Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 648/2015-T
Data da decisão: 2016-07-15  IRC  
Valor do pedido: € 3.494.987,71
Tema: IRC - RETGS; benefícios Fiscais às SCR; dedução à colecta do grupo; competência do tribunal arbitral
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente), Mestre Ricardo da Palma Borges e Professor Doutor João Ricardo Catarino, Árbitros adjuntos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19 de Janeiro de 2016, acordam no seguinte:

 

I.                   RELATÓRIO

 

1)      A Requerente A…, S.A., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva…, com sede na Avenida …, n.º…, …-… …, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea b), 6.º, n.º 2, alínea b), 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante abreviadamente designado por “RJAT” – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, para o que formulou pedido nesse sentido, em 22-10-2015.

 

2)      A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na anulação (i) da decisão da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente relativamente ao acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do exercício de 2012 e (ii) do próprio acto de autoliquidação de IRC sobre o qual incide a referida decisão, na parte referente à dedução à colecta de benefícios fiscais, bem como a correcção e o reembolso das quantias que a Requerente indevidamente pagou em consequência daquele acto, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

3)      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-10-2015.

 

3.1.  No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, do mesmo diploma, a Requerente designou como Árbitro o Dr. Ricardo da Palma Borges.

 

3.2.  Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) designou como Árbitro o Professor Doutor João Ricardo Catarino.

 

3.3.  De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária em 16-12-2015, e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de Árbitro Presidente, tendo os Exmos. Árbitros designados pelas partes acordado, em 21-12-2015, na designação da Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs como Árbitro Presidente.

 

3.4.  Em 04-01-2016, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

 

3.5.  Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 19-01-2016.

 

3.6.  Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4)      A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

a)      A Requerente é a sociedade dominante do Grupo B…, o qual é tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), que se encontra previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC (“CIRC”). Em 01.01.2012 a sociedade C…, S.A. (“C…”) passou a integrar o perímetro do Grupo B… .

 

b)      À C… assistia-lhe o benefício fiscal previsto no artigo 32.º-A, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), ao abrigo do qual as Sociedades de Capital de Risco (“SCR”) podem deduzir à matéria colectável apurada em cada exercício, “e até à sua concorrência, uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício, desde que seja utilizada na realização de investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização”.

 

c)      A C… apurou um benefício fiscal no montante de € 2.948.730,99 no exercício de 2007 e de € 2.346.751,00 no exercício de 2008, não tendo deduzido os referidos montantes nos exercícios de 2007 a 2011 por insuficiência de colecta. No exercício de 2012 – exercício em que passou a integrar o Grupo B…–, a C… deduziu o montante de € 1.800.494,28, considerando ser este o limite à dedução, tomando por referencial a sua hipotética colecta individual.

 

d)     No entender da Requerente, o limite da referida dedução seria a colecta apurada do Grupo B…, no montante total de € 85.250.758,82, pelo que o valor do benefício fiscal nos exercícios de 2007 e de 2008 deveria ser integralmente deduzido (num total de € 5.295.481,99, resultando da soma de € 2.948.730,99 com € 2.346.751,00, e não 5.443.718,70, como erroneamente quantifica a Requerente, na sua petição inicial e alegações, certamente por lapso de cálculo e/ou escrita). Como tal, apresentou em Maio de 2015 reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2012 com o intuito de efectivar a dedução do valor remanescente do benefício fiscal ainda não deduzido, no montante total de € 3.494.987,71, tendo essa reclamação graciosa sido indeferida.

 

e)      Discorda do entendimento da AT, por considerar que o EBF não prevê um regime específico quanto ao apuramento do benefício fiscal previsto no seu artigo 32.º-A, n.º 3, nem quanto à dedução do mesmo nos casos em que a SCR seja tributada ao abrigo do RETGS, pelo que a dedução à colecta do referido benefício fiscal deverá efectuar-se de acordo com as regras gerais para a liquidação de IRC no RETGS, previstas no respectivo artigo 90.º. De acordo com aquela norma, as deduções relativas a cada uma das sociedades que integram o perímetro do grupo são efectuadas na liquidação de IRC do grupo, com base na colecta apurada por este, de acordo com o RETGS, e até à concorrência da mesma.

 

f)       Apela à evolução jurídica do regime de tributação dos grupos de sociedades para demonstrar que apesar das diversas alterações legislativas que sofreu, nunca foi consagrada limitação de carácter geral à dedução de benefícios fiscais de sociedades que integram o grupo, estabelecendo-se que essa dedução sempre se deveria fazer contra a colecta apurada do grupo. De igual forma, o legislador também nunca terá relevado o momento de aquisição do direito ao benefício fiscal – se anterior ou posterior à opção pelo RETGS –, ao contrário do que foi expressamente consagrado em relação aos prejuízos fiscais.

 

g)      Sustenta que apesar da exigência legal de as sociedades abrangidas pelo RETGS terem de apresentar uma declaração de rendimentos Modelo 22 individual, não existe relevação da colecta individual, uma vez que a colecta de IRC do Grupo é determinada com base da declaração de rendimentos Modelo 22 apresentada pela sociedade dominante. Em consequência, a dedução de benefícios fiscais à colecta do grupo não se encontra limitado pela colecta individual da sociedade titular desse benefício, por essa colecta ser inexistente.

 

h)      Afirma que atribuir relevância à hipotética colecta individual das sociedades que compõem o grupo configura uma subversão do RETGS, o qual tem subjacente a tributação do grupo de sociedades em sede de IRC como uma unidade.

 

i)        Sublinha que os benefícios fiscais não são objecto de transmissão no RETGS, permanecendo na esfera jurídica da sociedade que integra o Grupo, não sendo, pois, aplicável o disposto no artigo 15.º do EBF.

 

j)        Verificando que a letra da lei apenas consagra como limite à dedução de benefícios fiscais atribuídos a sociedades que compõem o perímetro do grupo a colecta de IRC deste, ao abrigo do artigo 90.º, n.º 6, do CIRC, considera que a interpretação sustentada pela AT, ao estabelecer que o benefício da dedução tem igualmente de se conter à hipotética colecta individual da sociedade titular do benefício fiscal quando este tenha sido adquirido em momento prévio à opção pelo RETGS, é inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, nas suas vertentes formal e material.

 

k)      De igual modo, a interpretação da AT contende com o princípio constitucional da segurança jurídica, pelo facto de não ser possível extrair do RETGS a conclusão de que a dedução de benefícios fiscais à colecta de IRC do grupo, cujo direito foi adquirido pela sociedade em momento prévio à opção pelo RETGS, se encontra limitada à hipotética colecta individual dessa sociedade. 

 

5)      A AT apresentou resposta, concordando com a factualidade e defendendo-se por excepção e por impugnação de direito, invocando em síntese:

5.1. Por excepção:

a)      Incompetência material do Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, por a questão central nos autos ser o reconhecimento do direito da Requerente ao benefício fiscal e o respectivo direito à sua dedução.

 

b)      Incompetência material do Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, por a Requerente, relativamente ao acto de autoliquidação de imposto, requerer a sua declaração de ilegalidade e a sua correcção, o que implica a quantificação, por parte do Tribunal Arbitral, de imposto e juros a anular.

 

5.2. Por Impugnação:

c)      O n.º 6 do artigo 90.º do CIRC limita-se a indicar que as deduções à colecta de cada uma das sociedades do grupo devem ser efectuadas à colecta apurada com base na matéria colectável do grupo, não prescrevendo qual é o modo de determinação do limite das deduções relativas a cada sociedade.

 

d)     As dificuldades de interpretação daquela norma levaram o legislador a clarificar em alguns diplomas o modo de operar das respectivas deduções de benefícios fiscais no âmbito do RETGS, como foi o caso da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, que criou o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento, e do n.º 4 do artigo 29.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, nos quais se explicita que o limite da dedução é determinado em função da colecta da sociedade titular do benefício caso não se aplicasse o RETGS.

 

e)      Não obstante a ausência de previsão expressa no n.º 3 do artigo 32.º-A do EBF do modo de apuramento do montante da dedução no caso de a sociedade beneficiária ser abrangida pelo RETGS, a dedução do benefício fiscal para efeitos de liquidação de IRC deverá ser efectuada em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 6 do artigo 90.º do CIRC, tendo simultaneamente em consideração as regras especiais atinentes aos benefícios fiscais e ao próprio RETGS.

 

f)       O aproveitamento do benefício fiscal previsto no n.º 3 do artigo 32.º-A depende da verificação de pressupostos (i) de natureza subjectiva, sendo exclusivamente dirigido às SCR, e (ii) de natureza objectiva, dependendo da realização por parte daquelas sociedades de investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização cujo montante seja correspondente à soma das colectas de IRC dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício.

 

g)      A componente subjectiva deste benefício fiscal manifesta-se igualmente pela sua intensidade, uma vez que o valor dos investimentos dedutíveis encontra-se limitado pela situação tributária individual da SCR. Como tal, mesmo durante o período de aplicação do RETGS, o limite do benefício fiscal é aferido com base nos valores das colectas de IRC apuradas na esfera individual da sociedade beneficiária.

 

h)      Sustenta que a possibilidade da dedução à colecta do Grupo do benefício adquirido pela C… antes da sua entrada no perímetro do Grupo comportaria a transmissão desse benefício ao Grupo, o que, atento o carácter subjectivo do benefício, não encontra suporte no artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, do EBF.

 

i)        Admitir que o direito ao benefício fiscal, ainda não totalmente aproveitado e adquirido em exercícios anteriores ao do início da aplicação do RETGS, possa ser transmitido de forma automática às restantes sociedades levaria a reconhecer que o RETGS propiciaria a aquisição e inclusão no perímetro do grupo de sociedades com benefícios fiscais mas sem capacidade, na esfera individual, para o seu aproveitamento.

 

j)        O legislador pretendeu acautelar o uso abusivo do RETGS, não tendo consagrado qualquer derrogação ao princípio da identidade jurídica entre a entidade que adquire o direito à dedução (de prejuízos ou de benefícios fiscais) e aquela que exerce esse direito, pelo que tendo o benefício fiscal nascido na esfera jurídica da C…, é na sua esfera que deve ser exercido.

 

k)      O RETGS não altera nem define nenhuma nova situação ou posição subjectiva passiva por parte do grupo, pelo que as sociedades que integram o grupo permanecem na posição jurídica de sujeitos passivos, não podendo defender-se a verificação da transmissão integral da titularidade do benefício fiscal da SCR para o grupo.

 

l)        O argumento aduzido pela Requerente relativamente à inexistência de colecta individual, levado às últimas consequências, poderia implicar o impedimento de acesso ao benefício fiscal em causa, por parte das SCR incluídas num grupo abrangido pelo RETGS e a perda desse benefício por parte das SCR que o passassem a integrar.

 

m)    Não há violação dos princípios constitucionais da legalidade fiscal e da segurança jurídica porque a solução preconizada pela AT inscreve-se nos princípios gerais estatuídos no artigo 15.º do EBF sobre a transmissibilidade dos benefícios fiscais, decorrendo da lei a limitação à dedutibilidade do benefício fiscal.

 

6) Por despacho de 16 de Março, o Tribunal, tendo já sido exercido o contraditório quanto às excepções invocadas pelas partes e não tendo sido requerida a produção de prova constituenda, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por força dos princípios da celeridade, simplificação e informalidade. Mais designou o dia 19 de Julho como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

7) As partes apresentaram alegações escritas sucessivas, mantendo, no essencial, os argumentos vertidos nos articulados iniciais.

 

II.                SANEAMENTO

 

8) Das excepções - Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de pronúncia arbitral

8.1. Incompetência material do Tribunal Arbitral para o reconhecimento do direito a um benefício 

A AT suscita a questão da (in)competência material do Tribunal Arbitral, argumentando que o presente pedido de pronúncia arbitral visa o reconhecimento do direito ao benefício fiscal previsto no artigo 32.º-A, n.º 3, do EBF e o respectivo direito à sua dedução

Ora, o objecto dos autos não é o reconhecimento de um benefício fiscal, contrariamente ao defendido pela AT. O benefício fiscal previsto no artigo 32.º-A, n.º 3, do EBF não pressupõe qualquer acto declarativo de reconhecimento, sendo um benefício fiscal automático, de acordo com a classificação estabelecida no artigo 5.º do EBF.

Por conseguinte, a pretensão da Requerente não é o reconhecimento do direito ao referido benefício fiscal, mas antes a apreciação da legalidade do acto de autoliquidação de imposto, na parte relativa à dedutibilidade do dito benefício. Pelo que este Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do CAAD, é competente para apreciar e decidir o litígio sub judice.

Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material.

 

8.2. Incompetência material do Tribunal Arbitral para determinar a correcção da autoliquidação

Por outro lado, segundo a AT, a Requerente pede a declaração de ilegalidade de um acto de autoliquidação de imposto e a sua correcção, o que implicaria a quantificação de imposto e juros a anular por parte do Tribunal Arbitral, o que está fora da sua competência.

Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizarem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos Tribunais Arbitrais, deverá entender-se que se compreendem nas competências destes os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos Tribunais Tributários, sendo essa a interpretação que melhor se coaduna com o sentido da autorização legislativa para a introdução da arbitragem em matéria tributária, segundo a qual “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” – cfr. artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios (cfr. artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 4, do CPPT). Por conseguinte, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT deve ser interpretado no sentido de permitir o reconhecimento a juros indemnizatórios no processo arbitral, quando for consequência da anulação de actos de autoliquidação.

Note-se, porém, que, o facto de se admitir, no âmbito do processo de anulação da liquidação, a prática pelo Tribunal de certos actos de condenação, não legitima que naquele âmbito se inclua o pedido de condenação pretendido pela Requerente.

De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos Tribunais Judiciais Tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito” [cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT].

Assim sendo, assiste razão à AT no sentido de que o pedido de correcção da autoliquidação, por implicar a quantificação de imposto e juros a anular por parte do Tribunal Arbitral, terá de ser efectivado em sede de execução de sentença.

Termos em que procede a alegada excepção de incompetência material.

 

9) As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

10) O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

11. O processo não enferma de quaisquer nulidades.

 

III.             DO MÉRITO

 

   III.1. Matéria de facto

 

12) Factos provados

12.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é a sociedade dominante do grupo B…, o qual é tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante RETGS), nos ternos dos artigos 69.º e seguintes do CIRC.

b)      A sociedade C..., SA (doravante C…), passou a integrar o grupo fiscal B…em 2012-01-01.

c)      À C… assiste o benefício fiscal previsto no artigo 32.º-A, n.º 3, do EBF.

d)     No exercício de 2007 a mesma C… realizou investimentos em sociedades com potencial crescimento e valorização, no montante total de € 15.662.379,00.

e)      Tendo por base a soma das colectas de IRC dos cinco exercícios anteriores, a C… apurou no referido exercício de 2007 um benefício fiscal no montante de € 2.948.730,99.

f)       No exercício de 2008 a C… realizou investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização tendo, por força de tais investimentos apurado um benefício fiscal no montante total de € 2.346.751,00.

g)      A C… totalizava um benefício utilizado, a título individual, não utilizado, do montante total de € 3.494.987,71 (cfr. o quadro do ponto 46 da Contestação).

h)      Por insuficiência de colecta a C… não deduziu os montantes a que tinha direito, nos exercícios de 2007 a 2011.

i)        Na declaração de rendimentos modelo 22 individual referente a 2012 apurou uma colecta no montante de € 1.800.494,28, tendo preenchido o campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 individual, com o referido montante.

j)        A C… considerou uma dedução à colecta apenas até ao limite da hipotética colecta individual, ou seja, € 1.800.494,28, ficando um remanescente de € 1.148.236,71, relativamente ao montante do benefício fiscal adquirido em 2007.

k)      De igual modo, não foi deduzido o benefício fiscal apurado em 2008, no montante de € 2.346.751,00.

l)        A Requerente apresentou, em 2015-05-29, reclamação graciosa da autoliquidação de IRC de 2012, por entender que a C… integrava, em 2012, o perímetro fiscal do Grupo B…- tributado pelo RETGS - pelo que, para efeitos da determinação do montante máximo do benefício fiscal, seria relevante a colecta do IRC do Grupo e não apenas a hipotética colecta individual da C… .

m)    O Grupo B… apurou, no exercício de 2012, a colecta de € 85.250.758,82 (cfr. doc. 8 junto com a reclamação graciosa que integra o processo instrutor).

n)      A reclamação mereceu decisão de indeferimento, por despacho do Director da Unidade dos Grandes contribuintes, de 2015-07-21, com fundamento no entendimento de que tendo o direito ao benefício fiscal em questão nascido em “(..) anos anteriores [2007 e 2008] ao da entrada da Sociedade de Capital de Risco para o grupo sujeito ao regime especial de tributação (2012), a dedução à colecta do grupo terá como limite a colecta que aquela empresa apuraria se não estivesse nele integrada, em concordância, aliás, com o procedimento pela mesma encetado”.

o)      Tal posição apoiou-se em Ficha Doutrinária da AT que veicula o entendimento sancionado por Despacho de 2010-10-27, do Director-Geral, relativo ao Pedido de Informação Vinculativa n.º …, Proc.º 2010… .

p)      Através do ofício n.º … da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 2015-06-16, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

q)      A Requerente não exerceu o direito de audiência prévia.

r)       A Requerente foi notificada do teor da Informação sobre o qual recaiu o despacho de indeferimento, por ofício n.º … de 2015-07-21.

 

12.2. Fundamentação da matéria de facto

A factualidade provada teve por base a posição assumida pelas Partes e não contestada, a análise dos documentos junto aos autos pela Requerente, que não foram impugnados, bem como o processo instrutor.

 

12.3. Inexistem outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

13. Da ilegalidade da Autoliquidação

           

A ‑ Caracterização do incentivo fiscal dado às SCR – Sociedades de Capital de Risco (artigo 32.º, n.º 2, do EBF)

No caso, a dilucidação da questão que é colocada requer que se efectue, em primeiro lugar, a caracterização da realidade substantiva ao nível da SCR para, só depois, se passar à análise do RETGS. E esta questão respeita a um benefício fiscal concreto, relativamente ao qual se coloca a questão de saber em que termos ele pode ser deduzido à colecta, uma vez integrada a sociedade que o aporta (a SCR beneficiada) num RETGS.

Como é consabido, o artigo 32.º-A do EBF consagrava, ao tempo dos factos relevantes e no que ao caso interessa, nos seus n.ºs 3 e 4, um benefício fiscal automático. Estes são, na dogmática própria emergente do próprio artigo 2.º do EBF, “medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.”

De modo que, por consequência, o n.º 2 do mesmo preceito considera benefícios fiscais “as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.”

Importa reter, para efeitos da presente análise, que a lei considera os benefícios fiscais como despesas fiscais, isto é, despesas que estão, nessa medida, subordinadas aos princípios e demais requisitos da despesa pública.

Ora, na óptica da realidade subjacente, anterior à integração da SCR no RETGS, o que releva saber, por um lado, é que esta, porque efectuou os investimentos a que se refere o n.º 3 do artigo 32.º-A do EBF, como consequência da realização de uma actividade que a lei incentivava – o investimento em capital de risco como forma (acrescidamente arriscada) de criação de riqueza –, “ganhou” o direito a certo benefício fiscal, materializado no direito a proceder a uma dada dedução à coleta.

A questão que se coloca é a de saber em que termos.

Parece claro que a SCR “obteve” esse direito por ter realizado o comportamento desejado pela lei, e no quadro dos limites fixados no próprio n.º 3 do artigo 32.º-A do EBF. Isto é, estando ela interessada na prossecução de certa actividade de risco, a lei fiscal, através deste preceito, incentivou-a (assim como todos os demais agentes económicos com a natureza de SCR, mas só estes) a realizar tais investimentos de risco em sociedades com potencial de crescimento e valorização. Como contrapartida, a lei fiscal fixou os termos ou os limites ao incentivo / benefício fiscal que estava disposta a conceder, àqueles agentes económicos em especial, em resultado desse investimento acrescidamente arriscado.

Os limites desse incentivo fiscal são os que decorrem do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 32.º-A do EBF – a coleta gerada ou a gerar pela SCR. De modo que, adoptada a conduta que o artigo 32.º-A, n.º 2, do EBF pretendia incentivar, fixados ficaram, também, na esfera jurídica da SCR, os exactos termos do benefício a que ela “ganhou” direito e a exacta forma da sua relevação na coleta. Digamos que as coisas se passam como se a lei dissesse o seguinte: “se fizeres isto, dou-te aquilo”, isto é, permito que deduzas à tua coleta, fazendo jus ao brocardo latino “ut des”, isto é, dou para que dês.

No caso, “o aquilo” é o direito a deduzir à (sua) coleta respeitante ao exercício em que foram realizados os investimentos, uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC [da SCR] dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício ou, na impossibilidade dessa dedução, na liquidação dos cinco exercícios seguintes. O que requer que a SCR tenha gerado ou venha a gerar coleta.

Temos, assim, que o regime deste benefício tem subjacente uma comutação precisa. Com efeito, o benefício fiscal é uma expressão métrica, exacta, sinalagmática, correspondente a certo tipo de investimento de risco objectivado na pessoa da entidade que o realiza. Trata-se por isso, de um benefício cuja lei reguladora: (1) fixa na íntegra, o comportamento que deseja que os operadores económicos realizem, (2) fixa a forma como o incentivo fiscal opera, a saber, mediante uma dedução à coleta da sociedade que adopta tal comportamento de risco e, (3) fixa ainda a medida exacta do benefício que lhe é reconhecido como contrapartida da assunção desse comportamento de risco, incentivado por lei, incluindo os termos e formas de cálculo dessa dedução, (4) o qual opera pela dedução à coleta que tiver sido ou vier a ser gerada pela própria SCR. Ou seja, é necessário que a SCR tenha gerado ou venha a gerar coleta de IRC.

De modo que, como não podia deixar de ser, no respeito pelo exigido no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), é a lei fiscal que identifica de forma completa e com precisão as condutas que quer incentivar (pressupostos objectivos, materiais ou substantivos), os agentes económicos por elas abrangidos (pressupostos subjectivos), e os termos em que essas condutas são fiscalmente recompensadas na lei.

Desde logo, porque, na escatologia de Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 165, Lisboa, 1991, estamos perante não apenas um benefício fiscal mas de um verdadeiro incentivo fiscal que requer um comportamento dinâmico do agente económico visado (no caso, apenas as SCR), dirigido a certos fins ou efeitos, considerados benéficos (o investimento em sociedades com potencial de valorização) para a sociedade em geral. Porque os incentivos, de acordo com este autor, ob. citada, p. 36, mais do que tutelar interesses públicos, incentivam os agentes económicos visados (e só estes), a adoptar comportamentos que interessam à sociedade e que, por isso, realizam fins de interesse geral ou colectivo.

Daí que os benefícios fiscais, por contraposição ao imposto, sejam medidas de natureza excecional face à tributação-regra. Esta natureza excecional dos benefícios fiscais é relevante porquanto ela vinca os fundamentos extrafiscais em que se suportam, por contraposição aos fins meramente reditícios do imposto.

No caso, e de acordo com o artigo 11.º do EBF, a SCR obteve o direito ao benefício fiscal com a realização, nos precisos termos requeridos, da conduta que a lei incentivava, isto é, com a verificação histórica dos pressupostos objectivos e subjectivos da respectiva previsão legal, mesmo que a respectiva eficácia seja diferida no tempo.

Ora, tal como o n.º 3 está gizado, quer sob o ponto de vista da sua letra quer do seu espírito, parece-nos claro que o âmbito e o limite do benefício obtido é o das próprias forças económicas individuais das SCR, pois só este tipo societário é abrangido pelo benefício fiscal.

A dedução tem, assim, como limite uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC da SCR dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o direito ao incentivo / benefício fiscal (sem prejuízo de se saber que a lei fiscal adopta, para outras situações, soluções diversas, como é o caso do RFAI, a DLRR ou o SIFIDE). O que importa salientar é que, na situação dos autos, existe uma disciplina jurídica própria que resulta da conjugação do disposto no artigo 32.º-A do EBF com os artigos 120.º, n.º 6, e 90.º, n.º 6, do CIRC, da qual se retira toda a regulação necessária à dilucidação da questão suscitada.

 

Ora, estando o benefício dirigido em exclusivo às sociedades se capital de risco (SCR), fica claro que apenas estas podem dele aproveitar e nos exactos termos em que a lei o prescreve, na justa medida em que se realiza aqui uma actividade perfeitamente vinculada de subsunção da conduta da SCR em todos os seus detalhes relevantes, à norma que lhe atribui o benefício fiscal.

Como consequência e, no caso, o limite do benefício fiscal estabelecido no n.º 3 do artigo 32.º-A existe porque, sendo embora verdade que a lei está interessada em que as SCR façam investimentos nas sociedades nela especificados, fundada em razões de interesse geral, não perde de vista um outro interesse mais básico, radicado nas mesmas relevantes motivações públicas, que é o interesse ao imposto (e à coleta) que a própria SCR individualmente gere, no quadro do regular exercício da sua própria actividade económica.

