Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 107/2020-T
Data da decisão: 2021-02-18  IMT  
Valor do pedido: € 46.610,24
Tema: IMT - Terreno para Construção, Edificação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.            RELATÓRIO

 

A..., titular do número de identificação e pessoa coletiva (NIPC) ..., com o capital social de € 500.000,00 e sede social na ..., (doravante abreviadamente designados por “Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT) e 99.º e seguintes do Código de Procedimento Tributário (CPPT), no qual solicitou a anulação do despacho de indeferimento de revisão oficiosa do ato tributário que correu termos sob o n.º ..., bem como a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IMT e juros compensatórios n.º ..., no montante de € 46.150,00, a que acresce o valor de € 460,24 a título de juros compensatórios, num total de  € 45.610,24 (quarenta e seis mil seiscentos e dez euros e vinte e quatro cêntimos), requerendo a sua anulação, e o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios devidos à taxa legal aplicável.

 

1.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

2.            Em 6 de julho de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

3.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de agosto de 2020.

4.            A Autoridade Tributária, doravante designada de Requerida ou AT, foi notificada por despacho de 06-08-2020 para apresentar a sua resposta.

5.            A 28-09-2020 a AT requereu a prorrogação do prazo para apresentar a Resposta, o que, atentos os motivos expostos, foi concedida

6.            A AT apresentou a resposta a 19-10-2020, defendeu-se por impugnação e juntou o processo administrativo.

7.            Por requerimento de 27-20-2020 a Requerente, requereu que fossem tomadas Declarações de Parte, na pessoa do seu sócio-gerente B... .

8.            O Tribunal, por despacho de 11-11-2020, deferiu requerida prestação de Declarações de Parte, na pessoa do Sócio Gerente da Requerente, à matéria indicada, e designou o dia 21 de dezembro de 2020, pelas 14:30 para a realização da diligência.

9.            No dia 21-12-2020 realizou-se a reunião do Tribunal Arbitral, com recurso aos meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, via CISCO WEBEX MEETINGS, para o processo, a que as partes não se opuseram, e contou com a participação de todos os elementos que integram o Tribunal, designadamente os representantes de ambas as Partes.

10.          Nesta reunião procedeu-se ao depoimento de parte, que respondeu às questões que lhe foram colocadas.

11.          O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias, sendo que o prazo para a Requerida alegar começou a contar da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido.

12.          Por fim, o Tribunal, determinou a prorrogação do prazo para prolação da decisão por mais dois meses nos termos dos artigos 21.º n.º 1 do RJAT, bem como a comunicação ao Conselho Deontológico do CAAD ao abrigo do n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico.

13.          A Requerente submeteu as suas alegações escritas a 21-10-2021, reiterando o teor do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), enfatizando apenas as principais ordens de razões quanto a alguns pontos do PPA.

14.          A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

15.          No entanto, nos termos da alínea c), do n.º 5 do artigo 6º-B, nada impede a prática de atos e a realização de diligências não urgentes, quando as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através de plataformas informáticas ou através de meios de comunicação à distância.

16.          Por despacho de 22-02-2021 o Tribunal notificou a AT para vir informar os autos se tinha condições para assegurar a prática dos atos, ao abrigo do mencionado artigo.

17.          Notificada do despacho referido no número precedente, a AT veio informar os autos de que não iria apresentar alegações, uma vez que a sua posição estava sobejamente definida na resposta apresentada.

 

2.            OBJETO DOS AUTOS

 

2.1.        POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

18.          No dia 4 de fevereiro de 2014, no âmbito das suas atividades profissionais, a Requerente adquiriu um prédio urbano, destinado a habitação, em fase de acabamentos, para revenda, beneficiando de isenção de IMT;

19.          A Câmara Municipal de ..., havia emitido o alvará de licença de obras de edificação, com o n.º ..., processo ..., para edifício destinado a habitação multifamiliar, a favor da empresa alienante;

20.          Por despacho Municipal de 14 de março de 2014 foi averbado ao processo a Requerente/adquirente;

21.          A Requerente terminou as obras previstas no alvará de licença de obras de edificação n.º ..., constituiu a propriedade horizontal, requereu os alvarás de utilização e comercializou as 28 unidades independentes;

22.          Entre a data da aquisição e a emissão dos primeiros alvarás de utilização mediaram 10 meses, prazo manifestamente insuficiente para construir de raiz um edifício com 28 unidades independentes, distintas e isoladas entre si, alvarás que foram sendo requeridos à medida que eram concluídas as frações autónomas;

23.          A AT considerou haver base legal para manter a liquidação de IMT por caducidade do direito à isenção de que a Requerente havia beneficiado em 4 de fevereiro de 2014, aquando da compra do prédio, com fundamento em que o prédio havia sido transformado em prédio edificado em regime de PH e daí ter ocorrido um destino diferente do da revenda;

24.          Esta caducidade não podia ter operado porque não houve qualquer desvio do “fim” ou “destino” do imóvel desde a aquisição pela Requerente até à venda por frações.

