Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 553/2016-T
Data da decisão: 2017-04-05  IRC  
Valor do pedido: € 547.349,58
Tema: IRC - Tributações autónomas. Encargos com veículos. Motociclos
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. Ricardo da Palma Borges e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-12-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A…, S.A., com sede na …, n.º…, …-… Lisboa, pessoa colectiva n.º…, doravante designada por A… ou Requerente, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT” – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, requerer a constituição de tribunal arbitral colectivo, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de indeferimentos de pedidos de revisão oficiosa e a ilegalidade parcial das autoliquidações de tributação autónoma sobre veículos relativas aos exercícios de 2011 e 2012, do grupo fiscal A….

A Requerente pede ainda o reembolso das quantias de € 249.321,10 (2011) e de € 298.028,48 (2012), num total de € 547.349,58, acrescidas de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. Ricardo da Palma Borges, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-09-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 16-11-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 02-12-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 09-02-2017, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e acórdão que o processo prosseguisse com alegações escritas.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            É suscitada a excepção de incompetência que importa apreciar prioritariamente (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

 

                       

2. Questão da incompetência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação não precedidos de reclamação graciosa mas de pedido de revisão oficiosa

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o artigo 2.º, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A questão tem sido objecto de decisões arbitrais contraditórias pelo que importa fazer a sua reapreciação, inclusivamente sob a perspectiva de constitucionalidade com que a Requerente a coloca nas suas alegações.

A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:

a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;

 

A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e em que, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.

 Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».

É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, sem qualquer restrição.

No artigo 4.º do RJAT estabeleceu-se, na redacção inicial, que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», norma esta ao abrigo da qual foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que se incluiu a norma invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através da qual se exceptuam da competência dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Mas, por um lado, é manifesto que se esta norma da Portaria n.º 112-A/2011 for interpretada como redefinindo (restringindo) as competências dos tribunais arbitrais em relação ao legislado, não tem qualquer cobertura na lei de autorização legislativa, pois esta nem sequer faz depender a competência dos tribunais arbitrais de qualquer vinculação.

Da vinculação, a ser constitucionalmente admissível, poderá depender o início e a cessação da possibilidade de os contribuintes demandarem a Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais, mas não a definição das competências destes tribunais.

É certo que, já depois de a Portaria n.º 112-A/2011 ter sido emitida, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio estabelecer uma nova redacção para o artigo 4.º do RJAT, segundo a qual «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

No entanto, tendo esta Portaria sido emitida ao abrigo da redacção inicial do artigo 4.º do RJAT,  o que resulta do artigo 2.º do artigo 12.º do Código Civil é que a validade dos actos jurídicos é apreciada à face da lei vigente no momento em que eles são praticados.

Por outro lado, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Por isso, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, na redacção inicial (a que aqui interessa) se fosse interpretado como permitindo aos Ministros da Justiça e das Finanças, através da vinculação (que nem sequer tem suporte na lei de autorização legislativa), redefinirem, através de acto de natureza regulamentar, as competências dos tribunais arbitrais tributários, seria materialmente inconstitucional, por violação deste princípio da hierarquia das fontes normativas, que se consagra neste artigo 112.º, n.º 5, da CRP.

Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, se interpretada como restringindo as competências dos tribunais arbitrais em relação às que decorrem do artigo 2.º do RJAT e da Lei de autorização legislativa em que este se baseou, para além de ser também materialmente inconstitucional por violação do referido artigo 112.º, n.º 5, seria organicamente inconstitucional, por regular inovatoriamente matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sobre a qual não é permitido ao Governo emitir normas no uso de competência própria.

É a esta luz que há que apreciar a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo como objecto a concreta situação que se depara nos autos, pois está fora das competências dos tribunais arbitrais a apreciação abstracta da inconstitucionalidade.

            Na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

Neste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se faz qualquer referência expressa aos actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os actos de indeferimento total ou parcial de «pedidos de revisão de actos tributários».

            No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado, em sintonia com o preceituado nestas normas do CPPT.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de, relativamente a esse tipo de actos, não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para a impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de se exigir a reclamação graciosa.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT e, apesar da revogação desta norma pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a possibilidade de revisão de actos tributários, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, continua a ser referida no artigo 54.º, n.º 1, alínea c), da LGT, com expressa referência no seu n.º 2 a que a «as garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação», na parte não incompatível com a natureza desta figura.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não há qualquer razão para que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação, não se cingindo ao teor literal, até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à expressão « nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido a normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Aliás, será esta interpretação, no sentido de que a Portaria n.º 112-A/2011 não restringe as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a única que se compagina com o referido princípio da hierarquia das normas e com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, isto é, a única interpretação que assegura a constitucionalidade daquela Portaria.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral].».

Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente a vinculação que resulta do diploma regulamentar, devidamente interpretado.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este Tribunal evidencia, precisamente, a sua perfeita concretização: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos. É, manifestamente, a concretização do princípio da separação dos poderes.

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de qualquer crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo está em causa um acto de autoliquidação de IRC que foi pago e, por isso, não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário.

O crédito que existia, na sequência da autoliquidação está já extinto, pelo pagamento, e nem se vislumbra que exista qualquer outro.

Diferente disso é, naturalmente, a eventual anulação de uma cobrança ilegal, mas isso não tem a ver com a disponibilidade de qualquer crédito, mas sim com o direito à impugnação contenciosa de actos lesivos, que é constitucionalmente assegurado (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) e é um direito fundamental dos contribuintes num Estado de direito (artigos 2.º e 20.º, n.º 1, da CRP).

Assim, a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 que aqui se adopta, em vez de ser materialmente inconstitucional, é a única que assegura a sua constitucionalidade, à face do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, alínea b), da CRP, como atrás se referiu. Isto é, é esta a interpretação conforme à Constituição, em que se reconhece na norma «um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do acto)» ( [4] )

No que concerne à «violação do princípio da igualdade da partes e dos meios de reacção, porquanto permitiria que alguns contribuintes, num sentimento de desprezo ante o teor do artigo 131.º do CPPT, gozassem não de um prazo de dois anos – previsto, precisamente, para a reclamação graciosa necessária –, mas antes de um prazo máximo de quatro anos para impugnar os actos de liquidação», não é facilmente perceptível a argumentação da Autoridade Tributária e Aduaneira, mas é óbvio que a interpretação que aqui se faz da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e da utilização do processo arbitral e «outros meios de reacção» é aplicável a todos os contribuintes, independentemente da posição pessoal de desprezo ou apreço pelo artigo 131.º do CPPT.

Improcede, assim, a excepção de incompetência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    O Grupo A… é encabeçado pela Requerente, dele fazendo parte um conjunto de sociedades que se referem no quadro que segue:

(Relatório e Contas de 2011 e de 2012 que constam dos documentos n.ºs 10 e 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

b)    É inerente à actividade postal do Grupo Fiscal A…, que se estende por todo o país, o recurso a uma frota de veículos diversificada, sendo o transporte de objectos postais com recurso a veículos motorizados uma das componentes fulcrais da actividade normal do Grupo; (depoimentos das testemunhas J…, K… e L…)

c)    As empresas do Grupo A… definem diferentes giros de distribuição de correio, com ponderação de múltiplos factores; (depoimento da testemunha K…)

d)    Sendo que a cada giro corresponde uma certa distância a ser percorrida pelo carteiro, que implica a opção por um meio de locomoção adequado; (depoimento da testemunha K…)

e)    Esta opção, por regra, é realizada em função da distância a percorrer, em que para giros mais curtos os carteiros deslocam-se a pé ou de bicicleta (presentemente eléctricas), para giros entre cerca de 10km e cerca de 40km utilizam motociclos de baixa cilindrada (até 50cc) e para giros a partir de cerca de 40km até cerca de 80 km utilizam motociclos de cilindrada superior (até 125cc) e também automóveis; (depoimento da testemunha K…)

f)     Nos anos de 2011 e 2012, o número de giros e meios de locomoção a eles afectos consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, sendo os seguintes: (depoimento da testemunha K…)

g)   Os números de motociclos referidos nos quadros que antecedem englobam os que pertencem aos A… e os que pertencem aos carteiros que são utilizados em serviço; (depoimento da testemunha K…)

h)    Os motociclos são o meio de locomoção mais utilizado por serem a tipologia de viatura que, pelas suas características, mais frequentemente se adapta aos giros, designadamente, pela agilidade no trânsito, possibilidade de utilização de caminhos dificilmente transitáveis, inclusivamente onde não passam automóveis, facilidade de estacionamento, custo de aquisição reduzido, consumos reduzidos, manutenção simples e não dispendiosa; (depoimento da testemunha K…)

i)       No que respeita aos giros para os quais se identificou e utiliza o motociclo como o tipo de viatura mais adequada, é dada a possibilidade ao carteiro de utilizar motociclo próprio em contrapartida de um “abono quilométrico”, determinado com base nos quilómetros previstos para os giros alocados àquele carteiro; (depoimentos das testemunhas J… e L…)

