Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 108/2021-T
Data da decisão: 2021-12-15  IRC  
Valor do pedido: € 2.881.072,08
Tema: IRC – Tributação Autónoma Sobre Remunerações Variáveis– n.º 13, alínea b) e n.º 14 do Artigo 88.º do Código do IRC. Dedução à Coleta de Benefícios Fiscais.
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SUMÁRIO:

 

I - A tributação autónoma à taxa de 35% a que se refere a alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC incide sobre os gastos relativos a remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes, quando estas excedam o limite de 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500, e não apenas ao montante das remunerações que excede esses limites;

II – A segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC estabelece dois requisitos de verificação cumulativa, excludentes da tributação autónoma sobre remunerações variáveis quando se verifique o diferimento de uma parte não inferior a 50 % da remuneração variável por um período mínimo de três anos e o desempenho positivo da sociedade nesse mesmo período do tempo;

III - O agravamento da taxa de tributação em 10 pontos percentuais, previsto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC, tem como objetivo regulatório desincentivar a realização de despesas destituídas de racionalidade económica e aplica-se às situações em que o sujeito passivo apresente prejuízo fiscal, determinável segundo as regras gerais do CIRC, independentemente de quaisquer considerações sobre o desempenho económico da atividade.

VI - Os benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), não são dedutíveis à coleta resultante das tributações autónomas.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Dr. Manuel Macaísta Malheiros (arbitro-presidente), o Dr. Rui Rodrigues e a Dra. Cristina Coisinha (árbitros-vogais), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-05-2021, acordam o seguinte:

 

I – Relatório

 

A..., SGPS, S.A., doravante designada por “A...” ou “Requerente”, pessoa coletiva número ... matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, na freguesia de ..., em Lisboa, sociedade dominante de grupo (o Grupo B..., e Grupo Fiscal B...) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no (na numeração atual) artigo 69.º e seguintes do Código do IRC (CIRC), veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Coletivo pedindo que seja declarada:

  1.  a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico e da precedente reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2015, com respeito às tributações autónomas sobre remunerações variáveis (bónus) atribuídos pela Requerente, e outras empresas do grupo, aos seus administradores, agravamento indevido da taxa de tributação autónoma e afastamento indevido da dedução de créditos de IRC à tributação autónoma em IRC;
  2. bem assim como da ilegalidade da autoliquidação de parte das tributações autónomas no montante de € 2.881.072,08, das quais € 2.116.206,45 sobre as remunerações variáveis.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-02-2021.

 

A Requerente não procedeu à nomeação dos árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 04-05-2021, as partes foram notificadas dessa designação. Não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 24 de maio de 2021.

 

Notificada para apresentar resposta por despacho de 30-04-2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, veio requerer, ao abrigo do disposto no nº 5 do art.º 569° do   CPC, bem como do princípio da livre condução do processo pelo Tribunal Arbitral, cf. nº 2 do art. 19º do RJAT, a prorrogação do prazo para apresentação da resposta por mais 20 dias atento o volume extraordinário de trabalho fruto do facto de terem sido constituídos vários Tribunais Arbitrais em período pós suspensão de prazos derivado do cenário pandémico e de tais Tribunais Arbitrais terem notificado a AT, no mesmo período, para apresentar reposta, a que acresce a complexidade do processo atenta a natureza do pedido e da causa de pedir.

 

Por despacho de 18-06-2021 foi deferida a requerida prorrogação do prazo por se fundar em factos notórios e do conhecimento do Tribunal.

 

 A AT apresentou a sua resposta em 03-09-2021, defendeu-se por impugnação, pugnou pela improcedência do pedido arbitral e pela sua absolvição do mesmo, defendendo ainda a manifesta desnecessidade da produção da prova testemunhal requerida bem como a desnecessidade da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

O Tribunal admitiu a produção de prova testemunhal, notificou a Requerente para indicar quais os pontos de facto sobre os quais deveria recair a produção de prova, o que a Requerente fez por requerimento de 12-07-2021, e por despacho de 09-09-2021 o Tribunal designou o dia 11-10-2021 para a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente.

 

Em 11-10-2021 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e as partes notificadas para apresentarem alegações escritas, com caráter sucessivo.

 

As Partes apresentaram alegações mantendo, no essencial, a posição anteriormente assumida.

 

II. Posição das Partes

 

II. 1 Argumentos da Requerente

 

  1. A Requerente deduziu o pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento do recurso hierárquico e da precedente reclamação graciosa e (em termos finais ou últimos), do ato de autoliquidação de IRC do Grupo Fiscal B..., relativo ao exercício de 2015 com início em 01-07-2015 e terminado em 30-06-2016, no segmento relativo a parte das tributações autónomas autoliquidadas em 30 de novembro de 2016, na medida em que:
  1. é indevida a tributação autónoma sobre remunerações variáveis,
  2. é indevido o agravamento a taxa de tributação autónoma, e
  3. é indevido o montante da coleta das tributações autónomas em IRC por ser indevido o afastamento da dedução à mesma de créditos de IRC.
  1. Pedindo a ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e da precedente reclamação graciosa na medida em que desatendem o reconhecimento da ilegalidade da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2015 com início em 01.07.2015 e terminado em 30.06.2016, do Grupo Fiscal B..., no segmento relativo à parte das tributações autónomas aí liquidadas.
  2. Pediu também a declaração da ilegalidade, com a consequente anulação, da autoliquidação das tributações autónomas no montante de € 2.881.072,08.
  3. A Requerente pretende que os valores pagos a título de tributação autónoma sobre bónus pagos a administradores, bem como o agravamento da taxa em 10 pontos percentuais seja declarada ilegal.
  4. A Requerente argumenta que é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que entregou a declaração agregada IRC MOD.22 a 30-11-2016 referente ao exercício de 2015, tendo procedido à autoliquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis de € 2.116.206,45, correspondente ao seguinte somatório:
  1. A...= € 1.375.956,45 base tributável de € 3.057.681,00 x a taxa prevista na lei de 45% (artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC);
  2. C...: € 717.750;
  3. D...: € 22.500 = base tributável de € 50.000 x a taxa prevista na lei de 45% (artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC);
  1. A Requerente liquidou um total de € 2.881.072,80 a título de tributações autónomas, das quais € 2.116.206,45 sobre remunerações variáveis.
  2. Consigna que, quer no exercício de 2015 quer nos exercícios posteriores até à data, incluindo os três exercícios subsequentes a 2015, o resultado/lucro consolidado do exercício da A... (a A... SGPS exerce atividade essencialmente de forma indireta através da atividade exercida pelas empresas participadas, dirigidas e assessoradas) foram sempre altamente positivos, numa escala de grandeza superior à centena de milhar de euros.
  3. Realça que, não obstante esta sociedade ter resultados reais, os económicos, excelentes, ao longo de muitos e ininterruptos anos, por razões legais ligadas ao modo como tecnicamente se apura a sua base tributável - onde se excluem, por exemplo, os dividendos recebidos das suas participadas para evitar uma dupla tributação, e onde se exclui igualmente a imputação contabilística dos resultados das suas participadas -, apura muitas vezes prejuízos fiscais.
  4. Isto porque, a A..., SGPS, exerce atividade económica essencialmente de forma indireta através da atividade exercida pelas sociedades por si participadas, dirigidas e assessoradas.
  5. E pese embora, a Requerente apure prejuízo fiscal, tal prejuízo não tem correspondência com os seus resultados económicos, apresentando lucros robustos ano após ano.
  6. No entanto, é-lhe aplicado o agravamento de 10 pontos percentuais à taxa de 35% da tributação autónoma sobre remunerações variáveis, que passa para 45%.
  7. A Requerente defende que a parcela da tributação autónoma de IRC sobre remunerações variáveis de administradores, no montante de € 2.116.206,45 é indevida porque não se verifica a lesão de algum bem jurídico tutelado pela norma, a que acrescem três motivos adicionais:

 

  1. Na medida do montante que se contenha no limiar de salvaguarda que a lei quis preservar da oneração com tributação autónoma, previsto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, correspondente a 25% da remuneração anual, as remunerações variáveis não devem ser sujeitas a tributação autónoma, sob pena de inconstitucionalidade desta alínea por violação do princípio da igualdade, da proibição de arbitrariedades e da proporcionalidade.

 

  1. Correspondendo este limiar de salvaguarda nas circunstâncias do caso a € 1.893.045,74, está em causa nesta causa de pedir específica a tributação autónoma sobre remunerações variáveis calculada sobre esta parcela das mesmas, tributação essa no montante de € 851.870,58 (€ 1.893.045,74 x 45%).

 

  1. Por razões qualitativamente idênticas, a sub-parcela de € 1.058.103,22 da tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores é indevida por constituir tributação autónoma sobre a parcela da remuneração variável (50%) que à luz da salvaguarda que a própria lei instituiu (alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC) se pode manter sem qualquer tributação por pior que tenham sido os resultados da empresa nos três anos seguintes [€ 50% da tributação autónoma de € 2.116.206,45, sobre as remunerações variáveis de € 4.702.681,00, são € 1.058.103,22];

 

  1. a sub-parcela de € 470.268,10 da tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores respeitante ao agravamento em 10 pontos percentuais da taxa (artigo 88.º, n.º 14 do CIRC; € 4.702.681 em remunerações variáveis atribuídos x 10%), é indevida por não corresponderem os prejuízos fiscais do Grupo Fiscal B... a qualquer prejuízo ou mau desempenho;
  2. A parcela da tributação autónoma em geral (remunerações variáveis incluídas) correspondente ao agravamento em 10 pontos percentuais da taxa[1] (artigo 88.º, n.º 14 do CIRC), no montante de € 707.945,90, é indevida por não corresponderem os prejuízos fiscais do Grupo Fiscal B... a qualquer prejuízo ou mau desempenho;
  3. Em qualquer caso, subsidiariamente, a tributação autónoma até ao montante dos créditos de IRC no valor de € 1.244.089,77 não é devida por afastamento indevido da dedução de créditos de IRC à tributação autónoma em IRC.

 

  1. A título subsidiário, no sentido em que só estará em causa dedução de crédito de IRC à tributação autónoma em IRC na medida da tributação autónoma ainda assim subsistente após consideração/procedência das outras causas de pedir, a Requerente pediu o conhecimento da ilegalidade da não dedução daqueles valores à coleta, do exercício fiscal de 2015, produzida pelas tributações autónomas no que exceda o montante de créditos de IRC no montante de € 1.244.089,77, com fundamento no afastamento indevido da dedução de créditos de IRC à tributação autónoma de IRC.
  2. Pois, no exercício fiscal em causa havia disponíveis para dedução à coleta de IRC (incluindo parte dessa coleta gerada pelas tributações autónomas):
  1. € 518.000,00 em créditos de IRC decorrentes do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”);
  2. € 116.965,32 em créditos de IRC decorrentes do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI);
  3. € 609.124,45 em créditos de IRC decorrentes do Regime de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI).

 

  1. A Requerente defende que a coleta das tributações autónomas é considerada coleta de IRC, relevando para a dedução dos créditos fiscais acima mencionados.
  2. A Requerente escora ainda a ilegalidade da autoliquidação nas seguintes, alegadas, inconstitucionalidades:
  1. A liquidação de tributação autónoma em IRC sobre remunerações variáveis de administradores, na medida da sua incidência sobre o limiar de salvaguarda previsto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, é indevida, sob pena de inconstitucionalidade (por violação do princípio da igualdade, da proibição de arbitrariedades e da proporcionalidade) da referida norma na interpretação, contrária, da AT, que aqui se contesta.
  2. Por razões qualitativamente idênticas, a norma da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, incluindo o princípio da capacidade contributiva (artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP), e como manifestação do princípio da capacidade contributiva, o artigo 103.º n.º 1 e o artigo 104.º n.º 2 da CRP, se interpretada como impondo a incidência da tributação sobre a parte da remuneração variável (50%) salvaguardada de tributação por piores que tenham sido os resultados da empresa nos três anos seguintes.
  3. O n.º 14 do artigo 88.º do CIRC não deve ser interpretado como aplicando-se o agravamento de taxa aí previsto a sociedades que demonstrem que os prejuízos fiscais tecnicamente apurados nenhuns prejuízos reais representam, caso assim não se entenda suscita-se uma questão de inconstitucionalidade do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, por violação da proibição constitucional de presunções inilidíveis em matérias de imposto, bem como pela violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade[2], da neutralidade e da capacidade contributiva ou rendimento real[3], da propriedade privada[4], da iniciativa privada[5] e da liberdade de gestão de empresas[6], uma vez que impõe um agravamento de 10 pontos percentuais de todas as tributações autónomas sobre despesas e encargos pelo simples facto da sociedade incorrer em prejuízos fiscais, na interpretação de que isso mesmo se impõe mesmo que se comprove que o apuramento de prejuízos fiscais é uma mera consequência técnica de algumas normas fiscais, não refletindo qualquer prejuízo económico.

 

II. 2 Argumentos da Requerida

 

  1. O artigo 88.º do CIRC surgiu num contexto de crise financeira global que levou o legislador, por razões de política fiscal, a tributar determinadas despesas, entre elas as remunerações variáveis de gestores, administradores e gerentes, visando contrariar as políticas remuneratórias destes, em especial no mundo financeiro.
  2. A norma em causa constitui uma norma de incidência objetiva de tributação, além de que, resulta da mesma uma formulação mecânica, própria da tributação autónoma, que implica que esta seja uma verdadeira imposição fiscal, porquanto:
  1. À verificação de uma previsão (realização de certas despesas);
  2. Associam uma consequência ao nível do Direito Tributário (a tributação);
  3. In casu, impõem a tributação autónoma a título de IRC.