25.          O destino do prédio sempre foi o da revenda, em propriedade horizontal, o que aliás decorria do projeto aprovado pela Câmara Municipal de ..., prédio adquirido pela Requerente em fase de acabamentos, por pré insolvência da devedora originária;

26.          A Requerente não fez obras de modificação estrutural, ou para aumento da sua capacidade edificativa, ou de alteração de objeto para um destino diferente;

27.          Em suma, não ocorreu qualquer alteração substancial do imóvel ou modificação do seu destino, e um prédio inacabado com trabalhos em curso, não deixa de ser um terreno para construção.

 

2.2.        POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

28.          Por escritura pública de 04-02-2014 a Requerente adquiriu o imóvel inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de V.N. de Gaia, na qual é referido, a propósito da descrição do prédio: natureza: Urbano; Destino: Terreno para Construção;

29.          A aquisição beneficiou da isenção de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do CIMT, por se destinar a revenda;

30.          Em 01-10-2014 é eliminado o artigo matricial ..., por passagem de terreno para construção a edifício (em regime de propriedade horizontal), tendo dado origem ao artigo matricial ... (frações A a AB) da freguesia de ..., em V. N. Gaia;

31.          Como no terreno foi construído um edifício que foi inscrito como prédio em propriedade horizontal na respetiva matriz, operou-se a caducidade da isenção, prevista no n.º 5 do artigo 7.º do CIMT, pelo que, foi emitida a liquidação de IMT n.º ..., datada de 31-12-2014, no montante de € 46.150,00

32.          Atendendo ao teor da escritura de compra e venda, e à declaração mod 1 apresentada previamente à escritura, nenhum dos documentos refere a existência de qualquer edificação, pelo contrário, apenas foi declarado a aquisição por parte da Requerente de um terreno para construção;

33.          Na escritura pública de compra e venda do imóvel não foi feita menção à existência de qualquer edificação no terreno para construção adquirido, já construída ou em construção;

34.          De acordo com as disposições do CIMT, o facto tributário do IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão, e é nesse momento que se constitui a relação jurídica tributária que determina, para o sujeito ativo (credor), o direito ao tributo e a correspondente obrigação de pagamento, para o sujeito passivo;

35.          O artigo 7.º do CIMT prevê a isenção do IMT quando os prédios são adquiridos para revenda, isenção que, nos termos do n.º 5 do artigo 11 do CIMT, caduca logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado um destino diferente, ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de 3 anos o foram novamente para revenda; 

36.          O registo da propriedade horizontal, na Conservatória do Registo Predial de ..., ocorreu em 07-10-2014, pelo que se pode concluir que, no presente caso, ao prédio adquirido para revenda foi dado destino diferente, daquele que apresentava no momento da aquisição;

37.          Não estando provado que, aquando da aquisição do terreno para construção, este já possuía uma edificação, pelo que se considera ter havido uma alteração substancial do prédio adquirido com construção do edifício no terreno para construção, o que configura, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, que foi dado destino diferente ao prédio adquirido, o que determina a cessação da isenção, e a consequente liquidação de IMT n.º ... no montante de € 46.150,00.

 

3.            SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

4.            MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.        Factos Provados

 

1.            A Requerente é uma sociedade por quotas, de índole familiar, constituída a 24 de janeiro de 2007, cujo objeto social visa a “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, assim como a construção de imóveis, reabilitação de imóveis e sua promoção e venda, compra e venda de bens móveis e revenda destes, assim como a gestão de condomínios e de patrimónios imobiliários e Construção de edifícios (residenciais e não residenciais). Arrendamento de bens móveis, Arrendamento de bens imobiliários, Atividade de prestação de informação no âmbito de atividade imobiliária.”; (Cfr certidão permanente com o código de acesso...)

