Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 823/2014-T
Data da decisão: 2015-05-04   
Valor do pedido: € 3.246,27
Tema: IUC – Incidência subjectiva; Locação financeira; Presunções legais
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

I.                RELATÓRIO

 

A… – …, S.A., Requerente, com sede na Rua …, n.º …, …, em Lisboa, pessoa coletiva n.o …, veio, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação de 39 (trinta e nove) actos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19 de Dezembro de 2014.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 25 de Fevereiro de 2015.

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos, com o que as partes manifestaram o seu acordo.

 

 

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

Nos termos do artigo 3.º do RJAT, a cumulação de pedidos é admissível, considerando que a procedência dos pedidos depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

II.              MATÉRIA DE FACTO

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)   A Requerente é uma instituição financeira de crédito, que tem por objeto social a prática das operações permitidas aos bancos, com exceção da recepção de depósitos;

 

B)    No âmbito da sua atividade, a ora Requerente concede aos seus clientes financiamentos destinados à compra de viaturas automóveis;

 

C)   O financiamento de veículos automóveis é formalizado através da outorga de contratos de mútuo, em que o mutuário concede a favor do mutuante, como garantia do integral pagamento da quantia mutuada, uma reserva de propriedade do veículo automóvel, até ao integral pagamento da quantia mutuada. Em alternativa à outorga de contratos de mútuo, o financiamento é efetuado através da outorga de contratos de locação financeira.

 

D)   A AT notificou a Requerente para exercer o direito de Audição Prévia referente aos 39 (trinta e nove) veículos identificados no documento n.º 4, junto com a petição de constituição do Tribunal Arbitral (doravante Tribunal).

 

E)    Das notificações de liquidação de IUC efetuadas à Requerente consta que “com base nos elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe, V. Exa. era o proprietário/locatário do veículo com a matrícula…, da categoria…, em…”.

 

F)    Mais se diz que “Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), conjugado com os artigos 3.º, 4.º e 6.º, todos do Código de Imposto Único de Circulação, e por aplicação da taxa prevista no artigo 11.º do CIUC, é devido o imposto respeitante ao(s) ano(s) de 2014”.

 

G)   A AT notificou a Requerente dos actos tributários de liquidação de IUC e dos respetivos juros compensatórios, conforme resulta do documento n.º 1 junto com a petição de constituição do Tribunal;

 

H)   A Requerente não é proprietária de 33 dos veículos automóveis subjacentes aos actos de liquidação de IUC constantes do documento n.º 1 (Cfr. Documentos n.º 4 e 6 juntos à petição arbitral e 1 a 11 juntos ao requerimento de 9 de Abril de 2015);

 

I)      A Requerente não é locatária de 6 dos veículos automóveis subjacentes aos actos de liquidação de IUC constantes do documento n.º 1 (Cfr. Documentos n.º 4 e 6 juntos à petição arbitral e 1 a 11 juntos ao requerimento de 9 de Abril de 2015).

 

Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.            MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos prende-se com saber se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do IUC, em relação ao ano 2014, relativamente aos veículos identificados no documento n.º 1.

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral o seguinte:

 

1.     As situações de facto subjacentes às liquidações de IUC relativamente às quais a ora Requerente entende que não é o sujeito passivo do imposto, subsumem-se sempre a uma das duas situações a seguir descritas:

 

§  O veículo não é propriedade da ora requerente à data identificada pela AT como data da ocorrência do facto gerador de imposto;

 

ou;

 

§  O veículo foi locado através de contrato de locação financeira vigente à data identificada pela AT como data da ocorrência do facto gerador de imposto.

 

2.     A matéria de facto em análise não é controvertida e pode resumir-se, no que concerne aos 39 veículos sobre os quais incidem as liquidações de IUC, do modo seguinte:

- 33 veículos foram alienados pela A… em data anterior a 2014;

- os restantes 6 veículos estavam locados (em regime de locação financeira) durante o exercício de 2014.