Assim,

  1. Caso o legislador tivesse pretendido que a tributação incidisse somente sobre o excesso do valor de € 27.500 ou do limite de 25% da remuneração anual tê-lo-ia refletido na redação da norma, o que não aconteceu, pois está implícito na norma a intenção do legislador de que deverão ser considerados para efeitos da taxa única de 35%, os bónus ou as remunerações variáveis reconhecidas, na sua totalidade, como gasto determinado período como gasto do exercício.
  2. A norma, ao fixar o limite de 25% sobre a remuneração anual do beneficiário e um limite absoluto de € 27.500, tem apenas o alcance de uma norma de isenção fiscal, excluindo da tributação as despesas que se mantêm dentro de certos patamares de razoabilidade, estabelecendo um limite mínimo para a delimitação positiva da incidência.
  3. É, pois, intenção do legislador tributar à taxa de 35% os bónus ou remunerações variáveis reconhecidas, na sua totalidade, como gasto de determinado período, quando ultrapassem os limites definidos para a isenção[7].
  4. No tocante à alegada ilegalidade decorrente do agravamento em 10 pontos percentuais da taxa, com fundamento na inexistência de mau desempenho económico não obstante os prejuízos fiscais do Grupo Fiscal, resulta evidente da dissertação da Requerida que esta tem perfeita consciência da diferença entre resultado contabilístico e o resultado fiscal, por força das quais se permitem as técnicas que colocam a Requerente na situação em dissídio.
  5. Relativamente às invocadas inconstitucionalidades das alíneas a) e b) do n.º 13 e do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, a Requerida apontou o acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo n.º 197/2016, proferido na sequência de uma decisão arbitral que julgou improcedente o pedido da aqui Requerente por referência ao exercício de 2011, em situação idêntica à dos autos, que não julgou inconstitucionais diversas interpretações normativas aqui suscitadas pela Requerente utilizando “nova roupagem” aos argumentos utilizados anteriormente.
  6. A propósito do agravamento da tributação cita um excerto de HELENA MARTINS[8]O agravamento da tributação em 10 pontos percentuais introduzido pelo n.º 14 do artigo 88.º visa penalizar as empresas que, apurando resultados fiscais negativos, mantêm a sua política de gastos em matéria de despesas de representação, ajudas de custo, compensação por deslocações ao serviço da empresa, indemnizações e bónus pagos a gestores administradores ou gerentes.”
  7. Quanto ao pedido subsidiário - utilização dos créditos gerados por benefícios fiscais ser deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas, em caso de insuficiência de coleta de IRC - a pretensão da Requerente também falecerá porquanto a mesma já foi decidida no processo n.º 10/20.1 BALSB, de 08-07-2020, proferida pelo pleno da secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o qual veio uniformizar a jurisprudência no tocante a esta temática, no sentido contrário ao preconizado pela Requerente.
  8. Nesta decisão o STA decidiu que:

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam tomar conhecimento do mérito do recurso, conceder-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, absolver a Fazenda Pública do pedido e fixar jurisprudência no sentido de que não são admitidas deduções à colecta das tributações autónomas relativas aos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.” (negrito e sublinhado nossos)

 

  1. Defende a AT, estarmos perante uma relação jurídico-tributária linear, i.e, de um lado a previsão de factos tributários - in casu o apagamento de bónus aos administradores – que são o seu pressuposto, do outro lado a estatuição enquanto consequência jurídica daquela, concretizando-se numa taxa a aplicar à matéria colectável.

 

III - Saneador

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir Decisão.

 

IV- Do Mérito

 

Objeto dos Autos

A questão essencial objeto dos presentes autos prende-se com a tributação autónoma das despesas realizadas com bónus pagos a administradores, à taxa de 45%, i.e., 35% acrescidos de 10 pontos percentuais, ao abrigo do disposto no artigo 88.º n.º 13 alínea b) e n.º 14 do CIRC, uma vez que a Requerente, sociedade dominante, embora tenha tido um desempenho económico positivo, apresentou declarações periódicas com prejuízo fiscal, quer no ano a que se reporta a autoliquidação sob escrutínio nos presentes autos, quer nos anos seguintes.

 

Invoca a Requerente, para o efeito, 3 linhas argumentativas principais, a saber:

  1. A liquidação das tributações autónomas em IRC sobre remunerações variáveis é indevida por inverificação da lesão do bem jurídico racionalmente fundado e constitucionalmente legítimo objeto da tutela da norma em causa.
  2. Quanto à base de incidência:
  1. as tributações autónomas à taxa de 35% apenas incidem sobre o montante que exceda 25% da remuneração, estando este montante excluído de tributação – inconstitucionalidade da interpretação contrária por violação do princípio da igualdade, da proibição de arbitrariedades e da proporcionalidade;
  2. estão igualmente excluídas de tributação a parcela de remuneração variável (50%) que à luz da salvaguarda que a lei instituiu na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º se pode manter sem tributação por pior que tenha sido o desempenho da empresa;

Conceito de desempenho positivo e inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC quando interpretada como continuado a aplicar-se quando se comprove o desempenho positivo da sociedade nos 3 anos seguintes;

  1. O agravamento da tributação em 10 pontos percentuais da taxa, previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, é indevido por não corresponderem os prejuízos fiscais do Grupo Fiscal B..., e está ferido de inconstitucionalidade com fundamento na violação princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade[9], da neutralidade e da capacidade contributiva ou rendimento real[10], da propriedade privada[11], da iniciativa privada[12] e da liberdade de gestão de empresas[13],

 

Subsidiariamente trata-se de saber se a liquidação da tributação autónoma é indevida uma vez que a coleta líquida apurada não teve em conta os créditos de IRC disponíveis para dedução à mesma.