Por outro lado, sendo os benefícios fiscais medidas que se suportam em razões de interesse público superiores àquelas que determinam a própria tributação-regra, no dizer de Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais…, p. 35, tal interesse público deve ser claro em termos tais que deve ser percepcionável para todos. Isto é, deve ser possível compreender com relativa clareza qual o interesse público em que radica a concessão do benefício fiscal às próprias SCR. No caso, esse interesse público está no investimento de risco realizado por este tipo de sociedades em particular como forma de incrementar o potencial de crescimento e valorização das sociedades onde ocorre o investimento.

Tendo isto em mente, bem se vê que o benefício em causa comporta pressupostos ou requisitos objectivos e subjectivos precisos, estanques, que não podem descaraterizar-se no quadro de um RETGS.

Senão vejamos:

De um lado, ele dirige-se exclusivamente às SCR. Isto é, beneficia apenas as SCR que concreta e precisamente adoptem as condutas incentivadas pela norma reguladora sem necessidade de reconhecimento prévio visto tratar-se de um benefício automático. Finalmente, materializa-se se a SCR tiver tido ou vier a ter coleta própria onde o benefício possa ser deduzido, nos termos legalmente estabelecidos.

Por consequência, a SCR adquire uma posição subjectiva, um direito (subjectivo) ao benefício fiscal, que se cristaliza na sua esfera jurídica, nos exactos termos prescritos por lei mas que ela mesma só pode efectivar se tiver gerado ou vier a gerar a sua própria coleta. E estes são os que decorrem do n.º 3 do preceito sob apreço, a saber: o direito de deduzir ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC [da SCR] dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício, desde que seja utilizada na realização de investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização.

Essa coleta é a coleta individual do sujeito passivo incentivado, gerada pela própria SCR no período relevante. Pois que foi ela e só ela que adoptou o comportamento desejado pela norma reguladora do benefício fiscal. É o que decorre do artigo 32.º-A do EBF. Nem poderia ser de outro modo, pois que dirigindo-se o benefício fiscal às SCR, ele tem também unicamente por objecto a coleta gerada pelas sociedades abrangidas, e individualmente quantificadas no período relevante.

E, na justa medida em que são as SCR as únicas sociedades incentivadas e aquelas em cuja coleta específica o benefício pode ser deduzido, compreende-se que só esta coleta pode relevar para a delimitação concreta do direito subjectivo substantivo criado na sua esfera jurídica.

De modo que, em síntese, e como decorrência directa do regime sob apreço, o direito que a SCR traz para o grupo (RETGS), é o direito (subjectivo) que ela mesma detém de (1) deduzir certo benefício fiscal (2) à sua própria coleta, e nos exactos termos em que esse direito se formou na sua própria esfera jurídica.

A saber, o direito a deduzir à sua coleta, concebido como um direito activa e conscientemente restringido ao limite das somas das suas (SCR) próprias colectas individuais, no período de tempo relevante, baseado num comportamento activo que lhe é individual, a saber, o do investimento de risco em sociedades com potencial de valorização.

E nada mais aporta, porque nada mais a SCR possui para aportar ao grupo em que veio, depois, a ser integrada. Não falta ao regime nenhum dos seus aspectos nucleares, já que o preceito que o regula comporta todos os elementos que o consagram e materializam.

Note-se que o n.º 3 do art.º 32.-A do EBF se refere, textualmente, à coleta, a qual só pode ser a coleta gerada pela própria SCR, dado que aqui a lei nada mais tem por objectivo senão as SCR, por serem estas o único tipo societário visado pelo regime fiscal sob apreço. Dispondo-se nele que as SCR podem deduzir o valor do investimento realizado tendo como limite o da concorrência da sua própria coleta.

Ora, sendo este o limite material do benefício fiscal como tal consagrado do preceito, bem se vê que, quando ocorre a integração da SCR no perímetro de consolidação, ela aporta consigo todas as posições passivas e activas que ela mesma possui. E entre tais se conta o direito de deduzir à sua coleta o montante dos investimentos relevantes, por si realizados, com o limite que a ela, sociedade de capital de risco, a lei fixou, a saber o limite das colectas (individuais) que ela mesma gere, por si mesma (pois só ela é a sociedade incentivada), com exclusão das colectas de qualquer outra sociedade parte nesse perímetro.

Acresce que há aqui um argumento temporal que vem em reforço desta posição: no caso, a situação é ainda mais clara pois o direito ao benefício fiscal consolidou-se na esfera da SCR em momento anterior ao da sua própria integração no perímetro de consolidação. Isto não significa que se defendesse a tese contrária, se o direito ao benefício fiscal tivesse sido constituído após a integração da sociedade no grupo, mas reforça a ideia de que a SCR transporta ao RETGS o que ela mesma possui, não o que não tem para trazer. De modo que, ao ser chamada a integrar esse perímetro, a SCR traz consigo todas as suas posições activas e passivas, tal como elas se constituíram na sua própria esfera jurídica, contribuindo desse modo para o fortalecimento comercial e fiscal dessa lógica de grupo. Sendo que, nesta perspectiva, devem ser essas posições activas e passivas que devem ser relevadas, nos exactos termos em que eram detidas, na coleta do grupo.

Em reforço desta linha argumentativa podemos perguntar-nos: fará sentido permitir o alargamento do benefício fiscal apenas por força do facto de a SCR passar a integrar o RETGS? A resposta deve ser negativa. Com efeito, se a SCR não integrasse o RETGS ela não teria outro benefício que não aquele que viu constituir-se directamente na sua esfera jurídica e nas forças da sua própria coleta. Pelo que só o aproveitaria nos exactos termos em que o n.º 3 do artigo 32.º-A do EBF o permite.

Integrando o RETGS, defende a Requerente, o limite do benefício deveria alarga-se automaticamente à coleta de todo o grupo. Não cremos que tenha razão. Com efeito, como se viu, estamos perante um incentivo fiscal que visa precisamente incentivar certas condutas, ao sujeito que as praticou. Ora, não só tal incentivo se dirige em exclusivo às SCR, como as demais sociedades do RETGS não são SCR nem adotaram os comportamentos (investimentos em capital de risco) desejados pela lei, nem geraram a coleta resultante de uma atividade de capital de risco onde a lei expressamente quer que o benefício seja deduzido.

Assim, não vemos razões para considerar que tais sociedades devam ser premiadas com a possibilidade de aceder a um benefício fiscal quando não realizaram investimentos de risco e não apuraram coleta no quadro do exercício dessa atividade de risco já que, porventura, nem são SCR.

Ora, como se disse já, os benefícios fiscais são, dogmaticamente, uma despesa pública fiscal[1] tal como decorre do n.º 3 do artigo 2.º do EBF. Esta, como é consabido, está subordinada aos princípios da economia, da eficiência e da eficácia, isto, é, deve propiciar um retorno maior do que o encargo que ela mesma representa. E está sujeita a um critério finalístico claro, a saber: a finalidade da despesa pública é a realização ponderada, programada, autorizada e racionalizada do dinheiro público na satisfação das necessidades financeiras, maximizando o interesse coletivo. Mas também aos princípios da legalidade, decorrente da LEO - Lei de Enquadramento Orçamental, que é uma lei paramétrica das demais leis financeiras e da prossecução do interesse público, não só porque a Administração Pública a ele está subordinada, como porque a norma que concede benefícios fiscais deve tipificar claramente as condutas incentivadas.

Os benefícios fiscais são qualificados como despesa fiscal (ver ainda Relatório sobre a Despesa Fiscal, 2013) (consultável em http://www.portugal.gov.pt/media/856397/Relatorio_Despesa_Fiscal_2012.pdf) na medida em que representam massas de receita pública de que a lei prescinde com fundamento em razões de interesse público relevante (n.º 1 do artigo 2.º do EBF). Pelo que estão sujeitos ao critério do interesse público na satisfação das necessidades da coletividade, o qual se assume como um dever específico dos sujeitos financeiros e um direito difuso da comunidade.

De modo que, por consequência, os benefícios assentam em interesses públicos extrafiscais relevantes, os quais devem ser claros, objetivos e compreensíveis até mesmo para um observador mediano. Ora, no caso, o objectivo extrafiscal prosseguido com o benefício aqui em causa é o efeito potenciador na criação de riqueza que se entende que assume o investimento em capital de risco, nas sociedades “com potencial de crescimento e valorização”.

Assim, bem vistas as coisas, não se vê em que medida o interesse público extrafiscal regulado pelo artigo 32.º-A do EBF saia reforçado com a mera integração fiscal da SCR no RETGS, já que não dele não resulta o reforço do investimento em capital de risco com a finalidade naquele especificamente prescrita. Portanto, se em nada se reforça o interesse público, deve, do mesmo modo, concluir-se que em nada se melhora a satisfação das necessidades ou finalidades coletivas e, portanto, nesta medida, tal alargamento se acha desprovido desse fundamento ou interesse público. E, sendo assim, não pode ser admitido.

Nada havendo, em reforço a incentivar, a extensão do benefício pela via da integração da SCR no RETGS, por si só, não opera nenhum reforço do fim público desejado e, nessa medida, falta o sinalagma para que se opere um alargamento do benefício fiscal em causa, o que viola o princípio da proporcionalidade segundo o qual o gasto público deve fornecer níveis proporcionais de satisfação das necessidades públicas.

Ora, esse retorno não se reforça, do ponto de vista do interesse público, com a integração da SCR no RETGS, tanto mais que estamos a falar de factos passados, de decisões de risco tomadas antes dessa integração, no pressuposto de uma dada dedução à coleta da própria SCR, limitada às suas forças económicas, não mais do que isso.

Por outro lado, a própria SCR, investidora nas tais sociedades com potencial de valorização, realiza o investimento sabendo que o benefício fiscal tem uma dada feição e limite precisos, determinado nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 32.º-A do EBF e condicionado à existência de sua própria coleta. Assim, se nesse quadro legal, ela decide investir e se acha devidamente compensada recebendo esse benefício, e se, por outro lado, o Estado acha compensadora a concessão de um dado benefício fiscal se forem feitos certos investimentos, não se vê qual é o interesse público em ver alargado o direito a certo benefício, anteriormente constituído, por virtude da mera integração dessa sociedade investidora num grupo sujeito ao RETGS e onde aquele investimento de risco não é reforçado nem sai beneficiado o interesse público.

Além do que fica dito, cabe notar, ainda, que o n.º 4 do artigo 32.º-A do EBF reforça este ponto de vista, pois o limite da dedução continua a ser, apenas, o das colectas futuras da própria entidade que realizou a atividade de risco (a SCR).

Outro ponto de vista que nos parece ser de atender radica no facto de, a considerar-se procedente a pretensão da Requerente, se estar, na prática, a permitir a transmissão - não jurídica - mas de factum do direito a um benefício fiscal já definitivamente constituído em data anterior na esfera de outrem, em condições diferentes das previstas no artigo 15.º do EBF.

Não significa isso que defendamos a tese de que ocorre a transmissão de jure do direito ao benefício na titularidade da SCR, como o faz a AT. Nada há nos autos que o demonstre nem isso se pode entender da mera integração da SCR no RETGS. Até porque os benefícios fiscais são, genericamente, intransmissíveis. O que resulta da sua natureza sinalagmática, ou seja, do facto de requererem um comportamento dirigido a certo fim especificado por lei, sujeito a especificadas condições legais.

Nas situações em que a lei permite a transmissão, ela tem como fundamento a natureza dos bens ou direitos. Nos demais casos, essa transmissibilidade carece de ser escrutinada previamente (n.º 3 do artigo 15.º do EBF). A razão deste regime radica no facto de ser necessário averiguar se continuam a verificar-se todos os pressupostos da concessão do benefício. Ora, embora não exista nos autos a prova de algum facto jurídico translativo do direito ao benefício fiscal detido pela SCR, a verdade é que, do ponto de vista económico ou material, a tese da Requerente nos leva nessa direcção. E isto porque, segundo o seu ponto de vista, o benefício detido pela SCR passa a ter como limite não aquele que imperativamente decorre do artigo 32.º-A do EBF, mas o da colecta do grupo, apurada segundo o RETGS, qualquer que seja o seu montante.

            Não vemos, também nesta perspectiva, que seja aceitável considerar-se economicamente transmitido e alargado ao grupo de sociedades integradas no RETGS este benefício sem que se faça tal escrutínio, atentas ainda todas as compartimentações do RETGS quanto às demais componentes que influenciam o lucro tributável e a coleta devida a final.

