Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2014-T
Data da decisão: 2015-01-19  IUC  
Valor do pedido: € 330,54
Tema: IUC – incidência subjetiva; caducidade do direito de acção
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Decisão Arbitral

 

O Juiz-árbitro Francisco de Carvalho Furtado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral constituído em 24 de Março de 2014, decide o seguinte:

 

A)Relatório

 

1.Em 20 de Janeiro de 2014, A, contribuinte n.º …, doravante identificado por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2.No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, juntos em anexo ao Requerimento Inicial.

 

3.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida).

 

4.A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos. O Tribunal foi constituído, nos termos do disposto no artigo 11.º, do RJAT, em 24 de Março de 2014.

 

5.Em 24 de Abril de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

6.Através de requerimento apresentado em 10 de Junho o Requerente, na sequência do despacho arbitral de 4 de Junho de 2014, declarou prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

7. Não tendo o, quer o Requerente, quer a Requerida prescindido de alegar, as Partes foram, através de despacho de 10 de Julho de 2014, notificadas para, querendo, alegar.

 

8. Em 23 de Setembro de 2014, foi proferido despacho no sentido de as Partes se pronunciarem sobre a, eventual, caducidade do direito de agir e extemporaneidade do concreto meio de defesa utilizado.

 

9. A Requerida pronunciou-se no sentido de se verificar a referida excepção requerendo, em consequência, a absolvição da instância arbitral.

 

10. O Requerente, por seu turno respondeu que tendo sido notificado dos actos de liquidação em 31 de Maio de 2013, apresentou o pedido de pronúncia arbitral em Janeiro de 2014, por apenas ter tomado conhecimento, pela comunicação social, da existência do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

a)      Pagou importâncias relativas a IUC liquidado por referência a datas em que já não era proprietário dos veículos.

 

Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      O veículo com a matrícula ...-...-... esteve registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do Requerente até 17 de Dezembro de 2012;

b)      O veículo com a matrícula ...-...-... esteve registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do Requerente até 26 de Junho de 2013;

c)      O Requerente não faz prova da transmissão dos veículos;

d)     O legislador pretendeu que se considerem como proprietários as pessoas em nome dos quais os veículos se encontrem registados (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC);

e)      De igual modo o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, do qual constam os factos sujeitos a registo;

f)       O legislador, estabeleceu no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC quem são os sujeitos passivos deste imposto não utilizando o vocábulo “presumem-se”, mas “considerando-se”;

g)      Assim, será imperativo concluir que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente sobre quem incide subjectivamente o imposto;

h)      Considerar que o legislador consagrou uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem;

i)        Não se trata de uma presunção, mas de uma opção de política legislativa;

j)        De igual modo, é preciso atender ao facto de o artigo 6.º, n.º 1, do CIUC determinar que o facto gerador do imposto é a propriedade tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional;

k)      Da articulação entre a incidência subjectiva e o facto gerador resulta que só as situações jurídicas objecto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto;

l)        Existe uma relação directa entre o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto e a emissão do certificado de matrícula;

m)    A Administração tributária liquida o imposto com base nos elementos constantes do Registo Automóvel, que contém todos os elementos necessários à determinação do sujeito passivo sem necessidade de acesso a contratos de natureza particular que conferem tais direitos;

n)      Tendo em consideração a actual configuração do sistema jurídico não se terá que promover a liquidação com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos;

o)      A ratio do regime aponta no sentido de ter sido a intenção do legislador criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel;

p)      Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime da tributação dos veículos em Portugal passando a ser sujeito passivo do imposto o proprietário constante do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública;

q)      Tal ratio resulta da exposição de motivos referente à Proposta de Lei n.º 118/X;

r)       Outra interpretação do artigo 3.º, do CIUC é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica;

s)       De igual modo, tal interpretação da Requerente, também se mostra ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida;

t)       Por fim, a interpretação da Requerente viola o princípio da proporcionalidade na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade, sem que, contudo, o tenha exercitado em devido tempo;

u)      Ainda que o Tribunal Arbitral decida pela ilegalidade das liquidações em apreço, as custas arbitrais deverão ser suportadas pela Requerente.

 

B)Matéria de facto

 

B.1 – Factos provados

 

Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

a)      O Requerente foi, em 10 de Julho de 2013, notificada dos seguintes actos de liquidação de IUC 2010...03; 2011 ...03; 2009 ...03; 2011 ...03; 2012 ...03 e 2010 ...03 (cfr. documentos juntos ao requerimento inicial);

b)      O Requerente apresentou o presente pedido de pronuncia arbitral em 20 de Janeiro de 2014.

 

C)Saneador

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Contudo, existe, como apontado no despacho de 23 de Setembro de 2014, uma questão prévia, de conhecimento oficioso, a que cumpre dar resposta por poder obstar ao conhecimento do mérito do pedido.

 

Como resulta da matéria de facto dada como provada, a Requerente tomou conhecimento dos actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade pretende, no dia 10 de Julho de 2013. Mais refere que apenas apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 20 de Janeiro de 2014, por ter tomado conhecimento, pela comunicação social, da existência do CAAD.

Em face do que se deixa exposto, considerando aplicável o prazo para pagamento voluntário de 30 dias previsto no artigo 85.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, verifica-se que a data-limite para pagamento voluntário de cada um dos actos de liquidação em apreço seria o dia 11 de Agosto de 2013. Nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados da data-limite para pagamento voluntário do tributo. Aplicando a referida disposição legal ao caso concreto, verifica-se que o pedido de pronúncia arbitral teria que ser apresentado até ao dia 9 de Novembro de 2013. Resulta dos autos que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral apenas foi apresentado no dia 20 de Janeiro de 2014.

Não obstante, e sem prejuízo do que se deixa referido, importa ter presente que a Lei processual permite que se pratiquem actos processuais fora dos prazos legalmente estabelecidos desde que seja demonstrada a existência de uma situação de justo impedimento (cfr. artigo 139.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Embora não o suscite e invoque directamente, uma vez que o contribuinte não se fez representar por Advogado, entende o Tribunal Arbitral que a mera referência ao desconhecimento implica a análise da situação no sentido de se verificar a existência de uma situação de justo impedimento. Do artigo 140.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, resulta que considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto. A questão que se coloca é a de saber se o desconhecimento da existência da instância arbitral constitui facto não imputável à parte que obste à prática atempada do acto. Cremos que não, dado que o desconhecimento da Lei não constitui um evento, nem imprevisível, nem não imputável à Parte.

Em face do exposto é imperioso que se conclua pela caducidade do direito de agir, que é, por se tratar de pressuposto processual negativo que consubstancia uma excepção peremptória, de conhecimento oficioso pelo Tribunal (cfr. artigo 333.º, do Código Civil).

Destarte procedendo a excepção, peremptória, de caducidade do direito de agir, fica prejudicado o conhecimento do mérito do pedido, devendo a Requerida ser absolvida da instância arbitral.

 

Decisão

 

Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral absolver a Requerida e condenar a Requerente no pagamento das custas.

 

Fixa-se o valor da acção em € 330,54 (trezentos e trinta euros e cinquenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente conforme supra exposto, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Janeiro de 2015

 

O Árbitro

 

 

Francisco de Carvalho Furtado