 

V- Matéria de Facto

 

V.1. Factos provados

 

 

Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo, este Tribunal Arbitral Coletivo considera provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é a sociedade dominante do grupo B... sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) (PPA).
  2. A Requerente entregou no dia 30 de novembro de 2016 declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015 com início em 01.07.2015 e terminado em 30.06.2016, do seu Grupo Fiscal, onde procedeu à autoliquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, no montante de total de € 2.116.206,45, correspondente aos seguintes somatórios:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

Cfr. Doc. n.º 30

  1. A Requerente pagou um total de remunerações variáveis de € 4.702.681,00 aos membros do Conselho de administração no exercício de 2015, valor que foi sujeito a tributação autónoma à taxa de 45% (cfr. Docs. n.ºs 30,31 e PPA)
  2. E apurou um total de tributações autónoma sobre remunerações variáveis: € 2.116.206,45 (cfr. Doc. n.º 30 e PPA)
  3. Juntamente com outras tributações autónomas, o total de tributação autónoma liquidado pela recorrente naquela declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015 com início em 01.07.2015 e termo em 30.06.2016 ascendeu a € 2.881.072,08, conforme quadro junto como documento n.º 31, abaixo copiado:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

  1. O valor da liquidação das tributações autónomas encontra-se pago. (cfr. Doc. n.º 1)
  2. Quer no exercício de 2015 com início em 01.07.2015 e termo em 30.06.2016, quer nos exercícios posteriores até à data, incluindo os três exercícios subsequentes ao exercício de 2015 com início em 01.07.2015 e termo em 30.06.2016, os resultados/lucro consolidado do exercício da A... foram sempre positivos.(cfr. PPA e documentos - Relatórios e contas)
  3. A Requerente apurou muitas vezes prejuízos fiscais, tendo apurado prejuízo fiscal no exercício de 2015. (cfr. Documento n.º 1 e PPA)
  4. A Requerente apresentou reclamação graciosa em 22 de novembro de 2018 contra a autoliquidação de IRC do grupo fiscal referente ao exercício de 2015. (Cfr. Artigo 4.º do PPA e doc. n.º 5)
  5. A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 26 de fevereiro de 2019 do Sr. Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC); (cfr. artigo 5.º do PPA e Doc. n.º 6)
  6. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente em 1 de março de 2019. (cfr. artigo 5.º do PPA e Doc. n.º 6)
  7. A Requerente apresentou recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa a 27 de março de 2019 (cfr. Artigo 6.º do PPA e Doc. n.º 7);
  8. Em 10 de dezembro de 2020 a Requerente foi notificada do indeferimento do recurso hierárquico, por despacho proferido pela Exma. Senhora Subdiretora-Geral. (cfr. Artigo 7. do PPA e Doc. n.º 8)

 

V.2. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e o depoimento da testemunha, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

 

  1. Do Direito

 

 

O regime das taxas de tributação autónoma encontra-se estatuído no artigo 88.º, abaixo transcrito na redação que importa para a apreciação do objeto dos presentes autos e em vigor à data dos factos:

 

Artigo 88.º

Taxas de tributação autónoma

1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.

(Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro)

(…)

13 — São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:

  1. Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;
  2. Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

14 — As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC. (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro)

 

Entrando na análise das questões suscitadas pela Requerente, atualmente o tema das tributações autónomas, mormente, das retribuições variáveis dos administradores tem sido objeto de profusa jurisprudência arbitral e jurisdicional que atualmente se encontra consolidada e, por conseguinte, se seguirá de muito perto.

 

Sem prejuízo de existirem argumentos adicionais, este Tribunal Arbitral Coletivo seguirá de perto a argumentação vertida nas Decisões Arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 659/2014-T, n.º 545/2016-T, n.º 630/2017-T, n.º 234/2020T, n.º 275/2020-T, e no Processo n.º 106/2021-T, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência prolatados pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos n.ºs 02/2020, e 5/2020, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional citada no presente excurso.

 

Como vem sendo jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto não for alterada consideravelmente a composição do Pleno, os acórdãos uniformizadores consolidam a jurisprudência para efeitos do n.º 3 do artigo 284.º do CPPT.

 

Neste contexto, visando o regime legal dos recursos para uniformização de jurisprudência obstar a que se produzam decisões jurisdicionais divergentes sobre as mesmas questões de direito, os tribunais arbitrais, como tribunais que julgam em 1.ª instância, devem aplicar a jurisprudência uniformizada, quando não se entrevê, com objetividade, a possibilidade de ela ser alterada[14].

 

VI.1. A natureza das tributações autónomas – mecanismo de política fiscal

 

As tributações autónomas são um mecanismo de política fiscal inicialmente criado para tributar as despesas confidenciais e não documentadas (artigo 4.º do DL 192/90, de 9 de junho), passando depois a abranger os encargos com viaturas, as importâncias pagas a pessoas com regime fiscal mais favorável e as despesas de representação, e, mais tarde, os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação.

 

Com a lei do orçamento de Estado para 2010[15], a tributação autónoma veio ainda a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes por virtude de cessação de funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500, justificando-se esta medida fiscal com a importância de uma distribuição mais justa dos encargos tributários e de uma moralização progressiva das políticas remuneratórias de outros setores que não apenas o financeiro.

 

Entretanto, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, aditou um n.º 14 ao artigo 88.º, prevendo a elevação das taxas de tributação autónoma previstas nesse artigo em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

 

Este preceito determina que as taxas de tributação autónoma devem ter em consideração o facto de o sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal. Ele enquadra-se na função das tributações autónomas de desincentivar e reprimir a realização, por parte das empresas, de despesas que o legislador considera como económica, social e fiscalmente anómalas e indesejáveis, à luz dos valores, princípios e regras do sistema fiscal.

 

Da leitura do artigo 88º n.º 14 do CIRC resulta, de forma inequívoca, a maior censurabilidade ético-jurídica da realização das despesas sujeitas a tributação autónoma quando os sujeitos passivos apresentam prejuízos fiscais, assim se justificando o respetivo agravamento em 10 pontos percentuais. Este conceito remete o operador jurídico para o princípio da tributação do lucro líquido, entendido este como o resultado líquido do exercício depois de adicionadas ou deduzidas as variações patrimoniais e as correções fiscais do IRC a que aludem os artigos 15.º a 17.º do CIRC, no quadro do princípio da dependência parcial entre contabilidade e fiscalidade.

 

Estas normas, visam, primacialmente, acautelar o equilíbrio do sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto, incidindo sobre determinados gastos que não estejam diretamente relacionados com a atividade da empresa, e consistem na aplicação de uma taxa de tributação específica  a  certas situações consideradas  “especiais”  nomeadamente,  certos tipos de consumos ou gastos, lucros distribuídos, bem como certos rendimentos, tendo em vista desincentivar a realização das operações a que se referem.

 

Posteriormente, a lei n.º 7-A/2016, de 30 de março – Lei do orçamento de Estado de 2016 procedeu à introdução de um n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, ao qual foi conferida natureza de lei interpretativa, visando fixar um entendimento da lei fiscal, aí determinando que “Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º[16]

 

Suscitada a inconstitucionalidade do artigo 135.º da LEO para 2016, o Tribunal Constitucional[17], recusou um efeito interpretativo retroativo ao n.º 20 do artigo 88º do CIRC, impondo para o futuro a aplicação do artigo 88º n.º 14 do CIRC aos grupos de sociedades que optaram pela tributação do RETGS. Com esta decisão, o Tribunal Constitucional não considerou inconstitucional a solução do nº 20 – de aplicação do agravamento das tributações autónomas no âmbito do RETGS – nem considerou que a mesma era incompatível com o teor literal e a inserção sistemática do artigo 88º n.º 14 do CIRC.