2.            No âmbito destas atividades empresariais procedeu a Requerente, em 4 de fevereiro de 2014, à aquisição do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., freguesia do ..., concelho de Vila Nova de Gaia, pelo valor de € 710.000,00;

3.            Ficou expressamente declarado na escritura de compra e venda que o prédio se destinava a revenda (cfr. documento n.° 5).

4.            A Requerente beneficiou da isenção de IMT ao abrigo do artigo 7.º do CIMT (Cfr. admitido pelas partes);

5.            A Requerente adquiriu o imóvel com uma edificação que se encontrava em fase de construção, estando na fase dos acabamentos que a Requerente terminou. (depoimento de parte)

6.            As obras de edificação foram aprovadas por despacho da Senhora Vereadora a 7 de julho de 2011, e emitido o Alvará de Licença de Obras de Edificação n.º ...– Processo n.º ..., registado em 31-08-2011. (cfr. documento n.° 8)

7.            O prazo para conclusão das obras era de 24 meses, ou seja, até 31 de agosto de 2013 (cfr. documento n.° 8).

8.            A 9 de maio de 2014, a Requerente apresentou uma pretensão à Câmara Municipal de ..., na qual expressamente refere, para o que interessa no caso sub judice, que: “Para a obra em questão, foram projetados dois elevadores, por cada caixa de escada. Cada entrada conta com nove habitações. A firma “B..., S.A.”, por falta de capacidade financeira, foi obrigada a vender esta construção, que se encontra concluída da fase de pedreiro e já com alguns acabamentos da arte de trolha.”, sublinhado pela Requerente. (cfr. documento n.° 10).

9.            Em 02-10-2014 a Requerente apresentou o Modelo 1 do IMI, registada sob o n.º ..., no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., referente ao registo de propriedade horizontal. (Cfr. PPA)

10.          O registo da propriedade horizontal, na Conservatória do Registo Predial de ..., ocorreu em 07-10-2014, cerca de 10 meses a contar da aquisição do imóvel. (Cfr. documento n.º 6)

11.          E à medida que eram concluídas cada uma das frações autónomas, foram sendo requeridos alvarás de utilização, que começaram a ser emitidos pela Câmara Municipal de ... a 21 de novembro de 2014, conforme decorre do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Cfr. Documento n.º 7)

12.          O prédio, quando adquirido pela Requerente, não estava em condições de obter as licenças de construção por lhe faltarem as obras que possibilitassem a emissão das licenças. (Depoimento de parte)

13.          Depois de legalizado o edifício a Requerente comercializou as 28 unidades independentes. (confissão da Requerente não contestada pela Requerida)

14.          Em 23 de dezembro de 2014 o Serviço de Finanças de ... emitiu a liquidação n.º... no valor de € 43.150,00 a título de IMT, e o montante de € 460,24 a título de juros de mora. (admitido pelas partes)

15.          A 2 de fevereiro de 2017 a Requerente instaurou um procedimento de revisão oficiosa do ato tributário (cfr. documento n.º 3).

16.          A AT notificou a Requerente, por ofício n.º ..., de 4 de outubro de 2019, do projeto de decisão de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa do ato tributário e para, querendo, exercer o direito de participação na modalidade de audição prévia previsto no artigo 60.° da LGT.(cfr. Documento n.º 4)

17.          Projeto de decisão que foi convertido em definitivo.

 

4.2 Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

4.3          Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

5.            THEMA DECIDENDUM

 

A questão objeto do presente processo reconduz-se a determinar, para efeitos de caducidade do direito à isenção de imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis, que decorre da conjugação das disposições conjugadas dos artigos 7 e 11.º do CIMT – isenção pela aquisição de prédios para revenda – se o prédio sofreu transformações substanciais e lhe foi dado destino diferente.

 

Na verdade, trata-se de uma questão de interpretação da aceção jurídica do conceito legal de “destino diferente” , para efeitos de caducidade do imposto.

 

6.            DO DIREITO

 

A resposta à questão objeto dos presentes autos está, hoje, consolidada na nossa ordem jurídica, quer pela via jurisprudencial – judicial e arbitral – quer doutrinal.

 

O artigo 7.º do CIMT, isenta de IMT a aquisição de prédios para revenda, dispondo o seu n.º 1:

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda (…)

 

Por seu turno o n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, determina QUE:

(…)

5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda. (…) negrito nosso.

 

Ou seja, este normativo prevê a caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de 3 anos ou o foram novamente para revenda.

