Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 446/2014-T
Data da decisão: 2015-01-19  IUC  
Valor do pedido: € 2.000,00
Tema: IUC - incompetência do tribunal por razão da caducidade; inexistência do ato tributário
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 446/2014 – T

Tema: IUC- incompetência do tribunal por razão da caducidade; inexistência do acto tributário.

 

            I – Relatório

 

            1.1. A, contribuinte n.º …, natural da freguesia de …, concelho de Lisboa, e residente na Rua…, n.º …, … … (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada dos actos de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, e ao veículo com a matrícula …-...-…, apresentou, em 25/6/2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a), do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a anulação dos referidos actos de liquidação por: “a) errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”; “b) ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida”; “c) preterição de outras formas legais.”

 

            1.2. Em 16/9/2014 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, em 19/9/2014. A AT apresentou a sua resposta em 24/10/2014, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente. Invocou, ainda, duas excepções (por caducidade da acção e ilegitimidade passiva).

 

            1.4. Por requerimento de 3/11/2014, a ora requerente veio solicitar a ampliação do pedido, por forma a que o Tribunal conheça e decida “sobre a fundamentação e legalidade das liquidações oficiosas [de IUC, sobre o mesmo veículo, relativas ao ano de 2014] que vierem a ser realizadas pela AT”.

 

            1.5. Notificada deste requerimento, a AT respondeu, em 12/11/2014, em síntese, que “o tribunal deve abster-se de se pronunciar sobre o mesmo”, dado que “decorre do documento n.º 1 apresentado pela Requerente, [que] a mesma foi apenas notificada para o exercício da audição prévia da liquidação oficiosa de IUC de 2013 e 2014 (e não somente de 2014, como a mesma pugna)” e consta da notificação que “«o imposto em causa não foi liquidado nem pago até à respectiva data limite»”, pelo que “não existe ainda qualquer liquidação (ainda que oficiosa) de IUC referente ao veículo em causa, por referência ao ano de 2014 (ou, em bom rigor, aos anos de 2013 e 2014).”

 

            1.6. Por despacho de 10/12/2014, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, als. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 19/1/2015 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.7. Por despacho de 2/1/2015, foi a requerente notificada para se pronunciar sobre as excepções invocadas na resposta da AT. Em 13/1/2015, a requerente respondeu, em síntese, “que devem improceder totalmente as exceções deduzidas [...], por não provadas”.

 

            1.8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

            2.1. Vem a ora requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “não contente com a decisão [de indeferimento da reclamação interposta a 20/2/2014], a Autora, no dia 15-04-2013, recorreu hierarquicamente para o Sr. Ministro das Finanças [...] [;] considerando que o recurso foi apresentado em abril de 2013, e estamos em junho de 2014, dúvidas não existem que há muito foi ultrapassado o prazo legal estabelecido de 60 dias [pelo que] o silêncio da AT ao recurso apresentado terá assim de valer como deferimento tácito da pretensão da Autora”; b) “o que está em causa neste caso em concreto são as Notas de Apuramento de IUC, referente aos anos de 2008 a 2012, do carro com a matrícula …-…-… [, tendo sido] enviados para o Serviço de Finanças de … vários requerimentos a informar que tal veículo já não pertencia à Autora, nem estava na sua posse, desde o ano de 2006 – data anterior à existência do IUC aqui em causa”; c) “[nos termos do art. 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 78/2008, de 6/5,] um carro matriculado entre 1980 e 2000, que tenha faltado à inspeção periódica obrigatória após o ano de 2003, deve ser cancelado pelos serviços administrativos oficiosamente [e] o carro que pertenceu à Autora, e que deu causa à liquidação que ora se reclama, não vai à inspeção desde pelo menos 2005”; d) “as liquidações feitas com base num ato inválido são nulas, já que o obrigado fiscal não foi notificado de forma legal dos valores que foram incluídos no ato de liquidação”; e) como “desde o ano de 1998 não houve pagamentos, referentes aos impostos anteriores ao Imposto Único de Circulação, a AT deixou de ter o direito de cobrar um imposto referente aos anos de 2008 a 2012”; f) “as datas das liquidações do IUC, e às datas a que se reportam os factos tributários que as originaram, a Autora não era proprietária do veículo e, consequentemente, não assume a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, conforme se demonstrou com a junção ao processo de todos os documentos”; g) “a norma de incidência subjetiva inscrita no n.º 1, do artigo 3.º do CIUC admite que a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória possa demonstrar, através dos meios de prova admitidos em direito, que não é proprietária do veículo no período a que o imposto respeita e afaste assim a obrigação de imposto que sobre ele recai”; h) “as presunções de incidência tributária podem ser ilididas através de procedimento contraditório previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiam”; i) “o veículo em causa, e que origina a liquidação do IUC, não existe pois foi vendido para sucata no decorrer do ano de 2006; e já não existia em 2008 [pelo que] a liquidação não foi validamente notificada à Autora.”