 

3.     Em relação às referidas situações, a Requerente entende que não é sujeito passivo do IUC, porque não estão satisfeitos os requisitos de incidência subjetiva do imposto, previstos no artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, conjugado com os artigos 4.º e 6.º do referido Código.

 

4.     A génese da relação jurídica de imposto pressupõe a verificação cumulativa dos três pressupostos necessários ao seu surgimento, a saber: o elemento real, o elemento pessoal e o elemento temporal. (Neste sentido veja-se, entre muitos outros autores, Freitas Pereira, M. H., Fiscalidade, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009).

 

5.     No que concerne à incidência real – a coisa sobre que incide o imposto: “o imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal …”, (Cfr. n.°1 do artigo 2.° do Código do IUC).

 

6.     Os veículos identificados na listagem em anexo – Doc. n.º 5 – objeto das liquidações de IUC que ora se impugnam no presente pedido de pronúncia arbitral, encontram-se todos matriculados em Portugal no ano de 2014, pelo que está verificado o pressuposto da incidência real do IUC.

 

7.     Relativamente à incidência temporal, «o imposto único de circulação é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita. O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente a veículos das categorias A, B, C, D, e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G» (Artigo 3.º n. º1 e n.º 2 do Código do IUC).

 

8.     Os veículos identificados na listagem em anexo – Doc. n.º 4 – encontram-se todos matriculados em Portugal no ano de 2014 e nenhum deles integra as categorias F e G, pelo que o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários.

 

9.     Assim sendo, haverá que conhecer para cada veículo a data em que foi matriculado e, em seguida, fixar o período de tributação, referente ao ano de 2014.

 

10.  Para maior facilidade de análise, na interpretação da norma de incidência pessoal serão considerados separadamente os dois fatores essenciais da interpretação – o elemento gramatical e o elemento lógico – subdividindo-se este último elemento em três elementos, a saber: o elemento histórico, o elemento racional e o elemento sistemático;

 

11.  Ao nível da incidência pessoal, «são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos» e «são equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação» (Artigo 3. º n.º 1 e n.º 2 do Código do IUC);

 

12.  O legislador presume que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados - “considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados” (Cfr. artigo 3.º, n.º1 do Código do IUC);

 

13.  Em resumo, as normas de incidência anteriores à vigência do IUC consagravam uma presunção legal expressa e ilidível, enquanto o legislador do IUC (Lei n.º 22-A/2007) optou por uma mera presunção implícita (também ilidível).

 

14.  O legislador do IUC não sentiu a necessidade de manter no teor da nova norma de incidência uma presunção expressa e ilidível, uma vez que após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (1999), «as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário» (cfr. Artigo 73º da LGT), razão pela qual seria redundante (de incorreta técnica legislativa) manter no teor da norma de incidência do IUC a expressão «presumindo-se como tais, até prova em contrário».

 

15.  As presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se, ou expressão semelhante, como também podem ser presunções implícitas em normas de incidência, como sucede na norma em análise.

 

16.  Neste caso concreto em análise, trata-se de uma presunção implícita, em matéria de incidência subjetiva, na medida em que o legislador com base num facto conhecido (o registo automóvel) infere, através de um raciocínio lógico, um facto desconhecido (o proprietário do veículo);

 

17.  As presunções implícitas, por definição de conceito – isto é, pelo facto de serem implícitas - não consagram expressamente se são ilidíveis ou inilidíveis. Contudo, haverá que considerá-las, pelo menos após a entrada em vigor da LGT como sendo sempre presunções ilidíveis.

 

18.  Isto porque, repita-se, a LGT prevê expressamente a inadmissibilidade de presunções inilidíveis e, assim sendo, esta norma derrogou tacitamente, por incompatibilidade, todas as presunções jures et de jure estabelecidas antes da entrada em vigor da LGT.