 

Retomada a análise da natureza das tributações autónomas, foi oportunamente referido na decisão arbitral 187/2013-T, acolhida em inúmeras decisões posteriores, mormente na decisão arbitral n.º 659/2014-T, “A razão de ser das tributações autónomas não se encontra no simples arrecadar de mais imposto, mas visa primacialmente desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam, as quais, pela sua natureza, são propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e, em última análise até, permitir reaver algum imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade deste para a esfera de quem paga esse rendimento. O que lhes confere uma clara natureza anti-abuso, manifestamente acessória/complementar à tributação segundo a capacidade contributiva revelada pelo rendimento, ainda que só aparentemente em prejuízo da tributação do rendimento real (leia-se, com base na contabilidade). Em suma, com as tributações autónomas o que se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.”

 

Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2011 e atual artigo 23º-A/1-a), do CIRC).

 

Nas palavras de Saldanha Sanches a, assumida, natureza dual das tributações autónomas revela-se pelo facto dos custos associados às tributações autónomas, não deixarem de revestir, nalgum sentido, uma “espécie e presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado excecionalmente em objeto de tributação.[18]

 

Há ainda que considerar as tributações autónomas sob o prisma das normas anti-abuso, como uma fórmula encontrada pelo ordenamento jurídico tributário português para algumas situações de abuso e evasão fiscal sistémica porque o seu mecanismo tem uma função anti perturbadora do normal funcionamento do IRC.

 

Como explica Saldanha Sanches, a introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificado por se reportar a despesas cujo regime zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial é difícil de discernir “e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais.”[19]

 

E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.

 

Como se esclareceu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, “a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”. Nesse sentido, como aí se acrescenta, “[a] despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa”.

 

Também o pleno do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2020[20], concluiu que as tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.

 

Em suma, o legislador tem em vista desincentivar a realização de certas despesas, admitindo a dedutibilidade do custo, mas reduzindo a vantagem fiscal por via da tributação autónoma, assim se compreendendo que a tributação incida não sobre a perceção de um rendimento, mas sobre a realização de despesas.

 

Assim sendo, falece o argumento da ausência de lesão do bem jurídico que a norma visa acautelar.

 

É neste contexto e à luz da natureza e função anti abuso inerente às tributações autónomas, desincentivadora relativamente de certas despesas potenciadoras da diminuição do lucro tributável , que deve ser lido e compreendido o n.º 14 do artigo 88.º do CIRC onde se dispõe que: “As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC. [21]

 

Da leitura desta norma resulta, de forma inequívoca a maior censurabilidade ético jurídica da realização das despesas sujeitas a tributação autónoma quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, assim se justificando o agravamento em 10 pontos percentuais.

 

Como bem refere o acórdão do processo n.º 630/2017-T, Este agravamento tem o objetivo regulatório de desincentivar a realização de despesas destituídas de racionalidade económica, ou seja, de discutível essencialidade e imprescindibilidade empresarial (…) Ele assume, por isso, uma natureza quase sancionatória das taxas de tributação autónoma, obrigando ao estabelecimento de um nexo mais estrito entre o facto tributário que se pretende reprimir (i.e. despesas indesejáveis cumuladas com a apresentação de prejuízos fiscais) e o agravamento da taxa através do qual se pretende proceder a essa repressão.”

 

VI. 2 Base de incidência para efeitos de aplicação das tributações autónomas

 

  1. Da aplicabilidade da tributação autónoma sobre os encargos com bónus de administradores, gerentes ou gestores apenas sobre o que exceder o valor previsto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC

 

De acordo com as informações difundidas pela AT, doutrina e jurisprudência maioritárias, a taxa de 35% deve incidir sobre a totalidade dos bónus ou remunerações variáveis no montante que exceder os 25% da remuneração anual e possuam um valor superior a € 27.500,00, desde que se mostrem cumpridos os pressupostos de incidência e não se apliquem as condições de exclusão da tributação da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC.

 

Assim, são requisitos cumulativos para a exclusão tributária os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500,00, exceto se se verificarem dois requisitos cumulativos, indicados na segunda parte da norma:

  1. O pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 anos,
  2. O pagamento estar condicionado ao desempenho positivo da sociedade, ao longo desse período.

 

 

Veio a Requerida defender que a primeira parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC quer deixar fora do “castigo” fiscal as remunerações variáveis que se contenham alternativamente dentro de um dos seguintes limites: valor absoluto igual ou inferior a € 27.500, ou valor relativo igual ou inferior a 25% da remuneração anual dos administradores, razão pela qual, conclui, não estarem sujeitas a tributação a parcela correspondente a 25% da remuneração anual dos administradores.

 

Contudo, a primeira parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º a não levanta quaisquer reservas ou dúvidas sobre a sua interpretação, porquanto, como na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º nº 3 do Código Civil), e apenas se encontra utilidade na expressão “quando estes representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500” se com ela se pretende fixar o quantum a partir do qual as remunerações variáveis são tributadas, sem qualquer intenção de excluir da tributação esse valor e/ou parcela.

 

Caso o legislador tivesse pretendido que a tributação incidisse somente sobre o excesso dos 25% ou € 27.500,00 da remuneração anual, tê-lo-ia feito refletir na redação da norma.

 

Neste particular, segue-se o entendimento sancionado pela decisão arbitral n.º 659/2014-T quando julga “(…) a tributação destas realidades “apenas sobre o que exceder” na pretensão da Requerente, configura uma hipótese que nem a letra nem o espírito da lei contemplam. De facto, e em primeiro lugar, quando na atividade interpretativa, o intérprete eventualmente pretenda encaixar essa hipótese na lei, encontra na respetiva letra um limite que nos parece inultrapassável. Com efeito, nada nessa letra nos permite sequer supor ou imaginar que nela se acolha essa hipótese da tributação autónoma sobre o excedente. E isto porque a lei manda tributar “os gastos ou encargos” e dela não se retira, nem sequer de forma ténue, a mínima vontade objetiva de o fazer. São “os gastos” como um todo, nas condições ali especificadas, que ficam sujeitos a tributação autónoma e isso é tudo o que a lei nos quer transmitir. De modo que, salvo melhor, quando no preceito se refere a tributação daqueles encargos, o limite quantitativo dos 27 500 euros reporta-se ao valor do suportado como gasto pela pessoa coletiva, como um todo considerado.

 

Importa ainda ter presente o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, só é lícito extrair um certo sentido ou alcance às normas contanto que esse mesmo sentido ou alcance tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, caso contrário não se interpreta a lei, outrossim se altera a lei por via jurisprudencial.

