Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 706/2014-T
Data da decisão: 2015-04-10  IUC  
Valor do pedido: € 5.367,66
Tema: IUC - Incidência subjetiva; presunções legais
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

CAAD: ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA

PROCESSO nº: 706/2014-T

IUC: Incidência Subjetiva; Presunções Legais.

 

 

 

 

Decisão Arbitral Tributária

CAAD-Arbitragem Tributária

Processo nº 706/2014-T

Requerente – A...-, S.A.

Requerida – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

Tema - Liquidação do Imposto Único de Circulação (IUC)

O árbitro designado - Maria de Fátima Alves

 

1           RELATÓRIO

 

1.1     – A...-, S. A., com o NIP: ..., Reclamante no procedimento tributário, acima e à margem referenciado, doravante, denominado “Requerente”, veio, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), do artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e  do artigo 95º, nºs 1 e 2 alínea d) da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, com vista a:

 

-   A anulação dos atos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (doravante designado por IUC), efectuados pela Autoridade Tributária (doravante AT), referente aos anos de: 2013 e 2014, respeitante aos veículos, identificados nos documentos nºs 4 e 5, que fazem parte integrante do Pedido de Pronuncia Arbitral Tributária;

 

-   Ao pedido de reembolso do valor total de € 5.367,66, indevidamente pagos pela Requerente e, juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT.

 

 

1.2     Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular, Maria de Fátima Alves, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo aplicável;

 

-   Em 27-11-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,

-   Pelo que, o tribunal arbitral foi constituído em 17-12-2014, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011,de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

1.3     A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

 

 

-   Os veículos, a que respeitam o imposto único de circulação liquidado e identificados nos documentos nºs 4 e 5 juntos à PI, carecem de fundamentação, uma vez que, aquando das notificações das respectivas liquidações, teriam, estas, que mencionar factos que permitissem concluir que, respeitante aos anos de 2013 e 2014, “a requerente era proprietária, presumida ou não, ou equiparada a proprietária”;

                            -   E que a Requerente, ao exercer o seu direito de audição prévia, justificou, com elementos probatórios , consubstanciados nos documentos ( doc. nº 2) comprovativos da transmissão de propriedade, da esfera da requerente para terceiros, pelo que não podia, de forma alguma, ser detentora dos veículos, em causa;

-Pelo que a Autoridade Tributária, ao não considerar os elementos probatórios apresentados pela Requerente, também, não considerou o preceituado nos artigos 3º e 6º do CIUC, que estipula que: “são responsáveis pelo pagamento do Imposto Único de Circulação, os proprietários dos veículos ou equiparados”;

                            - De qualquer forma, a propriedade jurídica não pertencia, de facto, à Requerente, porquanto esta era entidade  locadora,  decorrendo que, esta jamais usufruiu dos veículos, pois estes, estiveram, desde o momento da sua aquisição, a ser utilizados, apenas e só, pelos locatários;

 

-   Pelo que, à data, dos factos tributários, a Requerente, não podia, ser considerada, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjectiva pelo seu pagamento;

-   A Requerente fundamenta a sua posição no facto de os veículos automóveis tributados estarem inseridos no âmbito de contratos de locação financeira, o que, no nosso ordenamento jurídico, pressupõe ao locatário o gozo exclusivo do bem locado;

-   Acresce que, aquando do exercício de audição prévia, procedeu “ à necessária publicidade dos autos, juntando todos os elementos probatórios, conforme o descrito no documento nº 5, junto à PI;

-   “ Tendo, assim, a AT ficado ciente da transmissão dos veículos a terceiros, independentemente de estes terem registado a sua compra”;

-   Situação factual que afasta a Requerente de ser proprietária dos veículos à data da exigibilidade do respectivo imposto;

-   “Não sendo, por isso,  responsável pelo pagamento de qualquer quantia”

-   Embora, não ponha em causa o facto da AT recorrer às bases  de dados do “IRN e do IMT, para obter a informação dos proprietários dos veículos”

-   O que não aceita é que a AT,” perante elementos irrefutáveis que comprovem o ato translativo da propriedade ou o facto da aqui Requerente não ser proprietária dos veículos à data em que o imposto seria exigível, a AT se mostre intransigente, rejeitando ter conhecimento da dita transmissão”.

 

 

 

1.4     A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT),   apresentou resposta, da qual se retira que os atos tributários, controvertidos, não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção dos atos de liquidação questionados, defendendo, sumariamente o seguinte:

 

-   Considera,” descabido e infundado” o facto da Requerente alegar “vício de falta de fundamentação” os atos tributários controvertidos, porque não fez prova de que a mesma era proprietária dos veículos, em 2013 e 2014;

 

-   “Que aquando do exercício da audição prévia, relativamente aos veículos em causa, juntou aos autos cópia da informação prestada pela Conservatória do Registo Automóvel-Instituto do Registo e Notariado, onde se atesta claramente que a Requerente figurava como proprietária do registo-à data dos factos em causa”;

 

-   Considerando, ainda, “que a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto”;

 

                     - Salienta que as alegações da Requerente não podem proceder, porque a mesma faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada;

                       - E, que a Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, mas também, não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC.

