Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 663/2015-T
Data da decisão: 2016-05-25  IRC  
Valor do pedido: € 755.137,01
Tema: IRC – competência do tribunal arbitral; dedução fiscal de encargos financeiros; Circular n.º 7/2004 da DSIRC; artigo 32.º n.º 2 do EBF
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), (designado pelos outros Árbitros), Dr. Ricardo da Palma Borges e Prof. Doutor Manuel Pires, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-02-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A… – …, SGPS, S.A. pessoa colectiva n.º …, com sede na Av. …, n.º …, Lisboa, doravante designada por “A… SGPS” ou “Requerente”, sociedade dominante de grupo (o Grupo B…) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 e da reclamação graciosa que apresentou da mesma.

A Requerente pretende ver declarada a ilegalidade do acto de autoliquidação, na parte em que reflecte a não dedução fiscal de encargos financeiros, no montante de € 2.851.725,87, aos quais corresponde um montante de imposto autoliquidado no exercício de 2011 no valor de € 755.137,01.

A Requerente pretende ainda o reembolso da quantia de € 755.137,01, acrescida de juros indemnizatórios, desde 01-09-2012 até ao integral reembolso.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. Ricardo da Palma Borges, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-11-2015.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor Manuel Pires.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 18-01-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 02-02-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reembolso da quantia paga pela Requerente.

Por despacho de 07-03-2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Foi suscitada a questão prévia da incompetência parcial deste Tribunal Arbitral em razão da matéria, que é necessário apreciar antecipadamente.

 

2. Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reembolso da quantia paga

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, quando for consequência da anulação de actos de liquidação ou autoliquidação.

A fixação de juros indemnizatórios derivada da ilegalidade de acto de liquidação pressupõe a existência de uma quantia a reembolsar, pelo que tem de se concluir que se insere naquelas competências determinar o pagamento da quantia a reembolsar, que é pressuposto do direito a juros indemnizatórios.

No entanto, a existência desta competência para decidir o reembolso não implica que ele seja determinado sempre que for julgado procedente um pedido de pronúncia arbitral, pois nem sempre a procedência tem como consequência necessária o direito a reembolso e a juros indemnizatórios ([1]), podendo não vir a existir esse direito nos casos em que é viável a renovação do acto impugnado sem ofensa do julgado, possibilidade que está ínsita na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a qual está em sintonia com o artigo 100.º da LGT.

Por isso, sempre que os fundamentos da decisão de procedência não excluírem a possibilidade de prática de novo acto, não deverá no processo declarativo ser ordenado o reembolso.

Mas, esta eventual inviabilidade de decidir o reembolso da quantia paga não afasta a competência do Tribunal Arbitral para proferir decisão sobre essa matéria.

Assim, improcede a excepção de incompetência para apreciação do pedido de reembolso da quantia paga, como consequência de eventual anulação da autoliquidação.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    Em 30-05-2012, a Requerente entregou a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício fiscal de 2011, em que acresceu, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável/resultado fiscal, o montante de € 2.851.725,87 a título de “Encargos financeiros não dedutíveis (art.º 32.º, n.º 2, do EBF)” no campo 779 do quadro 07 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)Em 31-05-2012, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B…, entregou a decisão modelo 22 relativa ao exercício fiscal de 2011 e procedeu à autoliquidação de IRC, derrama estadual e derrama municipal (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)    Em 28-05-2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC (incluindo derrama estadual) e derrama municipal consequente respeitante ao exercício de 2011 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que referiu, além do mais, o seguinte;

6. Ora, o recurso à metodologia de apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º2 do artigo 32.º do EBF prevista na referida Circular resultou de uma correcção levada a cabo pela então Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT), pela primeira vez, no exercício de 2007, ano em que a Reclamante adoptou a forma jurídica de SGPS.

7. Pese embora a sua discordância quanto aos argumentos que suportavam a referida correcção e que assentavam, no essencial, na desconsideração de qualquer método de afectação directa dos encargos financeiros suportados pela A… SGPS em detrimento da metodologia prevista na Circular n.º 7/2004 da DSIRC, e tendo em consideração a estrutura accionista da Reclamante àquela data, a mesma acabou por, ainda assim, aceitar a correcção em causa e adoptar, nos exercícios seguintes, a mesma metodologia.

8. Com efeito, foi no estrito cumprimento do princípio da boa-fé que deve nortear as relações entre os contribuintes e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que a Reclamante acabou por aceitar as correcções promovidas pela AT, passando a promover ela própria aquele ajustamento nos exercícios seguintes.

9. Contudo, fruto de uma ponderação mais cuidada, a Reclamante compreende, agora, que a aplicação daquela Circular se revela totalmente inadequada à sua situação, razão pela qual entende ser de afastar liminarmente a sua aplicação.

10. Acresce que, na opinião da Reclamante, a imposição da aplicação da metodologia prevista na Circular n.º 7/2004 da DSIRC padece de vício de violação da lei, na medida em que, conforme a Reclamante procurará demonstrar, tal resultaria numa violação do princípio constitucional da tributação pelo lucro real.

11. De onde se conclui que o montante apurado pela Reclamante nos termos da referida Circular (€2.851.725,87) não deveria ter sido acrescido para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, pelo que se solicita o reembolso do IRC correspondente, num montante total de € 712.931,47, nos termos apresentados em seguida.

(...)

39. Ora, tendo concluído pela não obrigatoriedade de aplicação da metodologia prevista na Circular n.º 7/2004, a Reclamante pretende agora demonstrar que a mesma se apresenta até inadequada à sua situação concreta.

40. Ora, desde já, a Reclamante pretende referir que nenhum dos financiamentos por si obtidos foi contratualmente destinado à aquisição de participações sociais.