 

19.   Consequentemente, a partir da entrada em vigor da LGT, todas presunções inilidíveis consagradas expressamente (Cfr. v.g. o artigo 26.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto de Sucessões e Doações (C.I.M. S.I.S.D.), passaram a admitir prova em contrário. E também as presunções implícitas que estavam consagradas na lei (Cfr. v.g. o artigo 6.º n.º 1 do C.I.M. S.I.S.D. que considera os veículos motorizados adstritos ao local onde estão registados, para efeitos de aplicação do princípio da territorialidade[1]) devem admitir prova em contrário. Neste sentido, veja-se Lima Guerreiro no comentário ao artigo 73.º na Lei Geral Tributária Anotada (2000), Rei dos Livros.

 

20.  Numa palavra, o sujeito passivo é o proprietário (ou a entidade a ele equiparada), considerando-se como tal a entidade que figura no registo automóvel como proprietário, havendo que admitir prova em contrário, sempre que o proprietário seja uma entidade diferente daquele que figura no registo automóvel;

 

21.  Em face do exposto, uma norma de incidência (baseada numa ficção legal) que ignora a conexão entre o sujeito passivo do imposto e o uso do veículo é contrária, de forma ostensiva, à ratio legis – o princípio do poluidor pagador – subjacente à tributação automóvel.

 

22.  E por ser assim, isto é, por ser este o princípio subjacente à tributação do IUC, o legislador teve a preocupação de considerar como sujeitos passivos não só o proprietário, como também o locatário financeiro e outros utilizadores do veículo com carácter de permanência, porque são estas entidades que têm o potencial poluidor suscetível de gerar custos ambientais para a sociedade.

 

23.  Em suma, a interpretação da norma em apreço como sendo uma ficção legal (entendimento sufragado pela AT na interpretação do Artigo 3.º n.º 1 do CIUC) que considere como sujeito passivo do IUC a entidade em nome da qual está averbado o registo automóvel, sem admitir prova em contrário no sentido de identificar quem é o verdadeiro utilizador no veículo no período de incidência do IUC, padece de uma incoerência sistemática (contraria o sistema fiscal vigente) e, por esse motivo, é uma interpretação contrária à lei – contrária ao artigo 9.º n.º1 do Código Civil, aplicável ex vi artigo do artigo 11.º n.º1 da LGT.

 

24.  Por último, ainda em sede de interpretação sistemática, acresce o facto que uma norma de incidência, baseada numa ficção legal deste tipo, seria materialmente inconstitucional, desde logo porque se uma presunção jus et de jure consagrada numa norma de incidência é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, por maioria de razão uma norma de incidência baseada numa ficção legal (em situações em que é possível determinar o sujeito passivo do imposto em conformidade com a ratio legis) também será inconstitucional, com base nos mesmos fundamentos: “… uma presunção juris et de jure veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária.” –Cfr. Acórdão n.° 348/97 do Tribunal Constitucional.

 

25.  Neste mesmo sentido de compatibilizar as presunções legais com o princípio da igualdade tributária, Casalta Nabais (1994) in Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), Pág. 279, afirma que a presunção “tem de compatibilizar-se com o princípio em análise, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta.”

 

26.  Em face de tudo o anteriormente exposto parece ser inquestionável que a presunção legal ora em apreço é ilidível, pelo que o sujeito passivo do IUC é o proprietário (ou locatário financeiro ou o adquirente com reserva de propriedade), ainda que não figurem no registo automóvel, desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo.

 

27.  É precisamente para efetuar esta prova que a ora requerente apresenta, para cada veículo, um documento comprovativo (a fatura) da venda do veículo (Doc. n.º 6), de modo a provar que a A… não era a proprietária à data de aniversário de matrícula do veículo ou, nas situações em que o veículo estava locado, apresenta um documento comprovativo (o contrato) da existência de uma locação financeira (Doc. n.º 7) vigente na referida data.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

1.     O entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o Código do IUC.

2.     O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

3.     Note-se que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

4.     Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efetuar uma interpretação contra legem.

5.     Trata-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

6.      

Isto significa, portanto, que a presunção da propriedade automóvel decorre única, directa e exclusivamente do próprio regime registal automóvel, e não da legislação fiscal sobre automóveis que constitui um aspeto colateral àquele regime.

