS nos termos da subalínea i) do n ° 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do respetivo Código.

 

Não se considera, pois, verificado o alegado vício de falta ou insuficiência de fundamentação.

 

(A–b) O segundo dos pontos relativamente ao qual o Requerente alega (nos artigos 75.º a 77.º do pedido de pronúncia arbitral, 50.º a 52.º das alegações) falta ou insuficiência de fundamentação é aquele em que na decisão sobre o recurso hierárquico se afirma:

«Tem sido entendido pela AT que, estando em questão contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades com pensões devidas em consequência de alterações nos pressupostos atuariais e, que na esfera dos beneficiários, correspondem a “meras expectativas”, o seu enquadramento deverá ser efetuado ao abrigo do artigo 43.º do CIRC» [IV. B. 5], com anotação em pé-de-página sobre o “PIV n.º 907, sancionada por despacho de 1 de novembro de 2013 da Subdiretora-Geral do Imposto sobre o Rendimento e das Relações Internacionais”.

 

Segundo o Requerente, o mencionado PIV n.º 907 «não se encontra disponível no Portal das Finanças, tal como também não foi disponibilizado, não sendo possível ao Requerente consultar a informação mencionada pela Autoridade Tributária», pelo que «o entendimento da Autoridade Tributária padece uma vez mais de fundamentação [sic], sendo que tal atinge o dever de fundamentação da Autoridade Tributária nas suas decisões, dever que está consagrado no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo».

 

Salvo o devido respeito, o Requerente parece não entender que a AT não fundamentou a decisão sobre o recurso hierárquico no referido PIV n.º 907, mas numa dada interpretação do regime jurídico-tributário, que se julga dotado de clareza contextual (veremos adiante se merecedora de validação jurídica), limitando-se a nota de pé-de-página a ilustrar a afirmação de que “[t]em sido entendido pela AT que, estando em questão contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades com pensões devidas em consequência de alterações nos pressupostos atuariais e, que na esfera dos beneficiários, correspondem a “meras expectativas”, o seu enquadramento deverá ser efetuado ao abrigo do artigo 43.º do CIRC.

 

Se a referência ao PIV n.º 907 – textualmente ilustrativa do entendimento que a AT afirma tem sido o adotado – fosse julgada merecedora de conhecimento necessário pelo Requerente para compreender a fundamentação, poderia, como vem arguir na sua resposta a Requerida, o Requerente ter requerido a notificação dos elementos que considerava omitidos, mediante pedido de certidão, nos termos do disposto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

O Requerente limita-se à afirmação de que “também não foi disponibilizado”, sem deixar constância de que requereu essa disponibilização. Perante a resposta da AT, poderia o Requerente, nas suas alegações, ter aproveitado para clarificar que tinha efetivamente requerido certidão desse elemento que considerava em falta, mas também não o fez, repetindo apenas a afirmação constante do pedido de pronúncia arbitral.

 

Não considera, pois, o Tribunal, também a este trecho, verificado o apontado vício de falta ou insuficiência de fundamentação.

 

(B) Se deve ser julgada ilegal, e portanto anulada, a decisão sobre o recurso hierárquico, na parte em que declara inaplicável o regime de dedutibilidade consagrado na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC às contribuições suplementares entregues pelo Requerente ao fundo de pensões no exercício de 2015, no valor de € 1.527.654,00, para cobertura de perdas atuariais por responsabilidades com ex-colaboradores com benefícios adquiridos

 

Como se sintetizou no Relatório da presente decisão, a Requerida manteve, na decisão final do recurso hierárquico, a não aceitação da dedução fiscal, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, das referidas contribuições suplementares e deixou afirmado que tal dedução só seria possível ao abrigo do regime do artigo 43.º do mesmo Código, com as limitações impostas no n.º 7 do referido artigo.

 

É esta interpretação e aplicação da lei que o Requerente ataca como sendo ilegal, propugnando pela interpretação com resultado oposto, segundo a qual a dedutibilidade fiscal do mencionado valor tem efetivamente enquadramento na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC.