1. Com efeito, a Reclamante não obteve financiamento específico, através do recurso a capitais alheios, para a aquisição de participações sociais, sendo igualmente importante referir que apenas uma parcela das participações detidas pela Reclamante foi efectivamente adquirida, pelo que, no limite, apenas relativamente a essas participações poderia admitir-se a eventual aplicação da metodologia prevista na Circular n.º 7/2004.

42. A este respeito, importa relembrar que o montante de encargos financeiros que não foi considerado fiscalmente dedutível, no exercício de 2011, ascendeu a €2.851.725,87, repartido pelas diversas participações financeiras detidas pela Reclamante do seguinte modo:

43. Desde logo, a Reclamante gostaria de referir que o valor imputado à participação detida na C… (e que representa cerca de 49% do valor total dos encargos financeiros acrescidos) não deveria ter sido acrescido pelo simples facto de aquela sociedade ter resultado de um processo de cisão da Reclamante e, deste modo, não se encontrar, inequivocamente, associado à mesma qualquer financiamento.

44. Com efeito, não se poderá ignorar que o Grupo B… teve a sua origem no seio do Grupo O…, apenas se tendo autonomizado juridicamente daquele em Novembro de 2000 (6), no seguimento de uma das etapas do processo de reprivatização do Grupo O… e da liberalização do mercado energético europeu.(7)

45. Importa, pois, lembrar que a Reclamante foi constituída em 18 de Agosto de 1994, sob a designação social de P… - …, S.A., por imposição do Decreto-Lei …, na sequência de um processo de cisão da anterior Q… -…, S.A. (Q), tendo o seu capital social sido "realizado em espécie e pelos valores patrimoniais resultantes da avaliação prevista nesse mesmo" diploma.

46. Assim, em 2006, e no âmbito da reestruturação do sector energético, cujas linhas orientadoras foram estabelecidas através da Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2005, de … de Setembro (Documento n.º 6 em anexo), aquele que viria a ser o Grupo B… passou a integrar as infra-estruturas de transporte de electricidade e gás natural, através da aquisição de activos de gás natural detidos pelo Grupo R… e da celebração de um contrato de concessão com o Estado português por um período de 40 anos para o exercício de actividades reguladas no sector do gás, incluindo o seu transporte, armazenamento e recepção - processo de unbundling do negócio do gás natural.

47. Neste âmbito, e por forma a separar a actividade da electricidade da do gás natural, e conforme determinado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, de 30 de Junho (Documento n.º 7 em anexo), no final do exercício de 2006 a Reclamante constituiu a S… - …, S.A. (actual C…), tendo procedido à subscrição de capital em espécie através da transferência dos activos e passivos associados à concessão de exploração da rede de transporte de electricidade.)

48. Com efeito, e conforme dispunha o n.º 6 da referida Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2006, o capital social da C… foi realizado em espécie, mediante entrada de activos.

49. Do exposto decorre, inequivocamente, que não existe, nem poderia existir, qualquer financiamento associado à "aquisição" da participação da Reclamante na C….

50. Tanto mais que, conforme se viu, aquela sociedade resultou da realização de uma entrada em espécie de activos que eram por si detidos, os quais já haviam sido contribuídos para a sua esfera através da Q…, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 131/94, de 19 de Maio.

51. De onde resulta inequívoco que a detenção, pela Reclamante, da participação na C… não foi efectuada com recurso a qualquer financiamento, não sendo assim devido o acréscimo de quaisquer encargos associados a esta participação nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

52. No mesmo sentido, também as participações detidas pela Reclamante na D…, e na E…, cujos encargos acrescidos representam cerca de 40% do valor total de encargos acrescidos pela Reclamante no período de 2011, resultaram de uma operação de entrada dos activos afectos às concessões relacionadas com o negócio do gás, conforme resulta da referida Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2006, de … de Junho (que se junta em anexo como Documento n.º 7).

53. Com efeito, importa referir a este respeito que, na sequência da já referida Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2006, a actual Reclamante adquiriu à T… - …, S.A. (T) os (i) activos regulados que integravam a rede de transporte de gás natural e, (U) as instalações de armazenamento subterrâneo de gás natural.

54. Em Setembro de 2006, foram constituídas pela Reclamante a E… e a D…, tendo o capital social daquelas sociedades sido realizado através da entrada em espécie daqueles activos.

55. Ou seja, também no que se refere a estas participações será forçoso concluir que não houve qualquer financiamento associado à "aquisição" destas participações sociais, porquanto não existiu, sequer, qualquer aquisição de participações sociais.

59. Em face do exposto, importa relembrar que também o n.º 2 do artigo 32.º do EBF se refere, expressamente, a "encargos financeiros suportados com a sua aquisição". (sublinhado da Reclamante)

60. Neste sentido, e tendo-se verificado que as participações detidas pela Reclamante na C…, na E… e na D… resultaram de operações de entrada de capital em espécie, será forçoso concluir que não será devido o acréscimo de quaisquer encargos alegadamente suportados com a aquisição daquelas participações.

61. Assim, encontra-se devidamente demonstrado que, no que se refere ao montante total de € 2.522.834,86 (€ 1.385.946,44 + € 956.462,40 + € 180.425,52), o acréscimo considerado pela Reclamante, em resultado da aplicação da metodologia prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, não se mostra devido, pelo que se solicita, desde já, o reembolso de IRC excessivamente suportado no montante de € 712.931,47, bem como de derrama municipal excessiva no montante de € 42.205,54.

62. No que se refere à parcela remanescente dos encargos financeiros por si acrescidos (€ 328.891,50), a Reclamante considera, igualmente, que aquele acréscimo não é devido.

63. Isto porque, (i) conforme teve oportunidade de referir, nenhum dos financiamentos por si obtidos se destinou a financiar a aquisição daquelas participações, estando a Reclamante disponível para, no princípio da colaboração que deve nortear a sua relação com a AT, apresentar a informação que esta entenda necessária para o cabal esclarecimento desta matéria e, (II) segundo entende a Reclamante, o acréscimo daquele montante, mediante aplicação da metodologia prevista na Circular da DSIRC n.º 7/2007, padece de vício de ilegalidade da lei, sendo por isso inconstitucional.