 

1.5     A reunião prevista no artigo 18º do RJAT realizou-se no dia 02-03-2015, onde foi decidido, pelo Tribunal, com o acordo das partes, prescindir-se da inquirição de testemunhas;

 

-   Os Ilustres Mandatários das partes, apresentaram, oralmente, as suas alegações; 

 

-   O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, designou até ao dia 10-04-2015, para o efeito de prolação da decisão arbitral.

 

 

 

 

 

2           QUESTÕES DECIDENDAS

 

2.1     Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

 

-   A alegação feita pela Requerente relativa à liquidação material dos atos de liquidação, relativos aos anos de 2013 e 2014 referente ao IUC sobre os veículos supra referenciados na PI;

-    A presunção ilidível  do artigo 3º do CIUC

-   A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;

-   O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.

 

3           FUNDAMENTOS DE FACTO

 

3.1     Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

 

-   A Requerente apresentou elementos probatórios constantes dos documentos nºs 4 e 5, junto à PI, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais; 

 

4.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS

-   Os factos dados como provados estão baseados nos documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral da supra referida PI, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

      3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS

-   Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

 

 

4           FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

4.1     O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1,alínea a) e nº 2 do RJAT:

 

-   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;

 

-   O processo  não enferma de nulidades.

 

4.2     O pedido, objecto do presente processo é a declaração de anulação dos  atos de liquidação do IUC relativo aos veículos automóveis melhor identificados nos documentos junto à respectiva  PI;

 

4.2.1        Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor de € 5. 367,66;

4.2.2        Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre os mesmos montantes.

 

4.3     A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.

 

4.4     Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.

 

5           QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÂO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC

 

5.1     Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria lei objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:

 

-   A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12 e de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;

-   Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “ São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;

-   A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão ”considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão  pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas , com sentidos equivalentes;

-   Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela  expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos  dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “ presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da  expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e consubstanciando, igualmente, uma presunção;

-   Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “ considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão ”presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;

-   O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efectivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;

-   A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação  de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efectivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em principio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objectivamente postergados.

 

5.2     Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.

 

5.3     Atentos os factos supra descritos, importa salientar que  os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;

-   Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redireccionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efectivo, sujeito passivo do imposto em causa.

-   O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).

-   A audição prévia que, naturalmente, se há de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança se identificar o sujeito passivo do IUC.

-   Que nos autos em apreço, a Requerente, demonstrou, à AT, em sede de audição prévia, que os veículos, in casu, ao momento dos factos controvertidos, não eram propriedade da Requerente, conforme o descrito nos documentos, supra referenciados e, juntos aos autos, que atestam  a transmissão da propriedade dos veículos da Requerente para terceiros, sendo estes, os sujeitos passivos do Imposto Único de Circulação, à data da sua exigibilidade( cfr., artigos 3º e 6º do CIUC.

 

6           SOBRE O VALOR JURíDICO DO REGISTO

 

6.1     Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “ o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:

 

-   O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;

-   O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 29-01-2008, disponíveis em: www.dgsi.pt;

-   Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;

-   Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;

-   Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículos automóveis, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;

-   Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida;

-   O que no referente aos factos controvertidos, existem a transmissão da propriedade por parte da Requerente a terceiros. Elementos probatórios  que foram provados pela Requerente, tanto em sede de audição prévia, como no pedido de pronuncia arbitral, configurando, por isso a certeza de que pertence   aos novos proprietários (os terceiros) a responsabilidade subjectiva dos IUCs, nos termos do nº 1 do artigo 3º do CIUC.

 

 

7           A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

7.1     DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

-   O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;

-   É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;

-   Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referenciados, nos anos de 2013 e 2014, não são de considerar, porque, ao momento dos factos tributários, as viaturas em causa estavam na esfera jurídica de novos proprietários, conforme elementos probatórios apresentados pela Requerente, tanto no exercício de audição prévia, como provas junto ao pedido de pronuncia arbitral, sendo estes os responsaveis, pelo pagamento da obrigação do referido imposto.

 

7.1.1        Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;

7.1.2        Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.

Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela Requerente não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade dos veículos, não lhe pertenciam nos períodos a que as liquidações dizem respeito (ano de 2013 e 2014)

 

7.2     ILISÃO DA PRESUNÇÃO

 

-   A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser sujeito passivo do imposto, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos:

-   Documentos constantes da transmissão de propriedade dos referidos veículos;

 

-   Ora, esses documentos,  gozam, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóvel não era a Requerente.

 

8           OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO

 

-   Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.

 

9           REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO

 

-   Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos de procedência  da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários ”Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”

-   Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

-   O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, referenciados, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

10       DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

-   A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.

-   No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago e, em regra o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e, artigo 61º do CPPT.

-   Pelo que  tem a Requerente direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago referente às liquidações anuladas.

 

11       DECISÃO

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

-   Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante aos anos de: 2013 e, 2014, relativamente aos veículos automóvel identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;

-   Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 5.367,66  euros , condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 5.367,66.

CUSTAS:  De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em   € 612,00, nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária Aduaneira.

 

Notifique-se, as partes.

Lisboa, 10-04-2015

O Árbitro

Maria de Fátima Alves

 

 (o texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia atual)