 

Para sustentar a sua posição, o Requerente:

 

– Por um lado, pugna por uma interpretação do regime de dedutibilidade consagrado no n.º 1 e no proémio e na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, segundo a qual nestes preceitos não se condiciona a dedutibilidade fiscal à tributação das importâncias em causa, como rendimentos do trabalho dependente dos beneficiários com direitos adquiridos, no exercício em que são feitas as contribuições (em concreto, as tornadas necessárias em função do resultado da avaliação atuarial), tributação que pressuporia a individualização do benefício e a correlativa subsunção do rendimento na subalínea i) do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

 

Por outras palavras, o Requerente aceita que, uma vez que os valores existentes no fundo de pensões não se encontram alocados individualmente a cada beneficiário – as contribuições efetuadas não são nominativas nem individuais – e portanto cobrem direitos adquiridos mas não individualizados, as mesmas não são, nem poderiam ser, qualificadas como rendimentos do trabalho dependente dos ex-colaboradores, com enquadramento na referida subalínea i) do ponto 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, mas defende que tal não afasta a dedutibilidade em IRC ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º.

 

– Por outro lado, e na verdade é esta a fundamentação que parece nuclear na concreta formulação do pedido de pronúncia arbitral – como o havia sido na reclamação graciosa e no recurso hierárquico –, o Requerente suporta-se no segmento da Ficha Doutrinária n.º 3688/2016 no qual, literalmente, se conexiona a aceitação da dedução fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC, e não do artigo 43.º, das perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-trabalhadores, no exercício em que se procede ao reconhecimento das alterações dos pressupostos atuariais e se efetua a contribuição respetiva, com serem “responsabilidades passadas com os ex-trabalhadores com direitos adquiridos”, portanto sem nela constar referência textual a que tais direitos sejam também individualizados, e reforça esse suporte com a referência à redação dos pontos 9 e 13 do PIV n.º 11376 (que esteve na origem daquela Ficha Doutrinária), com teor literal naturalmente não divergente, daí pretendendo derivar uma tutela para a sua pretensão derivada dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.

 

Temos, assim, duas ordens de questões a dilucidar e decidir:

(B–a) – se deve ser havida por contra legem a decisão que recusou a dedutibilidade do valor das contribuições entregues ao fundo de pensões, no exercício de 2015, para cobertura de perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-trabalhadores com direitos adquiridos, mas não individualizados, no âmbito do regime dos encargos dedutíveis fixado no artigo 23.º do Código do IRC, em concreto, n.º 1 e proémio e alínea d) do n.º 2;

(B–b) – que efeitos jurídicos atribuir à existência e teor da Ficha Doutrinária n.º 3688/2016, em particular na interpretação do Requerente, segundo a qual aquela, ao não a referir expressis verbis (na versão original), afasto requisito da individualização, à subsequente alteração / atualização da dita Ficha, com aditamento a “direitos adquiridos” do segmento “e individualizados”, e à pretendida tutela ao abrigo dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.

 

(B–a) – Apreciação sobre se deve ser havida por contra legem a decisão que recusou a dedutibilidade das contribuições no âmbito de regime dos encargos dedutíveis disciplinado pelo artigo 23.º do Código do IRC, em concreto pelo n.º 1 e proémio e alínea d) do n.º 2:

 

Por força do disposto na referida alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º, são dedutíveis as contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados. Na verdade, este preceito não sujeita a dedutibilidade ao requisito de que sejam tais contribuições consideradas rendimentos de trabalho dependente dos beneficiários dos fundos de pensões ou dos regimes complementares da segurança social.

 

Porém, o dispositivo não pode ser interpretado isoladamente e com mero recurso ao elemento literal. Antes, carece de interpretação sistemática, em particular de ser lido em conjugação com o que se dispõe no n.º 12 do artigo 18.º do Código:

 

«Exceto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 43.º, os gastos relativos a benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, são imputáveis ao período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respetivos beneficiários.»

 

Este n.º 12 do artigo 18.º constitui essencialmente uma renumeração – operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, que procedeu à adaptação do Código às normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho – do preceito que foi o n.º 4 do artigo 23.º:

 

«Artigo 23.º Custos ou perdas

1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

[…]

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

[…]

4 - Exceto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 40.º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.»