(...)

72. Acresce que, na opinião da Reclamante, nada na formulação textual da lei (e menos ainda numa sua interpretação conforme à constituição, como se verá melhor infra) autoriza o uso de uma fórmula como esta para decidir, sem qualquer ponderação ou atenção à situação particular do contribuinte, os montantes dos encargos financeiros não dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável das SGPS.

73. Relembre-se que estes encargos, nos termos da letra do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, são simplesmente os "suportados com a aquisição das partes de capital".

74. Neste sentido, a Reclamante considera que, não tendo a lei acolhido qualquer fórmula, as suas disposições só podem ser interpretadas como consagrando o critério natural (à falta de desvio expresso consagrado em fórmula) da afectação real dos encargos financeiros, isto é, que seja considerado o método que reflecte efectivamente o apuramento dos encargos financeiros suportados por cada SGPS com a aquisição das partes de capital por si detidas.

75. Razão pela qual a Reclamante entende que a interpretação da DSIRC, baseada em fórmula "cega", seja ilegal, porquanto não tem qualquer aderência à letra da lei e, mais do que isso, é violadora da mesma, que manda atender aos "encargos suportados com a aquisição das partes de capital", desiderato que a fórmula em causa não assegura.

(...)

78. Em suma, a Reclamante considera que a fórmula administrativamente construída é um método que, se aplicado de modo "obrigatório", se desvia daquele que é o objectivo previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, originando com isso, inevitavelmente, e muitas vezes, resultados grosseiramente errados, pelo que devia prever a possibilidade de o contribuinte produzir prova em contrário e, a não ser assim, deverá ser considerado como violador do princípio da legalidade.

 

D)    No dia 22-09-2014, a Requerente foi notificada de decisão de arquivamento da reclamação graciosa, sem pronúncia sobre a pretensão que aí formulou (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)A Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de arquivamento da reclamação graciosa, que foi provido (processo administrativo 1);

F) Em 07-07-2015, a Requerente foi notificada de projecto de decisão da sua reclamação graciosa onde finalmente se apreciava o pedido aí constante (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)     No projecto de decisão referido na alínea anterior, manifestou-se concordância com a Informação n.º …-…/2015, que consta do mesmo documento n.º 4, em que se refere, além do mais, o seguinte:

§ II. DO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR

4. Constitui objeto desta nossa informação, nos termos requeridos, o pedido de anulação do referido ato tributário de "autoliquidação" de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, fundamentado na avaliação direta efetuada pela própria Contribuinte, aqui Reclamante, conforme declaração submetida nos termos dos art.ºs 117.º e seguintes do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

5. Para fundamentar o pedido de anulação sub juditio, a Contribuinte, ora Reclamante, alega, em suma, que o referido ato tributário, aqui em contenda, se encontra praticado sob vício material, de lei, conforme melhor argumentado na sua petição inicial constante dos autos, a qual, para os devidos efeitos, se dá aqui como integralmente reproduzida.

Pelo que,

6. Em seu entender, deve o mesmo ser anulado pela importância ora contestada, de acordo com o preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo, por sua vez conjugado com o determinado pelo art.º 100.º da Lei Geral Tributária.

7. Em consonância, foi proferido o competente Despacho no sentido de ser prestada a presente informação, ora em cumprimento.

§ III. DA ANÁLISE DO PEDIDO

8. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Contribuinte, ora Reclamante, e considerando que, nos autos, está em causa dirimir se o ato tributário a sindicar enferma ou não dos vícios de ilegalidade que lhe são apontados, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento. Isto pari pasu com o itinerário percorrido pela apresentante.

Dito isto,

§ lll.l. Da matéria coletável

§ III.I.I. Encargos financeiros com a aquisição de partes de capital

§ lll.l.I.I. Dos argumentos da Reclamante

9. Refere a Contribuinte, aqui reclamante, que, desde logo, por referência ao exercício de 2011, efectuou vários ajustamentos ao resultado líquido do período, entre os quais o acréscimo de montante relativo a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, não dedutíveis por força do previsto no n.º 2 do art.º 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (adiante EBF).

10. Continua afirmando que o montante em causa decorreu da metodologia prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de março da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante DSIRC), a qual, no essencial, prevê uma afectação pro-rata (proporcional) dos passivos remunerados aos ativos reflectidos no balanço de uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (adiante SGPS).

Porém,

11. Entende agora a Contribuinte, aqui Reclamante, que a metodologia referida se revela totalmente desadequada à realidade daquela, sendo, alegadamente, o método de afectação direta o mais adequado à sua situação.

Mais:

12. Invoca a inexistência de um carácter vinculativo para os contribuintes das orientações genéricas, conforme o disposto na alínea b) do 14 do art.º 68.º da Lei Geral Tributária, para além da violação do art.º 73.º do mesmo diploma e do art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da tributação do rendimento real e, juntamente, os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da neutralidade na aplicação da norma constante do art.º 32.º do EBF, através da imposição da adoção da fórmula prevista nos pontos 7. e 8. da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC.

13. Sustenta ainda a Contribuinte, ora Reclamante, que não pode ser criada uma metodologia de imputação dos encargos financeiros não dedutíveis ao abrigo do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, através de uma instrução administrativa, dada a sujeição das mesmas ao princípio da igualdade na sua vertente material, conforme decorre da alínea c) do n.º 2 do art.º 8.º da LGT.

Finalmente,

14. Refere a Contribuinte, ora Reclamante, que nunca teve lugar qualquer financiamento destinado à aquisição de participações sociais, salvaguardando-se, quanto muito, uma parcela das participações detidas, sendo que apenas relativamente a essas seria possível aplicar a mencionada instrução administrativa.