            2.2. Conclui a ora requerente que: a) devem “ser anuladas as notas de apuramento de IUC referente aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, com todos os efeitos legais daí resultantes”; b) devem “ser revogadas as decisões de indeferimento nos processos de reclamação graciosa” relativos a tal IUC; e c) as “custas [devem ficar] a cargo da Autoridade Tributária.”

 

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, em síntese, na contestação: a) que “a Requerente apresentou reclamação graciosa, relativamente à liquidação do ano de 2008, tendo esta sido indeferida. Nessa sequência, interpôs recurso hierárquico, o qual foi também indeferido, por despacho de 2013/04/24, proferido pelo Director de Finanças de Leiria, em regime de substituição”; b) que, apesar de “a ora Requerente [...] referir que até à data de apresentação deste pedido de pronúncia arbitral, não foi notificada de qualquer decisão respeitante ao Recurso Hierárquico [...], «decorridos [...] 60 dias, o recurso presume-se tacitamente indeferido (art. 175.º, n.º 1 e 3, do CPA)» [...] e não deferido como alegado pela Requerente”; c) que, “compulsados os elementos ao dispor, cumpre referir que para os anos de 2010, 2011 e 2012 não existe qualquer liquidação de IUC referente ao veiculo em causa, pelo que as mesmas não são susceptíveis de impugnação [uma vez que,] conforme decorre do doc. 7 junto aos autos pela Requerente, foi a mesma apenas notificada para o exercício da audição prévia da liquidação oficiosa de IUC daqueles anos”; d) que o referido “entendimento/decisão foi notificado à Requerente em 26.2.2014 por oficio do Serviço de Finanças, n.º …, conforme despacho proferido para o feito na carta que envia e acompanha [a] reclamação [graciosa], pelo que apenas nos pronunciaremos quanto às liquidações [de IUC de 2008 e 2009]”; e) que “um dos pedidos formulados pela Requerente «revogação das decisões de indeferimento nos processos de reclamação graciosa» não se enquadra no âmbito das competências atribuídas aos tribunais arbitrais em matéria tributária, nos termos do artigo 2.º do RJAT”; f) que “o legislador tributário quis intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais [os veículos] se encontrem registados”; g) que, “à luz [do elemento sistémico de interpretação da lei e] de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada”; h) que “os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, constante da Conservatória do Registo Automóvel”; i) que “o acto tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação da Requerente no presente pedido de pronúncia arbitral revela que esta não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do acto”; j) que, “no caso dos autos, está em causa um ato de liquidação de IUC referente ao ano de 2008, cujo prazo de caducidade se iniciou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, 01.01.2009. Assim, iniciando-se a contagem do prazo geral de caducidade a que alude o disposto no n.º 1 do Art. 45.º da LGT em 01.01.2009, apenas precludiria em 31.12.2012. Logo, tendo a liquidação de IUC sido notificada à Requerente em 30/11/2012 [...], afere-se que ainda não se encontrava ultrapassado o prazo geral de

de 4 anos”; l) que “a argumentação veiculada pela Requerente representa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva”; m) que não houve “prova da transmissão da propriedade do veículo”.