 

A opção de política tributária ali plasmada é de enunciação linear, quando se faz a interpretação sistemática dos vários enunciados normativos do artigo 23.º. Assim, nos termos do regime anterior: – as contribuições para fundos de pensões e para regimes complementares de segurança social, ou (i) são enquadradas como rendimentos de trabalho dependente, nos termos da (então) primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, e nesse pressuposto são dedutíveis nos termos da alínea d) do (então) n.º 1 do artigo 23.º, ou (ii) estão abrangidas pelo regime das “realizações de utilidade social” regulado pelo (então) artigo 40.º, e nesse pressuposto são dedutíveis nos termos permitidos por este último preceito, ou (iii) não são aceites como gastos dedutíveis.

 

Além da renumeração, foi introduzida a alteração por força da qual, quando não consideradas rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS – e portanto não dedutíveis nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º –, nem abrangidas pelo regime das “realizações de utilidade social” regulado pelo artigo 43.º (anterior artigo 40.º), e portanto também não dedutíveis nos termos deste preceito, são dedutíveis no período de tributação em que as importâncias venham a ser pagas ou colocadas à disposição dos respetivos beneficiários.

 

Ou seja, a anterior inserção sistemática não dava azo a dúvida interpretativa razoável relativamente ao regime de conexão necessária entre a dedutibilidade fiscal deste tipo de encargos, no exercício em que tem lugar o gasto, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º, e a tributação dos benefícios como rendimentos do trabalho dependente na esfera dos beneficiários, nesse mesmo exercício, o que tem como premissa a individualização do benefício / rendimentos por beneficiários. E este regime de conexão necessária – nunca questionado em termos razoavelmente sustentados – tem, portanto, várias décadas de consagração no Código do IRC.

 

Concluindo, o enquadramento de política tributária, como há muito consagrado no Código do IRC, relativamente à dedutibilidade fiscal, na esfera da entidade que as realiza, de contribuições para fundos de pensões e para regimes complementares de segurança social, decompõe-se na seguinte matriz de situações e correspondentes regimes:

(1) havendo individualização por beneficiários, são compreendidas na previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º e são dedutíveis, na totalidade, no exercício em que tem lugar o gasto, estando os beneficiários sujeitos a tributação sobre o correspondente rendimento, no mesmo exercício, por força do disposto na subalínea i) do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, portanto como rendimentos do trabalho dependente;

(2) não havendo tributação como rendimentos do trabalho dependente, mas estando abrangidas pelo regime das “realizações de utilidade social” regulado pelo artigo 43.º, são dedutíveis nos termos permitidos por este último preceito;

(3) não havendo tributação como rendimentos do trabalho dependente, nem estando abrangidas pelo regime das “realizações de utilidade social” regulado pelo artigo 43.º, são – após a modificação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho – dedutíveis no exercício em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respetivos beneficiários.

 

A este quadro normativo estruturante há que aditar o regime especial relativo às contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos, quando efetuadas em consequência de alteração dos pressupostos atuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades, reportados à data da constituição do fundo de pensões ou à data em que as responsabilidades foram transferidas. Regime especial este que está definido no n.º 7 do artigo 43.º do Código do CIRC.

 

Decidindo, não se tem por contra legem a decisão que recusou a dedutibilidade no âmbito do regime dos encargos dedutíveis fixado no artigo 23.º do Código do IRC, em concreto, n.º 1 e proémio e alínea d) do n.º 2, das contribuições entregues ao fundo de pensões, no exercício de 2015, para cobertura de perdas atuariais associadas a responsabilidades com ex-trabalhadores com direitos adquiridos, mas não individualizados.

 

(B–b) – Apreciação do efeito jurídico da Ficha Doutrinária n.º 3688/2016, em particular sobre a pretendida tutela jurídica ao abrigo dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança:

 

Importa começar por traçar o quadro normativo aplicável, nas suas linhas essenciais:

(i) a prestação de informações vinculativas constitui afloramento do princípio da colaboração da AT com os contribuintes [alínea e) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT];

(ii) a AT «está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias» (n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT), o que se deve ter por constituir concretização dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança;

(iii) a AT «deve proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser» (n.º 3 do artigo 68.º-A da LGT), o que se deve ter por constituir concretização dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.