 

B - A lógica do RETGS e a obrigação de determinação do imposto individualmente devido

A tese da Requerente é a de que o direito ao benefício fiscal passa a ter como limite não o que consta dos n.ºs 3 e 4 do artigo 32.º-A do EBF, mas o limite geral da coleta do grupo, até porque apenas esta subsiste.

Como se sabe, o RGTGS não elimina a individualidade própria de cada sociedade que o integra – bem pelo contrário - pois continua a exigir que se faça a distinção entre situação fiscal do grupo e situação fiscal de cada uma das sociedades que o compõem.

Estas mantêm, pois, a sua autonomia jurídica e fiscal. A jurisprudência tem entendido, e bem (v. g. proc. 05376/12 do TCA Sul, citando o Ac. do STA a propósito da transmissibilidade de prejuízos – proc. n.° 0909/10, de 02-02-2011), que o RETGS é dominado por uma lógica de tributação conjunta, sendo a tributação em sede de IRC feita tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, correspondendo à unidade económica do conjunto que se comporta no mercado como se efectivamente fosse uma única empresa.

Contudo, é, todavia, claro que cada sociedade do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico-organizativa e patrimonial, nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar o grupo de sociedades.

Isso manifesta-se de vários modos:

·         A tributação em sede de RETGS baseia-se na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro do grupo de sociedades;

·         Cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que, todavia, só não é objecto de liquidação (cfr. art.º 120.º, n.º 6, do CIRC);

·         Está limitada a integração de sociedade que tenha registado prejuízos nos três exercícios anteriores;

·         Só os prejuízos gerados após a constituição do REGTS pertencem ao grupo, não os anteriores;

A doutrina tem considerado que o RETGS (artigo 69.º e seguintes do CIRC), é um regime especial de determinação do lucro tributável que se baseia na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro. Ele afastou-se do conceito alemão do “Organschaft, expresso na consolidação e aproximou-se do sistema britânico do “tax relief” onde, num grupo de sociedades, as que têm créditos fiscais (prejuízos) podem cedê-los às empresas do grupo que têm ganhos, de modo a reduzir os impostos pagos por estas” (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 362). Gonçalo Avelãs Nunes considera que o RETGS se aproxima do regime de Group Relief (in Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em Sede de IRC - Contributo para um Novo Enquadramento Dogmático e Legal do seu Regime, Coimbra, Almedina, 2001, p. 187). É um sistema que agrega as contas das sociedades, obtendo um lucro tributável do grupo. Nesta linha, é claro que o RETGS não modifica nem elimina as posições individuais de cada sociedade integrante, apenas permite a compensação de resultados positivos e negativos (Nuno Sá, A tributação dos grupos de sociedades na mais recente reforma do IRC, 2014, p. 9, tese de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Porto, em linha: http://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/16044).

É também o que resulta do artigo 70.º do CIRC quando prevê que o lucro tributável do grupo seja calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. Esta norma confirma a tese de que cada sociedade não perde a sua personalidade jurídica e tributária nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar um grupo de sociedades, porque, se “dum lado [há] a independência jurídica das sociedades agrupadas, que permanecem formalmente como entidades dotadas de individualidade jurídico-organizativa e patrimonial própria; doutro lado, [há] a unidade económica do conjunto, que se comporta efetivamente no mercado como [se] de uma única empresa se tratasse” (José Engrácia Antunes, Estrutura e responsabilidade da empresa: o moderno paradoxo regulatório, Revista Direito GV2, Jun-Dez 2005, p. 47, disponível em linha: http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_02_p029_068.pdf).

Também a doutrina considera que um dos princípios basilares da tributação dos grupos de sociedades é o princípio da neutralidade, segundo o qual o imposto sobre o rendimento deve ser uniforme e não influenciar as decisões empresariais (princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica, consagrado no artigo 61.º da CRP), e que decorre da liberdade de organização empresarial (sobre este tema cfr. José A. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades – Estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002), independentemente de qual seja o modelo de estrutura societária utilizado para o exercício das actividades económicas. E o autor defende que este princípio tem sido posto em causa pelo legislador que, ciente da poupança fiscal que este regime representa, procura, como sublinha Casalta Nabais (Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, Coimbra, Almedina, 2013), contornar os efeitos negativos que provoca na receita fiscal através de uma interferência difusa nas escolhas e estratégias empresariais.

O TCA Norte, no Ac. proferido no proc. 00138/2004, 25.5.2008 considerou que “o principal fundamento que justifica a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de IRC resulta do princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da atividade empresarial. Segundo ele, o sistema fiscal deve tributar o rendimento da mesma forma, independentemente da forma organizativa da empresa”.

Seja como for, se é fora de dúvida que o RETGS é dominado por uma lógica de tributação conjunta, isto é, se o grupo de sociedades é tributado em sede de IRC tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, também é verdade que não se trata, todavia, de uma lógica de tributação unitária, como se de uma só sociedade se tratasse (vejam-se as inúmeras restrições ao RETGS previstas nos artigos 69.º e 71.º do CIRC). As sociedades que compõem o RETGS mantêm a sua individualidade e autonomia fiscal, o que se manifesta de diversos modos, conforme acima demonstrado.

Neste preciso sentido, se sufragou, inequivocamente, o STA que, a propósito da dedução de prejuízos disse: "prevendo o CIRC, nos seus [actuais] artigos 69.° a 71.°, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, (...) a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo" (cf. Acórdão do STA, proc. n.° 0909/10, de 02-02-2011; no mesmo sentido, vide, ainda, Acórdão do mesmo Tribunal, proferido no processo n.º 0309/11, de 22-06-2011).

Isso decorre, por exemplo, do artigo 71.º do CIRC já referido, o qual, nada dizendo sobre dedução (à coleta) de benefícios fiscais, estabelece um regime especial de dedução de prejuízos fiscais, distinguindo e conferindo um tratamento fiscal diferenciado entre prejuízos anteriores e posteriores à inclusão da sociedade no RETGS. O regime reforça a tese sufragada pela doutrina e jurisprudência de que estamos perante um regime de tributação conjunta, mas não de um regime de tributação unitária, caso em que as partes componentes perderiam todas as suas características e se diluiriam totalmente as posições activas e passivas que aportem ao grupo no quadro do RETGS.

Para os primeiros prejuízos, verificados em períodos de tributação anteriores ao início de aplicação do regime, estabelece o preceito a regra de que só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo “até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitem”. De modo que é preciso calcular este limite anualmente. Daí, é claro que os prejuízos gerados antes do REGTS continuam a pertencer à sociedade onde foram gerados e que os aportou (cfr. n.º 6 do art.º 120.º do CIRC), sendo dedutíveis nos termos dos artigos 70.º e 71.º, conforme ali previsto.

A al. a) do n.º 1 ao artigo 71.º do CIRC configura-se como uma norma anti-abuso por limitar a dedução ao lucro tributável de prejuízos individuais, gerados antes da integração da sociedade que os detém, e para evitar a utilização abusiva do RETGS.

Por conseguinte, os Tribunais Superiores têm feito a distinção de que, quanto a prejuízos fiscais, estes só pertencem ao grupo se forem apurados no âmbito de vigência do RETGS. A jurisprudência tem dito que os prejuízos fiscais gerados pelo grupo obedecem à mesma regra da identidade subjectiva, reflectindo-se esta na seguinte asserção legislativa: "os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada exercício do período de aplicação do regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo" (cf. artigo 65. °, n.° 1, alínea b), do CIRC).

Conclui, assim (o STA), in concreto, no que respeita aos prejuízos fiscais gerados no âmbito da aplicação do RETGS, que: (i) o titular do respectivo direito à dedução é, à semelhança do que sucede relativamente a todas as entidades susceptíveis de gerarem prejuízos fiscais, o ente fiscal que os gerou, ou seja, o grupo de sociedades sujeito ao RETGS e materializado na respectiva sociedade dominante (cf. artigo 64.°, n.º 1, do CIRC); (ii) tratando-se de prejuízos fiscais apurados no âmbito da aplicação do RETGS, o respectivo - e único - titular do correspondente direito dedutivo (o grupo de sociedades) apenas poderá exercê-lo mediante subtracção desses prejuízos do grupo aos subsequentes lucros tributáveis desse mesmo grupo (cf. artigo 65.°, n.º 1, alínea b), do CIRC).

Ora,

Havendo embora lugar, no RETGS, para a diferenciação da situação jurídica dos prejuízos fiscais gerados antes e após integração no grupo da sociedade que os aporta, parece-nos curial constatar que a solução (neutra) da lei seja, mutatis mutandis, a mesma para os benefícios fiscais, atentos os limites materiais e subjectivos do regime constante no artigo 32.º-A do EBF. Fundamento que, a nosso ver, sai robustecido pelo facto de os benefícios fiscais constituírem, como se fez notar, supra, uma realidade dotada de uma dogmática própria, sujeita ao princípio da reserva de lei formal e ao princípio da legalidade fiscal, conforme n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

Não tem, pois, razão a Requerente ao afirmar que só existe uma coleta de IRC (artigo 113.º, repetido em vários pontos do seu argumentário), argumento que é desmentido pela obrigação de determinar “o imposto como se aquele regime não fosse aplicável” (artigo 120.º n.º 6 do CIRC). De facto, há tantas colectas, quantas as sociedades integradas no RETGS e a lei requer, quanto a todas e cada uma delas, o apuramento individual do imposto (IRC) anualmente devido, como se o RETGS não fosse aplicável. O ponto reside em como conciliar a existência de colectas individuais com a regra do RETGS que impõe o apuramento da coleta do grupo, nos termos referidos no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

Aqui diremos que, uma coisa é a imposição legal segundo a qual, no RETGS, as deduções relativas a benefícios fiscais são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo (cfr. o n.º 6 do artigo 90.º do CIRC), outra bem diferente e à qual aquele preceito não responde é a de saber qual o limite dessa dedução. Ora, esse limite é o que resulta do regime específico do benefício em causa e aportado, em concreto, pela concreta sociedade beneficiária para o grupo.     

Assim sendo, é em razão disso que o n.º 6 do artigo 90.º do CIRC manda que "as deduções referidas no n.º 2 (onde se incluem as relativas a benefícios fiscais), relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1."

Ora, este n.º 6 confirma o que vem sendo dito. Com efeito, os benefícios fiscais que nele se permite deduzir à coleta, por força do n.º 2 do artigo 90.º CIRC, são os benefícios fiscais que se constituíram na esfera de cada sociedade integrada no RETGS, e com a precisa conformação que na esfera jurídica destas esses benefícios fiscais nela podem ser relevados, à luz da obrigação que individualmente impende sobre cada uma delas, de apurar individualmente todos os agregados fiscalmente relevantes até à determinação do imposto devido como se o RETGS não fosse aplicável. Isso mesmo é corroborado pelo referido n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, conforme supra-referido, onde concretamente se dispõe que:

“6 — Quando for aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades:

a) A sociedade dominante deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º;

b) Cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.” (sublinhado nosso)

Isto significa que cada uma das sociedades integradas no RETGS continua obrigada a apurar individualmente a sua situação fiscal, a calcular, de forma individualizada todos os agregados fiscais relevantes, incluindo, no caso, os benefícios fiscais de que disponham e o imposto que seria devido individualmente, e a manter todos os registos e demais suportes a eles respeitantes. E estão, por isso, obrigadas a apurar individualmente o seu Resultado Líquido do exercício, o seu Lucro Tributável, a sua Matéria Coletável, a sua Coleta e o seu Imposto, devido ou a recuperar.

Ora, se cada sociedade integrada no RETGS está obrigada ao apuramento individual da sua coleta, do montante dos seus próprios benefícios fiscais (dedutíveis à sua coleta) e o seu IRC individual, conforme exigido pelo preceito (n.º 6 do art.º 120.º), bem se vê que o montante do benefício fiscal susceptível de apuramento pela Requerente não pode ser outro que não o que resultar do procedimento individual de apuramento do seu próprio imposto, no respeito pela aplicação conjugada do artigo 32.º-A do EBF com o n.º 6 do artigo 120.º do CIRC. Montante esse que deve ser relevado no grupo nos termos do artigo 90.º, n.º 6, do CIRC, deduzindo-se os montantes “relativos a cada uma das sociedades”.

A tese da Requerente segundo a qual, no RETGS, não há colectas individuais, mas tão só a do grupo, além de não ter suporte legal no IRC, como demonstrado, é, ainda, desmentida pelo regime estabelecido para outros benefícios fiscais.