            Invoca, ainda, duas excepções, a saber: a) excepção por caducidade da acção, porque “a Requerente demonstra que apresentou o Recurso Hierárquico em 15/04/2013 [pelo que é] manifestamente intempestivo o presente pedido por referência ao ano de 2008, o qual deveria ter sido alvo de impugnação arbitral até Novembro de 2013 e não em 25/06/2014”; e b) excepção por ilegitimidade passiva, por considerar que “a apreciação do mérito da pretensão da Requerente no presente litígio acarretará necessariamente, dado que a decisão arbitral está limitada ao objecto do pedido formulado pelas partes em juízo, não podendo condenar em objecto diverso do pedido (cfr. artigo 609.º, n.º 1, do CPA), a pronúncia sobre actos praticados pelo IMTT, pelo que seria essencial a intervenção principal provocada daquela entidade no presente processo arbitral, à luz dos artigos 316.º e ss. do CPC [...] [pelo que] deve considerar-se procedente a excepção invocada e absolver-se a entidade pública demandada da instância, ao abrigo dos artigos 89.º, n.º 1, alínea d), do CPTA e do artigo 576.º, n.º 2, do CPC”. 

 

            A finalizar, a AT sustenta que “devem ser julgadas procedentes as excepções aqui invocadas e, em conformidade, ser a entidade requerida absolvida da instância, ou caso assim se entenda, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido [e] condenando-se a requerente em custas.”

 

            2.4. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A requerente actua no mercado de exploração florestal, possuindo veículos que são sujeitos ao pagamento de IUC.

 

            ii) As invocadas liquidações em causa dizem respeito ao pagamento de IUC dos anos de 2009 a 2012, de veículo da categoria A, com a matrícula …-…-… (do ano de 1988).

 

            iii) Como decorre da leitura de doc. n.º 7 junto aos autos pela requerente, a mesma foi notificada, a 13/6/2013, para exercer o direito de audição prévia quanto à liquidação oficiosa de IUC dos anos de 2009 a 2012, referente ao veículo em causa.

 

iv) Em 23/10/2013, a ora requerente foi notificada da liquidação nº …, relativa ao IUC do ano de 2009 (vd. ponto 18.º da petição inicial e doc n.º 9 apenso à mesma). Em 20/2/2014, interpôs reclamação dessa liquidação (vd. doc. n.º 10).

 

            v) Segundo o doc. n.º 1 apenso ao requerimento da requerente de 3/11/2014, no qual se solicita a ampliação do pedido, a requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia quanto à liquidação oficiosa de IUC de 2013 e 2014, referente ao veículo em causa. 

 

            vi) A requerente interpôs recurso hierárquico (da decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º…) em 15/4/2013 (vd. fls. 3, 18 e 26 a 28 do PA - 2.ª parte, apenso aos autos), tendo entregue o presente pedido de pronúncia arbitral em 25/6/2014.

 

            2.5. Considera-se como não provado o seguinte facto:

 

            i) A alegação da requerente de que o registo já não traduzia, desde 2006, e, portanto, também no momento da obrigação de imposto, a verdade material que lhe teria dado origem.

 

III – 1.ª Questão Prévia: Excepção por ilegitimidade passiva

 

Por se mostrar pertinente, e tratar de caso semelhante ao aqui em análise, observe-se o seguinte excerto da DA n.º 34/2014, de 21/6/2014, sobre idêntica invocação de ilegitimidade passiva: “A decisão sobre a excepção suscitada pela Requerida que, a verificar-se, acarretaria a incompetência material do tribunal, implica necessariamente a análise e avaliação do pedido e da causa de pedir, tal como formulados pela Requerente. Da simples leitura do pedido de pronúncia arbitral dirigido contra a Administração Tributária e Aduaneira extrai-se que a Requerente pugna pela anulação de liquidações tributárias relativas ao Imposto Único de Circulação (IUC) dos anos de 2008 a 2011 e ao veículo automóvel com a matrícula [...]. A Requerente fundamenta o pedido alegando não ser proprietária do veículo em causa nos anos a que respeita o referido tributo, porquanto foi o mesmo por ela doado à [...] em 1998. Daí que não lhe deva ser imputável a qualidade de sujeito passivo da relação tributária em causa, sendo essa qualidade, quanto às situações tributárias constituídas a partir daquele ano, imputável à referida instituição. Porém, na sua argumentação, alega ainda a Requerente que, «mesmo que assim se não entenda», deveria ter sido oficiosamente cancelada a matrícula daquele veículo - não submetido à inspecção periódica obrigatória pelo menos desde aquela data - ao abrigo das disposições pertinentes do Decreto-Lei n.º 78/2008, de 06/05 [do mesmo modo, veja-se, no presente processo, o idêntico pedido feito no ponto 44.º da petição inicial]. De acordo com o disposto no art. 554.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, podem formular-se pedidos subsidiários, considerando-se como tal os que são apresentados ao tribunal para serem tomados em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior. No pedido de pronúncia formulado pela Requerente evidenciam-se, com toda a clareza, um pedido principal ou primário e um pedido subsidiário que, nos termos legais, apenas deverá ser conhecido pelo tribunal em caso de improcedência daquele. É, pois, em relação a este pedido subsidiário que a AT suscita a questão da ilegitimidade passiva e consequente incompetência material do tribunal. Considerando as disposições legais invocadas pela Requerida, nomeadamente as disposições dos arts. 2.º e 4.º, do RJAT, e Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, este tribunal arbitral julga procedente a excepção por ela suscitada. Porém, não com a consequência pedida pela Requerida, mas tão-somente não conhecendo do pedido subsidiário formulado pela Requerente, independentemente da decisão de mérito que venha a proferir quanto ao pedido principal.”