 

Parafraseando a AT, mais concretamente, o apelo à anotação ao n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, pelos autores J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas in Os impostos sobre o Património Imobiliário, Edição Engisfisco, página 404, na qual é referido: “De acordo com o disposto nesta norma, a isenção de que beneficiam os prédios adquiridos para revenda é sujeita à condição de os mesmos serem efetivamente destinados a ser vendidos o quadro do exercício de uma atividade empresarial de compra e venda de imóveis geradora de rendimentos sujeitos a tributação em IRS ou IRC. Nestas circunstâncias os prédios são tratados como quaisquer mercadorias da atividade da empresa beneficiária. (…) É ainda causa determinante da perda do benefício a atribuição aos prédios de qualquer outro destino que não a revenda.”(sublinhado e sombreado nossos)

 

Podemos desde já concluir que um destino diferente, suscetível de fazer operar a caducidade da isenção, há-se ser um destino que não a revenda.

 

Não está aqui em causa qualquer alteração das condições “físicas” do prédio no hiato temporal que vai da data da aquisição à data da revenda.

 

Neste sentido, passamos a citar dois acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos processos n.ºs 0798/04 e 01626/13, respetivamente, de 26-01-2005 e 17-09-2014, nos quais ficou consignado que só constitui destino diferente a “alteração substancial do prédio, nomeadamente a transformação de um terreno em prédio urbano, através da construção de um edifício posteriormente vendido ou da demolição de uma casa e seguinte venda do terreno para construção”, não representando destino diferente prédio adquirido (terreno com edifício habitacional em construção), ainda em tosco, ter sido revendido em estado diverso daquele em que foi adquirido por força das obras de acabamento da construção do edifício, bem como por força da constituição da propriedade horizontal desse prédio e revenda das respetivas frações autónomas.

 

Ficou ainda assente que “não obsta à isenção o facto de o prédio não estar ainda totalmente construído: o que foi adquirido foi um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado.

 

Esta é, aliás, a posição assumida pela Administração Tributária, no âmbito do imposto de SISA, o que resulta inequivocamente do Despacho da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, de 13-09-1996, publicado na CTF n.º 380, pag. 490, com o seguinte teor: “O fundamento da isenção do n.º 3 do artigo 11.º está na circunstância de os prédio adquiridos  se manterem no activo permutável, enquanto mercadorias das empresas tributadas pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda, não sendo esta característica afectada pelo acabamento dos prédios adquiridos, ainda em construção, e pela constituição posterior da propriedade horizontal.”

 

Esta orientação corresponde também à assumida no Parecer n.º 119/95 do Centro de Estudos Fiscais, sancionado por despacho de 13/09/96 do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

 

Conclui-se de tudo quanto fica acima dito que, para efeitos de caducidade da isenção do artigo 7.º do CIMT, não importa se o imóvel é revendido no preciso e exato estado em que foi adquirido, o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem adquirido para revenda.

Por isso, tendo ficado provado que o imóvel beneficiário da isenção, foi adquirido numa fase avançada de construção, já com licenciamento Camarário para a edificação de um imóvel com 28 habitações independentes, tendo a Requerente terminado as obras de acabamentos, procedido à constituição da Propriedade Horizontal, requerido as licenças de utilização e procedido à sua comercialização, é por demais evidente que não se verificou uma “metamorfose”, nem tão pouco qualquer desvio da sua afetação à revenda.

 

Em suma, um prédio inacabado com trabalhos em curso, não seixa de ser um terreno para construção, e o destino do prédio sempre foi o de revenda, depois de constituído em propriedade horizontal, o que decorria do projeto aprovado.

 

O imóvel existente foi, legalmente, fracionado e revendido.

 

Atento o que fica acima dito, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação de IMT n.º ..., de 23 de dezembro de 2014, no valor de € 46.150,00, é ilegal com base em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito em que assentou.

 

6.2 Do Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios da existência de uma quantia paga a reembolsar, conclui-se que o processo arbitral é também meio adequado para apreciar o pedido de reembolso.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação e sua anulação há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios, pois a liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

 

Assim, em consequência da anulação da liquidação a Requerente tem direito ao reembolso da quantia paga e a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou, desde a data do pagamento, até à data em que for processada nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva (artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).

 

7.            DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e em consequência:

 

a) anular a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 46.150,00;

b) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar os Requerentes do montante indevidamente pago acrescido dos juros indemnizatórios.

 

8.            VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 46.610,24.

 

9.            CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 18 de fevereiro de 2021

 

Notifique-se

 

O árbitro

(Cristina Coisinha)