§ III.I.I.II. Da apreciação

15. Através da Circular 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, a Administração fiscal veio emanar instruções sobre o regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (adiante SGPS) e às sociedades de capital de risco (adiante SCR), mais precisamente no que se refere ao regime previsto no n.º 2 do art.º 31º do EBF, posteriormente renumerado art.º 32º do EBF. Em causa está colmatar uma questão de ordem prática relacionada com a distinção entre os encargos financeiros suportados com empréstimos obtidos para a aquisição de partes de capital dos encargos suportados com empréstimos obtidos para outros efeitos. Assim, através da presente circular pretende-se apresentar um método de determinação destes encargos financeiros, por forma a determinar os encargos a corrigir para efeitos fiscais, nos termos do nº 2 do art.º 32º do EBF, pelo que em nada viola nenhuma competência da Administração fiscal.

Na verdade,

16. O legislador procurou limitar a atividade das SGPS à gestão de participações sociais estáveis, evitando que estas servissem como meio de especulação mobiliária ou de evasão à tributação sobre as mais-valias. Deste modo, a Lei nº 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003), veio no seu art.º 38º introduzir uma mudança significativa ao regime fiscal aplicável à atividade que constitui o objeto típico das SGPS's por via da alteração que inseriu no art.º 31º (atual art.º 32º) do EBF. Este regime fiscal caracteriza-se pela não tributação dos rendimentos decorrentes da atividade de gestão de participações sociais, dividendos e mais/ menos-valias com a alienação de participações sociais, bem como, a não-aceitação como gasto fiscal dos encargos financeiros suportados com financiamentos obtidos para aquisição de partes de capital.

17. Tal encontra-se concretizado no n.º 2 do art.º 32º do EBF que estabelece que "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, (...) de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades'".

18. Este regime consubstancia-se na atribuição de um benefício que, contudo, foi compensado pela não concorrência, para efeitos de apuramento do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os ganhos com determinados ativos financeiros e os gastos associados ao passivo necessário à aquisição e manutenção desses ativos, ativos esses que no futuro geram no seu todo ganhos excluídos de tributação.

Assim,

19. Estabelece o art.º 32º a existência de uma ligação entre a aquisição e detenção de partes de capital ao longo de dado período mínimo e a relevância fiscal dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

20. Quanto ao método a considerar para a desconsideração como gasto dos encargos financeiros relacionados com a aquisição de partes de capital, no sentido de identificar as origens dos capitais aplicados nestas aquisições e, nomeadamente, os capitais alheios relacionados com aquelas aquisições, há que considerar que uma das características da moeda é a fungibilidade, o que impede a possibilidade de se determinar qual a aplicação específica dos capitais obtidos através de um determinado empréstimo.

Deste modo,

21. Assim, a solução mais adequada consiste em imputar os passivos remunerados das SGPS, em primeiro lugar aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente partes de capital, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

22. Nesse sentido a Administração Tributária, interpretando e aplicando a lei, fez divulgar a Circular nº 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, onde se sanciona o seguinte entendimento: quanto ao âmbito de aplicação temporal "é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data" conforme decorre, aliás, do n.º 5 do art.º 38º da Lei 32-B/2002, de 30.12, o qual estabelece que o novo regime previsto no art.º 31º do EBF (atual artigo 32º) é aplicável "às mais-valias e menos-valias realizadas nos períodos que se iniciem após 1 de janeiro de 2003."

Ora,

23. Nesses exercícios deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros: "Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no nº 2 do artigo 32º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores."

24. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros: "(...) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou especifica e á [sic] possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS, deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição."

25. Por fim, importa sublinhar que a referida Circular se limita a estabelecer a metodologia a observar no cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital para, por essa via, operacionalizar a aplicação do estatuído no nº 2 do art.º 32º do EBF.

Mais:

26. De acrescentar ainda que, nada na letra do nº 2 do art.º 32.º do EBF impede a aplicação do método indireto na referida afetação dos encargos financeiros. Sendo que este regime de tributação passou, pelo acima exposto, a ser aplicável independentemente da origem das participações sociais e independentemente da data da sua aquisição, excluindo-se para efeitos tributários, no exercício em que são suportados, os encargos financeiros inerentes a empréstimos contraídos para a aquisição de partes de capital cujas mais-valias e menos-valias realizadas sejam susceptíveis de enquadramento no regime.

Ademais:

27. No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05 de Setembro de 2012, no âmbito do processo n.º 0314/12, pode ler-se: "No nº 2 do art. 32º dos EBF, o legislador consagra a regra geral de que não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que haja detenção de acções ou participações sociais pela SGPS, por mais de um ano, não estabelecendo qualquer restrição consoante as partes sociais tenham resultado de aquisição derivada ou originária isto é, resultante da compra de acções de sociedades ou resultante de subscrição de novas acções.

Concluindo,

28. Tendo em vista concretizar o previsto no nº 2 do art.º 32º do EBF e de acordo com a metodologia consagrada pela Circular nº 7/2004, são excluídos, para efeitos de apuramento do lucro tributável, os encargos financeiros suportados com passivos destinados a financiar partes de capital social.

§ IV. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com todo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

 

H)    Em 31-07-2015, por intermédio do Ofício n.º …, de 30-07-2015, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido na sua reclamação graciosa, por despacho proferido na mesma data pela Senhora Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)  O despacho referido na alínea anterior manifesta concordância com uma informação dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira que consta do mesmo documento n.º 5, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

§ I. INTRODUÇÃO

1. A Contribuinte, ora Reclamante, sociedade constituída sob a forma comercial que usa a firma "A… - …, SGPS, SA", NIPC …, com domicílio fiscal em Av.…, n º …. …-… Lisboa, vem, nos termos previstos na alínea f) do n.º 1 do art.º 54.º da Lei Geral Tributária, conjugada com o disposto nos artºs 68.º e 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ambos ex vi do art.º 137.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, deduzir reclamação graciosa do ato tributário de "autoliquidação" de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2011.