A título de exemplo, note-se que a Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, que aprova o crédito fiscal extraordinário ao investimento, no artigo 3.º, n.º 5, ao regular a dedução do benefício, quando seja aplicável o regime especial de tributação de grupos de sociedades, estabelece os limites da dedução do benefício em causa, tendo precisamente por referência a determinação da coleta individual da sociedade beneficiária[2].

Senão, vejamos, tendo presente o teor do referido preceito:

“(…)

5- Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1:

a)      Efectua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, com base na matéria coletável do grupo;

b)      É feita até 70% do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70% da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas ilegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.

6- (…)”.

Não há dúvida que o legislador estabelece o limite de dedução do benefício tendo por referência a “coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades”, o que pressupõe o apuramento da coleta individual da sociedade beneficiária dentro do grupo.

E nem se argumente que se trata de uma opção expressa do legislador para este tipo de benefício, opção que falha no regime das Sociedades de Capital de Risco, onde o legislador não faz qualquer referência ao procedimento no caso de aplicação do RETGS. Acontece que, no caso em apreço, como ficou demonstrado, os limites ao montante dedutível do benefício, tendo por referência a coleta da Sociedade de Risco, já resulta do seu próprio regime, tornando desnecessária qualquer ulterior regulamentação.

Podemos, desta forma, concluir que, no caso dos benefícios fiscais às SCR, emergente da conjugação das normas vindas de referir, o regime da relevação em IRC dos benefícios fiscais anteriormente existentes, releváveis no seio do grupo, não padece de nenhuma incompletude. Por outro lado, é possível concluir que, no caso e ao contrário do que se veio a verificar noutros casos, o legislador não sentiu aqui a necessidade de criar regras específicas em vista à sua relevação no quadro do grupo de sociedades, porquanto a disciplina desta questão já se encontra totalmente regulada, conforme supra exposto, não carecendo, como se vê, de regras adicionais em vista ao estabelecimento dos limites à sua relevação.

Porque estas sociedades apenas trazem consigo, para dentro do perímetro, as posições jurídicas que individualmente detinham. E, no caso, a posição que a SCR detinha era e é a que resulta da aplicação individual do regime do art.º 32.º-A do EBF.

Finalmente, pode argumentar-se que para os benefícios fiscais o RETGS e o CIRC não estabelecem um regime paralelo ao que se consagra no artigo 71.º do CIRC para os prejuízos fiscais. A verdade é que, no rigor das coisas, essa previsão no CIRC seria tautológica, em vista do disposto nos preceitos vindos de referir, como se demonstrou supra. E isto porque este benefício fiscal se constitui, vive e morre balizado num quadro normativo que contém todos os elementos necessários à sua plena efectivação, tal como decorre desse artigo 32.º-A do EBF. Não nos parece que falte no RETGS ou no CIRC qualquer norma que discipline uma realidade que já está integralmente regulada no artigo 32.º-A do EBF e que, sendo pré-existente, só pode ser relevada nos termos em que ela mesma passou a existir no momento em que se verificaram os seus pressupostos substantivos, como tal requeridos pelo preceito (cfr. artigo 12.º do EBF). Nesta óptica, os artigos 32.º-A do EBF, 90.º, n.º 6, e 120.º, n.º 6, do CIRC contêm toda a disciplina jurídica necessária para propiciar a dedução pelas SCR (únicas sociedades que podem aceder ao benefício fiscal) às suas próprias colectas, dos valores que a lei manda deduzir sempre que: (1) tenham realizado o investimento de risco; e (2) tenham coleta com as características nele previstas que permita tal dedução.

De modo que a SCR, quando passa a integrar o RETGS, traz consigo o direito subjectivo ao benefício fiscal tal qual ele se constituiu na sua esfera jurídica e, ainda, o poder / dever de o relevar nos exactos termos do artigo 120.º, n.º 6, do CIRC e, sendo assim, tal direito pode efectivar-se na coleta do grupo mas apenas nos termos e limites em que tal direito, assim transportado, é individualmente materializável. Nada mais.

Consequentemente, bem se vê que o efeito potenciador “gratuito” dos benefícios fiscais apenas por força da constituição de um REGTS, desejado pela Requerente, é contrariado pela letra e espírito da lei, até porque o RETGS já consagra as suas próprias vantagens e representaria, na prática, despesa fiscal “gratuita”.

Tanto mais quanto é certo que os benefícios fiscais são um instrumento de política fiscal autónomo, dotado de uma racionalidade específica, uma realidade diferente do próprio imposto, ao passo que os prejuízos fiscais são um agregado emergente do processo de liquidação lato sensu do imposto. Os benefícios fiscais apresentam claramente uma sensibilidade acrescida, não podendo o montante dos que sejam concretamente releváveis depender da configuração ou do modo como se apuram os lucros (individuais ou agrupados).

 

C – Os argumentos expendidos pela Requerente

A operação material de dedução de certo benefício fiscal e o direito subjectivo a deduzir certo benefício fiscal, colado à esfera do seu titular (SCR), e substantivamente fixado na norma que o estabelece, são coisas diferentes. Uma coisa é a operação material de emprego ou imputação dos agregados a que se refere o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, outra, bem diferente, é a delimitação substantiva do direito (subjectivo) a certo benefício. Isto é, uma coisa é o benefício substantivo, subjectivamente fixado na esfera jurídica de alguém que a ele demonstrou ter direito e outra é o modo como a lei manda que esse benefício opere.

A Requerente, com o devido respeito, confunde o direito a deduzir à coleta (consubstanciado na operação material para o efeito, que aqui não está em causa) com o montante (direito subjectivo) que há para deduzir.

Além disso, a Requerente também confunde dois momentos bem distintos.

Porque uma coisa é o momento da constituição do direito ao benefício fiscal, quando se deu a sua materialização na esfera da SCR, a qual ocorreu num momento preciso no tempo através da verificação dos seus pressupostos e dos seus limites substantivos – previstos no artigo 32.º-A do EBF – e muito antes da sua integração do RETGS.

Outra coisa é o momento da dedução à sua colecta das realidades previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC. Este não só é temporalmente posterior e instrumental do primeiro como depende da existência da coleta gerada pela própria SCR, com exclusão de quaisquer outras colectas de sociedades que não desenvolvam a atividade de capital de risco e que, por isso, não podem ser incentivadas – cfr. artigo 120.º, n.º 6, do CIRC.

Alega a Requerente, no artigo 92.º da sua p. i., que “se a intenção do legislador tivesse sido estabelecer limites à dedução à coleta do grupo de benefícios fiscais das sociedades, consoante o direito à dedução destes tivesse sido adquirido em momento anterior à opção pelo RETGS, tê-lo-ia previsto expressamente, como o fez, por exemplo, para os prejuízos fiscais”.

De facto, o legislador nada disse, ao contrário do que fez para os prejuízos fiscais (artigo 71.º). Mas isso apenas significa que na ausência de uma norma que permita a dedução desses benefícios a realidade diferente da que já resulta do n.º 3 e 4 do art.º 32.º-A do EBF, essa dedução não pode ser alargada para além dos limites fixados imperativamente no regime substantivo de onde o direito a deduzir provém (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do EBF, “os benefícios fiscais são medidas de caráter excepcional...”).

Bem revela a Requerente conhecer tais princípios, mas não retira deles as ilações certas quanto a benefícios fiscais. Pois que, nesta matéria, contendo, repete-se, o artigo 32.º-A do EBF, articulado com o disposto nos artigos 120.º, n.º 6, e 90.º, n.º 6, do CIRC, toda a disciplina necessária para cálculo individual do montante do benefício fiscal em causa, nada mais há a deduzir do que aquilo que deste regime resulta.

Importa relembrar que estamos, aqui, no domínio da determinação substantiva do direito a benefícios fiscais a qual, sujeita como está ao princípio da legalidade fiscal e da reserva absoluta de lei formal, não pode fazer-se a não ser nos estritos termos previstos na lei. E esta lei, o que prevê é o que está escrito nos referidos n.ºs 3 e 4 do artigo 32.º do EBF: as SCR podem deduzir até à concorrência das suas próprias colectas passadas e futuras.

E não até à concorrência das colectas de outras sociedades (integradas no RETGS) que, não desenvolvendo a atividade de capital de risco, não produzem a coleta a que se refere o n.º 3 do artigo 32.º-A do EBF. Porque isso introduziria uma subjectividade tal no benefício que este deixaria de ter como limite as forças económicas de uma SCR para passar a ter como horizonte um limite variável, em função do tamanho do RETGS, de sociedades que nem desenvolvem a atividade que a lei concretamente incentiva, mas outras actividades comerciais várias, não incentivadas por lei.

A interpretação da Requerente, de que, quanto maior for o grupo, maior é o benefício fiscal não tem, assim, apoio legal em vista da natureza e dos limites do benefício fiscal em causa, do regime substantivo de IRC aplicável e das obrigações específicas de apuramento individual da coleta, do benefício fiscal e do imposto das sociedades integradas, como se aquele regime não fosse aplicável, os quais limitam o montante do benefício nos termos do artigo 32.º-A do EBF.

Por tudo o que vai exposto, alicerçando-se a solução propugnada, como ficou demonstrado, nas normas legais mencionadas não assiste razão à Requerente quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação sufragada pela AT na liquidação em causa por violação do princípio da legalidade fiscal, incluindo nas vertentes da determinabilidade e da segurança jurídica.

Pelo contrário, a prevalecer a tese da Requerente, essa sim é que conduziria a um resultado interpretativo inconstitucional do artigo 32.º-A do EBF, em especial do seu n.º 4, atentas as circunstâncias do caso, por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

Na situação em apreço, como vimos, o benefício fiscal constitui-se entre 2007 e 2008, quando a SCR não estava integrada em qualquer grupo sujeito ao RETGS, ou seja, numa data em que o benefício só podia ser deduzido à sua própria coleta. Como ficou dito, a segunda parte do n.º 4 do artigo 32.º do EBF dispõe que a dedução será efetuada na liquidação do IRC respeitante ao exercício em que foram realizados os investimentos ou, quando o não possa ser integralmente, a importância ainda não deduzida poderá sê-lo, nas mesmas condições, na liquidação dos cinco exercícios seguintes.

A seguir-se a interpretação da Requerente, a dedução não seria feita nas mesmas condições que existiam em 2007/8, ou seja, a possibilidade de dedução do benefício teria “aumentado” por força da posterior integração da sociedade num grupo, ou seja, passaria a existir uma outra coleta que, em regra, será maior que a da sociedade individualmente considerada, com a consequente violação do regime do artigo 32.º- A do EBF e toda a lógica e razão de ser do mesmo. Ao que acresce a violação do princípio da neutralidade da tributação dos grupos. 

Ao carecer de fundamento legal, a tese da Requerente é que conduziria a uma interpretação inconstitucional, do referido preceito, por violação do princípio da legalidade fiscal do regime dos benefícios fiscais, nas vertentes da determinabilidade e da segurança.

Termos em que improcede o pedido da Requerente de anulação do indeferimento da reclamação graciosa em causa e, em consequência, da ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2012.

Mantendo-se, nesta sequência, o acto reclamado, improcede necessariamente o pedido de reembolso acrescido de juros indemnizatórios, que é apresentado pela Requerente como corolário da alegada ilegalidade. 

 

IV.             Decisão

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

a)      Julgar improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria, por a questão central dos autos ser o reconhecimento do direito da Requerente;

b)      Julgar procedente a excepção de incompetência em razão da matéria quanto ao pedido de correcção da autoliquidação, absolvendo, nesta parte, a AT da instância; 

c)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2012;

d)     Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira daquele pedido;

e)      Julgar improcedente o pedido de reembolso acrescido de juros indemnizatórios, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido e, em consequência,

f)       Manter a decisão de indeferimento a reclamação graciosa.

 

V.                Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.494.987,71 (Três milhões, quatrocentos e noventa e quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e setenta e um cêntimos).

 

Notifique.

 

 

Lisboa, 15-7-2016

 

 

 

A Árbitro Presidente

(Fernanda Maçãs)

 

 

O Árbitro Adjunto

(Ricardo da Palma Borges) – vencido, nos termos da declaração junta

 

 

O Árbitro Adjunto

(João Ricardo Catarino)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto

 

Votei vencido o Acórdão, discordando da posição que logrou vencimento, pelos fundamentos que exponho em seguida.

 

  1. A ratio decidendi do Acórdão

 

O Acórdão parte da análise da natureza do benefício fiscal atribuído às SCR para definir o seu regime jurídico, em interacção com o RETGS.