 

Este quadro normativo é de natureza essencial no relacionamento entre a AT e os contribuintes, decorrendo de – e concretizando – princípios com assento constitucional e legal. Em particular, como decorre dos postulados do Requerente, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança vedam à AT – sob pena de ilegalidade – decidir em desconformidade com as suas próprias informações vinculativas, pelo menos na relação com os contribuintes que as requereram, e, mais latamente, com as orientações genéricas, sejam quais forem as formas ou designações destas, perante o universo dos contribuintes.

 

Não se reconhece mérito, a este passo, e salvo o devido respeito, à arguição da Requerida, quando refere que o PIV n.º 11376 vincula «apenas a AT e em relação àquele caso concreto, e mais ninguém, conforme resulta do disposto no artigo 68.º, n.º 14, da LGT […], sendo, por isso, um ato interno», que portanto «não detém qualquer eficácia externa» (artigos 50.º a 52.º da resposta).

 

Tal arguição corresponde a desconsiderar que a Ficha Doutrinária n.º 3688/2016, elaborada precisamente com base no referido PIV, constitui “orientação genérica”, para os efeitos do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT. Na verdade, o que é uma ficha doutrinária se não for uma ficha de fixação da “doutrina” administrativa da AT?

 

Porém, entende este Tribunal – concordando com os referidos postulados do Requerente – que aos princípios invocados não pode o intérprete e aplicador do Direito pretender dar eficácia preceptiva bastante para lhes conferir efeito de tutela jurídica, através da declaração de ilegalidade de uma decisão que, afinal, se sustenta numa certa e explicada interpretação da Ficha Doutrinária n.º 3688/2016, no sentido de na mesma estar subentendido o requisito da individualização do benefício que é contrapartida das contribuições, ou, no caso vertente, das contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios definidos em consequência de alteração dos pressupostos atuariais.

 

Não pode ser suscetível de tutela jurídica um efeito de pretensa vinculação a uma doutrina administrativa, numa interpretação, como a que dela faz o Requerente, que a tornaria patentemente contra legem, violando frontalmente o princípio da legalidade da atividade administrativa.

 

O entendimento também explicitado pela Requerida, de estar subentendido o requisito de individualização, é – diga-se com frontalidade – o único com sustentabilidade hermenêutica (e de lógica deôntica), relativamente a um regime legal que vigora consistentemente há décadas, que se deixou traçado no precedente ponto (B–a).

 

Neste quadro, a alteração da Ficha Doutrinária n.º 3688/2016, pela qual foi aditado a “direitos adquiridos” o segmento “e individualizados”, corresponde à clarificação do sentido da mesma – eventualmente merecedora de juízos menos abonatórios quanto ao aparente descuido formal original num texto de doutrina administrativa, que, por isso mesmo, deveria ser rigoroso –, mas no único sentido legalmente admissível, pelo que bem pode ter-se por de alteração de natureza interpretativa, à semelhança das que amiúde se operam em textos legislativos.

 

Não existe tutela jurídica possível, ao abrigo dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, a partir de uma dada interpretação da Ficha Doutrinária n.º 3688/2016, que a tornaria contra legem, que possa levar a um juízo de ilegalidade da decisão sobre o recurso hierárquico.

 

É, também, o que, em substância, vem afirmado pela Requerida: «[…] mesmo considerando, sem conceder, que a AT atuou em sentido diferente da informação prestada no PIV n.º 3688/2016, o que não ocorreu, sempre se dirá que […] o fundamento último e essencial das decisões controvertidas prendem-se com os factos e as normas legais aplicáveis ao seu caso concreto. E é essa fundamentação, constante das decisões controvertidas, que o Tribunal terá que apreciar, por forma a determinar se ocorreu ou não a violação do regime legal aplicado pela AT in casu» (artigos 54.º e 55.º da resposta).