2. Após apreciação dos argumentos invocados pela Contribuinte, aqui Reclamante, na sua petição inicial, foi, por parte desta Unidade dos Grandes Contribuintes, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º …-…/2015.

3. Através de ofício emanado por esta Unidade dos Grandes Contribuintes, a Contribuinte, ora Reclamante, foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60 º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo.

4. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nem a Contribuinte, aqui Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", nem esta Unidade dos Grandes Contribuintes, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.

Nestes termos,

5. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

§ II. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de decisão" e as peças processuais carreadas pela Contribuinte, aqui Reclamante, nomeadamente a petição inicial e o seu requerimento de direito de audição, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, parece-nos de indeferir o pedido inserta nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100.º da Lei Geral Tributária.

 

J) Em 30-03-2004, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, cuja cópia consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

 

K)    Em 23-10-2015, a Técnica Oficial de Contas da Requerente emitiu o documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, que o montante de € 2.851.725,87 relativo a encargos financeiros é imputável pelas diversas participações sociais detidas pela Requerente conforme o quadro que segue:

L)Em 29-10-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados

 

Não se formula juízo probatório sobre a forma de aquisição das participações sociais detidas pela A… SGPS e encargos financeiros por ela eventualmente suportados com a sua aquisição, pois tal matéria não foi apreciada na decisão da reclamação graciosa que é o objecto imediato do processo e cujo conteúdo limita os poderes de cognição do Tribunal em contencioso de anulação.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e nos que fazem parte do processo administrativo.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Fixação do objecto do pedido de pronúncia arbitral

 

A Requerente, nas suas alegações, suscita a questão a questão de a Autoridade Tributária e Aduaneira não poder no presente processo aditar novos fundamentos à decisão da reclamação graciosa que é impugnada.

Nos casos em que, na sequência de autoliquidação, foi proferida uma decisão expressa numa reclamação graciosa, é esta que fica a subsistir na ordem jurídica como acto que define a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o contribuinte.

Consequentemente, a questão que se coloca ao Tribunal Arbitral num processo contencioso de mera anulação em que foi proferida uma decisão de reclamação graciosa, a qual apreciou a legalidade de um acto de autoliquidação, é a de saber se os fundamentos invocados nessa decisão asseguram ou não tal legalidade.

Com efeito, como é jurisprudência assente, é irrelevante a fundamentação a posteriori.

Num contencioso de mera anulação, como é o que vigora no processo de impugnação judicial e nos processos arbitrais, que são sua alternativa (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apreciar se ela deveria ser indeferida por outras razões ([2]), embora a Administração Tributária não fique impedida de, em novo acto, poder invocar outros fundamentos.

Por isso, é à face da fundamentação da decisão reclamação graciosa que tem de ser apreciada a questão da sua legalidade e, indirectamente, a da autoliquidação, o que no caso em apreço se reconduz a saber se os fundamentos invocados naquela decisão justificam que a autoliquidação tivesse sido efectuado da forma que foi.

Assim, sendo a decisão da reclamação graciosa o acto que é objecto imediato do processo e delimita as questões de legalidade que devem ser apreciadas, importa, antes de mais, interpretá-lo, para precisar os pressupostos de facto e de direito em que assentou.

No caso em apreço, a Requerente defendeu na reclamação graciosa que as participações sociais que detinha na C…, na E… e na D… resultaram de operações de entrada de capital em espécie, pelo que não tinham sido adquiridas com base em qualquer financiamento, e que, quanto às restantes, «nenhum dos financiamentos por si obtidos se destinou a financiar a aquisição daquelas participações»; sustentou ainda ser ilegal a determinação do acréscimo com base no método previsto na Circular (pontos 60 a 63 da reclamação graciosa).

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa (através da remissão para o projecto de decisão) entendeu, no essencial, que o artigo 32.º estabelece «a existência de uma ligação entre a aquisição e detenção de partes de capital ao longo de dado período mínimo e a relevância fiscal dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição» e que, para «identificar as origens dos capitais aplicados nestas aquisições e, nomeadamente, os capitais alheios relacionados com aquelas aquisições, há que considerar que uma das características da moeda é a fungibilidade, o que impede a possibilidade de se determinar qual a aplicação específica dos capitais obtidos através de um determinado empréstimo», pelo que «a solução mais adequada consiste em imputar os passivos remunerados das SGPS, em primeiro lugar aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente partes de capital, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição», entendimento que foi adoptado na Circular referida (pontos 19 a 24 da decisão da reclamação graciosa).

A seguir, refere-se na decisão da reclamação graciosa que «a referida Circular se limita a estabelecer a metodologia a observar no cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital para, por essa via, operacionalizar a aplicação do estatuído no nº 2 do art.º 32º do EBF», que cuja letra não «impede a aplicação do método indireto na referida afetação dos encargos financeiros» e que «este regime de tributação passou, pelo acima exposto, a ser aplicável independentemente da origem das participações sociais e independentemente da data da sua aquisição, excluindo-se para efeitos tributários, no exercício em que são suportados, os encargos financeiros inerentes a empréstimos contraídos para a aquisição de partes de capital cujas mais-valias e menos-valias realizadas sejam susceptíveis de enquadramento no regime» (pontos 26 e 27 da decisão).

Por esta fundamentação, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não atribuiu qualquer relevância aos factos alegados pela ora Requerente relativos à falta de conexão entre as participações sociais que indicou e os encargos financeiros suportados no ano de 2011, e o ponto 26 explica bem a respectiva razão: «este regime de tributação passou (...) a ser aplicável independentemente da origem das participações sociais».