j)      Aqueles abonos quilométricos foram, nos exercícios fiscais de 2011 e de 2012, sujeitos a tributação na esfera dos carteiros em sede do IRS; (depoimento da testemunha J…)

k)   O cálculo dos pagamentos aos carteiros pela utilização de motociclos próprios é feito com base numa tabela entre cerca de € 0,14 e cerca de € 0,26/0,27 por quilómetro, dependendo de vários factores, como a distância a percorrer, a existência ou não de co-financiamento dos A… para aquisição do motociclo, estar-se ou não no período de 36 meses durante o qual o carteiro fica vinculado contratualmente a utilizar o motociclo ao serviço dos A…; (depoimento da testemunha K…)

l)    O regime de utilização ao serviço da Requerente de motociclos pertencentes aos carteiros tem bastante adesão destes e interessa à empresa em face das necessidades sazonais variáveis (como zonas de praia em que no Verão e no Inverno há diferentes necessidades); (depoimento da testemunha K…)

m)  Os carteiros quando utilizam os motociclos próprios poupam mais os veículos, sendo essa a razão porque os A… incentivam os carteiros a aderirem ao uso de motociclo próprio; (depoimento da testemunha K...)

n)    Cerca de metade dos motociclos utilizados são propriedade dos carteiros; (depoimento da testemunha K…)

o)    Os motociclos cuja propriedade é dos A… não são disponibilizados pela empresa para fins pessoais; (depoimento da testemunha J… e depoimento da testemunha K…)

p)     Existem mecanismos de controle da utilização dos motociclos que são propriedade dos A… destinados a dissuadirem os carteiros de os utilizarem para fins pessoais, que são considerados eficazes pelos A…, apesar de não poderem assegurar em absoluto que não ocorra essa utilização para fins pessoais; (depoimento da testemunha J… e depoimento da testemunha K…)

q)    Os A… têm serviços de inspecção rigorosos que tornam muito difícil a utilização dos motociclos dos A… para fins pessoais e se tal acontecer há consequências disciplinares para os que a façam; (depoimento da testemunha K…)

r)    Os motociclos são dotados de uma caixa de carga, inamovível, que, em alguns casos é desenhada exclusivamente para os A… e apresentam sinais identitários dos A…; (depoimento da testemunha K…)

s)     Nenhum carteiro tem a si alocado, em exclusivo, um motociclo, sendo a alocação de motociclos feita em função dos Centros de Distribuição Postal (CDP) (e não dos carteiros), e nem os motociclos nem os carteiros são afectos a um giro em particular, havendo rotação entre vários carteiros afectos a cada giro; (depoimento da testemunha K…)

t)    Os A… utilizam um Manual de Procedimentos da Gestão de Frota para Ligeiros de Produção, Motociclos e Ciclomotores, cujas versões elaboradas em 2010 e 2012 constam dos documentos n.º 19 e 20, respectivamente, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se refere, além do mais:

22. Pessoas autorizadas a conduzir e serem transportados em veículos CTT

a) Estão autorizados a conduzir ou ser transportados em veículos A…, todos os colaboradores, devidamente autorizados pela hierarquia, sempre que tal se verifique como necessário para a empresa;

b) É expressamente proibido o transporte de colaboradores em deslocações de sua conveniência, fora de serviço, em veículos da empresa.) (página 39 do documento n.º 19 e página 38 do documento n.º 20); (depoimento da testemunha K…)

u)    Para controlo do cumprimento das regras previstas no Manual referido, há obrigatoriedade de preenchimento diário de documento de controlo de utilização dos motociclos (ou “Boletim da Viatura”), no qual são identificados os utilizadores, o giro percorrido (na coluna “motivo da deslocação”) e respectivos quilómetros, ficando posteriormente arquivado por vários anos, sendo utilizados inclusivamente para identificar os responsáveis por multas; (depoimento da testemunha J… e depoimento da testemunha K… e documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

v)    Os A… têm supervisores de distribuição afectos em exclusivo ao controle nas ruas da actividade dos carteiros e há controle dos quilómetros percorridos pelos motociclos (depoimento da testemunha K…)

w)  Não se pode garantir que nenhum carteiro prevarique, utilizando motociclos para fins pessoais, mas normalmente isso não acontece e se acontecer o prevaricador tem de responder disciplinarmente, havendo casos de pessoas que são despedidas por causa disso; (depoimento da testemunha K…)

x)    O abastecimento dos motociclos deve ser realizado em exclusivo com recurso ao programa de combustível de frota, o qual identifica expressamente a viatura que lhe está associada, existindo para cada motociclo um cartão do programa de frota; (depoimentos das testemunhas J… e K…)

y)    É obrigatório o parqueamento dos motociclos em instalações da Requerente nos Centros de Distribuição Postal ou alugadas, onde ficam imobilizados entre o final de cada dia de trabalho e o início do dia seguinte, sendo as chaves dos motociclos entregues; (depoimento da testemunha J… e depoimento da testemunha K…)

z)     As lojas dos A… estão dispersas por todo o país, entre as quais centros de distribuição postal e estações de correio; (depoimentos das testemunhas K… e L…)

aa)        A direcção dos A… está localizada em Lisboa, mas há uma descentralização em função das necessidades logísticas, designadamente no Porto, em Coimbra e em Évora e ilhas; (depoimento da testemunha L…)

bb)         Os A… têm necessidade de uma organização logística que permita manter contacto entre os vários pontos da organização e com clientes, dispondo, para esse fim, de uma frota de viaturas ligeiras de passageiros das marcas e modelos …, … e …, que têm os logótipos da empresa e que denomina como “VSG” (viaturas de serviço geral); (depoimento da testemunha L…)

cc)        Qualquer colaborador dos A… pode requisitar uma VSG, justificando o seu uso, desde que seja autorizado; (depoimento da testemunha L…)

dd)        Nos anos de 2011 e 2012 os A… dispunham das VSG que se indicam nos quadros que seguem, respectivamente, com as matrículas e marcas e modelos indicadas no documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido; (depoimento da testemunha L…)

ee)         No início de 2012 houve renovação da frota, que é utilizada em regime de locação, havendo período em que os A… dispunham das novas e das antigas viaturas, existindo, em 31-12-2012, 177 VSG; (depoimento da testemunha L…)

ff)          As VSG são veículos ligeiros de passageiros por se destinarem ao transporte de pessoas e quando se deslocam a uma reunião são transportadas 3 a 4 pessoas; (depoimento da testemunha L…)

gg)        Por regra, as VSG são caracterizadas, isto é, possuem as cores dos A… e estão identificadas com logótipo dos A…; (depoimento da testemunha L…)

hh)        Tal só não sucede em casos pontuais em que, em resultado das características de um dos tipos de função servida pelas VSG, é recomendável que não exista aquela caracterização, como sucede com as funções de auditoria e inspecção, às quais estão afectas 15 a 20 VSG; (depoimento da testemunha L…)

ii)    Para cada uma das direcções é atribuída uma dotação de VSG, normalmente de acordo com uma organização em pool; (depoimento da testemunha L…)

jj)  A atribuição de VSG a uma pool de uma direcção tem de ser fundamentada e autorizada havendo uma pessoa em cada direcção encarregada de autorizar ou não; (depoimento da testemunha L…)

kk)       Prevê-se nas normas sobre a utilização das VSG que, finda esta, o veículo é parqueado, devolvida a chave e Boletim de Viatura, em que é registado a identificação do utilizador, o dia, o local de partida, o destino, os quilómetros à partida e à chegada, a hora de saída e a hora de chegada; (depoimento da testemunha L…)

ll)         No final do mês o Boletim é enviado a um director de 1.ª linha, tendo em vista assegurar que há uma utilização prudente e regulamentar das VSG; (depoimento da testemunha L…)

mm)     A cada Direcção cabe a gestão diária da respectiva frota de VSG que lhe está associada, devendo indicar um colaborador que seja o elo de ligação com a área de Recursos Físicos e Segurança; (depoimento da testemunha L…)

nn)        Foram definidas regras para utilização das VSG por parte dos colaboradores do Grupo Fiscal A…, alicerçadas nos princípios constantes das Ordens de Serviço, reproduzidas nos documentos n.ºs 26 e 27 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se refere, além do mais, o seguinte:

1. PRINCÍPIOS GERAIS

1.1

DEFINIÇÃO DE VSG

As Viaturas de Serviços Gerais (VSG) são veículos automóveis, em regra ligeiros de passageiros, identificados com os logótipos dos A… .

1.2

UTILIZAÇÃO

1.2.1

As VSG são para ser utilizadas exclusivamente ao serviço da Empresa, nomeadamente em actividades designadas de suporte.