 

7.     Assim, se a Requerente pretende reagir contra a presunção de propriedade que lhe é atribuída, então forçosamente terá de reagir pelos meios próprios previstos no Regulamento do Registo Automóvel e nas leis registais subsidiariamente aplicáveis e contra o próprio teor do registo automóvel, pois que seguramente não é pela impugnação das liquidações de IUC que se ilide a informação registal.

8.     Também o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio na lei.

9.     Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (sem prejuízo, da permanência de um veículo em território nacional por mais período superior a 183 dias, previsto no n.º 2 do artigo 6.º) geram o nascimento da obrigação de imposto.

10.  Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afeta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no Código do IUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

11.  Importa ainda demonstrar que à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o CIUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do imposto é o proprietário efetivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada.

12.  O novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.

13.  De tudo quanto supra se expôs resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Código do IUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC relativamente aos 33 veículos.

14.  Todavia, ainda que assim não se entenda – o que somente por mera hipótese académica se admite – e aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência já entretanto firmada neste centro de arbitragem, importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão.

15.  As facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.

 

16.  A inequívoca declaração de vontade dos pretensos adquirentes poderia ser indiciada mediante a junção de cópia do referido modelo oficial para registo da propriedade automóvel, pois trata-se de documento assinado pelas partes intervenientes.

 

17.  Acresce que a falta do caráter sinalagmático das faturas poderia ser suprido mediante a prova do recebimento do preço nelas constante por parte da Requerente.

 

18.  Portanto, a Requerente não juntou prova documental do recebimento do preço quando podia e devia tê-lo feito, ou seja, no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazerem em momento ulterior, conforme supra transcritas decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.º 75/2012-T e n.º 212/2014-T.

 

19.  Ainda no que tange ao valor ou força probatória das faturas corporizadas no Documento 6 junto à p.i., importa frisar que a fatura referente ao veículo …-…-… não corporiza uma pretensa venda, mas sim uma quitação pelo recebimento de uma indemnização por parte de uma seguradora automóvel.

 

20.  Alega ainda a Requerente a ilegalidade das liquidações de IUC (por violação do artigo 3.º/2 do CIUC) referentes a outros 6 veículos.

 

21.  Ainda que se concluísse estarmos perante contratos de locação financeira outorgados pela Requerente, sempre cabia a esta última demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do CIUC.

 

22.  Em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto, não tendo a Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto;

 

23.  A acrescer a tudo quanto acima foi exposto, cabe ainda referir que a ser aceite a interpretação veiculada pela Requerente, então a mesma mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade.

 

24.  Ainda que por hipótese académica e sem conceder o Tribunal Arbitral venha a concluir pela procedência do pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito processo que, sob o n.º 72/2013-T, correu termos neste centro de arbitragem.

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do IUC, em relação ao ano 2014, quanto aos veículos identificados no documento n.º 1, será necessário verificar:

 

a)     Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC estabelece ou não uma presunção;

 

b)     Quem é o sujeito passivo de IUC, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IUC, quando na data da ocorrência do facto gerador do imposto o direito de propriedade continue registado em nome do anterior proprietário, apesar do veículo já ter sido alienado ou objecto de contrato de locação.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

a)     Interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC

 

Estabelece o artigo 3.º do Código do IUC o seguinte:

 

“1-São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Estabelece-se, assim, que são três os elementos de interpretação da Lei, a saber: o elemento literal, o elemento histórico e racional e o elemento sistemático.

 

Atendendo ao elemento literal da norma aqui em discussão, importará, em primeiro lugar, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei. Diz-se no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

 

De acordo com a AT, a expressão “considerando-se” não constitui uma presunção legal, sendo intenção do legislador estabelecer expressa e intencionalmente que se consideram como tais (como proprietários) as pessoas em nome das quais os mesmos (veículos) se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

 

Sucede que, do ponto de vista literal, constata-se que a expressão “considerando-se” ou “considera-se” é muitas vezes utilizada com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”.