Aparentemente em contradição, no ponto 28 da decisão, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz que «tendo em vista concretizar o previsto no nº 2 do art.º 32º do EBF e de acordo com a metodologia consagrada pela Circular nº 7/2004, são excluídos, para efeitos de apuramento do lucro tributável, os encargos financeiros suportados com passivos destinados a financiar partes de capital social». À face desta afirmação, parece que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria entender que os encargos financeiros não «suportados com passivos destinados a financiar partes de capital social» relevariam para efeito do apuramento do lucro tributável, e, a ser assim, não será indiferente a origem das participações sociais, pois importará saber se as partes sociais foram ou não financiadas com passivos.

No entanto, é claro que na fundamentação não houve qualquer preocupação em apurar se era ou não verdadeira a afirmação da ora Requerente de que algumas participações sociais que indicou não tinham sido adquiridas com «passivos», o que só é explicável, em coerência, com base naquele entendimento que consta do ponto 26 de que «este regime de tributação passou (...) a ser aplicável independentemente da origem das participações sociais».

Assim, conclui-se que a fundamentação do indeferimento não é a falta de correspondência à realidade das afirmações da Requerente sobre a origem das participações sociais referida, nem sequer a dúvida sobre essa divergência, mas sim a irrelevância da «origem das participações sociais», pois, independentemente dela, «este regime de tributação passou (...) a ser aplicável».

Tanto é assim que, a Autoridade Tributária e Aduaneira até cita um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em que se refere, quanto à parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que se reporta às mais-valias e menos-valias realizadas, que não se estabelece «qualquer restrição consoante as partes sociais tenham resultado de aquisição derivada ou originária isto é, resultante da compra de acções de sociedades ou resultante de subscrição de novas acções». É duvidosa a pertinência da citação deste entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, pois ele reporta-se às mais-valias e menos valias realizadas, referidas na parte inicial do artigo 32.º, n.º 2, e não aos encargos financeiros, previstos na sua parte final. Mas, o próprio facto da citação ter sido efectuada, confirma que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, também relativamente aos encargos financeiros, é indiferente a sua origem, como afirmara no ponto 26.

Assim, interpretando a decisão da reclamação graciosa conclui-se que:

– nela entendeu-se que o regime de tributação previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF é «aplicável independentemente da origem das participações sociais», inclusivamente para os encargos previstos na sua parte final;

– não foi fundamento de indeferimento qualquer dúvida ou falta de prova sobre a origem das participações sociais referidas pela ora Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira formulou qualquer juízo sobre a correspondência ou não à realidade das afirmações da Requerente sobre esta matéria.

 

É, pois, à face desta fundamentação que há que apreciar a legalidade do acto impugnado, o que torna irrelevantes, para este efeito, a fundamentação a posteriori que consubstanciam as questões que a Autoridade Tributária e Aduaneira coloca no presente processo sobre a falta de prova da origem das participações sociais em causa.

 

4.2. Questão do regime aplicável aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais

 

4.2.1. Posições das Partes

 

A Requerente define a questão a apreciar como sendo a de «saber é legítima, no sentido de conforme à legalidade, a imposição pela AT de um critério de afectação proporcional e nocional, por oposição a um critério de afectação directo (ou específico) e real, para efeitos de aplicação da indedutibilidade de certos encargos financeiros, os relativos à aquisição de certas partes de capital, prevista no (em 2011) n.º 2 do artigo 32.º do EBF».

Entende a Requerente, em suma, que o critério previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, só será admissível se for conforme ao que se dispõe no artigo 32.º, n.º 2, do EBF e que, no caso, «a prescrição que se contém na disposição transcrita é clara: são só os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, e entre estes só os suportados com a aquisição de partes de capital detidas durante pelo menos um ano, aqueles cuja dedução fiscal é afastada».

A Requerente defende que a referida Circular e o entendimento adoptado na decisão da reclamação graciosa são ilegais.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente à questão da exclusão de encargos financeiros do âmbito de aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF (abstraindo da questão das dúvidas ou falta de prova da origem das participações que, pelo que se disse, consubstancia fundamentação a posteriori irrelevante para a decisão da causa), defende, em suma, o seguinte:

– aos encargos suportados com financiamentos obtidos para a aquisição partes sociais sempre estará vedada a dedutibilidade fiscal, devendo proceder-se ao seu acréscimo para efeitos de apuramento do lucro tributável;

– uma eventual ilegalidade das disposições da Circular n.º 7/2004 nunca poderia constituir fundamento para a violação expressa e assumida do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, traduzida no não acréscimo ao resultado líquido do exercício dos encargos financeiros imputáveis a partes de capital;

– o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, ao determinar que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, não estabeleceu o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais;

– a Circular n.º 7/2004, em respeito pela ratio legis implementada com a alteração legislativa ocorrida ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF, mais não pretende que dar cumprimento à lei, determinando o método e a forma de cálculo dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição de partes sociais, resolvendo as ambiguidades suscitadas;

– a afectação pro rata prevista no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, método indirecto de afectação, era portanto tão legítima e tão compatível com a ratio legis da norma como qualquer outro método – sendo que, em contrapartida, não pode sustentar-se que os objectivos daquela norma (de qualquer norma) pudessem ser alcançados na ausência pura e simples de qualquer método;

– a referida Circular não alterou nem desvirtuou a estatuição legal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, limitando-se, outrossim, no âmbito do seu enquadramento legal, a promover a uniformização da interpretação e da aplicação da norma tributária em causa – artigo 68.º-A da LGT;

– a Circular tem na sua origem razões de praticabilidade e exequibilidade de um normativo legal e o dever que o n.º 3 do art.º 59.º da LGT impõe à AT de divulgar orientações genéricas sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias e promover a segurança jurídica e contribui para a realização efectiva das finalidades extrafiscais acima enunciadas (e que presidiram à própria criação do regime especial das SGPS) e tem a virtualidade, não menos importante, de obstar a que os contribuintes utilizem o normativo em causa para prosseguirem fins completamente alheios aos fins visados na lei e que subvertem a justiça de todo o sistema fiscal;