1.2.2

As VSG devem ser utilizadas apenas e sempre que seja necessário percorrer distâncias significativas em deslocações de serviço.

Para pequenas distâncias, ou sempre que seja mais económico para a Empresa, deve ser privilegiada a utilização dos transportes públicos, quando os houver.

1.2.3

Na sua utilização exige-se o preenchimento do Boletim Diário da Viatura, modelo de controlo de utilizadores, percursos, quilómetros e combustível.

1.2.4

Em regra, não é permitido o seu parqueamento fora das instalações A… ou, na sua inexistência, fora de locais próximos dos serviços de afectação ou por estes designados.

2. ATRIBUIÇÃO

2.1

ORGANIZAÇÃO E GESTÃO

2.1.1

Cabe a cada Direcção a gestão da frota de VSG que lhe está atribuída.

2.1.1.1

Cada Direcção deve indicar um elemento que seja responsável pela gestão desta frota, bem como elo de ligação com a SRF/GEF.

2.1.1.2

Para efeitos das alíneas anteriores é fixada, para cada Direcção, uma dotação de VSG que, organizadas em pool, terão utilização diversificada de acordo com o ponto 1.2.

2.1.1.3

Cabe ao CA, por proposta do Director de 1.ª linha e com o acordo do Administrador da área de responsabilidade, aprovar a dotação de VSG a atribuir a cada Direcção.

2.1.1.4

Para efeitos imediatos, são aprovadas as dotações constantes do anexo l a esta OS.

2.1.2

Todos os custos com as VSG, nomeadamente rendas e custos de utilização, serão suportados pelas Direcções a quem foram afectas.

2.2

CONTROLO DA UTILIZAÇÃO DA VSG

2.2.1

Na sua utilização exige-se o preenchimento do Boletim Diário da Viatura, modelo de controlo de utilizadores, percursos, quilómetros e combustível, validado mensalmente pelo Director directamente dependente do CA, que o envia para a USP/SRF/GEF.

2.2.2

Fica a cargo das Direcções a verificação das manutenções exigidas pela marca, inspecções periódicas obrigatórias (quando necessárias), bem como a verificação mensal dos níveis de óleo, água e pressão dos pneus.

2.2.3

Mensalmente, a USP/SRF/GEF dará informação às Direcções de todas as despesas resultantes da utilização das VSG.

Anualmente, deverá ser feita análise da utilização das viaturas atribuídas a cada Direcção para efeitos de correcção das dotações atribuídas.

3. DISPOSIÇÕES FINAIS

3.1

É revogada a OS…A de 17 de Fevereiro e toda a regulamentação que contrarie a presente OS.

3.2

São anulados todos os despachos de autorização emitidos para utilização exclusiva de VSG.

3.3

Esta OS produz efeitos a partir de 1 de Setembro de 2011.

23 de Agosto de 2011 - Pelo CA, o Vice-Presidente do Conselho de Administração, M….

 

 

Tendo em vista definir os procedimentos e circuitos necessários à execução do ponto 2 da OS…CA* de 17 de Fevereiro, relativo ao regulamento de utilização das Viaturas de Serviços Gerais (VSG), e o modelo de gestão e organização das pools bem como a fórmula de cálculo e de imputação de custos aos utilizadores, determina-se ao abrigo do disposto no ponto 2.1.4 da mencionada Ordem de Serviço:

I – PROCESSO DE GESTÃO OPERACIONAL DA POOL DE VSG

1.1

Os pedidos de utilização de viaturas VSG devem ser efectuados à área responsável pela pool de viaturas VSG – USP/SRF/GEF – através de formulário próprio disponibilizado na intranet. O formulário deverá ser enviado à GEF por e-mail para um dos seguintes endereços electrónicos:

pedidosviaturas.portofi) ...pt

pedidosviaturas.coímbra@...pt

pedidosviaturas.lisboa@...pt

1.2

É da responsabilidade do utilizador a escolha da pool de viaturas à qual se dirige:

Porto, Coimbra ou Lisboa.

1.3

A disponibilização das viaturas será efectuada por ordem cronológica da chegada do pedido à USP/SRF/GEF, não sendo atribuídos graus de precedência. O pedido da área requisitante deverá dar entrada naquele Serviço com uma antecedência em relação à data prevista de utilização que não poderá ser superior a 7 dias.

1.4

A autorização para utilização é efectuada da seguinte forma:

1.4.1

Para utilização com duração inferior a 7 dias, deverá ser obtida autorização da chefia de 2.ª linha da respectiva área requisitante.

1.4.2

Para utilização com duração igual ou superior a 7 dias e inferior a 30 dias, deverá ser obtida autorização da chefia de 1.ª linha da respectiva área requisitante.

1.4.3

Para utilização com duração igual ou superior a 30 dias, deverá ser obtida autorização do Administrador do pelouro a que pertence a área requisitante.

1.4.4

Pedidos sucessivos pelo mesmo utilizador de uma dada área requisitante serão contabilizados, para efeitos de autorização, como um único pedido de empréstimo.

1.4.5

Caso não haja viaturas VSG disponíveis para utilização na data/hora solicitadas pelo utilizador, a USP/SRF/GEF comunicar-lhe-á este facto. O utilizador terá então de indicar nova data e hora de utilização, ou em alternativa a USP/SRF/GEF poderá proceder ao aluguer de viatura em rent-a-car mediante autorização da chefia de 1.ª linha da respectiva área requisitante. Este aluguer será feito na rent-a-car que apresentar as melhores propostas a nível de tabela de preços obtida por consulta ao mercado. Nesta situação o utilizador será responsável pelo levantamento (check-out) e entrega (check-in) da viatura junto da rent-a-car seleccionada.

1.4.6

Caso o número de pedidos de viaturas VSG seja superior ao número de viaturas disponíveis da respectiva pool, aplicar-se-ão, ao número de viaturas remanescentes para utilização, as percentagens por serviço constantes do Anexo I. A actualização anual da informação constante deste anexo é da responsabilidade da USP/SRF/GEF.

Nesta situação é definido um limite máximo de utilização por direcção a partir do qual não é garantida a disponibilidade de viaturas. A USP/SRF/GEF poderá então proceder ao aluguer de viatura em rent-a-car mediante autorização da chefia de 1ª linha da respectiva área requisitante.

1.4.7

A área requisitante poderá cancelar, sem custos adicionais, um pedido de viatura até ao dia imediatamente anterior à data prevista de utilização. Para cancelamentos no próprio dia será cobrada uma taxa de desistência igual ao valor diário do custo fixo do aluguer.

1.4.8

As VSG sedeadas na DRA pertencem à pool de viaturas do Porto, e encontram-se disponibilizadas em permanência a esta área.

1.4.9

As VSG sedeadas na DRM pertencem à pool de viaturas de Lisboa, e encontram-se disponibilizadas em permanência a esta área.

1.4.10

Após a disponibilização da viatura ao utilizador pela USP/SRF/GEF, este procederá ao levantamento das chaves e documentação e ser-lhe-á indicado o lugar onde a viatura se encontra parqueada.

1.4.11

Para a pool de viaturas de Lisboa, o utilizador deverá levantar as chaves e documentação na Portaria que dá acesso ao estacionamento interior do Edifício A… .

Será criado um ficheiro de controlo partilhado entre a Portaria do Edifício A… e a USP/SRF/GEF em que, para cada viatura:

1.4.11.1

O início previsto da utilização é assinalado pela USP/SRF/GEF;

1.4.11.2

A Portaria confirma o preenchimento da informação acima, entregando de seguida as chaves e documentação ao utilizador e assinala no ficheiro a saída da viatura (data/hora);

1.4.11.3

Após a utilização da viatura, a Portaria recolhe as chaves e documentação e assinala no ficheiro a entrada da viatura;

1.4.11.4

A USP/SRF/GEF confirma o preenchimento da informação acima de modo a poder considerar a viatura como disponível para nova utilização.

1.4.11.5

Este ficheiro de controlo deverá estar permanentemente actualizado de modo a que a USP/SRF/GEF e a Portaria do Edifício A… possuam a qualquer instante a informação real das saídas e entradas de viaturas.

1.4.12

No caso das pools de viaturas do Porto e Coimbra, o utilizador deverá levantar as chaves e documentação directamente nas instalações locais da USP/SRF/GEF. Para estas pools o ficheiro não é partilhado com a Portaria, sendo a USP/SRF/GEF responsável pela totalidade do seu preenchimento.

2 - NORMAS DE UTILIZAÇÃO DAS VIATURAS

2.1

O utilizador deve verificar o estado da VSG antes de iniciar a marcha. No caso de detectar alguma anomalia no veículo, deve assiná-la no campo disponível no boletim da viatura, bem como avisar a USP/SRF/GEF responsável pela pool.