 

Assim, a título exemplificativo, veja-se o artigo 191.º, n.º 6, do CPPT, entre outros artigos assinalados nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 14/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T ou 170/2013-T.

 

Deste modo, pode dizer-se que a expressão “considerando-se” tem “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, devendo reconhecer-se a tal vocábulo uma correspondência corrente e normal a esse sentido presuntivo (Vide decisão arbitral proferida, no âmbito do processo n.º 286/2013-T).

 

Não obstante, e tal como é salientado pela AT, o vocábulo “considerando” também é utilizado fora de contextos presuntivos – Vide artigo 18.º da sua resposta.

 

Por isso, importa submeter ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC.

 

Assim, atendendo ao elemento histórico de interpretação, importa considerar que a proposta de lei n.º 118/X, de 7.03.2007, subjacente à Lei n.º 22-A/2007, de 29.06 consagra “como elemento estruturante e unificador (…) o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os Requerentes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária.”

 

Neste contexto, parece-nos claro que o legislador pretendeu tributar o sujeito passivo real e efectivo causador de danos viários e ambientais e não um qualquer detentor de registo automóvel.

 

Tal como já foi por diversas vezes salientado em várias decisões arbitrais, o princípio da equivalência visa internalizar as externalidades ambientais negativas, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, e foi erigido em princípio fundamental da tributação dos veículos automóveis em circulação.

 

Como defende Sérgio Vasques, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, Coimbra, 2001, p. 122, “Assim, um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também”, acrescentando que a concretização do dito princípio “(…) dita outras exigências ainda no tocante à incidência subjectiva do imposto (…)”.

 

Tendo em conta os fundamentos subjacentes à criação do actual Código do IUC, em especial, a erupção do princípio da equivalência em princípio estruturante e unificador da tributação dos veículos em circulação, parece-nos que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC não pode ser interpretado como um comando fechado, mas antes como uma presunção ilidível, que tem por base a assunção de que na realidade o agente responsável pelos danos ambientais é, em regra, o proprietário registado do automóvel. Assunção essa que não poderá deixar de ser desconsiderada, caso na realidade seja outro o agente responsável, isto é, o sujeito passivo de IUC.

 

Do ponto de vista sistemático, importará reforçar novamente que logo no artigo 1.º do Código do IUC se estabelece que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os Requerentes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”

 

Como defende A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, in Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos Anotados, pp. pag. 183, “o legislador procura legitimar a tributação dos veículos automóveis com base nas externalidades negativas por eles causadas (na saúde pública, no ambiente, na segurança rodoviária, no congestionamento das vias de comunicação e na paisagem urbana) desmistificando a ideia de que a tributação auto é muito elevada em Portugal.”

 

 

Segundo Batista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183, o elemento sistemático “compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda ao lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.”

 

Esta é, aliás, a solução mais justa se considerarmos que a unidade do sistema fiscal não pode deixar de ser encontrada no princípio da verdade material e no princípio da proporcionalidade (Vide Saldanha Sanches, in Princípios do Contencioso Tributário, pp. pág. 21, e Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, pp. 147 e seg.).

 

Pelo exposto não procedem os argumentos da AT, no sentido de que “a presunção da propriedade automóvel decorre única, directa e exclusivamente do próprio regime registal automóvel, e não da legislação fiscal sobre automóveis que constitui um aspecto colateral àquele regime.”

 

Na verdade, a interpretação aqui defendida é não só aquela que melhor de coaduna com o princípio da verdade material, como também a única que serve os propósitos de justiça fiscal.

 

De igual modo, contrariamente ao defendido pela AT, não nos parece defensável, à luz dos princípios constitucionais vigentes, a predominância do princípio da eficiência do sistema tributário sobre o princípio da justiça material. Embora não se possam deixar de compreender as dificuldades práticas que a elisão da presunção estabelecida no artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC possa provocar em termos de cobrança imediata de receitas pela AT, a interpretação da Lei não poderá ser ajustada a essas necessidades, antes devendo ser alterados de forma eficiente e em conformidade com a Lei, os procedimentos associados à cobrança deste imposto, não esquecendo a possibilidade legal de suspensão do prazo de caducidade dos impostos.