 

Ora, se considerarmos a occasio legis da tributação autónoma das remunerações variáveis, mormente a sua função regulatória, que visa atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real, bem assim como a sua natureza de norma anti abuso ela leva-nos a concluir que o legislador quis tributar estes gastos pela sua totalidade, quando as remunerações variáveis excedam aqueles valores e não excluí-los da tributação.

 

Neste sentido, afastando também a questionada inconstitucionalidade da norma em análise, já se pronunciou o Tribunal Constitucional (TC), no Acórdão n.º 197/2016, de 12 de maio de 2016[22], “a norma visa penalizar certo tipo de despesas que, sendo excessivas, não se encontram justificadas por razões empresariais, tendo ainda em linha de conta que se trata de despesas que afetam o lucro tributável das empresas. Sendo esse o objetivo, a norma, ao fixar um limite relativo 25% da remuneração anual do beneficiário e um limite absoluto de € 27.500 tem o alcance de uma norma de isenção fiscal, excluindo da tributação as despesas que se mantêm dentro de certos parâmetros de razoabilidade.”

 

Termos em que improcedem as considerações feitas pela Requerente nesta matéria por falta de suporte legal.

 

  1. Tributação indevida da tributação autónoma sobre a parcela da remuneração variável (50%) que a lei manteve sem qualquer tributação por piores que sejam os resultados da empresa nos três anos seguintes:

 

Atento tudo quanto acima fica dito, é totalmente infundada a pretensão de considerar que a tributação autónoma se encontra excluída em relação a 50% das remunerações variáveis. Em primeiro lugar, porque como que se esclarece supra a tributação é aplicável em relação à totalidade das remunerações que excedam o limite de 25 % da remuneração anual, e não apenas quanto a uma parte dela. Em segundo lugar, porque a condição estabelecida na segunda parte da norma respeita ao diferimento do pagamento de uma parte não inferior a 50% por um período de três anos, a que acresce, para que se verifique a exclusão da incidência do imposto, que se verifique no mesmo período um desempenho positivo.

Sendo esta a única interpretação possível da norma, é claro que não se lhe pode imputar a violação dos princípios constitucionais da adequação, igualdade e da proporcionalidade, inconstitucionalidade afastada no aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, de 12/05/2016. Neste aresto o TC afastou ainda as alegadas violações da liberdade de iniciativa e de organização empresarial (artigo 80.º alínea c), da liberdade de gestão empresarial (artigo 81.º alínea f), da garantia de existência do setor privado (artigo 82.º n.ºs 2 e 3) e da proibição da intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas (artigo 86.º n.º 2).

 

Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, a liberdade de iniciativa económica que pode retirar-se do disposto no n.º 1 do artigo 61.º e da alínea c) do artigo 80.º da CRP, visa garantir, no contexto de uma economia de mercado, que a produção e distribuição de bens ou serviços não seja vedada à ação dos privados, que terão assim um direito a uma atividade não obstaculizada por intervenções desrazoáveis ou injustificadas dos poderes públicos. Tal implica que no âmbito de proteção da norma contida no n.º 1 do artigo 61.º se conte, não apenas a liberdade de iniciar uma certa atividade económica mas também a liberdade de organização e de ordenação dos meios institucionais necessários para levar a cabo a atividade que entretanto se iniciou (acórdão n.º 304/2010). Essa liberdade não é afetada pelo sistema fiscal, que tem, além do mais, uma função de regulação da economia. De facto, as empresas não estão impedidas de atribuir aos seus trabalhadores indemnizações ou remunerações acessórias, ainda que estas possam parecer ser desproporcionadas e não se revelem indispensáveis à obtenção de resultados económicos. O ponto é que a atividade das empresas, como a de quaisquer outros contribuintes, se encontra subordinada a critérios de fiscalidade que estão legalmente definidos. E, desse modo, os atos de gestão empresarial que adotem, no quadro de liberdade de   iniciativa económica, poderão   originar   o   pagamento   de   imposto   quando   preencham   os   correspondentes requisitos de incidência tributária. É o que sucede com as despesas sujeitas a tributação autónoma. Ao tributar essas despesas o Estado não está a criar qualquer obstáculo à liberdade de organização e de gestão empresarial, mas a realizar o objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se traduz na obtenção de receitas para financiar as despesas públicas.[23]

 

Termos em que, nos parecem improcedentes as considerações feitas pela Requerente nesta matéria por falta de suporte legal.

 

Representando, comprovada e confessadamente, as remunerações variáveis uma parcela superior a 25% da remuneração anual de cada um dos beneficiários, a tributação autónoma apenas será afastada se verificados, cumulativamente, os dois requisitos constantes da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, a saber:

  1. O pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 (três) anos;
  2. O pagamento estar condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

 

No que respeita à determinação do que deva entender-se por “período de deferimento por 3 anos” existem duas correntes interpretativas, a primeira no sentido de que a componente variável pode ser paga ao longo de 3 anos (1/3 em cada ano) e, a segunda, no sentido que tal componente apenas poderá ter lugar após o decurso desse período, ou seja, o diferimento para um terno mínimo de três anos.

 

E, efetivamente, diferir tem dois sentidos possíveis: (i) deixar para mais adiante; (ii) fazer durar ou demorar, o que transposto para a redação da norma faz com que o seu elemento literal seja compatível com os dois sentidos

 

A AT tem vindo a entender que o pagamento da mencionada quantia apenas poderá ter lugar após o decurso dos 3 anos, já a jurisprudência sufragou o entendimento de que o deferimento é por um período ao longo do qual se tem de aferir um desempenho, pelo que é de supor que tal avaliação seja anual e não para um termo.

 

Neste sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo por acórdão para uniformização de jurisprudência, no processo 02/20.0BALSB[24], no sentido que: “O requisito previsto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC para a exclusão da Tributação Autónoma sobre bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes e relativo ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % do pagamento daquelas remunerações por um período mínimo de três anos deve considerar-se cumprido numa situação como a dos autos, em que o pagamento de uma parcela correspondente a 50% daquelas remunerações foi diferido de forma proporcional ao longo de um período de três anos.”

 

Assim, entende este Tribunal que o pagamento das remunerações variáveis pode ser feito de forma proporcional ao longo de três anos, mas estas apenas ficarão excluídas de tributação cumprido o requisito cumulativo de desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

 

Efetivamente, impondo a lei que o pagamento de uma parte não superior a 50% da remuneração variável seja diferida por (i) um período mínimo de 3 anos e (ii) condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período, ela está a condicionar a exclusão à verificação de uma condição suspensiva, qual seja, o desempenho positivo da sociedade durante aquele mesmo período de tempo.