Com efeito, o Acórdão salienta três aspectos caracterizadores do benefício fiscal vertido no artigo 32.º-A do EBF: (i) trata-se de um benefício fiscal automático, porquanto “não pressupõe qualquer acto declarativo de reconhecimento” (cfr. p. 8); (ii) assume um carácter subjectivo, sendo concedido aos “agentes económicos com a natureza de SCR, mas só a estes” (cfr. p. 13); e (iii) consubstancia “um verdadeiro incentivo fiscal que requer um comportamento dinâmico do agente económico visado (no caso, apenas as SCR)” (cfr. p. 14), ao fomentar determinadas condutas, como seja a realização de investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização.

Em especial, o Acórdão enfatiza o carácter subjectivo do benefício, que é “dirigido em exclusivo às sociedades de capital de risco” (cfr. p. 15). Deste facto extrai o Acórdão o seu âmbito e limites, balizando o regime jurídico aplicável: da articulação do artigo 32.º-A do EBF com os artigos 120.º, n.º 6, e 90.º, n.º 6, do Código do IRC, resulta toda a regulação necessária, lendo nestas normas uma limitação à dedução do benefício fiscal à colecta apurada no âmbito de um grupo de sociedades. O direito a deduzir encontra-se, pois, “restringido ao limite das somas das suas (SCR) próprias colectas individuais, no período de tempo relevante” porque foi “baseado num comportamento activo que lhe é individual, a saber, o do investimento de risco em sociedades com potencial de valorização” (cfr. p. 17 do Acórdão).

O Acórdão, embora fazendo apelo à aplicação dos artigos 32.º-A do EBF e 120.º, n.º 6, e 90.º, n.º 6, do Código do IRC, apenas alcança a sua conclusão por via interpretativa do regime do próprio benefício fiscal e do seu pendor subjectivo, retirando daí as consequências que considera relevantes. Tal é evidenciado pela afirmação de que “como decorrência directa do regime sob apreço, o direito que a SCR traz para o grupo (RETGS), é o direito (subjectivo) que ela mesma detém de (1) deduzir certo benefício fiscal (2) à sua própria coleta, e nos exactos termos em que esse direito se formou na sua própria esfera jurídica” (cfr. p. 17).

 

  1. A natureza do benefício fiscal do artigo 32.º-A do EBF

 

Classificando os benefícios fiscais, a doutrina distingue entre benefícios objectivos, subjectivos e mistos. Conforme explica Nuno Sá Gomes, “Nos primeiros, atende-se ao elemento objectivo do facto desagravado sem atender à natureza e qualidade das pessoas beneficiadas; nos segundos, toma-se em consideração o elemento subjectivo ou pessoal do elemento desagravado, isto é, a natureza ou qualidade das pessoas a desagravar”. Por sua vez, os benefícios fiscais mistos “são atribuídos atendendo, simultaneamente, a elementos objectivos ou reais e subjectivos ou pessoais” (cfr. Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 165, Lisboa, 1991, p. 141).

A respeito dos benefícios fiscais subjectivos nota Maria Paula dos Reis Vaz Freire que “nos benefícios subjectivos, a norma desagravadora deixa intocados os aspectos objectivos do plano de incidência do imposto, operando o benefício fiscal por força de uma especial qualificação dos elementos subjectivos da norma de incidência. Assim, a tributação incide sobre todas as demais pessoas que, em iguais circunstâncias, não gozem de tal qualificação” – destaque meu (cfr. Nascimento, Modificação e Extinção dos Benefícios Fiscais, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1995, p. 97, disponível na respectiva biblioteca). Por conseguinte, os benefícios fiscais subjectivos tendencialmente não são concebidos como um incentivo fiscal, mas antes como um meio de tutela de determinadas entidades, tendo “por fundamento uma valorização das finalidades prosseguidas pelos sujeitos beneficiados” (Ibidem, p. 97).

Porquanto dirigido às SCR, o benefício fiscal consagrado no artigo 32.º-A do EBF adquire indubitavelmente um pendor subjectivo. No entanto, não se basta com a mera verificação do elemento pessoal (o tipo de sociedade em causa – sociedades de capital de risco), exigindo que elas realizem investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização. Tal é igualmente reconhecido no Acórdão, o qual afirma: “é a lei fiscal que identifica de forma completa e com precisão as condutas que quer incentivar (pressupostos objectivos, materiais ou substantivos), os agentes económicos por elas abrangidos (pressupostos subjectivos), e os termos em que essas condutas são fiscalmente recompensadas na lei” (cfr. p. 14).

Desta forma, porque “o benefício em causa comporta pressupostos ou requisitos objectivos e subjectivos precisos” (cfr. p. 16 do presente Acórdão), este deverá ser qualificado como um benefício fiscal misto.

 

  1. A necessidade de ponderação do tratamento fiscal da colecta do grupo de sociedades no âmbito de outros regimes jurídicos

 

Torna-se relevante, pois, a análise de outros regimes jurídicos, nomeadamente de outros benefícios fiscais, de forma a aferir a existência ou não de similitudes com o das SCR, na respectiva interacção com um RETGS, e conhecer as opções legislativas em matérias que suscitam questões paralelas àquela que se aborda no caso sub judice.

A este respeito, destaco, nomeadamente, os regimes jurídicos (i) da Derrama Municipal e (ii) de outros benefícios fiscais, tais como o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), o regime de Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (“DLRR”), o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (“SIFIDE II”) ou o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”).

 

a)      No âmbito da Derrama Municipal – previsto no Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro)

O artigo 18.º, n.º 14, da referida Lei, estabelece que, sempre que seja aplicável o RETGS, a Derrama Municipal incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo. Esta opção legislativa foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012), que alterou a redacção que o artigo 14.º tinha à luz da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro (Lei das Finanças Locais). Até então, a lei era omissa relativamente ao apuramento da Derrama Municipal no âmbito de sociedades abrangidas pelo RETGS.

No silêncio da lei mostrou-se controvertida a questão de saber se a Derrama deveria incidir sobre o lucro tributável do grupo ou o de cada uma das sociedades que o compunham. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Administrativo (“STA”) pronunciou-se reiteradamente “no sentido de que nos casos em que esteja em causa a aplicação do RTGS, a base de incidência da derrama para os efeitos do nº 1 do art. 14º da Lei nº 2/2007, de 15/1 […], será o lucro resultante da soma de lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais (resultado agregado), uma vez que apenas este se encontra sujeito a IRC (art. 64º, nº 1, do CIRC) – (destaque meu); cfr. Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1302/12, de 9 de Janeiro de 2013; no mesmo sentido vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STA proferidos no âmbito dos processos n.º 0234/12, de 2 de Maio de 2012, nº 0265/12 e 0206/12, ambos de 5 de Julho de 2012, e n.º 01315/12, de 5 de Junho de 2013[3].

Adicionalmente, a referida jurisprudência foi igualmente firme na asserção de que a alteração legislativa introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 não tinha natureza interpretativa, explicando que “sendo uma norma inovadora, que afronta a lógica do RETGS, a alteração que introduz apenas vigora de 2012 em diante” – (destaque meu); cfr. Acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0265/12, de 5 de Julho de 2012.

Significa isto que na ausência de regra especial que disponha em sentido diverso, aplicar-se-á o regime regra do Código do IRC quanto à lógica do RETGS. Ora, ao contrário do que sucede actualmente com a Derrama Municipal, no âmbito do IRC a pretensa matéria colectável individual das sociedades que integram um grupo abrangido pelo RETGS não tem relevância, apenas sendo de considerar a matéria colectável agregada do grupo, pelo que a aplicação da taxa de IRC, e as operações subsequentes de dedução à colecta assim apurada, apenas incidem sobre essa base. Como o próprio Ofício-Circulado n.º 20 132, de 14 de Abril de 2008, da actual Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), afirma “(…) é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta” (destaque meu). É muita verdade junta…

 

b)      Regime jurídico de outros benefícios fiscais – RFAI, DLRR, SIFIDE II, todos previstos no Código Fiscal do Investimento (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro) e CFEI, previsto na Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho

 

i)                   Introdução

O RFAI, previsto nos artigos 22.º e 23.º do Código Fiscal do Investimento é um benefício fiscal automático, resultando directa e imediatamente da lei, sem necessidade de qualquer acto posterior de reconhecimento. Este benefício fiscal dirige-se especificamente a sujeitos passivos de IRC que exerçam uma actividade nos sectores elencados no artigo 2.º, n.º 2, do referido Código. Para tal aferição é especialmente relevante o código de actividade económica (CAE) da sociedade em causa, pois dele depende a concessão do benefício fiscal. Estas sociedades não podem ser empresas em dificuldade nos termos da alínea e) do n.º 4 do artigo 22.º (cfr. pressupostos vertidos no artigo 22.º, n.º 1 e n.º 4 do diploma referido).

Adicionalmente, a sociedade com aquelas características tem de fazer aplicações relevantes, traduzindo-se estas no investimento nos activos especificados no n.º 2 do artigo 22.º. Para usufruir do direito à dedução consagrado no artigo 23.º do referido Código, a sociedade em causa deverá ainda manter os activos por um determinado período de tempo e proporcionar a criação de postos de trabalho (cfr. pressupostos vertidos no referido artigo 22.º, n.º 4).

O RFAI assume as vestes de um verdadeiro incentivo fiscal, porquanto a lei, através deste normativo, promove a realização de determinados investimentos que considera relevantes.

De acordo com a classificação dos benefícios fiscais já analisada este é um benefício fiscal misto: não se basta com o preenchimento de prossupostos objectivos (a realização de aplicações relevantes), requerendo igualmente a verificação de um elemento subjectivo (apenas as sociedades com determinadas características e exercício de actividade em certos sectores poderão beneficiar do direito à dedução).

O DLRR, previsto no artigo 29.º do Código Fiscal do Investimento, é igualmente um benefício automático, independente de qualquer acto de reconhecimento, concedido a micro, pequenas e médias empresas sujeitas a IRC e que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola – aparentemente com a exclusão do sector dos serviços (cfr. artigo 28.º do referido Código). Para beneficiarem do direito à dedução à colecta no âmbito do IRC consagrado no n.º 1 do artigo 29.º do referido Código, as sociedades naquelas condições terão de reinvestir os seus lucros retidos em alguma(s) das aplicações relevantes elencados no artigo 30.º do referido Código.

Por conseguinte, este benefício assume-se como um incentivo fiscal a determinadas actividades, elegendo simultaneamente elementos objectivos e subjectivos como determinantes para a sua concessão. Sendo um benefício fiscal misto, apenas as sociedades que possuam aquelas especificas características (elemento subjectivo, determinado em função da dimensão do próprio ente) e realizem determinados tipos de reinvestimento dos seus lucros retidos (elemento objectivo, determinado em função de condições materiais) poderão beneficiar do regime estabelecido no referido artigo 30.º.

Por sua vez, o SIFIDE II, consagrado no artigo 38.º do Código Fiscal do Investimento, é igualmente um benefício automático decorrente directa e imediatamente da lei. Trata-se de um incentivo fiscal à investigação e desenvolvimento, permitindo a dedução à colecta, no âmbito do IRC, das despesas incorridas com aquelas actividades, tendo como limites determinadas percentagens (cfr. artigo 38.º, n.º 1, do referido Código). Este benefício assume um pendor eminentemente objectivo, uma vez que estabelece o tipo de beneficiários de forma bastante lata (qualquer sociedade residente ou com estabelecimento estável em Portugal sujeita a IRC e desenvolvendo a título principal uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços poderá dele beneficiar), cobrindo a larga maioria das sociedades sujeitas a IRC.

De igual forma o CFEI, cuja disciplina se encontra vertida na Lei n.º 49/2013, é um benefício automático que procura incentivar fiscalmente determinados comportamentos, a saber: o investimento em activos afectos à exploração, tal como previstos no artigo 4.º do referido diploma. Também é um benefício fiscal objectivo, uma vez que a tónica para a sua concessão não é o tipo de sujeito que realiza a despesa mas sim esta, materialmente considerada. Com efeito, não se crê que as exigências de contabilidade regularmente organizada, de determinação do lucro tributável por métodos directos e de uma situação fiscal e contributiva regularizada possam sem concebidas como uma verdadeira delimitação quanto ao tipo de sujeitos beneficiários, sendo apenas uma mera exigência de boas práticas tributárias.

Por conseguinte, existem similitudes entre os regimes jurídicos dos benefícios fiscais ora analisados e o do caso sub judice. Numa perspectiva mais alargada, todos eles consubstanciam benefícios fiscais automáticos com o carácter de incentivo fiscal (fazendo jus, como nota o Acórdão, ao brocardo latino “ut des”). Numa análise mais minuciosa é possível afirmar que o benefício fiscal consagrado no artigo 32.º-A do EBF é comparável ao RFAI e ao DLRR, dado o seu carácter misto.