 

            Por se concordar inteiramente com o entendimento citado, que se mostra aplicável ao caso em análise, conclui-se, igualmente, pela procedência da excepção invocada pela AT, mas com a consequência de impedir o conhecimento do pedido subsidiário da requerente. 

 

IV – 2.ª Questão Prévia: Excepção por caducidade da acção quanto à liquidação de 2008

 

            A este respeito, veja-se o que refere, com particular relevância, o seguinte aresto: “O prazo legal máximo para a decisão do recurso hierárquico, de acordo com o disposto no art. 66.º, n.º 5, do CPPT, é de 60 dias. Se o recurso não for decidido nesse prazo, forma-se a presunção de indeferimento findo esse prazo, podendo o interessado impugnar tal indeferimento no prazo referido na alínea d) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT. Deste modo, não é aplicável ao caso o prazo previsto nos n.º 1 e 5 do art. 57.º da LGT, o qual é um prazo geral só aplicável quando outro prazo não estiver previsto para a decisão do procedimento. Interposto recurso hierárquico [...], [a impugnação do indeferimento tácito] é intempestiva [se for] apresentada para além daqueles prazos cumulados de 60 e 90 dias.” (vd. Ac. do STA de 30/4/2013, proc. 122/13).

            Em face do exposto, e lendo o caso em análise, impõe-se observar que: 1) a requerente interpôs recurso hierárquico em 15/4/2013 (vd. fls. 3, 18 e 26 a 28 do PA - 2.ª parte, apenso aos autos); 2) segundo o art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico (que é de 60 dias); 3) como a requerente apresentou tal pedido em 25/6/2014, ultrapassou o prazo legal (de 60 + 90 dias), o qual impunha que esse pedido de constituição de tribunal arbitral tivesse sido apresentado até 16/9/2013 (= 15/4/2013 + 60 dias + 90 dias, considerando que a contagem não se suspende no período de férias judiciais e que 15/9/2013 foi um domingo).

 

            Assim, nestes termos, verificando-se a mencionada excepção por caducidade da acção, tal obsta, de imediato, ao conhecimento, por este Tribunal, do pedido em causa, no que se refere à liquidação de 2008, pelo que não será possível analisar os seus fundamentos (nem os vícios a ela apontados, como é o caso da alegada caducidade do direito a liquidar esse IUC).

 