 

A Requerente defende que não obstante ter tido prejuízos fiscais ao longo dos três anos a sociedade teve um desempenho positivo e, consequentemente, o bem jurídico tutelado (inconsistência da remuneração variável com a performance económica da sociedade ao longo desse prazo) não foi violado.

 

A utilização do conceito indeterminado “desempenho positivo” tem gerado alguma controvérsia e já fez correr muita tinta.

 

Para a Requerente é sinónimo de resultados reais e económicos positivos, não obstante ter prejuízos fiscais, devidos à forma como, tecnicamente, se apura a base tributável, pois, na verdade, tem uma ótima saúde económica e financeira, e sempre teve uma atividade altamente bem-sucedida.

 

Para a AT, para efeitos fiscais, desempenho económico da sociedade há-de ser, forçosamente, aferido com base na contabilidade, por ser nesta que assenta a determinação do lucro fiscal, e ainda que a lei fiscal contenha divergências parciais e pontuais, para salvaguarda do interesse fiscal, o apuramento do lucro tributável parte do resultado líquido do exercício, extraído da contabilidade. Portanto o desempenho será ou não positivo se apurado, no final, um lucro fiscal ou um prejuízo fiscal, e não um lucro económico ou um prejuízo económico.

 

Sendo a norma sob exegese uma norma de direito fiscal, à que atender ao elemento sistemático e à dependência do apuramento de prejuízo ou de lucro em sede de IRC da contabilidade e, por conseguinte, ao resultado líquido do exercício.

 

Como mencionado acima, a tributação das tributações autónomas apenas tem lugar quando os critérios da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º não sejam observados, p.i., nada impede a atribuição de um bónus no montante equivalente a 25% da remuneração sem a sujeição a qualquer tributação autónoma, ou mesmo a atribuição de um bónus de € 1.000.000,00, a um administrador que aufira uma remuneração anual fixa de igual valor, desde que se verifiquem as duas condições previstas na segunda parte da norma.

Donde, também por esta via improcede a invocada ilegalidade da tributação autónoma, bem como as alegadas inconstitucionalidades, atenta a ausência de suporte legal.

 

  1. Do agravamento das tributações autónomas em 10 pontos previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC não tem aplicação à sociedade dominante que apresente prejuízos fiscais tecnicamente apurados mas que não tenha prejuízos reais

 

Dispõe o n.º 14 do artigo 88.º:

As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC. (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro)

 

A norma agora em causa, prevê que o agravamento em 10 pontos percentuais da taxa de tributação autónoma quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no exercício em que ocorramos factos tributários que originam a tributação.

 

A mesma questão de direito foi já decidida nos Processos n.ºs 659/2014-T, 545/2016-T e 630/2017-T em termos que não merecem qualquer discordância.

 

Destarte, a norma não suscita nenhuma especial dificuldade interpretativa. Prevê-se um agravamento da taxa de tributação quanto às empresas que, tendo incorrido nos gastos sujeitos a tributação autónoma, apresentem prejuízo fiscal no período de tributação. A lei refere-se ao prejuízo fiscal e não ao resultado económico, financeiro ou contabilístico, e, por conseguinte, o prejuízo fiscal será apurado de acordo com as regras de determinação do lucro tributável que constam dos artigos 15.º a 17.º do CIRC, sendo que o prejuízo fiscal ocorre quando a quantia residual resultante da contabilização dos gastos e dos rendimentos é negativa.

 

Releva, pois, para efeitos do agravamento da taxa de tributação autónoma o prejuízo fiscal, expressão utilizada na lei, e não desempenho económico, ou outros.

 

No que tange às empresas tributadas no âmbito do RETGS[25], é igualmente entendimento consolidado na jurisprudência que ocorrendo esta tributação por opção do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passivo de IRC, e se deste regime resultar uma tributação final mais gravosa, tal consequência apenas é imputável ao Contribuinte.

 

Posto isto, inexiste qualquer discriminação ou violação de princípios constitucionais que regem a fiscalidade, nomeadamente o da igualdade e da capacidade contributiva.

 

Importa trazer à colação, novamente, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, que esclarece não haver aqui qualquer discriminação arbitrária: a diferenciação de tratamento baseia-se numa distinção objetiva de situações. A lei, através da tributação autónoma, e especialmente em relação à tributação prevista no n.º 13 do artigo 88.º, pretende estimular os contribuintes a evitar a realização de despesas excessivas que, injustificadamente, possam afetar os resultados económicos e provocar uma diminuição da receita fiscal. O n.º 14 o que prevê é o agravamento da taxa quando a empresa incorre nesse tipo de despesas apesar de vir a apresentar, no respetivo período de tributação, um prejuízo fiscal.

A diferenciação encontra-se suficientemente justificada, visto que, se é censurável, do ponto de vista fiscal, a realização de despesas que determinam desnecessariamente uma redução do rendimento tributável, mais o será se a empresa realiza essas despesas apesar de não conseguir sequer apurar um resultado económico positivo.”

 

Em suma, a diferenciação encontra-se suficientemente justificada, visto que, se é censurável, do ponto de vista fiscal, a realização de despesas que determinam desnecessariamente uma redução do rendimento tributável, mais o será se a empresa realiza essas despesas apesar de não conseguir sequer apurar um lucro tributável.

 

  1. Pedido subsidiário

 

O pedido subsidiário é condicional e acessório do pedido principal, ou seja, a requerida com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder conhecido pelo Tribunal apenas no caso de não proceder o pedido primário.

 

Assim, face à improcedência, in tótum, do pedido principal impõe-se conhecer do mérito do pedido subsidiário.

 

Trata-se de decidir se os créditos fiscais gerados pelos benefícios fiscais, reconhecidos à Requerente no ano fiscal em apreço (2015), podem ser deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneram nesse exercício fiscal.

 

Efetivamente, como referido pela Requerente, esta matéria - admissibilidade das deduções à coleta das tributações autónomas aos montantes apurados a título de benefícios fiscais - foi objeto de decisões jurisprudenciais e entendimentos doutrinais muito díspares, no entanto, é hoje jurisprudência consolidada do STA quanto à qualificação das tributações autónomas como imposição fiscal diversa do IRC e, nessa medida, não subordinadas às regras gerais da liquidação daquele imposto, designadamente à regra da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que estabelece a dedução dos benefícios fiscais à coleta do IRC no âmbito das operações de liquidação do mesmo.

 

De tal modo que, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2020, de 8 de julho de 2020, uniformizou a jurisprudência no sentido de que: “Não são admitidas deduções à coleta das tributações autónomas relativas aos montantes apurados a título de benefício fiscal SIFIDE, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.”, tendo como um dos argumentos primaciais, cujo acerto é partilhado por este Tribunal, que “As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta desta.”