 

ii)         O RFAI, DLRR, SIFIDE II e CFEI no contexto do RETGS

O Código Fiscal do Investimento, que compila e revê os regimes de benefícios fiscais ao investimento produtivo, não contém ‑ à semelhança do EBF ‑ uma norma geral que estabeleça solução uniforme relativamente ao quantum da dedutibilidade dos benefícios fiscais em caso de sociedades abrangidas pelo RETGS. Pelo contrário, o legislador consagra soluções distintas consoante o benefício fiscal em causa.

Relativamente ao RFAI (artigos 22.º e 23.º) e ao SIFIDE II (artigo 38.º), o legislador nada estabelece relativamente ao modo de dedução do benefício fiscal, referindo-se, em ambos os casos, que essa dedução deverá ser feita à colecta apurada nos termos do artigo 90.º do Código do IRC.

Contrariamente, no âmbito da DLRR (artigo 29.º), o legislador consagra expressamente, com limites, o modo de operar a dedução do benefício fiscal sempre que seja aplicável o RETGS. Esta preocupação com a interacção entre a dedução de benefícios fiscais e a aplicação do RETGS esteve igualmente presente na consagração do CFEI (cfr. artigo 3.º, n.º 5, da Lei n.º 49/2013, o qual dispõe do seguinte modo: “Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1: a) Efetua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria coletável do grupo; b) É feita até 70 % do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70 % da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades”).

Em ambos os casos, as deduções efectuam-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo – como aliás não poderia deixar de ser, por não haver outra. Mas tais deduções não podem ultrapassar o limite da colecta que seria apurada pela sociedade que realizou as aplicações relevantes ou as despesas elegíveis caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.

No âmbito do mesmo diploma, o referido Código Fiscal do Investimento – o qual, segundo o respectivo preâmbulo, promove “a revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização” –, a ausência de uniformização dos regimes analisados (dispondo o RFAI e o SIFIDE II de uma forma, e o DLRR, de outra) não permite outra conclusão que não a de que estamos perante uma opção legislativa clara. Sendo que a ausência de regulamentação idêntica para a DLRR e para o RFAI é tanto mais eloquente quando a questão já tinha sido detectada, a propósito do RFAI 2009, na Informação Vinculativa n.º …, no Processo n.º 2010…, que mereceu despacho do Director-Geral de 27/10/2010 – cfr. ponto 5 deste voto, infra. Opção que se manifesta igualmente no CFEI, que dista um ano e quatro meses do Código Fiscal do Investimento e um mero ano da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho, que concedeu a autorização legislativa a este último, situando-se todos no âmbito da mesma XII legislatura (2011-2015).

Com efeito, não é concebível que o legislador não esteja consciente (ainda para mais, depois da experiência paralela havida com a Derrama Municipal e da dita Informação Vinculativa n.º …), no plano do mesmo diploma (!) ou de diplomas que distam entre si cerca de um ano, de que regular a dedução de benefícios fiscais através de uma remissão genérica para o Código do IRC, sem os limites que expressamente impõe noutros casos, implica necessariamente a exclusiva relevância jurídico-tributária da matéria colectável agregada do grupo abrangido pelo RETGS, irrelevando a colecta individual que se apuraria caso a sociedade que gerou o benefício não estivesse integrada nesse grupo, o que tem obviamente consequências nos benefícios fiscais individuais que sejam objecto de comunicabilidade no âmbito daquele, e até mesmo dos anteriormente gerados, que tenham sido objecto de portabilidade para dentro daquele.

Este argumento torna-se tanto mais impressivo quando consideradas as cautelas adoptadas pelo legislador a propósito da dedutibilidade de prejuízos fiscais no âmbito do RETGS, que o levaram a burilar um regime protector da base de tributação ao longo de muitos anos (cfr. artigo 71.º do Código do IRC), sem, contudo, estabelecer idênticos limites para a dedutibilidade de benefícios fiscais.

 

iii)        Relevância desta análise para efeitos do artigo 32.º-A, n.º 2, do EBF

A análise precedente demonstra que a solução do artigo 32.º-A, n.º 2, do EBF, de nada dispor sobre como opera a dedução do benefício aí previsto no contexto de um RETGS, é idêntica à que foi adoptada pelo RFAI e pelo SIFIDE II. Ela contrasta com a opção tomada no âmbito do CFEI e do DLRR, onde os benefícios, no contexto de um grupo, não podem ultrapassar o limite da colecta que seria apurada pela sociedade que realizou as aplicações relevantes ou as despesas elegíveis caso não se aplicasse o RETGS.

Relembre-se que o RFAI e o DLRR são incentivos fiscais estruturalmente idênticos ao previsto para as SCR, tendo todos um pendor simultaneamente subjectivo e objectivo, i.e., misto, para além de um modo de funcionamento automático. Pelo que não deixa de ser impressivo o facto de o legislador num caso (o do DLRR) sentir a necessidade de estabelecer o modo como a dedução do benefício fiscal deve operar, e noutros (no RFAI e no caso das SCR) deixar a questão em aberto.

Seguindo a tese vertida no Acórdão, em abono da qual é invocado o artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC, [“quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 (a saber, benefícios fiscais) relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1”], existe um limite “que resulta do regime específico do benefício em causa e aportado, em concreto, pela concreta sociedade beneficiária para o grupo” (cfr. p. 26).

Ainda no dizer do Acórdão, “A dedução tem, assim, como limite uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC da SCR dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o direito ao incentivo / benefício fiscal (sem prejuízo de se saber que a lei fiscal adopta, para outras situações, soluções diversas, como é o caso do RFAI, a DLRR ou o SIFIDE). O que importa salientar é que, na situação dos autos, existe uma disciplina jurídica própria que resulta da conjugação do disposto no artigo 32.º-A do EBF com os artigos 120.º, n.º 6, e 90.º, n.º 6, do CIRC, da qual se retira toda a regulação necessária à dilucidação da questão suscitada (p. 15).

Em qualquer um dos casos ‑ quer no artigo 32.º-A do EBF e no RFAI, como também no DLRR (e mesmo no CFEI, ainda que com menor comparabilidade com o benefício sub judice das SCR) – existe, como é óbvio, um regime disciplinador do incentivo. Mas o que se constata é que o legislador considerou que da disciplina jurídica própria do DLRR, resultante da articulação do artigo 29.º do Código Fiscal do Investimento com os artigos 120.º, n.º 6, e 90.º, n.º 6, do Código do IRC, não resultava toda a regulação necessária à limitação de tal benefício no seio do RETGS, tendo que a estabelecer especificamente no n.º 4 do referido artigo 29.º. Ora, este benefício misto é na sua estruturação e natureza idêntico ao das SCR e do RFAI, conforme já analisado. Assim, constitui uma petição de princípio dizer que para as SCR o limite da dedução no contexto de um RETGS “resulta do regime específico do benefício em causa e aportado, em concreto, pela concreta sociedade beneficiária para o grupo” pois igual afirmação podia fazer-se, em teoria, a respeito de qualquer outro dos benefícios analisados – para quem queira ver na lei a existência do limite que tem por justo. O que a realidade demonstra, todavia, é que quando quis um limite de operação de um benefício (DLRR ou CFEI) no contexto de um RETGS o legislador exprimiu-o expressamente. E que tal expressão não existe no caso das SCR. Ora, acaso não tivesse o legislador consagrado tal limite no DLRR ou no CFEI o que impediria ainda o Acórdão de dizer, do mesmo modo que disse para as SCR, que o limite desses benefícios no seio do RETGS resultaria do regime específico do benefício em causa e aportado, em concreto, pela concreta sociedade beneficiária para o grupo?

Crê-se que estas distinções são, diferentemente do que se defende no Acórdão, sintomáticas de que do próprio regime positivo dos benefícios fiscais analisados, maxime dos mistos, ainda que com maior ou menor pendor subjectivo, não é possível extrair limites “naturais” ou “auto-evidentes” à sua dedutibilidade no seio de um grupo de sociedades sujeitas ao RETGS.

Adicionalmente, o Acórdão não é totalmente claro – embora não o tivesse que ser, em face do caso concreto – sobre se a sua tese vale apenas para os benefícios nascidos previamente à existência de um grupo governado pelo RETGS e para ele portados ou mesmo para os benefícios, maxime o do artigo 32.º-A do EBF, nascidos já no seio de tal grupo (“Acresce que há aqui um argumento temporal que vem em reforço desta posição: no caso, a situação é ainda mais clara pois o direito ao benefício fiscal consolidou-se na esfera da SCR em momento anterior ao da sua própria integração no perímetro de consolidação. Isto não significa que se defendesse a tese contrária, se o direito ao benefício fiscal tivesse sido constituído após a integração da sociedade no grupo (…)” – p. 18). Em qualquer dos casos, a tese não será correcta.

Em primeiro lugar, o artigo 90.º, n.º 6, do IRC não distingue entre os benefícios nascidos antes ou depois da existência do RETGS, diferentemente do que sucede com o tratamento dos prejuízos fiscais. E tal diferenciação também não é feita ao nível dos regimes do CFEI e do DLRR, nos quais se encontram expressamente consagrados limites à sua dedutibilidade no âmbito do RETGS. E onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir.

É óbvio que a tese do acórdão não pode valer para os benefícios nascidos depois da existência do RETGS, sob pena de fazer uma interpretação ab rogante das normas expressas dos referidos regimes do CFEI e do DLRR. Com efeito, para que precisaria o legislador de criar limites específicos à dedução nestes benefícios, num contexto de RETGS, se esses limites já resultassem do artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC?

Em segundo lugar, a norma limita-se a explicitar que, como apenas o grupo dispõe de colecta, as deduções referidas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, relativas a cada uma das sociedades, são efectuadas no montante de colecta apurado relativamente ao grupo, sem definir qualquer limite para o efeito. Antes pelo contrário: a norma consagra um abatimento absoluto e irrestrito das deduções contra a colecta do grupo.

Em rigor, no caso em apreço, já não estamos até perante uma dedução strictu sensu mas sim sobre uma dedução lato sensu, i.e., um reporte de uma dedução – como sucederá igualmente no caso do reporte do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional (cfr. artigo 91.º, n.º 4, do Código do IRC).

Ora, o n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC aplica-se às seguintes deduções:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

A tese do acórdão, generalizada kantianamente a todas as referidas deduções (porque, mais uma vez, a norma não distingue entre benefícios fiscais e outras realidades), e quer às situações constituídas previamente quer na pendência do RETGS (porque, repita-se, a norma não distingue os dois planos temporais), implicaria, por exemplo, que também o reporte do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional teria como limite a colecta individual da sociedade que o gerou ou que a dedução relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º também teria como limite a colecta individual da sociedade que o efectuou. Goste-se ou não, não cremos que seja assim: a existência de um RETGS potencia a absorção daquele reporte ou deste pagamento por efeito da substituição das colectas individuais por uma colecta de grupo. Nem a AT foi alguma vez tão longe, apenas tendo esboçado tese semelhante quanto ao RFAI 2009, na referida Informação Vinculativa n.º … .

 

  1. A relevância fiscal da colecta do grupo de sociedades abrangido pelo RETGS

 

Por conseguinte, afasto-me da conclusão peremptória vertida no Acórdão de que a previsão de limites quantitativos à dedução dos benefícios fiscais no âmbito de aplicação do RETGS não se revela necessária para as SCR, na medida em que no silêncio da lei essa dedução sempre se cingirá à colecta apurável na esfera da sociedade onde o direito ao benefício fiscal se constituiu.

Ainda que de iure condendo possa admitir que essa seja a solução mais justa ou equilibrada ‑ ao menos para o caso de um benefício do tipo do artigo 32.º-A, n.º 2, do EBF ‑ creio que o quadro jurídico-tributário português, tal como hoje vigente, aponta para um caminho diametralmente oposto: no silêncio da lei o RETGS importa a existência de uma única matéria colectável relevante para efeitos tributários, a do grupo. A eventual declaração das colectas individuais de IRC – pois que na prática do preenchimento das Declarações Modelo 22 existem ainda contribuintes que nem sequer as declaram, opção que até começou, há anos, por ser bem tolerada pelo sistema informático da actual AT, mas que tende a gerar actualmente divergências, na sua relação com a Informação Empresarial Simplificada ‑ não assume quaisquer efeitos reditícios. Efectivamente, apenas os lucros tributáveis e os prejuízos fiscais individuais relevam para o apuramento do lucro tributável agregado (cfr. artigo 70.º do Código do IRC), sendo que só este serve de matéria colectável e de base às operações subsequentes de apuramento da colecta, das deduções a esta e do imposto final a pagar.