2.2

O utilizador deve verificar o nível de combustível antes de entregar a viatura. Caso o nível indique que a capacidade do depósito de combustível se encontra abaixo de metade, o utilizador deverá atestar o depósito antes da entrega.

2.3

Deve ser preenchido o boletim de actividade, com confirmação dos quilómetros à partida e estado do veículo.

2.4

Para as pools de viaturas do Porto e Coimbra, caso o boletim de actividade se encontre completamente preenchido deve ser devolvido directamente ao serviço da USP/SRF/GEF onde a viatura foi requisitada, após o que o utilizador deverá colocar novo boletim na viatura. O boletim de actividade encontra-se disponibilizado na intranet.

2.5

Para a pool de viaturas de Lisboa, a Portaria será responsável pela verificação do preenchimento do boletim de actividade. Quando este se encontrar completamente preenchido, a Portaria disponibilizará novo boletim ao utilizador, e entregará o boletim preenchido directamente à USP/SRF/GEF.

2.6

Devem ser respeitadas as regras de boa utilização da viatura, quer ao nível da

condução (defensiva/segura e económica/ecológica) quer de higiene e limpeza interior e exterior.

2.7

Caso o utilizador detecte alguma anomalia no funcionamento da viatura deverá contactar a USP/SRF/GEF, que o informará sobre o procedimento a seguir.

2.8

A utilização da viatura nos dias úteis só é permitida no horário entre as 08h e as 20h, devendo ser parqueada nas instalações da respectiva pool no horário entre as 20h e as 8h.

2.9

A utilização da viatura no período nocturno (das 20h às 08h) e durante os fins-de-semana e feriados só é permitida com autorização da chefia de 1.ª linha da respectiva área.

2.10

As medidas de restrição horária acima indicadas também se aplicam para as viaturas em rent-a-car.

2.11

Para as viaturas em rent-a-car, o utilizador deve assegurar-se de que o nível de combustível aquando da entrega da viatura à rent-a-car seja o mesmo do que no momento do seu levantamento. Ao não observar este ponto, a área requisitante da viatura incorre no pagamento de uma taxa de serviço de acordo com o processo homologado entre os A… e a rent-a-car.

2.12

Após a utilização da viatura, esta deverá ser parqueada no local onde foi inicialmente requisitada devendo o utilizador entregar as chaves e documentação da VSG no mesmo local onde as levantou.

2.13

Os planos de manutenção preventiva e correctiva serão definidos/geridos pela USP/SRF/GEF. Uma vez por mês serão verificados os níveis dos fluidos de cada viatura, bem como efectuada uma limpeza interior e lavagem exterior.

3 - IMPUTAÇÃO DE CUSTOS AOS UTILIZADORES

3.1

Mensalmente a USP/SRF/GEF efectuará o processamento dos custos com a utilização através de ferramenta disponível no SGT – Sistema de Gestão de Transportes.

3.2

Cada utilização terá os seus custos imputados à área requisitante. O custo total da utilização é constituído por 2 parcelas: um custo fixo, correspondendo à renda e demais custos mensais das viaturas em AOV e um custo variável, correspondendo aos combustíveis, portagens e gastos com acidentes.

3.3

Cada pedido de utilização terá um custo fixo diário independente do tempo de utilização da viatura.

3.4

Acidentes e multas seguirão o canal de tratamento actualmente em funcionamento na USP/SRF/GEF.

4 - OPTIMIZAÇÃO TAXA DE UTILIZAÇÃO DAS VIATURAS

A USP/SRF/GEF fará uma análise contínua da taxa de utilização das viaturas, podendo a sua quantidade e/ou localização ser alterados de modo a dar continuidade ao programa de redução de custos operacionais.

O presente despacho entra imediatamente em vigor.

 

oo)        As VSG não estão com ninguém em particular, não estão afectas ao uso por nenhum funcionário, mas em pool a cada direcção, a que os funcionários requisitam as viaturas, sendo aleatória a atribuição de uma viatura a um funcionário; (depoimento da testemunha L…)

pp)          Os dados diários do Boletim da Viatura são, posteriormente e com periodicidade mensal, validados pelo responsável da direcção, a quem caberá reencaminhar o respectivo boletim para a área de Recursos Físicos e Segurança até ao dia 15 do mês seguinte a que respeita a utilização; (depoimento da testemunha L…)

qq)         Com periodicidade mensal, a área de Recursos Físicos e Segurança analisa a informação recolhida, bem como outra informação pertinente (exemplo: extractos de “via verde” e abastecimentos) (depoimento da testemunha L…)

rr)        É sempre possível a qualquer pessoa infringir as regras, gerando responsabilidade disciplinar por violação do dever de lealdade a utilização de bens da empresa em proveito próprio, podendo implicar despedimento com justa causa (depoimento da testemunha L…)

ss) A testemunha L… teve conhecimento de que, há muitos anos, quando ainda não desempenhava as suas funções, um colaborador foi punido por utilização indevida de uma VSG; (depoimento da testemunha L…)

tt)         A testemunha L… teve conhecimento, quando já exercia funções, de poucos casos de carteiros que foram punidos por utilização indevida de motociclos, mas não lhes foi aplicada pena expulsiva; (depoimento da testemunha L…)

uu)        Os veículos de mercadorias que os A… utilizam estão quase todos afectos a uma única direcção de operações; (depoimento da testemunha L…)

vv)        Os A… dispõem de muito menos veículos de mercadorias do que de VSG; (depoimento da testemunha L…)

ww)    Faz parte da ponderação na escolha das VSG a utilização de veículos eléctricos, desde que seja economicamente viável, inclusivamente tendo em conta os postos de carregamento, mas tal não sucedia nos anos de 2011 e 2012; (depoimento da testemunha L…)

xx)        Os A…, quando pretendem conferir aos seus colaboradores a possibilidade de utilização pessoal das viaturas (denominadas Viaturas de Utilização Pessoal ou “VUP”), fazem constar tal utilização em acordo escrito, sendo a utilização tributada na esfera dos trabalhadores; (depoimentos das testemunhas J… e L…)

yy)        Em 31 de Dezembro de 2011 havia 297 VUP e em 31 de Dezembro de 2012 havia 270 VUP, em que os veículos foram entregues aos utilizadores mediante celebração de acordo de utilização que expressava o valor do veículo para efeitos de tributação em sede de IRS;

zz)          Em 28 de Maio de 2012 e em 30 de Maio de 2013 a Requerente procedeu à apresentação das declarações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 do seu Grupo Fiscal referentes aos exercícios de 2011 e 2012, sendo que apresentou ainda declarações de substituição (documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

aaa)  Nesses momentos a Requerente procedeu à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desses mesmos anos de 2011 e 2012, nos montantes de € 685.712,97 (2011) e € 695.598,39 (2012), respectivamente (campos 365 das declarações modelo 22);

bbb)    No exercício de 2011 as tributações autónomas que incidiram sobre encargos com motociclos e VSG foram os seguintes: (depoimento da testemunha J… e documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

 

ccc)   No exercício de 2012 as tributações autónomas que incidiram sobre encargos com motociclos e VSG foram os seguintes: (depoimento da testemunha J… e documento n. 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

ddd)  Em 23-03-2016, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2011 e 2012 (documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

eee)    Em 20 de Junho de 2016 (exercício de 2011) e 17 de Junho de 2016 (exercício de 2012), foi a Requerente notificada do indeferimento dos supra referidos pedidos de revisão oficiosa (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos), em que se remete para os fundamentos que constam dos projectos de decisão previamente notificados (Documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

fff)     A Requerente pagou as quantias autoliquidadas (documentos n.ºs 30 e 31 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

ggg) Em 13-09-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

            Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que possam ser considerados provados.

            Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada ponto e nos depoimentos das testemunhas.

            As testemunhas aparentaram depor com isenção e com um conhecimento limitado dos factos, ficando o Tribunal arbitral com a convicção que, quanto ao concreto uso dos motociclos e automóveis, têm apenas conhecimento directo da regulamentação criada para controlar a sua utilização e evitar utilização para fins pessoais e não conhecimento concreto da efectiva utilização nas inúmeras situações que ocorrem quotidianamente em todo o território nacional, conhecimento este que nem se afigura viável numa empresa que tem ao seu serviço cerca de centena e meia de viaturas de serviço geral e assegura nos dias úteis mais de 2.000 giros de carteiros que utilizam motociclos.

            Neste contexto, o facto de a testemunha L…, que referiu ter conhecimento de infracções às regras de utilização de veículos para uso pessoal que foram sancionadas, ter dito conhecer a existência de apenas uma infracção relativa às VSG (há muitos anos, quando ainda não exercia funções) e poucos casos relativos a motociclos (a que não terá sido aplicada pena expulsiva), não pode justificar uma conclusão minimamente segura sobre a eficiência das regras para obstar à prática de infracções e nem mesmo um juízo fundamentado sobre a probabilidade de elas não terem ocorrido em 2011 e 2012, justificando mais fortemente a desconfiança sobre a eficiência dos meios de controle, para além de que o conhecimento da existência daquelas infracções por aquela testemunha revela que elas, afinal, existem mesmo, apesar das regras.