No mesmo sentido, ver, por ex., as seguintes decisões: “a data da remessa do processo ao superior hierárquico [...] determina o início do prazo de 60 dias para sua decisão, previsto no art. 66.º, n.º 5, do CPPT” (DA n.º 76/2012-T, de 29/19/2012); “a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. art. 333.º, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do art. 493.º, n.º 3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento «de meritis» e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr. ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 15/1/2013, proc. 6038/12; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 23/4/2013, proc. 6125/12; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 12/12/2013, proc. 7004/13).” (Ac. do TCAS de 16/1/2014, rec. 7170/13); “a contagem do prazo para deduzir a acção deve observar as regras do artigo 279.º do Código Civil, como de resto prevê expressamente o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, no que se refere à impugnação judicial. Por essa razão, a contagem de tal prazo é corrida e não se suspende durante as férias judiciais” (DA n.º 35/2012-T, de 11/12/2012); “No essencial, a argumentação deste STA tem sido a seguinte: a alínea e) do art. 279.º do Código Civil estabelece que «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo». A norma pode decompor-se em dois segmentos, o primeiro até ao ponto e vírgula e o segundo depois dele. Da letra da primeira parte da norma resulta que o termo de qualquer prazo, incluindo o de prescrição, que caia em domingo ou feriado, se transfere para o primeiro dia útil seguinte. Isto é assim para todos os prazos, sem razão para excluir o prescricional, de acordo, aliás, com o artigo 296.º do mesmo diploma, que estabelece serem «aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei», as regras do artigo 279.º” (Ac. do STA de 8/10/2014, rec. 548/14).

 

V – 3.ª Questão Prévia: Ampliação do pedido (“liquidações” de 2013 e 2014)

 

            Impõe-se, ainda, tratar previamente do pedido de ampliação feito pela ora requerente – dado que o mesmo remete para (alegadas) liquidações que não estão abrangidas pela excepção de caducidade da acção.

 

Ora, sobre tal pedido, não restam dúvidas de que o mesmo deve improceder, dado que, como bem lembrou a AT, na sua resposta ao pedido de ampliação, a requerente foi somente notificada para o exercício da audição prévia da liquidação oficiosa de 2014 (e, também, de 2013: vd. doc. n.º 1 apenso ao requerimento da requerente de 3/11/2014), pelo que não existe, ainda, qualquer liquidação relativa a este (s) ano(s).

 

Nestes termos, e considerando o que dispõem os artigos 2.º do RJAT, na redacção em vigor (no que se diz respeito à competência dos tribunais arbitrais tributários) e 264.º e 265.º do CPC (relativamente aos requisitos para admitir a ampliação do pedido), estes aplicáveis ex vi o art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, conclui-se inexistir fundamento que justifique a solicitada ampliação, porque, como resulta evidente da leitura dos autos, também (ainda) não existe acto susceptível de impugnação quanto aos exercícios de 2013 e 2014.

 

            VI – 4.ª Questão Prévia: Valor da causa e “liquidações” de 2010 a 2012

 

            Por último, atendendo à necessidade de definição do valor deste processo - dado que a AT contestou o valor de €2000,00 que foi apresentado pela requerente -, impõe-se uma breve nota justificativa da redução do referido valor (a qual, em qualquer caso, não tem implicações no montante das custas).

 

            Com efeito, a redução justifica-se porque: se verifica, por um lado, ser procedente a excepção por caducidade do direito de acção, quanto à liquidação de 2008; e porque, por outro lado – e como se informa na decisão notificada à requerente em 26/2/2014, por ofício do SF n.º … –, “apenas existe liquidação para o ano de 2009 [uma vez que,] para os anos de 2010, 2011 e 2012, e outros como é referido, não existe [...] qualquer liquidação, pelo que não é susceptível de reclamação”. Note-se, de resto, que a própria requerente reconhece este facto no ponto 86.º da sua petição inicial (“só veio a ser feita liquidação de imposto para 2009”).

 

De facto, consultando os presentes autos (nomeadamente, o doc. n.º 7 junto aos autos pela requerente), não se vislumbram as invocadas liquidações dos anos de 2010 a 2012 mas apenas, tal como já se tinha constatado quanto aos anos de 2013 e 2014, a notificação para o exercício da audição prévia da liquidação oficiosa de IUC daqueles anos.

 

Nestes termos, o valor da causa deve, em conformidade com o que dispõe o art. 12.º, n.º 2, do RJAT, ser reduzido de modo a contemplar apenas o valor da liquidação impugnada relativa a 2009: €12 (= €10,30 de IUC + €1,70 de juros: vd. doc. n.º 9).

 

            VII – Fundamentação: A Matéria de Direito

           

            Tendo em consideração as conclusões retiradas a respeito das várias questões prévias, conclui-se que apenas resta a apreciação de mérito da liquidação de IUC de 2009.