Nos termos do artigo 120.º, n.º 6, alínea b), do Código do IRC: “Quando for aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades: (…) b) Cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável”.

Ou seja, a despeito das práticas dos contribuintes, é sempre devido, genericamente, por força desta norma, um efeito informativo da putativa colecta virtual apurada na declaração periódica individual de rendimentos. Mas nem sempre lhe está associado um outro efeito, limitativo, da colecta real do grupo na medida daquelas putativas colectas individuais.

Cabe, pois, sublinhar que as normas avulsas que consagram benefícios fiscais estabelecem os respectivos regimes jurídicos substantivos, prevendo os seus elementos essenciais e os pressupostos da sua concessão. Na ausência de previsão legal expressa em contrário relativamente ao quantum da matéria colectável contra a qual o benefício fiscal poderá ser deduzido, ter-se-ão por aplicáveis as normas gerais do IRC.

Desta forma, na ausência de norma especial relativamente à dedução do benefício fiscal previsto no artigo 32.º-A do EBF, em caso de aplicação do RETGS, essa dedução far-se-á nos termos gerais do IRC, de acordo com o n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, contra a colecta agregada do grupo, enquanto única verdadeira colecta existente, no dizer do Ofício-Circulado n.º 20 132, de 14 de Abril de 2008, da AT, e sem limite similar ao que o legislador consagrou para o DLRR e para o CFEI ‑ mas não para o RFAI e para o SIFIDE II.

Cumpre sublinhar que no litígio sub judice não está em causa uma qualquer transmissão, nem jurídica nem de facto, do direito a um benefício fiscal já definitivamente constituído em data anterior na esfera de outrem, em condições diferentes das previstas no artigo 15.º do EBF (cfr. p. 21 do Acórdão). Não existe transmissibilidade de benefícios fiscais de uma sociedade para o grupo, porquanto não há dois sujeitos de direito nem um acto jurídico bilateral entre supostos transmitente e transmissário, mas apenas uma questão de reporte inter-temporal e de portabilidade de um benefício individual para o seio de um grupo – na muito feliz expressão do saudoso Manuel Anselmo Torres[4]. E não havendo um verdadeiro negócio jurídico, o artigo 15.º não deverá ser trazido à colação.

Quando muito, o fenómeno de portabilidade que se verifica nesta sede pode ser assimilado a uma alienação. A este respeito note-se que o termo “alienar” tem origem no latim alienus (pertencente ao alheio) ou alienare (afastar ou transferir bens), sendo-lhe atribuído o significado de “tornar alheio, alhear”, ao passo que o termo transmitir tem como étimo o latim transmittĕre, sendo-lhe atribuído o significado de “transferir para a posse de outrem”. Não se nega que alienação e transmissão são expressões de sentido gramatical próximo. Contudo, a expressão “transmissão” parece comportar algo de diferente face à primeira, quer em sentido corrente, quer em sentido técnico-jurídico – a entrada do direito na esfera jurídica de um transmissário e, em consequência, a respectiva sobrevivência, nos mesmos exactos termos que tinha na esfera do transmitente, com uma perda e uma aquisição relativas. Enquanto que podem existir modalidades de alienação que não envolvem transmissão (cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS).

Note-se que esta portabilidade / alienação é de direito, e não de facto, uma vez que consiste num efeito jurídico decorrente da integração da sociedade titular do benefício fiscal no seio de um grupo de sociedades sujeito ao RETGS.

Por conseguinte, o enfoque da análise não deve ser a sociedade em que o benefício foi inicialmente gerado, mas a forma como o respectivo reporte para o grupo pode ser feito.

As sociedades admitidas a integrar um grupo de sociedades sujeitas ao RETGS são-no na universalidade das suas posições jurídicas, nos exactos termos em que a lei as disciplina. Não se pode, pois, ficcionar limitações no modo como opera a integração das sociedades no âmbito do RETGS, nomeadamente restringido a possibilidade de reporte inter-temporal de benefícios segundo critérios não definidos legislativamente.

Por conseguinte, também não me parece procedente o argumento de que a possibilidade de reporte do benefício fiscal contra a colecta do grupo teria como efeito a expansão do direito a deduzir, em violação do regime do artigo 32.º-A do EBF e do princípio da neutralidade da tributação dos grupos, como sugere o Acórdão (cfr. p. 32). Com efeito, este Acórdão dá força à expressão “nas mesmas condições”, constante no n.º 4 do artigo 32.º-A do EBF, para delimitar a dedução ao benefício fiscal, vendo no aumento da colecta contra a qual se fará a dedução uma afronta à exigência de que o reporte se faça nas mesmas condições de partida.

Cabe sublinhar que existem dois momentos distintos: (i) o momento da constituição do direito ao benefício, que, nos termos do artigo 12.º do EBF, é o momento da verificação dos respectivos pressupostos; e (ii) o momento do gozo do direito à dedução. O benefício constitui-se e cristaliza-se, tal qual, no primeiro momento – consiste no direito a deduzir uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício. O segundo momento (o respectivo gozo do direito à dedução) poderá ocorrer até cinco exercícios seguintes àquele em que se constituiu o benefício na esfera da beneficiária (através do reporte do direito à dedução), sendo certo que este ter-se-á de fazer sempre “nas mesmas condições”, i.e., a importância a deduzir terá sempre como limite total a soma das colectas de IRC dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício (cfr. artigo 32.º-A, n.º 4).

Por conseguinte, a concreta colecta contra a qual a dedução há-de ser feita nada tem que ver com as colectas que somadas constituem o limite à dedução.

Pelo que dificilmente se compreende como a expansão daquela colecta pode comportar uma violação do disposto no artigo 32.º-A do EBF. Com efeito, o incremento da lucratividade de determinada sociedade decorrente do aumento da sua actividade produtiva tem por efeito o aumento da sua colecta quando comparada com o momento em que determinado benefício fiscal se constituiu na sua esfera. Num caso como este, verificar-se-á igualmente a expansão do direito de efectiva utilização do reporte (pois que também o direito ao reporte está cristalizado), desse benefício fiscal. O mesmo se diga em caso de reestruturação empresarial em que por efeito de uma fusão a colecta apurada na sociedade individual seja tendencialmente maior. O mesmo raciocínio pode ainda, em tese, ser susceptível de transposição para os casos em que uma sociedade titular do direito à dedução previsto no artigo 32.º-A do EBF se transforme numa sociedade de tipo diferente, ao abrigo do disposto no artigo 72.º do Código do IRC, cujo n.º 1 dispõe: “A transformação de sociedades, mesmo quando ocorra dissolução da anterior, não implica alteração do regime fiscal que vinha sendo aplicado nem determina, por si só, quaisquer consequências em matéria de IRC, salvo o disposto nos números seguintes”. Tendo o direito ao benefício sido constituído no passado, seria até duvidoso que assumindo a sociedade um tipo diferente (i.e. deixando de ser uma SCR), caducasse o direito ao benefício previamente constituído, quando em causa apenas está o seu reporte.

Por conseguinte, encontrando-se o RETGS consagrado na lei sem que se encontre prevista qualquer limitação geral à dedutibilidade de benefícios fiscais, este regime não pode ser alterado por qualquer outra via que não a legislativa (como sucedeu no DLRR e no CFEI), e muito menos por via regulamentar (i.e., por Circulares da AT), pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, o qual estabelece que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, sendo tal princípio da legalidade reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.

 

  1. De iure condendo

 

Mesmo admitindo, sem conceder, muito do raciocínio adoptado no Acórdão, não alcançaria, ainda assim, as mesmas conclusões ali vertidas, pois deparar-me-ia antes com a fundada dúvida acerca da existência de uma lacuna legal. Aliás, a não ser o sistema existente uma opção (evidenciado pelo menos pela contraposição RFAI e 32.º-A do EBF vs. DLRR, todos benefícios fiscais automáticos, de carácter misto e com função de verdadeiro incentivo fiscal, dando já por adquirida a menor comparabilidade com o CFEI), não será ele uma confissão de lacuna?

Isso mesmo parece resultar do ponto 13 da Informação Vinculativa n.º …, no Processo n.º 2010…, que mereceu despacho concordante do Director-Geral de 27/10/2010, assaz referido no processo, no qual se afirma, a propósito do RFAI 2009: “Embora o diploma seja omisso no caso especial do RETGS (…)”.

Ora, a possibilidade de integração de lacunas legais em matéria fiscal – admitindo que de lacunas e não de escolhas legislativas se trata ‑ apenas é admitida por uma doutrina muito minoritária (a este respeito veja-se, pioneiramente, José Luís Saldanha Sanches, “A segurança jurídica no Estado Social de Direito - conceitos indeterminados, analogia e retroactividade no Direito Tributário”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 140, Lisboa, 1985, e, mais recentemente, Xavier, Cecília, A proibição da aplicação analógica da lei fiscal no âmbito do Estado Social de Direito, Almedina, Coimbra, 2006).

Não obstante, esta possibilidade encontra-se, no meu quiçá ortodoxo entendimento, proibida pela CRP, tendo sido categoricamente vedada por lei, atento o disposto no artigo 11.º, n.º 4, da LGT, segundo o qual “as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica” - havendo, contudo, quem, como Cecília Xavier, considere esta última norma de constitucionalidade duvidosa, seja porque “compromete o princípio da segurança jurídica” (p. 194), seja porque (a par do artigo 9.º do EBF) “constituem um impedimento ao pleno desenvolvimento da actividade jurisprudencial, intrometendo o legislador na função do juiz, pondo assim em causa o princípio da separação dos poderes, seja porque tais normas afrontam a “autonomia crítica do pensamento jurídico” assegurada pela Constituição” (…) mas sobretudo porque as referidas normas violam o princípio da igualdade, ínsito na ideia de Estado de direito material, que constitui um princípio preceptivo e estruturante de toda a ordem jurídica hodierna” (p. 270).

Desta forma, a questão de fundo que ora se coloca ‑ mesmo que existisse uma verdadeira lacuna, o que sempre estaria por demonstrar ‑, apenas poderia ser resolvida por via legislativa, a menos que seja assumida a inconstitucionalidade do artigo 11.º, n.º 4, da LGT, ficando então o aplicador livre para integrar aquela.

De outro modo, a aceitar-se a constitucionalidade do artigo 11.º, n.º 4, da LGT, e que ele é apenas uma tradução infraconstitucional do princípio da legalidade, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, não podem os Tribunais ou a AT assumir as vestes de legislador, na busca de uma solução pretensamente mais justa ou equilibrada, violando o princípio constitucional da separação de poderes (artigo 2.º da CRP) ‑ erro em que, salvo o muito e devido respeito, incorre o Acórdão, na sua “interpretação integradora” do regime do artigo 32.º-A do EBF quando operando num contexto de RETGS.

 

 

 Lisboa, 15 de Julho de 2016

 

 

(Ricardo da Palma Borges)



[1] A despesa pública consiste no “gasto de dinheiro ou no emprego de dinheiro ou outros recursos pelos entes públicos na aquisição de bens ou serviços para a satisfação das necessidades públicas”, CATARINO, João Ricardo, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. X; idem, Franco, António Luciano de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, Almedina, Coimbra, 1999, p. 297 e segs; Ver também: CANNAC, Yves, Dépense privée, dépense publique, Revue Française de Finances Publiques – La dépense publique”, Paris, L.G.D.J., n.º 77, 2002, pp. 9-15; MONTEIRO, José Augusto, Manual de Classificação Orçamental das Despesas Públicas, Lisboa, Direcção Geral do Orçamento, Ministério das Finanças, 1999, p. 4; CAZORLA PRIETO, Luis María, Derecho Financiero y Tributario, Parte General, 3.ª ed., Navarra, Editorial Aranzadi, 2002, p. 84.

[2] Ver igualmente o n.º 4 do artigo 29.º do Código Fiscal do Investimento.

[3] Todos disponíveis para consulta em: http://www.dgsi.pt/.

[4] A este respeito, vejam-se os conceitos empregues pelo citado autor a propósito da dedutibilidade de prejuízos fiscais: “O presente artigo procede à análise conjunta e integrada desses mecanismos de transferência inter-temporal e inter-societária de prejuízos fiscais, para significar a relevância dos prejuízos fiscais, realizados por um sujeito passivo num dado período de tributação, na determinação da matéria colectável de outros sujeitos passivos ou noutros períodos” (cfr. do autor, “A portabilidade de prejuízos fiscais” in AAVV, Reestruturação de Empresas e Limites ao Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 115.