– não procedeu a Requerida à criação de qualquer norma de incidência fiscal, limitando-se o entendimento vertido na Circular n.º 7/2004, de 30/03, a tentar esclarecer as emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, previsto no art.º 32.º do EBF, pelo que, será igualmente de desconsiderar uma pretensa violação do princípio da tributação pelo lucro real invocada pela Requerente, a qual seria resultante da aplicação do método de imputação de encargos financeiros constante da Circular n.º 7/2004, de 30/03;

– a interpretação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, como propugnada pela Requerente, não só é manifestamente ilegal, como inconstitucional, pois «mal se compreende que, na formulação dos parâmetros delimitadores deste benefício fiscal, o legislador tivesse a intenção de obstaculizar a adoção do método indireto para a determinação dos encargos financeiros não dedutíveis, pois, se o fizesse, estaria, na prática, a circunscrever a aplicação da última parte do n.º 2 do art.º 32.º do EBF às SGPS que atuassem como holdings puras», privilegiando as holdings mistas, pois, «é nestas sociedades onde a coexistência de atividades acessórias com a atividade principal cria maior probabilidade de os recursos financiamentos obtidos de terceiros serem aplicados não só na aquisição de partes sociais como igualmente noutros ativos», «assegurando-lhes assim um “duplo” benefício traduzido na exclusão de tributação das mais valias relativas às partes de capital e na dedução integral dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição», violando o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, por discriminação negativa das holdings puras;

– «o n.º 2 do artigo 32.º do EBF assenta numa “lógica de balanceamento, equilíbrio e neutralidade”, porquanto resulta num tratamento coerente dado aos gastos financeiros e aos rendimentos típicos de uma SGPS (dividendos e mais-valias), dada a correlação ou matching estabelecida entre ganhos e custos»;

– «uma SGPS que desenvolva atividades não abrangidas pelo regime especial previsto no n.º 2 do artigo 32.º, do EBF, por força da conjugação deste preceito com a alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC, está vinculada ao cumprimento do dever de separação ou autonomização das atividades sujeitas a regimes fiscais diferenciados», «que, no contexto do regime fiscal especial da SGPS, implica a identificação dos encargos financeiros direta ou indiretamente relacionados com a aquisição das partes de capital visados pela exclusão de dedução para efeitos de proceder, sendo caso disso, ao respetivo acréscimo ao lucro tributável»;

– «a eventual ilegalidade das disposições da Circular n.º 7/2004 nunca poderia constituir fundamento para a violação expressa e assumida do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, traduzida no não acréscimo ao resultado líquido do exercício dos encargos financeiros imputáveis a partes de capital»;

– «afigura-se inconstitucional o artigo 32.º, n.º 2 do EBF quando interpretado no sentido de que, sendo inaplicável a Circular n.º 7/2004 (com base na qual o sujeito passivo apurou os respetivos encargos financeiros não dedutíveis do exercício), todos e quaisquer encargos financeiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais são dedutíveis, independentemente de prova promovida por aquele sujeito passivo para o efeito, porquanto tal é violador do princípio da capacidade contributiva, ínsitos no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa».

 

4.2.2. Apreciação da questão

 

A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, alterou o artigo 31.º, n.º 2, dando-lhe a seguinte redacção:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

Posteriormente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em que, além do mais, se refere o seguinte:

 

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

Aplicando o método previsto na referida Circular, a Requerente, na declaração modelo 22 relativa ao ano de 2011, indicou como não dedutíveis nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF encargos financeiros que suportou, não por eles terem sido efectivamente suportados com a aquisição de participações sociais, mas apenas porque, como se determina naquela Circular, deve afectar-se «aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição» o remanescente dos passivos remunerados, depois da afectação aos empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros.

Foi a questão da ilegalidade da aplicação da Circular a esta situação que a Requerente colocou à Autoridade Tributária e Aduaneira na sua reclamação graciosa.

A tese da Autoridade Tributária e Aduaneira, adoptada na decisão da reclamação graciosa, reconduz-se a ser de aplicar o método previsto nesta Circular, ficcionando que parte dos encargos financeiros suportados no ano de 2011 se destinaram a financiar a aquisição de participações sociais, independentemente de estas terem ou não sido adquiridas com uso de meios que implicaram o pagamento de encargos financeiros, no ano em causa.

Na verdade, no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não pôs em dúvida sequer, na decisão da reclamação graciosa, que as participações sociais referidas pela ora Requerente não tivessem sido adquiridas das formas que esta indicou, limitando-se a aplicar o método indicado na referida Circular, por entender que «este regime de tributação passou (...) a ser aplicável independentemente da origem das participações sociais».

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2011, estabelece que «as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».

Neste n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que é manifesto que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, então no artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava esse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2011 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma. 

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ([3]) anuncia-se a introdução desta norma, tendo em vista o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por outro lado, com se vê por esta explicação do alcance desta parte final do n.º 2, trata-se de uma medida legislativa autónoma em relação à parte em que se estabelece que as mais-valias e as menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável, pois é óbvio que o não concurso de mais-valias não alarga a base tributável, antes a diminui e, por isso, não vale aquela razão de ser.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros o facto de a SGPS ser titular de participações sociais, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros, elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estão directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por outro lado, mesmo que se entendesse (como estará subjacente ao ponto 7 da Circular n.º 7/2004, mas também sem apoio no texto da lei) que aquele artigo 32.º, n.º 2, tem ínsita uma presunção de que há associação entre encargos financeiros e a aquisição de participações sociais, essa hipotética presunção sempre admitiria prova em contrário, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, que se reporta a normas de incidência em sentido lato, que abrange todas as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria tributável ou colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ([4])

            Por isso, uma conclusão no sentido da indedutibilidade dos encargos financeiros referidos pela Requerente na reclamação graciosa só poderia ser alcançada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da apreciação da prova apresentada pela ora Requerente, relativa à forma como foram adquiridas as participações sociais que indicou.

            Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».