 

            Quanto a esta liquidação, alega a requerente que: 1.1) “o que está em causa neste caso em concreto são as Notas de Apuramento de IUC, referente aos anos de 2008 a 2012, do carro com a matrícula …-…-… [, tendo sido] enviados para o Serviço de Finanças de … vários requerimentos a informar que tal veículo já não pertencia à Autora, nem estava na sua posse, desde o ano de 2006 – data anterior à existência do IUC aqui em causa”; 1.2) “às datas das liquidações do IUC, e às datas a que se reportam os factos tributários que as originaram, a Autora não era proprietária do veículo e, consequentemente, não assume a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, conforme se demonstrou com a junção ao processo de todos os documentos”; 1.3) “a norma de incidência subjetiva inscrita no n.º 1, do artigo 3.º do CIUC admite que a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória possa demonstrar, através dos meios de prova admitidos em direito, que não é proprietária do veículo no período a que o imposto respeita e afaste assim a obrigação de imposto que sobre ele recai”; 1.4) “as presunções de incidência tributária podem ser ilididas através de procedimento contraditório previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiam”; 1.5) “o veículo em causa, e que origina a liquidação do IUC, não existe pois foi vendido para sucata no decorrer do ano de 2006”.

 

Alega, ainda, a ora requerente que não foi validamente notificada e que ocorre falta de fundamentação, dado que “o obrigado fiscal não foi notificado de forma legal dos valores que foram incluídos no ato de liquidação”.

 

            Vejamos, então.

 

            A. O art. 3.º, n.os 1 e 2, do CIUC, tem a seguinte redacção, que aqui se reproduz:

 

            “Artigo 3.º – Incidência Subjectiva

           

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

             

            A interpretação do texto legal citado é, naturalmente, imprescindível para a correcta resolução do caso em análise. Nessa medida, afigura-se necessário recorrer ao art. 11.º, n.º 1, da LGT, e, por remissão deste, ao art. 9.º do Código Civil (CC).

 

            Ora, nos termos do referido art. 9.º do CC, a interpretação parte da letra da lei e visa, através dela, reconstituir o “pensamento legislativo”. O mesmo é dizer (independentemente da querela objectivismo-subjectivismo) que a análise literal é a base da tarefa interpretativa e os elementos sistemático, histórico ou teleológico são guias de orientação da referida tarefa.

 

            A apreensão literal do texto legal em causa não gera - ainda que seja muito discutível a separação desta relativamente ao apuramento, mesmo que mínimo, do respectivo sentido - a noção de que a expressão “considerando-se como tais” significa algo diverso de “presumindo-se como tais”. De facto, muito dificilmente encontraríamos autores que, numa tarefa de pré-compreensão do referido texto legal, repelissem, “instintivamente”, a identidade entre as duas expressões.

 

            Confirmando a indistinção (tanto literal como de sentido) das palavras “considerando” e “presumindo” (presunção), vejam-se, por ex., os seguintes artigos do Código Civil: 314.º, 369.º, n.º 2, 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 2, e 1629.º. E, com especial interesse, o caso da expressão “considera-se”, constante do art. 21.º, n.º 2, do CIRC. Como assinalam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, a respeito desse artigo do CIRC: “para além de esta norma evidenciar que o que está em causa em sede de tributação de mais valias é apurar o valor real (o de mercado), a limitação ao apuramento do valor real derivada das regras de determinação do valor tributável previstas no CIS não poder deixar de ser considerada como uma presunção em matéria de incidência, cuja ilisão é permitida pelo artigo 73.º da LGT” (veja-se Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, pp. 651-652).

 

            B. Estes são apenas alguns exemplos que permitem concluir que é precisamente por razões relacionadas com a “unidade do sistema jurídico” (o elemento sistemático) que não se poderá afirmar que só quando se usa o verbo “presumir” é que se está perante uma presunção, dado que o uso de outros termos ou expressões (literalmente similares) também podem servir de base a presunções. E, de entre estas, as expressões “considera-se como” ou “considerando-se como” assumem, como se viu, destaque.