Para além disso, corroborando as dúvidas sobre a eficiência do controle, constata-se que o sistema de pool (aleatoriedade na atribuição de VSG e motociclos) terá limitações na sua implementação, pois o Boletim de viatura que consta do documento n.º 21 junto pela Requerente, mostra a utilização seguida do mesmo veículo pelo mesmo condutor em 11 dias seguidos (sem intermediação de qualquer outro condutor).

Aliás, mesmo regulamentarmente, não é imposta rotação diária dos veículos entre os utilizadores, como se vê pelos pontos 1.4.2. e 1.4.3. do documento n.º 27, em que se prevêem utilizações com durações superiores a 7 dias e a 30 dias.

A isso acresce que no ponto 2.9 do documento n.º 27 se prevê mesmo a possibilidade de autorização pelas chefias de 1.ª linha de cada área de uso das VSG em período nocturno e durante feriados e fins-de-semana, não tendo sido alegada nem provada qual a utilização relacionada com a actividade da Requerente que justifica tal uso.

Assim, na linha do que afirmaram as testemunhas K… e L…, o Tribunal Arbitral formou a convicção de que não se pode garantir que nenhum utilizador dos motociclos e das VSG prevarique, utilizando os veículos para fins pessoais, mas normalmente isso não acontecerá e a Requerente sanciona disciplinarmente os casos de infracções das regras de que tenha conhecimento.

 

           

3. Matéria de direito

 

A Requerente apresentou as declarações modelo 22 relativas aos exercícios de 2011 e 2012, em que autoliquidou tributações autónomas relativas a encargos com motociclos e viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.

Relativamente ao exercício de 2011, a Requerente autoliquidou € 168.405,08 quanto a encargos com motociclos e € 80.916,02 no que concerne a encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.

No exercício de 2012, a Requerente autoliquidou € 178.631,25 relativos a encargos com motociclos e € 119.397,23 quanto a encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.

A Requerente defende, em suma que os n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/10, de 31 de Dezembro, contêm implícita uma presunção de uso para fins pessoais de motociclos e viaturas ligeiras ou mistas de passageiros, que admite ilisão e que a prova produzida permite considerar ilidida a presunção.

As tributações autónomas relativas a gastos com motociclos e viaturas ligeiras de passageiros ou mistas constam dos n.ºs 3 a 6 do artigo 88.º do CIRC que estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro:

 

 3 - São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica.

4 - São tributados autonomamente à taxa de 20 % os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º.

5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 – Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

 

            O «montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º» consta da Portaria n.º 467/2010, de 7 de Julho. ( [5] )

            Como resulta do teor dos referidos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º, estas tributações autónomas não têm como pressuposto a não empresarialidade dos gastos com as viaturas dos tipos aí previstos, sendo aplicáveis independentemente de os encargos serem ou não dedutíveis à face do artigo 23.º do CIRC.

            Esta conclusão, que resulta do teor literal destas normas, é confirmada pela sua comparação com os antecedentes n.ºs 3 e 4 do artigo 81.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, em que se fazia referência expressa a que estas tributações autónomas se reportavam a «encargos dedutíveis».

            Assim, sob a denominação genérica de «tributações autónomas» indicam-se no artigo 88.º do CIRC situações de vários tipos, entre os quais se incluem situações de tributações autónomas de encargos não dedutíveis à face do artigo 23.º do CIRC (como é o caso dos artigos 88.º, n.º 1 e 2) e tributações autónomas de encargos que podem ser dedutíveis à face daquele artigo 23.º (como é o caso das tributações autónomas previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º).

            Como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 628/2014-T:

 

«A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.

Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.

Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[6] o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles».

 

Na linha desta jurisprudência arbitral, as tributações autónomas em causa poderão configurar-se «como um imposto “híbrido”, incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente». ( [7] )

Estas tributações autónomas constituirão normas antiabuso específicas, que visam, primacialmente, «disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da actividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional». ( [8] )

Na pena de SALDANHA SANCHES, «cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma.

Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação».

Como se refere no acórdão arbitral do processo n.º 628/2014-T:

 

«As tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da (...) circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

Confrontado com tal dificuldade ( [9] ), o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Assim, do facto conhecido, que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.

E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente)».

 

            Está, assim, subjacente às tributações autónomas previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º uma presunção de não empresarialidade parcial dos encargos com viaturas dos tipos aí indicados, que justifica que elas sejam dedutíveis atenuadamente, sendo a sua relevância total como gastos compensada pela tributação autónoma com aplicação de uma taxa inferior à do IRC.

Afigura-se que são diferentes as questões da aplicação das tributações autónomas aos motociclos e VSG, pelo que se apreciarão em separado as duas situações.

 

 

            3.1. A questão relativamente aos motociclos da frota da Requerente

 

A Requerente defende que será materialmente inconstitucional aplicar as tributações autónomas referidas às empresas que «utilizam motociclos como veículos de transporte das mercadorias cujo transporte constitui o objecto do seu negócio (os objectos postais)» e que «para além desta ausência, a priori, de justificação para a tributação autónoma no caso dos motociclos dos A… apetrechados (modificados) para o transporte de mercadoria postal, que os mecanismos de controlo implementados permitem aos A… reforçar a correcta utilização dos seus motociclos dentro dos parâmetros que justificam a sua aquisição e detenção: servirem, exclusivamente, o transporte de mercadoria postal» (artigos 91.º e 92.º do pedido de pronúncia arbitral).

Das normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º, nas partes em que referem «viaturas ligeiras de passageiros ou mistas», e não também viaturas ligeiras de mercadorias, conclui-se que está excluída a tributação autónoma de viaturas ligeiras de mercadorias, que são as que, pelas suas características, se destinam primacialmente ao transporte de carga.

            Esta exclusão justificar-se-á por se entender que, relativamente a veículos vocacionados para o transporte de carga, as próprias características dos veículos enfraquecem a probabilidade de utilização parcial para fins não empresariais. Por isso, na perspectiva legislativa, não se justificará tributação autónoma de encargos com viaturas de mercadorias, tendo a respectiva utilização para fins não empresariais, quando se prove, relevância fiscal em IRC apenas a nível de afastamento da dedutibilidade, por aplicação da regra do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

            Os motociclos da frota da Requerente, que estão adaptados ao transporte de correio com colocação de uma caixa de carga inamovível, devem considerar-se veículos vocacionados para o transporte de carga, a que é adequada a designação de veículos de mercadorias, pelo que se justifica manifestamente que, em matéria de tributações autónomas, lhes seja aplicado o regime que é aplicável aos outros veículos de mercadorias, até por maioria de razão, pois, enquanto nos veículos ligeiros ou pesados de mercadorias ainda é possível o transporte de passageiros, além do condutor, nos motociclos em causa apenas pode ser transportada carga, além do condutor.

            Por isso, é de concluir que o texto do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, ao aludir genericamente a motociclos, não reflecte adequadamente a intenção legislativa que está subjacente a esta norma, que não inclui a tributação autónoma de veículos vocacionados para o transporte de carga.

            Justifica-se uma interpretação restritiva quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)».( [10] )

«O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo. Nestes últimos casos fala-se de interpretação extensiva ou restritiva». ( [11] )

De harmonia com esta doutrina, deve ser interpretada restritivamente a referência aos motociclos que se faz no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, como reportando-se apenas aos que não estão, pelas suas características, vocacionados para o transporte de carga, como é o caso dos que faziam parte da frota da Requerente nos exercícios de 2011 e 2012.

Será com esta interpretação restritiva que se assegura a constitucionalidade desta norma, já que a aplicação apenas a motociclos das tributações autónomas relativas a encargos com veículos destinados especialmente ao transporte de carga configuraria uma discriminação negativa injustificada das empresas para cuja actividade é especialmente adequada a utilização de motociclos de carga, discriminação essa que seria incompaginável com o princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP.

 Assim, as autoliquidações efectuadas quanto a estes exercícios, bem como as decisões dos pedidos de revisão oficiosa, nas partes em que indeferiram as pretensões da Requerente relativas a estes motociclos, enfermam de vícios de violação de lei, que justificam a sua anulação, nas partes respectivas.

 

            3.2. A questão relativamente às Viaturas de Serviço Geral (VSG) da frota da Requerente

 

 No que concerne às VSG, trata-se de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas que se enquadram manifestamente na previsão dos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC.

Sendo a justificação essencial das tributações autónomas previstas nos n.ºs e 3 4 do artigo 88.º a dificuldade natural de apuramento da empresarialidade das despesas com veículos que aí se tributam, a prova de que a empresarialidade total ocorreu tem de ser especialmente exigente, não podendo considerar-se ilidida a presunção quando subsistam dúvidas razoáveis sobre a afectação exclusiva de viaturas ao serviço das empresas, pois é precisamente para as situações de dúvida que se impõe a tributação.