 

Com efeito, a interpretação hoje maioritária parte da natureza das tributações autónomas que sendo reguladas em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável, mas sobre certos gastos que constituem, de per si, um novo facto tributário – que se refere à realização de uma despesa e não à perceção de um rendimento.

 

Como referido no acórdão do STA de 12 de abril de 2012[26], “a lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa.”

 

Pese embora, o acórdão uniformizador seja restrito aos montantes apurados a título de benefício fiscal SIFIDE, os argumentos que conduziram à prolação do aresto não se confinam ao SIFIDE, antes pelo contrário são extensíveis aos outros benefícios fiscais, nomeadamente ao RFAI e CFEI.

 

O que aliás resulta do texto da aludida decisão uniformizador quando consigna que atendendo à qualificação das tributações autónomas como tributos material e estruturalmente diferentes do IRC, assentes numa expressão diversa da capacidade contributiva e que se destinam a realizar, também, objetivos especiais de política fiscal, não é admissível a dedução à coleta de valores suportados pelo sujeito passivo a título de benefícios fiscais[27].

 

Referindo-nos agora à decisão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de maio de 2017, importa esclarecer que o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 88.º, n.º 21 – 2ª parte, introduzida pela LEO para 2016, na parte em que determina que “ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016.”

 

Em suma, o TC pronunciou-se pela inconstitucionalidade da aplicação retroativa de uma norma fiscal de incidência tributária a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor, não julgou inconstitucional o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nos termos da qual os pagamentos por conta não podem ser deduzidos aos montantes de tributação autónomas.

 

Esta apreciação da (in)constitucionalidade do n.º 21º do artigo 88.º do CIRC foi escalpelizada no acórdão do STA de 08-07-2020[28], atendendo a que o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 197/2016 não reputou inconstitucionais as tributações autónomas no sentido de que as mesmas têm vindo a ser qualificadas pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo como tributos material e estruturalmente diversos do IRC, assentes numa expressão diversa da capacidade contributiva e que se destinam a realizar, também, objetivos especiais de política fiscal.

 

Donde, para não frustrar os objetivos prosseguidos com a tributação autónoma, não é admissível deduzir à coleta valores suportados pelo sujeito passivo a título de benefícios fiscais. 

 

Pelo que, também improcede o argumento da inconstitucionalidade de uma alegada presunção inilidível em direito fiscal, pois a tributação autónoma das despesas no caso do contribuinte apresentar prejuízos fiscais, não assenta numa presunção, muito menos ilidível, mas no facto tributário despesa, a que acresce a verificação do prejuízo fiscal e não económico, tributações que têm uma natureza distinta do IRC e assentam numa capacidade contributiva com claros objetivos de política fiscal.

 

Entende, pois, este tribunal que, o artigo 88.º n.º 14 do CIRC constitui uma norma de incidência tributária que não consagra qualquer presunção suscetível de ser ilidida.

 

Atento tudo quanto acima fica dito, é ilegal a dedução à coleta das tributações autónomas dos montantes apurados a título de benefícios fiscais que não possam ser deduzidos à coleta de IRC, pelo que, improcede o pedido subsidiário formulado pela Requerente.

 

Nestes termos, conclui-se pela legalidade da autoliquidação do IRC do Grupo Fiscal B... relativa ao exercício fiscal de 2015 com início em 01.07.2015 e terminado em 30.06.2016.

 

  1. Dos outros pedidos

 

Improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do IRC impugnada e consequente anulação, ficam igualmente prejudicados os pedidos feitos pela Requerente de devolução das quantias pagas e dos respetivos juros indemnizatórios.

 

  1. Decisão

 

 

Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Manter na ordem jurídica o ato de indeferimento do recurso hierárquico e da precedente reclamação graciosa e;
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de tributações autónomas no “Grupo Fiscal B...”, relativa ao exercício de 2015 no montante de € 2.881.072,08;
  3. Julgar totalmente improcedente o pedido subsidiário de declaração de ilegalidade da não dedução à coleta de créditos de IRC às tributações autónomas no que exceda o montante dos créditos de IRC;
  4. Julgar prejudicado face ao atrás decidido, o pedido de juros indemnizatórios formulado;
  5. Condenar a Requerente no pagamento das custas deste processo.

 

  1. Valor do processo:

 

Fixa-se em € 2.881.072,08 (dois milhões, oitocentos e oitenta e um mil setenta e dois euros e oito cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Custas:

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 37.026,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 Lisboa, 15 de dezembro de 2021

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

O Presidente do Tribunal Arbitral

Manuel Macaísta Malheiros

 

 

 

O Árbitro vogal

Rui Rodrigues

 

 

O Árbitro vogal

Cristina Coisinha

(Relatora)

 

Nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º l0-A/2020, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio) atesto o voto de conformidade do Árbitro Presidente, Senhor Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, e do árbitro vogal Senhor Dr. Rui Ferreira Rodrigues.

 

 

 



[1] Dos quais € 470.268,10 correspondentes à parcela do agravamento de taxa imputável à tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, como supra referenciado.

[2] Artigos 18.º n.ºs 2 e 3 da CRP

[3] Artigos13.º, 62.º n.ºs 1, 2, 103.º, n.º 1 e 104.º n.º 2 da CRP

[4] Artigo 62.º n.ºs 1 e 2 da CRP

[5] Artigo 80.º alínea c) da CRP

[6] Artigo 86.º n.º 2 da CRP

[7] 25% da remuneração anual ou quando superior a € 27.500

[8] Lições de fiscalidade, Coimbra, 2012, pags 282-284

[9] Artigos 18.º n.ºs 2 e 3 da CRP

[10] Artigos13.º, 62.º n.ºs 1, 2, 103.º, n.º 1 e 104.º n.º 2 da CRP

[11] Artigo 62.º n.ºs 1 e 2 da CRP

[12] Artigo 80.º alínea c) da CRP

[13] Artigo 86.º n.º 2 da CRP

[14] Decisão do CAAD n.º 239/2020-T

[15] N.º 13 do artigo 88. do CIRC aditado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (LOE 2010)

[16] Atual n.º 21 do artigo 88.º

[17] Acórdão n.º 395/2017, de 12-7

[18] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 406 e 407

[19] Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 407

[20] Processo n.º 5/2020, de 8-07-2020, DR-1S, 16 de dezembro de 2020

[21] Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro

 

[22] Processo n.º 465/2015, DR 2S, n.º 99, 23-05-2016

[23] Acórdão do TC n.º 197/2016

[24] Consultável em www.dgsi.pt

[25] Artigos 69.º e segs do CIRC

[26] Processo n.º 77/12

[27] Vide Acórdão do STA de 08-07-2020, Proc. n.º 010/20.1 BALSBS, consultável em www.dgsi.pt

 

[28] Processo n.º 010/20,1BALSB, consultável em www.dgsi.pt