 

            Se a análise literal é apenas a base da tarefa, afigura-se, naturalmente, imprescindível a avaliação do texto à luz dos demais elementos (ou subelementos do denominado elemento lógico). Justifica-se, portanto, averiguar se a interpretação que considere a existência de uma presunção no art. 3.º do CIUC colide com o elemento teleológico, i.e., com as finalidades (ou com a relevância sociológica) do que se pretendia com a regra em causa. Ora, tais finalidades estão claramente identificadas no início do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (vd. art. 1.º do CIUC).

 

            O que se pode inferir deste artigo 1.º? Pode inferir-se que a estreita ligação do IUC ao princípio da equivalência (ou princípio do benefício) não permite a associação exclusiva dos “contribuintes” aí referidos à figura dos proprietários mas antes à figura dos utilizadores (ou dos proprietários económicos). Como bem se assinalou na DA n.º 73/2013-T, de 5/12/2013: “na verdade, a ratio legis do imposto [IUC] antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o «proprietário económico» no dizer de Diogo Leite de Campos, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade.”

 

            Com efeito, se a referida ratio legis fosse outra, como compreender, p. ex., a obrigação (por parte das entidades que procedam à locação de veículos) - e para efeitos do disposto no art. 3.º do CIUC e no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 22-A/2007, de 29/6 - de fornecimento à DGI dos dados respeitantes à identificação fiscal dos utilizadores dos referidos veículos (vd. art. 19.º)? Será que onde se lê “utilizadores”, devia antes ler-se, desconsiderando o elemento sistemático, “proprietários com registo em seu nome”...?

 

            C. Do exposto retira-se a conclusão de que limitar os sujeitos passivos deste imposto apenas aos proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados - ignorando as situações em que estes já não coincidam com os reais proprietários ou os reais utilizadores dos mesmos -, constitui restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação.

 

            O registo gera, portanto, apenas uma presunção ilidível, i.e., uma presunção que pode ser afastada mediante prova em contrário (prova de que o registo já não traduz, no momento da obrigação de imposto, a verdade material que lhe teria dado origem).

 

            Seria, aliás, injustificada a imposição de uma espécie de presunção inilidível, uma vez que, sem uma razão aparente, estar-se-ia a impor uma (reconhecidamente discutível) verdade formal em detrimento do que realmente podia e teria ficado provado; e, por outro lado, a afastar o dever da AT de cumprimento do princípio do inquisitório estabelecido no art. 58.º da LGT, i.e., o dever de realização das diligências necessárias para uma correcta determinação da realidade factual sobre a qual deve assentar a sua decisão (o que significa, no presente caso, a determinação do proprietário actual e efectivo do veículo).

 

            Acresce que, se não se permitisse ao vendedor a ilisão da presunção constante do art. 3.º do CIUC, estar-se-ia a beneficiar, sem uma razão plausível, os adquirentes que, na posse de formulários de contratos de aquisição correctamente preenchidos e assinados, e usufruindo das vantagens associadas à sua condição de proprietários, se tentassem eximir, por via de um “formalismo registral”, ao pagamento de portagens ou coimas.

 

            A este propósito, convém notar, também, que o registo de veículos não tem eficácia constitutiva, funcionando, como antes se disse, como uma presunção ilidível de que o detentor do registo é, efectivamente, o proprietário do veículo. Neste sentido, veja-se, e.g., o Acórdão do STJ de 19/2/2004, proc. 03B4639: “O registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (arts. 1.º, n.º 1, e 7.º, do CRP84, e 350.º, n.º 2, do C.Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes.”

 

            No mesmo sentido, referiu, a este respeito, a DA n.º 14/2013-T, em termos que aqui se acompanham: “a função essencial do registo automóvel é dar publicidade à situação jurídica dos veículos não surtindo o registo eficácia constitutiva, funcionando (apenas) como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constante. A presunção de que o direito registado pertence à pessoa em cujo nome está inscrito pode ser ilidida por prova em contrário. Não preenchendo a AT os requisitos da noção de terceiro para efeitos de registo [circunstância que poderia impedir a eficácia plena dos contratos de compra e venda celebrados], não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para pôr em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda e para exigir ao vendedor (anterior proprietário) o pagamento do IUC devido pelo comprador (novo proprietário) desde que a presunção da respectiva titularidade seja ilidida através de prova bastante da venda.”