 

(C) Entendendo-se improcedente a arguição de ilegalidade por violação do regime de dedutibilidade consagrado na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, importa apreciar se deve ser julgada ilegal a decisão sobre o recurso hierárquico, na parte em que declara que às contribuições suplementares entregues pelo Requerente ao fundo de pensões no exercício de 2015, para cobertura de perdas atuariais por responsabilidades com ex-colaboradores com benefícios adquiridos, se aplica o regime fixado no n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC, portanto recusando a aplicação do regime consagrado no referido artigo 43.º para contribuições por perdas atuariais por responsabilidades com pensionistas.

 

As contribuições por perdas atuariais referentes a responsabilidades com pensionistas são dedutíveis ao abrigo do disposto no n.º 8 do artigo 43.º do Código do IRC, norma que afasta a aplicação da limitação prevista na alínea b) do n.º 7 do mesmo artigo. A reclamação graciosa da ora Requerente foi deferida precisamente quanto a estas, aceitando a AT a dedutibilidade de € 53.689,00 (ajustado para € 54.513,93, por adição do valor de € 824,93).

 

É juridicamente sustentável estender o tratamento tributário das contribuições por perdas atuariais referentes a responsabilidades com pensionistas às contribuições por perdas atuariais referentes a responsabilidades assumidas com ex-trabalhadores?

 

O preceito em causa tem a seguinte redação:

«7 - As contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios previstos no n.º 2, quando efetuadas em consequência de alteração dos pressupostos atuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades, reportados à data da celebração do contrato de seguro ou da constituição do fundo de pensões ou à data em que as responsabilidades foram transferidas, e desde que devidamente certificadas pelas entidades competentes, podem também ser aceites como gastos nos seguintes termos:

a) No período de tributação em que sejam efetuadas, num prazo máximo de 5, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos atuariais ou a transferência de responsabilidades;

b) Na parte em que não excedam o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos n.ºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos atuariais e os valores das contribuições efetuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos de tributação.»

 

A argumentação do Requerente é, em larga extensão, dirigida a demonstrar que o regime constante do preceito, com os concretos limites ali fixados, se mostra desajustado à realidade a que se aplica, conduzindo, em situações de não estabilidade temporal dos pressupostos atuariais, antes de alteração anual significativa, como atualmente se verifica, a uma dedutibilidade reduzida, no limite, a uma dedutibilidade zero, portanto à desconsideração fiscal das contribuições suplementares decorrentes da alteração dos pressupostos atuariais.

 

Nesta parte, é argumentação dirigida contra a própria solução consagrada na lei, ou contra a calibração feita pelo legislador dos concretos limites que aí entendeu fixar, portanto matéria que extravasa o âmbito da apreciação arbitral (ou judicial), salvo se houvesse arguição de inconstitucionalidade.

 

Porém, daí faz derivar o Requerente a ilação de que é “errónea” a interpretação da AT de enquadrar as responsabilidades por serviços passados com ex-colaboradores no regime constante do n.º 7 do artigo 43.º, antes defendendo a aplicação do artigo 43.º «nas condições previstas para os pensionistas, logo, sem limites de dedutibilidade fiscal, por aplicação analógica ao caso do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRC, com o afastamento da aplicação do n.º 7».

 

Não tem razão. A subsunção das contribuições em causa à previsão do n.º 7 do artigo 43.º é unívoca. O âmbito desta previsão está definido, precisamente, como sendo o das contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios previstos no n.º 2 – designadamente, contribuições para fundos de pensões –, quando efetuadas em consequência de alteração dos pressupostos atuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades.

 

E não tem cabimento a hipótese do afastamento da aplicação do referido n.º 7 do artigo 43.º pela razão de no n.º 2 – para que aquele remete para fixar o âmbito de aplicação – se referir «fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa», daí pretendendo derivar uma não subsunção quando as responsabilidades cobertas são as relativas a direitos adquiridos de ex-trabalhadores (artigos 92.º a 94.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

As contribuições em causa destinam-se a manter o valor do fundo, para fazer face às responsabilidades para com beneficiários com direitos adquiridos cobertos pelo plano de pensões, compensando as perdas atuariais entretanto apuradas. Ora, os ‘direitos adquiridos’ são os direitos dos trabalhadores do Requerente a virem a receber uma pensão, na idade legal de passagem à reforma, com um valor definido, direitos esses que se mantêm quando da cessação do contrato de trabalho e, portanto, a passagem à condição de ex-trabalhadores.