 

Considerando-se que o direito tributário existe para regular os conflitos de interesses entre as pretensões do Estado de prosseguir o interesse público de obter receitas e as pretensões dos contribuintes de manterem a integridade do seu património, não deverá, em regra, servir como critério interpretativo da norma tributária, a salvaguarda do interesse patrimonial ou financeiro do Estado.

 

Em suma: com base no artigo 9.º do CC, considera-se que todos os elementos de interpretação (literal, histórico e sistemático) apontam no sentido de que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC estabelece uma presunção ilidível. Tal significa que os sujeitos passivos de IUC sendo, em princípio, os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas em nome dos quais os mesmos se encontrem registados, poderão, afinal, ser outros, se forem efectivamente outros os provocadores dos danos ambientais, enquanto utilizadores dos veículos em circulação.

 

 

b)     Sujeito passivo de IUC, para efeitos do disposto o artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Código do IUC, quando na data da ocorrência do facto gerador do imposto o direito de propriedade continue registado em nome do anterior proprietário, apesar do veículo já ter sido alienado ou locado

 

Tendo em conta o exposto em a) supra, entende-se que a disposição em análise estabelece uma presunção de propriedade em favor das pessoas em nome de quem se encontrem registados os veículos.

 

Nos termos do artigo 73.º da LGT, “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”

 

Como defendem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, pp. pág. 652, 4.ª Edição, “o que se pretende “sempre” é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por esta razão, de se querer sempre tributar valores reais, que o artigo 73.º da LGT permite “sempre” ilidir presunções.

 

É esta a interpretação que está em sintonia, por um lado, com o princípio enunciado no artigo 11.º, n.º 3, da LGT de que, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias "deve atender-se à substância económica dos factos tributários” e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real dos factos tributários.

                

No caso em análise, a Requerente manteve-se, nalguns casos, no registo, como proprietária e locadora do veículos identificados no documento n.º 4, junto com a petição arbitral, no ano 2014, pretendendo, por isso, a AT imputar-lhe a responsabilidade pelo pagamento do IUC, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC.

 

Alega, contudo, a Requerente que, na verdade, no ano 2014, dos 39 veículos automóveis subjacentes aos actos de liquidação de IUC, ora em análise, 33 (veículos) já haviam sido alienados e os restantes 6 (veículos) foram objecto de contrato de locação, não sendo, portanto, a Requerente a proprietária real e efectiva dos veículos, nem tão pouco a locatária dos mesmos.

 

Com base nos documentos juntos, a Requerente defende que no momento da constituição do facto tributário relevante para efeitos de vencimento do respectivo IUC, a propriedade jurídica das viaturas em causa já não estava na esfera da Requerente, uma vez que 33 veículos já haviam sido transmitidos e 6 veículos eram objecto de contrato de locação financeira. Em consequência, defende a Requerente que, à data do facto gerador do IUC, os proprietários efectivos e responsáveis pelo pagamento do IUC são os que constam do documento n.º 6 e documentos n.º 1 a 11, juntos ao Requerimento apresentado pela Requerente, em 9 de Abril de 2015, e os locatários e responsáveis pelo pagamento do IUC são os que constam do documento n.º 7 e documento n.º 12, junto ao Requerimento apresentado pela Requerente já identificado.

 

Para demonstrar a falta de responsabilidade pelo pagamento dos actos de liquidação de IUC, em análise, a Requerente juntou relativamente aos 33 veículos alienados e respectivos actos de liquidação de IUC, o documento n.º 6, de onde constam os recibos das vendas das viaturas e os contratos de locação financeira subjacentes devidamente assinados pelas partes.