Assim, essas dúvidas não poderão ser afastadas com a mera apresentação de regulamentos internos e previsão de meios de controle abstractamente adequados a detectar infracções às suas regras potencialmente adequados, sendo imprescindível uma conclusão segura sobre a eficiência da sua aplicação concreta, que poderá presumir-se quando se estiver perante um tipo de actividade em que é fácil essa concretização ( [12] ), mas que já não poderá ser presumida quando se estiver perante uma situação em que os períodos de utilização dos veículos são suficientemente longos para viabilizarem utilização para fins privados e não há indícios seguros da eficiência do controle abstractamente previsto nos regulamentos.

            No caso em apreço, como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a prova produzida não permite concluir que não ocorreu utilização de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas para fins estranhos à actividade da Requerente.

            Na verdade, apenas se provou que a Requerente criou regras de utilização e previu meios de controle com o objectivo de obstar à utilização dos veículos no interesse pessoal dos seus funcionários, mas não foi produzida prova convincente sobre a eficiência ou não da implementação prática dessas regras.

            Por outro lado, no que concerne às VSG, está-se perante disponibilização de veículos por períodos suficientemente prolongados para serem viáveis utilizações para fins privados [períodos que podem exceder vários dias, prevendo-se mesmo a utilização por períodos superiores a 30 dias no ponto 1.4.3. da Ordem de Serviço reproduzida na alínea NN) da matéria de facto fixada] e admite-se a utilização em período nocturno (das 20h às 08h) e durante os fins-de-semana e feriados [ponto 2.9. da Ordem de Serviço reproduzida na alínea NN) da matéria de facto fixada] o que reforça as dúvidas sobre a alegada exclusividade do uso empresarial destas viaturas e cumprimento das normas referidas, por serem períodos relativamente aos quais não foi alegada nem provada qual a utilização relacionada com a actividade da Requerente.

            Neste contexto, mesmo que se admita que a existência daquelas regras de utilização e a previsão de meios de controle poderá, em medida não determinada, dissuadir utilizações dos veículos para fins privados, não pode deixar de se concluir que não se dissiparam, com a segurança exigível numa decisão jurisdicional, as dúvidas que legislativamente justificam aquelas tributações autónomas.

            Isto é, não se pode concluir que as situações em causa se afastem da «linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo» e, sendo assim, mantém-se a aplicação da presunção legislativa de empresarialidade parcial dos encargos em causa.

Por isso, dependendo o afastamento das tributações autónomas referidas da prova da total empresarialidade das despesas, tem de se concluir que as autoliquidações não enfermam de ilegalidade, na parte relativa às VSG, pelo que não se justifica a sua anulação.

No entanto, a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, que teve por base o entendimento de que os n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC não contêm presunção ilidível, é ilegal, quanto à fundamentação invocada, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da quantia de € 547.349,58, acrescida de juros indemnizatórios contados desde 16-06-2016 até integral reembolso.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral apenas quanto às tributações autónomas relativas aos motociclos, o reembolso limita-se as quantias de € 168.405,08 e € 178.631,25, pagas relativamente aos exercícios de 2011e 2012, respectivamente.

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

Nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Como decorre da matéria de facto fixada, os pedidos de revisão oficiosa foram decididos em menos de três meses, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios ao abrigo daquela alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Assim, procede o pedido de reembolso quanto às quantias de € 168.405,08 e € 178.631,25 (€ 347.36,33, no total) e improcede, assim o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

5. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte respeitante às tributações autónomas relativas aos motociclos da frota da Requerente nos anos de 2011 e 2012;

– declarar ilegais e anular as autoliquidações relativas aos exercícios de 2011 e 2012 nas partes respeitantes às autoliquidações de tributações autónomas relativas aos motociclos, nos montantes de € 168.405,08 e € 178.631,25 respectivamente;

– declarar ilegais e anular as decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa;

– julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso, quanto ao montante de € 347.36,33 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos outros pedidos.

 

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 547.349,58.

 

 

Lisboa, 03-04-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Ricardo da Palma Borges – com declaração de voto anexa)

 

 

 

(Maria Manuela do Nascimento Roseiro – com declaração de voto anexa)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Concordo com o presente acórdão arbitral, excepto quanto ao respectivo ponto 4., a respeito da decisão relativa ao pedido da Requerente quanto a juros indemnizatórios.

            A Requerente, alega, no artigo 188.º da sua Petição Inicial, que:

 

«(…) os erros de que padecem as liquidações em causa cuja legalidade agora se discute são erros dos serviços na aplicação do direito a partir do momento em que a AT foi confrontada em devido tempo com esses erros, em sede de procedimento de revisão oficiosa, e optou por negar o reconhecimento e consequente correcção dos mesmos (…)».

 

O presente acórdão arbitral defende, por seu turno, que:

 

«O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT». 

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

Nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.  Como decorre da matéria de facto fixada, os pedidos de revisão oficiosa foram decididos em menos de três meses, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios ao abrigo daquela alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.».

 

Salvo o muito e devido respeito, não acompanho esta fundamentação.

Com a devida vénia, e por economia de esforços, transcrevo a eloquente declaração de voto do Senhor Conselheiro Domingos Brandão de Pinho no Processo 016/16, de 05/17/2006 (disponível em www.dgsi.pt), em que no essencial me revejo:

 

«O artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

E o seu n.º 3, alínea c) preceitua serem também devidos os mesmos juros “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

O artigo 78.º da mesma lei regula a “revisão dos actos tributários”, prevendo duas modalidades: por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade; ou por iniciativa da administração tributária (revisão oficiosa), no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Todavia, o n.º 6 do mesmo preceito prevê a revisão oficiosa a pedido do contribuinte.

E é a esta que se refere a dita alínea c).

Na verdade, aquela primeira modalidade de revisão do acto confunde-se ou equivale à reclamação graciosa pelo que está desde logo incluída no referido n.º 1 do artigo 43.º.

Assim, só há lugar a juros indemnizatórios, nos termos daquela alínea c), se a Administração não efectuar a revisão no prazo de um ano após o pedido do contribuinte, salvo se o atraso não for imputável àquela.

O que significa, desde logo, que, naquela segunda modalidade de revisão - por iniciativa da Administração Tributária - e não havendo “iniciativa do contribuinte”, só são devidos juros do tipo em causa nos termos da alínea b) do n.º 3.

O que bem se compreende se se atentar em que a Administração procedeu de motu próprio, reconhecendo o erro imputável aos serviços e efectuando a revisão pelo que, ante a inércia do contribuinte, não lhe devem ser atribuídos quaisquer juros não obstante a sua razão de ser intrínseca - a compensação àquele pelo desapossamento de quantias pecuniárias legalmente indevidas – se a respectiva nota de crédito for processada até ao 30.º dia posterior à decisão.

Quando o contribuinte peça a “revisão oficiosa”, mesmo assim, não são devidos juros se a Administração efectuar a revisão no prazo de um ano, salvo atraso imputável à própria Administração.

Temos, assim, que aquela alínea c) só se aplica quando a Administração proceda à revisão oficiosa “por iniciativa do contribuinte”.

Se este a pede mas a Administração não a efectua, sendo determinado o pagamento de juros na consequente impugnação judicial, a situação cai, logo literalmente, na alçada do n.º 1 do artigo 43.º, que não da predita alínea c) uma vez que foi naquele meio processual que se determinou a existência de erro imputável aos serviços.

E tanto assim é que o artigo 100.º da LGT, regulando os “efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo”, e impondo à Administração a “imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação, objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios”, nem sequer se refere à revisão - tão raros serão, aí, os casos da atribuição de juros indemnizatórios - mas apenas à “reclamação, impugnação judicial ou recurso”.

Nem pode argumentar-se contra a tese exposta dizendo-se que, assim, em lugar de deduzirem impugnação judicial ou reclamarem graciosamente, os contribuintes esperariam pelo último dia do dito prazo de quatro anos para pedirem a revisão oficiosa, tendo então direito a receber os respectivos juros indemnizatórios.
É que tal só se verifica se a Administração não proceder à revisão no prazo de um ano - salvo sempre atraso que lhe não seja imputável - o que, no entendimento legal, constitui o lapso temporal necessário e suficiente para o efeito.

Assim, se o contribuinte pedir a revisão oficiosa, ainda que naquele último dia do prazo, em lugar de impugnar ou reclamar no prazo de 90 dias, não receberá quaisquer juros se a Administração fizer a revisão no prazo de um ano.
Se a não fizer, pagará juros mas ... sibi imputet.