 

É esta tipologia de situações, no seu todo, que está em abstrato prevista no n.º 7 do artigo 43.,º do Código do IRC.

 

O Requerente pretende ainda ver aplicado a estas contribuições o regime do n.º 2 do artigo 43.º, sem sujeição ao n.º 7 e respetivos limites, por analogia com a situação dos pensionistas, relativamente aos quais não se aplica limite de dedutibilidade fiscal. A razão avançada para identificar aqui ‘caso análogo’ é a de que, tal como os gastos com pensionistas não influenciam a massa salarial e, nos termos do n.º 8, estão fora da base para o cálculo do limite de 15% fixado no n.º 2, também os gastos com as contribuições em causa, por serem relativas a ex-trabalhadores, não deveriam contar para o referido limite.

 

Também quanto a este ponto não tem razão, porquanto inexiste lacuna, com o devido respeito pelo esforço demonstrativo da existência da mesma e pela explicação do resultado da técnica de integração que o Requerente faz (artigos 94.º a 100.º, 103.º e 105.º do pedido de pronúncia arbitral). Que inexiste lacuna, segundo a interpretação que se tem por rigorosa do n.º 7 do artigo 43.º, já acima se demonstrou.

 

Consequentemente, não é de julgar ilegal a decisão sobre o recurso hierárquico, na parte em que declara que às contribuições suplementares entregues pelo Requerente ao fundo de pensões no exercício de 2015, para cobertura de perdas atuariais por responsabilidades com ex-colaboradores com benefícios adquiridos, se aplica o regime fixado no n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC.

 

(D) Entendendo-se improcedente a arguição de ilegalidade da decisão sobre o recurso hierárquico, na parte em que declara que às referidas contribuições suplementares se aplica o regime fixado no n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC, importa apreciar se lhes é aplicável o regime previsto no n.º 12 do artigo 18.º do Código do IRC.

 

Recorda-se que este preceito, já transcrito acima, dispõe assim:

«Exceto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 43.º, os gastos relativos a benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, são imputáveis ao período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respetivos beneficiários.»

 

O Requerente pretende, pois, que se declare ilegal a decisão sobre o recurso hierárquico, na parte em que esta declara que às contribuições suplementares que estão em causa não é aplicável o regime previsto no n.º 12 do artigo 18.º do Código do IRC, o qual permitiria que viessem a ser dedutíveis – na medida do excesso sobre os limites estabelecidos no n.º 7 do artigo 43.º – em períodos de tributação ulteriores, «em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respetivos beneficiários».

 

As razões aduzidas, centradas em raciocínios próximos dos de equidade (em particular, o de que entender os limites fixados no n.º 7 do artigo 43.º como ‘absolutos’, sem sequer a ‘válvula de escape’ da parte final do n.º 12 do artigo 18.º, tem como resultado prático vedar a dedutibilidade de um gasto efetivamente suportado), e os seus corolários em matéria de tributação do lucro real, podem ser meritórias. Porém, não pode este Tribunal Arbitral fazer qualquer apreciação que extravase a incidente sobre a legalidade, ex lex lata, da decisão da AT que vem questionada.

 

E mesmo nos estritos parâmetros da legalidade, que naturalmente comportam – têm por objeto último – a fixação do sentido das normas aplicáveis, o que legitima procurar o sentido que corresponda à melhor interpretação, suportado em todos os elementos desta, decorre de toda a apreciação já feita por este Tribunal, relativamente ao pedido principal e ao primeiro pedido subsidiário, que, sob pena de contradição lógica evidente, se tem que entender não verificado o pressuposto necessário para a aplicabilidade residual ou “supletiva” da parte final do n.º 12 do artigo 18.º, que seria o da não aplicação ao caso do disposto no artigo 43.º.

 

Fixado que está que o artigo 43.º tem aplicação às contribuições suplementares que estão em causa, em particular o respetivo n.º 7, fica igualmente claro o corolário desse entendimento: é inaplicável o n.º 12 do artigo 18.º do Código.