 

Não obstante a prova produzida pela Requerente, o Tribunal entendeu, ao abrigo do princípio da livre determinação das diligências de prova necessárias e com vista à obtenção de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas no processo, conforme previsto no artigo 16.º c) e e) do RJAT, solicitar à Requerente vários documentos adicionais relativamente aos actos de liquidação de IUC n.º 2014 …, 2014 …, 2014 … e 2014 …, tendo sido dado à AT a possibilidade de exercer o contraditório relativamente aos documentos juntos pela Requerente.

 

Ponderada toda a prova produzida pela Requerente, e considerando que não é legalmente exigível a forma escrita para o contrato de compra e venda dos veículos automóveis, considera-se que os recibos de venda dos veículos, de onde consta expressamente o descritivo “Venda de Viatura”, identificando-se a matrícula do veículo e o adquirente, assim como os respectivos contratos de locação financeira, com opção de compra, devidamente assinados pelas partes, demonstram que os veículos a que se reportam o documento n.º 6, foram, de facto, transmitidos pela Requerente a terceiros.

 

No que respeita especificamente ao acto de liquidação n.º 2014 …, que respeita a veículo definitivamente perdido, a Requerente, enquanto proprietária do veículo, recebeu a respectiva indemnização a título de perda total da viatura, ao abrigo do contrato de seguro, sendo da responsabilidade da seguradora promover o cancelamento da matrícula, ao abrigo do n.º 8 do artigo 119.º do Código da Estrada.

 

Resulta, assim, dos referidos documentos que a Requerente não era, à data do facto gerador do imposto, a proprietária dos veículos a que respeitam os actos de liquidação de IUC objecto da presente petição arbitral, sendo possível identificar os novos proprietários.

 

A Requerente juntou, também, relativamente aos actos de liquidação de IUC, que se reportam a veículos objecto de contrato de locação financeira, os contratos de locação financeira correspondentes, devidamente assinados pelas partes, vigentes à data do facto gerador do imposto, incluindo, quanto ao acto de liquidação n.º 2014 …, o aditamento ao contrato de locação financeiro, devidamente assinado pelas partes.

 

 

O Tribunal está, por isso, convencido de que, em face da prova produzida pela Requerente, os actos de liquidação de IUC correspondentes aos veículos identificados nos documentos n.º 1 e 4, juntos com a petição arbitral, são ilegais, uma vez que a responsabilidade pelo seu pagamento não é imputável à Requerente, considerando os documentos juntos com o n.º 6 e n.º 1 a 11, juntos pela Requerente em 9 de Abril de 2015, por terem sido alienados e, num dos casos, ter o veículo sido declarado definitivamente perdido.

 

Está, também, o Tribunal convencido, em face da prova produzida pela Requerente que os actos de liquidação de IUC identificados no documento n.º 1 e 4, relativamente aos veículos identificados no documento n.º 7, juntos com a petição arbitral, eram à data do facto gerador de IUC objecto de contrato de locação financeira, pelo que a responsabilidade pelo seu pagamento é imputável aos locatários desses veículos e não à Requerente, como resulta do disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Código do IUC, sendo a eventual falta de cumprimento do disposto no artigo 19.º do Código do IUC apenas fundamento para a aplicação de eventual coima pela prática de contra-ordenação à Requerente.

 

Entende-se, assim, atendendo à prova produzida pela Requerente, ter sido ilidida a presunção de que aquela é sujeito passivo do IUC relativamente aos veículos em causa.

 

Em suma: de acordo com os factos alegados em 1.º a 10.º da petição da Requerente, e que resultam dos documentos juntos aos autos, a Requerente não era proprietária real e efectiva dos veículos em discussão, no ano 2014, sendo, portanto, os correspondentes actos de liquidação de IUC ilegais.

 

IV.            DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A)   Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência declarar ilegal e anular os actos de liquidação do Imposto Único de Circulação e de juros compensatórios relativos do ano 2014, no valor total de €3.246,27.

 

B)    Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

V.              VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária o valor do pedido é fixado em €3.246,27.

 

VI.             CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Maio de 2015

 

A Árbitro

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 



[1] «…Os veículos motorizados, navios aeronaves e material ferroviário circulante consideram-se adstritos ao local do registo, matricula ou inscrição.»