Por outro lado, o artigo 43.º da Lei Geral Tributária - salva a situação prevista na alínea b) do n.º 3 - apenas regula o direito a juros indemnizatórios, isto é, as situações em que eles são devidos e a respectiva taxa.

A definição do período temporal respectivo e o seu pagamento foram relegados para o Código de Procedimento e Processo Tributário - artigo 61.º.
Estabelecendo o seu n.º 3 que os “juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.

Sem que se faça aí qualquer distinção entre impugnação judicial, reclamação graciosa ou revisão.

É, assim, de concluir que, não procedendo a Administração à revisão oficiosa pedida pelo contribuinte, ou seja, indeferido o pedido, e estabelecido serem devidos juros indemnizatórios na sequente impugnação judicial, estes serão contados nos termos do predito n.º 3 do artigo 61.º do CPPT: “desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.

Cfr., aliás, no sentido exposto, os acórdãos do STA de 11 de Maio de 2005 recurso n.º 319/05 e de 1 de Junho de 2005 recurso n.º 249/05.» (destaques meus)

 

Assim, e em primeiro lugar, o processo arbitral está legalmente assimilado ao de impugnação judicial, de que é um meio alternativo (cfr. n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), nele podendo, em abstracto, haver decisão de atribuição de juros indemnizatórios. Pois, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial [leia-se também processo arbitral], que houve erro imputável aos serviços (…)”.

 

            O próprio Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, p. 537, escreve: “Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação (…)) (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou”.

            Se bem interpreto o pensamento do Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa o erro ser ou não imputável à AT releva apenas, para ele, nos casos de impugnação tempestiva, seja reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial – mas já não nos casos de revisão oficiosa, nomeadamente por iniciativa do contribuinte, se o pedido foi efectuado fora do prazo de reclamação.

Também assim o parece interpretar o Professor Rui Duarte Morais, em Manual de Procedimento e Processo Tributário, 2012, Livraria Almedina, Coimbra, p. 367, nota de rodapé 735: “Jorge de Sousa, Código…, I, p. 537, entende que, nos casos de autoliquidação e outras situações para as quais a lei prevê reclamações necessárias como condição de impugnação, o erro do sujeito passivo passa a ser imputável à administração fiscal a partir do momento em que tais reclamações sejam indeferidas, expressa ou tacitamente”.

Há porém doutrina, como a de Rui Duarte Morais, Ibidem, pp. 367-368, que vai mais longe, entendendo que existindo erro na autoliquidação, do qual resultou pagamento de imposto superior ao devido, como o sujeito passivo actua naquele procedimento como comissário da administração fiscal, realizando, substancialmente, tarefas desta, há sempre erro imputável aos serviços, pelo que o contribuinte teria direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido em todos os casos que tivessem resultado em enriquecimento indevido do Estado, mesmo que por erros cometidos pelo sujeito passivo em seu desfavor.

           

Exporei agora o meu pensamento, que colhe das três lições anteriores.

Quanto ao caso sub judice, a Autoridade Tributária, ao ser confrontada com a pretensão da Requerente, indeferiu-a, pelo que o erro inicialmente cometido pelo sujeito passivo passou a ser-lhe imputável a ela, a partir do momento do dito indeferimento. Ao indeferir, a Autoridade Tributária, no fundo, mais não diz que, acaso o acto originário tivesse sido de heteroliquidação, por ela, ao invés de autoliquidação, pelo sujeito passivo, teria actuado da mesma exacta forma que o contribuinte. Ou seja, ao indeferir a pretensão da Requerente, a Autoridade Tributária assume plenamente o acto do sujeito passivo, como se o tivesse praticado originariamente. Nesse sentido, a imputabilidade desse erro à Autoridade Tributária, a partir do momento em que esta o assume, deve ter efeitos ex tunc.  Pelo que não pode surpreender que, também nesse caso, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, “Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto”.

O sistema revela-se assim equilibrado. O contribuinte não pode aspirar a quaisquer juros se o erro originário for seu e a inércia na sua correcção, por meio de revisão oficiosa a seu pedido, for sua – desde que, bem entendido, a Autoridade Tributária repare o erro, em devido prazo. Todavia, se a Autoridade Tributária não repara o acto, porque, embora confrontada com um pedido de revisão, não reconhece o erro, então o risco de que o acto padeça efectivamente de tal erro, e dê origem a juros indemnizatórios, passa a ser plenamente imputável aos serviços desta, como se ela o tivesse originariamente praticado.

            In casu, porém, a Requerente, no artigo 196.º da sua Petição Inicial, apenas pretendia “(…) o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde a data em que a AT, confrontada com o erro, recusou corrigi-lo, até integral reembolso dos montantes anulados.” (destaque meus) – ou seja, em termos aquém até dos previstos no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT ‑, pelo que, à luz do princípio do pedido, pelo menos estes lhe deveriam ter sido reconhecidos.

 

5 de Abril de 2017

 

(Ricardo da Palma Borges)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Concordo com a presente decisão relativamente à legalidade das autoliquidações relativas a viaturas de serviço geral (VSG) (ponto 3.2.) embora com fundamentação distinta da subscrita pelos Ilustres Colegas Árbitros, por manter a interpretação, já manifestada em outro caso (Decisão arbitral no proc. 628/2014-T), quanto à caracterização das normas referentes a tributações autónomas no IRC e respectiva articulação com o artigo 73º da LGT. Também me afasto da decisão quanto ao ponto 3.1. onde se concluiu pela não sujeição dos encargos com motociclos da frota da Requerente a taxas de tributação autónoma.

Fundamentando:

1. Delimitação de incidência tributária, presunções e aplicação do artigo 73º da LGT 

Subscrevo a posição[13] de que o art. 73º da LGT deve ser interpretado, em conjunto com o art. 104º, nº 1 e 2, da CRP, como uma recomendação ao legislador no sentido de utilizar tanto quanto possível presunções juris tantum, evitando presunções inilidíveis e ficções, de forma a que, conjugando os artigos 73º e 74º da LGT, se distinga, no conjunto das presunções juris et de jure, as totalmente vedadas (casos das que presumem a existência de rendimentos em si), as não recomendadas (relativas a normas de incidência oneradoras do sujeito passivo) e as não proibidas (relativas a normas de incidência em sentido amplo que permitam chegar ao rendimento líquido ou considerar despesas que diminuam a capacidade contributiva). 

A adoptar-se este tipo de distinção, “as normas de incidência que impliquem dedução de despesas, custos e outros encargos, para a determinação do rendimento líquido ou relacionadas com a capacidade contributiva, e também os benefícios fiscais, enquanto normas desoneradoras”, não estão abrangidas pelo art. 73º da LGT, nem violam a Constituição, desde que as tipificações não se afastem da realidade.

A tipificação legal das normas desoneradoras “cuja fiscalização individual é muito difícil de assegurar” e até “recomendada pelos princípios da praticabilidade e da igualdade”, verificando-se que «Os actuais códigos de imposto sobre o rendimento utilizam frequentemente esse tipo de tipificação e parece-me curial entender que “as tipificações, incluindo as quantitativas, não são contrárias mas sim imprescindíveis para a realização da igualdade no Estado de Direito. A única questão de constitucionalidade que se pode colocar diz respeito às presunções absolutas nas normas de incidência real (presunções absolutas de que o sujeito passivo obteve um determinado rendimento)»[14]. [15]

2. As tributações autónomas e os encargos com veículos

Nos presentes autos está em causa a aplicação de uma norma (artigo 88º do CIRC- taxas de tributação autónoma) que tipifica situações para as quais determina, na prática, redução dos custos dedutíveis.  Trata-se de uma norma de incidência em sentido amplo (com implicação na dedução de despesas, custos ou outros encargos, com vista à determinação do rendimento líquido). A evolução legislativa revela como as “tributações autónomas” em IRC, previstas também em IRS, visam combater formas de evasão fiscal ou comportamentos empresariais que o legislador considera susceptíveis de causar injustificável erosão da base tributária daqueles impostos. Relativamente a despesas com veículos afectos à actividade da empresa o legislador terá procurado tributar autonomamente, como regra geral, os encargos dedutíveis relativos a despesas relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a  título principal, actividade de natureza comercial, indústria ou agrícola [(nº 3 do art. 88º do CIRC), deixando de fora os encargos referentes a pesados e a ligeiros de mercadorias.

E excepcionou da tributação contida na regra definida no referido nº 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo (...) (nº 6 do artigo 88º).