 

            Ora, no caso aqui em análise, verifica-se que a ilisão da presunção (por via de “prova bastante” da venda alegadamente realizada em 2006) não foi realizada (não constam dos autos quaisquer documentos comprovativos de tal alegado facto). Com efeito, a invocação feita pela requerente de “requerimentos a informar que tal veículo já não pertencia à Autora, nem estava na sua posse, desde o ano de 2006” não pode, por si, ser considerada “prova bastante” da venda se for desacompanhada de provas documentais da venda que alega ter realizado. Assim sendo, conclui-se que a requerente não fez prova de que o registo já não traduz, no momento da obrigação de imposto, a verdade material que lhe teria dado origem.

 

Pelo exposto, improcedem a alegações da requerente quanto à ilisão da presunção.

 

            D. Quanto à alegada falta de fundamentação, verifica-se que também não assiste razão à ora requerente.

 

Com efeito, no que diz respeito à liquidação em análise, a do ano de 2009, constata-se que, apesar de a ora requerente invocar, nos pontos 81.º e ss. da sua petição inicial que, “no que diz respeito ao ano de 2009”, “não foi validamente notificada” da referida liquidação, certo é que, como se alega na resposta da AT, e se comprova pela leitura dos presentes autos (veja-se, nomeadamente, o doc. n.º 9), “quer do acto tributário de imposto, quer de todos os pareceres e informações prestados em sede de reclamação graciosa, quer dos ofícios que consubstanciam as decisões tomadas, de todos [constam os elementos necessários, à luz do disposto no art. 77.º da LGT], com base nos quais se decidiu pela emissão dos actos de liquidação de IUC em causa”.

 

Acresce que a ora requerente revela ter apreendido os fundamentos do referido acto, uma vez que se pronunciou sobre os mesmos na sua petição (e na reclamação e recurso que também interpôs). Nessa medida, qualquer vício de forma, a existir, teria que considerar-se sanado, dado que o objectivo pretendido pela lei (com a imposição de conteúdo do acto) teria sido alcançado.

 

Como refere, a este respeito, a DA n.º 131/2012-T, de 25/6/2013: “A fundamentação, quando inexistente ou insuficiente, torna o ato tributário (maxime a liquidação) anulável por vício de forma – artigo 123.º, 124.º, 133.º e 135.º, do CPA, e arts. 70.º-1 e 99.º-c), do CPPT. Todavia, tem-se entendido uniformemente na Jurisprudência que, no que concerne aos vícios de forma de atos administrativos (e o ato tributário tem, obviamente, essa natureza – Cfr. artigo 120.º do CPA), que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objetivo visado pela lei com a sua imposição. Em matéria tributária é o artigo 77.º, da LGT que concretiza, em especial, esse dever de fundamentação estabelecendo que esta pode ser «efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo». Ou seja: é necessário que seja possível a um contribuinte médio (o clássico bonus pater familiae) compreender (que não se confunde com aceitar) as motivações da Administração Fiscal para concluir e proceder dum determinado modo (e não de outro). Ora quando o ato tributário (liquidação adicional de imposto, por exemplo) surge na sequência e em consequência dum procedimento inspetivo levado a cabo pela Administração Fiscal, a dialética ou diálogo que necessariamente se estabelece entre o contribuinte e a inspeção tributária, hão-de tornar difícil, em princípio, o não cumprimento ou até o cumprimento deficiente desse ónus de fundamentação na medida em que a decisão final se vai construindo ao longo desse processo com a participação do contribuinte.”

 

 

***

 

            VIII – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Não conhecer do pedido subsidiário da requerente, por se reportar a matéria excluída do âmbito da competência material do tribunal;

- Julgar procedente a excepção dilatória da incompetência deste tribunal, em razão da caducidade da acção interposta pela requerente, no que se refere à liquidação de 2008;

            - Absolver a requerida da instância (artigos 96.º e 278.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT) quanto à liquidação de 2008;

- Não conhecer do pedido de pronúncia arbitral relativamente às “liquidações” de 2010 a 2014, por inexistirem os respectivos actos susceptíveis de impugnação;

            - Julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação de 2009, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o acto de liquidação impugnado, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

Fixa-se o valor do processo em €12,00 (doze euros), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerente, no montante de €306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de Janeiro de 2015.

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.