 

Assim, não é de julgar ilegal a decisão sobre o recurso hierárquico, na parte em que declara que às contribuições suplementares entregues pelo Requerente ao fundo de pensões no exercício de 2015, para cobertura de perdas atuariais por responsabilidades com ex-colaboradores com benefícios adquiridos, se não aplica o regime fixado no n.º 12 do artigo 18.º do Código do IRC.

 

Neste mesmo contexto, “esclarece” ainda o Requerente que, «face aos princípios da proporcionalidade, da tributação em função da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente pelo rendimento real e da propriedade privada, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 62.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa, não pode resultar outro comando que não a dedutibilidade, ainda que em momento incerto, dos gastos ora em apreço»

(artigo 116.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

O Tribunal tem, quanto a esta invocação de princípios constitucionais, entendimento que não diverge do veiculado na resposta da Requerida. Em síntese, os princípios da capacidade contributiva e da tributação fundamentalmente pelo rendimento real comportam múltiplos recortes, que não foram julgados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, com efeitos variáveis de afastamento da tributação pelo lucro real, já de si matizada pelo advérbio ‘fundamentalmente’.

 

Este Tribunal não considera inconstitucional o quadro normativo aplicável, na interpretação em que este limita a dedutibilidade fiscal das contribuições em causa nos termos fixados pelo n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC e em que, em razão da factualidade existente, pode, no limite, conduzir à indedutibilidade dos valores excedentes aos referidos limites.

 

Para este entendimento não pode, aliás, deixar de ter em conta que o quadro normativo aplicável contém um mecanismo que permite ao regulador sectorial adotar regras que quebram ou mitigam a ‘dureza’ dos limites legais de dedutibilidade, constante do n.º 13 do artigo 43.º, e que importaria maior proximidade do gasto fiscalmente aceite ao gasto contabilístico. Aliás, o próprio Requerente alude a este mecanismo (artigo 86.º do pedido de pronúncia arbitral), para referir que «seria necessário, a título exemplificativo, que o Banco de Portugal tivesse a iniciativa de estabelecer, previamente, um (novo) período transitório decorrente da aplicação da NIC 19, considerando o impacto superveniente da aplicação desta norma na esfera das entidades por si supervisionadas».

 

O Tribunal não se pronuncia sobre a matéria dos artigos 118.º a 126.º do pedido de pronúncia arbitral, qual seja a de esclarecer qual o método mais indicado para aferir o momento em que as responsabilidades em causa poderão, em exercícios futuros, ser fiscalmente reconhecidas, isto no pressuposto interpretativo de que o n.º 12 do artigo 18.º do Código do IRC permite o reconhecimento, mas não fixa de que modo e quando o mesmo se fará. Em primeiro lugar, porque o Requerente acaba por não formular qualquer pedido nesse sentido. Por outro lado,  não se contém nas atribuições e poderes do Tribunal esclarecer em abstrato se e como se aplica qualquer disposição legal.

 

(E) Se existe direito a juros indemnizatórios

 

Improcedendo na totalidade o pedido de pronúncia arbitral, inexiste ipso iure que tratar do eventual direito a juros indemnizatórios.

 

IV.          Decisão

 

Termos em que o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

V.           Valor do Processo

 

O Requerente fixou como valor do processo € 466.739,54 (quatrocentos e sessenta e seis mil, setecentos e trinta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), calculado pelo valor do IRC incidente sobre a variação patrimonial negativa por perdas atuariais cuja dedutibilidade fiscal constitui o pedido mediato no presente processo.

Este valor não foi questionado pela Requerida e mostra-se determinado de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 3 do artigo 297.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, fixa-se o valor do processo em € 466.739,54 (quatrocentos e sessenta e seis mil, setecentos e trinta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos).

 

VI.          Custas

 

Nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, aplicando a Tabela I a este anexa, fixa-se o valor global das custas em € 7.344,00 (sete mil, trezentos e quarenta e quatro euros), a cargo do Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 25 de Outubro de 2021.

  

O Presidente do Tribunal Arbitral,

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro vogal

Luís M. S. Oliveira

 

O Árbitro vogal

José Luís Ferreira