A razão de aplicação desta taxa às situações tipificadas foi a de se considerar que os veículos abrangidos são, em abstracto, susceptíveis de utilização indiferenciada, simultaneamente privada e empresarial o que torna extremamente difícil apurar a realidade. Por isso, o legislador previu desde logo uma tributação autónoma que significa, na prática, quando aplicada conjuntamente com a dedutibilidade do encargo, uma limitação na dedução destes custos da actividade. Ou seja, perante a erosão de base tributável verificada, o legislador pretendeu que a tributação autónoma fosse não apenas uma receita fiscal imediata, incidindo sobre a empresa independentemente do respectivo lucro mas também um mecanismo conducente à racionalização e controlo dos gastos da empresa, com efeitos sobre a respectiva rentabilidade/susceptibilidade de gerar resultados positivos (o que, para além das vantagens para a empresa, pode produzir matéria colectável...). Excluídos da dificuldade de prova da real distribuição entre afectação empresarial e privada encontram-se os veículos considerados, por efeito da lei, instrumento do desenvolvimento de uma actividade, sendo descritos como afectos à exploração de “serviço público de transporte, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo” (nº 6 do art. 88º). Esta norma abrange, especificamente, a actividade de transporte público de pessoas já que a exclusão de tributação autónoma sobre veículos afectos a transporte de carga resulta, a contrario sensu, da definição de incidência contida no nº 3 do art. 88º do CIRC. 

Resulta desta interpretação que a “regra” contida no nº 3 do artigo 88º do CIRC apenas é desaplicada nos casos previstos na “excepção” (nº 6 do artigo 88º), não fazendo sentido ainda fazer depender a aplicação do nº 3 do mesmo artigo da produção de prova, a realizar casuisticamente e em qualquer sector de actividade, sobre a efectiva afectação da utilização dos veículos abrangidos pela norma. Se o legislador desenhou a solução de equilíbrio acima identificada por entender tratar-se de situações muito difíceis de controlar rigorosamente (a veracidade, apesar de existência de contabilidade, da distribuição de gastos imputados a diferentes tipos de veículos, a dificuldade de controlo da efectiva utilização, etc.), e se admitiu apenas a excepção prevista no nº 6, uma interpretação que aceitasse a admissibilidade de prova, a fazer caso a caso, de que os veículos estão exclusivamente afectos à actividade da empresa tornaria inútil a redacção adoptada.

Assim, reitero o entendimento anteriormente manifestado no proc. 628/2014-T, de que o artigo 88º (antes 81º) do CIRC não contém uma presunção ilidível por aplicação do artigo 73º da LGT. Trata-se antes de uma norma que, tendo embora subjacente um juízo de que determinadas situações da vida se revelam de difícil controlo rigoroso, optou por tipificar casos sujeitos a incidência de taxas de tributação autónoma, traduzidos, na prática, na redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria colectável.

3. As tributações autónomas no caso dos autos: motociclos e viaturas ligeiras ou mistas

Tendo em conta o que fica dito nos pontos anteriores, a minha posição relativamente à decisão tomada por maioria é a seguinte:

3.1 Quanto às viaturas ligeiras

Concordo com a conclusão de que as “autoliquidações não enfermam de ilegalidade na parte relativa às VSG, pelo que não se justifica a sua anulação”. Mas discordo da interpretação de que “a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, que teve por base o entendimento de que os n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC não contêm presunção ilidível, é ilegal, quanto à fundamentação invocada, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação”.

3.2. Quanto aos motociclos

A douta decisão que fez maioria, considerando que o artigo 88º contém uma presunção de que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, e que ao referir as «viaturas ligeiras de passageiros ou mistas» mas não as viaturas ligeiras de mercadorias, exclui a tributação autónoma sobre estas, destinadas primacialmente ao transporte de carga, e ainda dando como provado que os motociclos dos A… adaptados ao transporte de correio com colocação de uma caixa de carga inamovível são insusceptíveis de receber passageiros, concluiu que se justificava em relação a estes motociclos o mesmo tratamento que é dado aos veículos ligeiros e pesados de mercadorias (expressamente excluídos dada a sua afectação exclusiva empresarial) já que apresentam ainda menores condições para transporte de pessoas para além do condutor. E, assim, procedeu a uma interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC considerando que a referência feita a motociclos se reporta apenas aos que não estão, pelas suas características, vocacionados para o transporte de carga, como é o caso dos que faziam parte da frota da Requerente nos exercícios de 2011 e 2012. Pelo que considerou ilegais as autoliquidações relativas a motociclos objecto deste processo.

Apesar do raciocínio se apresentar como lógico e poder sustentar uma opção alternativa legislativa, não creio que seja o que resulta da lei na redacção aplicável. Antes entendo que o nº 3 do artigo 88º do CIRC, ao dispor que são tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica”, abrange categorias de veículos susceptíveis, em abstracto, de utilização para fins pessoais excluindo apenas as não expressamente previstas, e exceptuando ainda os veículos movidos a electricidade, estes tendo em conta finalidades extrafiscais (incentivo a substituição de veículos por outros menos poluentes). É como se admitisse que o risco de utilização para fins pessoais de tais meios de transporte era compensado pelas melhorias obtidas quanto a poluição.

A interpretação acolhida na decisão que fez maioria traduz-se em que alguns motociclos podem ser incluídos no conceito de viatura ligeira de mercadoria, encontrando-se este último tipo de veículo excluído do âmbito de incidência da norma. Embora tentadora, creio que a interpretação proposta não é propriamente restritiva mas analógica, que, ainda que possível, duvido que se encontre abrangida pelo espírito da lei.

Segundo me parece ser confirmado por outros indícios[16], a lei não pretendeu incluir na exclusão de incidência das taxas de tributação autónoma qualquer tipo de motociclos, a não ser quando eléctricos.

E pode defender-se que um diferente tratamento entre motociclos utilizados apenas para transporte de carga e viaturas ligeiras de mercadorias não constitui uma violação do princípio constitucional de igualdade se admitirmos que é compatível com a liberdade de conformação do legislador (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 590/2015 e nº 711/2006), justificada neste caso, p. ex., pelo incentivo a que as empresas que utilizam motociclos os substituam por eléctricos, substituição que pode ser supostamente encarada como mais fácil do que relativamente às viaturas ligeiras de passageiros ou mistas. 

Pelas razões expostas, consideraria também improcedente o Pedido relativo à declaração de ilegalidade das autoliquidações efectuadas relativamente aos motociclos.

 

3 de Abril de 2017

 

 

Maria Manuela Roseiro

 

 

 

 



[1]              Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[2]              BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

[3]              Essencialmente, neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[4]              JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 4ª ed., Coimbra, 2000, páginas 267/268.

[5] Esta Portaria veio a ser alterada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro.

[6] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.

[7] Acórdão arbitral proferido no processo n.º 628/2014-T.

[8] Acórdão arbitral proferido no processo n.º 628/2014-T.

[9] Note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer.

[10] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[11] KARL ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, página 120.

[12] Como será o caso da utilização de motociclos para entrega ao domicílio de refeições quentes nos períodos de almoço e jantar que esteve subjacente à decisão arbitral do processo n.º 628/2014-T, em que o destinatário normal das mercadorias será um cliente ansioso potencialmente denunciante de atrasos e os motociclos têm de percorrer normalmente curtas distâncias em períodos curtos, o que não proporciona facilidade de utilização dos motociclos para uso não profissional.

 

[13] Cf. Ana Paula Dourado, in “O princípio da legalidade fiscal, Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação”, pp. 630 a 632, Almedina, 2014, reimpressão.

[14] Ana Paula Dourado, ibidem, p. 622. A Autora observa que a matéria das tipificações inilidíveis não implica inconstitucionalidade desde que “dentro dos espaços de conformação do legislador e ligados à realidade”, como acontece com muitos dos limites de encargos dedutíveis previstos para a actividade empresarial ou profissional O legislador tem um espaço de liberdade para “regulações generalizadoras, tipificantes e mesmo forfetárias”, servindo o princípio da igualdade, na medida em que não põe em perigo a execução igual da lei que se poderia perder nos meandros dos detalhes individuais”, podendo mesmo dizer-se que “a capacidade contributiva individual só pode ser apreendida de forma tipificada”, significando a tipificação que “o legislador abrange num Tatbestand o caso médio e trata os casos diferentes de forma igual, segundo este caso médio”. Exemplificando tipificações que não costumam suscitar dúvidas, a Autora citada lembra a redacção do artigo 33º do CIRS a partir da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, prevendo limites à dedutibilidade de encargos para efeitos de determinação do rendimento (mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício).

[15] Compreendendo este tipo de limitações à dedutibilidade de custos, apesar da existência de contabilidade organizada que supõe a delimitação precisa dos bens afectos à actividade, também José Guilherme Xavier de Basto, IRS, “Incidência Real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra editora, 2007, p. 199.

 

 

 

[16] O artigo 88º teve já diferentes redacções, após as alterações introduzidas no CIRC pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro. Inicialmente, a base de incidência de taxas de tributação autónoma passou a ser “viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica” e após Lei nº 82-C/2014, de 31 de Dezembro, é “viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica”. Em qualquer das redacções os motociclos são abrangidos pela norma de incidência, encontrando-se apenas excluídos os eléctricos.