Este princípio da legalidade é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.

É, assim, claro que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efectiva oneração para os contribuintes. ([5])

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004 consubstancia uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC, criando situações de indedutibilidade de encargos financeiros não previstas na lei (aquelas em que não haja relação entre encargos desse tipo e a aquisição de participações sociais), pelo que é inválida por violação do princípio da legalidade.

Por isso, no caso em apreço, para concluir que os encargos financeiros referidos pela Requerente na declaração modelo 22 não deveriam ser deduzidos ao lucro tributável por força da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar que esses encargos foram suportados com a aquisição das participações sociais referidas pela Requerente.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que esta interpretação viola o princípio da igualdade e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva, assenta num pressuposto errado, pois a afectação de financiamentos à aquisição de partes de capital, quando ocorre, é necessariamente directa.

A «afectação indirecta» criada pela Autoridade Tributária e Aduaneira através da Circular n.º 7/2004 é uma mera ficção, baseada em presunções cujo fundamento não é nela explicado, para levar a concluir que houve uma afectação (necessariamente directa) de financiamentos à aquisição de participações sem se apurar se ela ocorreu ou não e em que medida.

Ora, como é óbvio, aos contribuintes em relação aos quais não se provou que afectaram financiamentos à aquisição de partes de capital não pode ser dado o tratamento jurídico que é dado àqueles em que se provou tal afectação, para efeito do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois a afectação é o pressuposto necessário da sua estatuição.

De resto, nem se vislumbra como tal regime, exigindo a comprovação da conexão de determinados encargos financeiros com a aquisição de determinadas participações sociais, discrimine positivamente as holdings mistas em relação às holdings puras, pois ele é aplicável a sociedades SGPS de todos os tipos e a alegada «maior probabilidade de os recursos financiamentos obtidos de terceiros serem aplicados não só na aquisição de partes sociais como igualmente noutros ativos», a ocorrer, não tem qualquer relevância para este efeito: seja qual for o tipo de holding, se suporta encargos com a aquisição de participações sociais não os pode deduzir; seja qual for o tipo de holding, se tem outros encargos financeiros relacionados com outros activos ou actividades pode deduzi-los; se uma holding, de qualquer tipo, não tem encargos financeiros, então não os pode deduzir, pois nenhuma pode deduzir o que não teve; não constitui discriminação positiva, decerto, uma sociedade de qualquer tipo que suportou mais encargos financeiros que outra poder deduzir mais encargos que esta, pois há uma diferença entre ambas que justifica a diferente dedutibilidade.

No que concerne à alegada inconstitucionalidade do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, por violação do princípio da capacidade contributiva, enunciado no artigo 104.º da CRP, quando interpretado no sentido de que, sendo inaplicável a Circular n.º 7/2004, todos e quaisquer encargos financeiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais são dedutíveis, independentemente de prova promovida por aquele sujeito passivo para o efeito, nem se percebe a pertinência da sua colocação no caso em apreço, pois a interpretação aqui adoptada é precisamente a contrária: o artigo 32.º, n.º 2, do EBF permite às SGPS provar que os encargos financeiros que suportou não estão relacionados com a aquisição de participações sociais e são esses que são dedutíveis; a interpretação daquela norma adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base na Circular n.º 7/2004, ao impedir essa prova, se fosse a prevista na lei, é que poderia gerar dificuldade da sua compatibilização aquele princípio constitucional, além de outros.

Conclui-se, assim, que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por não ter observado o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e ter infringido o princípio da legalidade, nas vertentes formal (artigos 103.º, n.º 2, da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT) e procedimental (artigos 55.º da LGT e 266.º, n.º 2, da CRP).

Por isso, procede o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

 

5. Pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedidos de reembolso da quantia de € 755.137,01 e de juros indemnizatórios, desde 01-09-2012 até integral reembolso.

Como fundamento do pedido invoca o artigo 43.º da LGT que estabelece o seguinte:

 

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a situação da Requerente se enquadra na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo 43.º em que se estabelece que são devidos juros indemnizatórios «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Esta norma reporta-se à revisão do acto tributário prevista no artigo 78.º da LGT e, no caso em apreço, não foi apresentado um pedido aí enquadrável, mas sim uma reclamação graciosa, prevista nos artigos 67.º e seguintes e 131.º do CPPT.

Por isso, é à face dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT que há que apreciar o direito a juros indemnizatórios.

No caso em apreço, conclui-se que há erro de direito na decisão da reclamação graciosa directamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira e erro de direito na autoliquidação que também se lhe considera imputável por força do disposto no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente tenha actuado em sintonia com a orientação genérica que consta do n.º 7 da Circular n.º 7/2004.

No entanto, constata-se que não foi apreciado na decisão da reclamação graciosa e, consequentemente também no presente processo que a tem por objecto imediato, se os encargos financeiros indicados pela Requerente na declaração modelo 22 como abrangidos pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF foram determinados em conexão com as participações sociais que a Requerente indicou na reclamação, nem foi apurado se todas elas foram adquiridas das formas que aí se referem.

Assim, não é de excluir a possibilidade de prática de novo acto compatível com o presente acórdão, no âmbito dos poderes/deveres que são atribuídos à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, pelo que não há fundamento para se decidir neste processo se há ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios, sem prejuízo dos eventuais direitos que possam ser reconhecidos em execução de julgado.

 

6. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)    Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa;

b)    Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC, derrama estadual e derrama municipal consequente do grupo fiscal B… relativa ao exercício de 2011, na parte em que se reporta ao montante inscrito no campo 779 do quadro 7 da declaração modelo 22 individual apresentada pela Requerente;

c)    Anular a referida decisão da reclamação graciosa e a autoliquidação na parte respectiva em que é declarada a sua ilegalidade.

d)   Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira destes pedidos, sem prejuízo dos direitos que possam ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 755.137,01.

 

Lisboa, 25-05-2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Ricardo da Palma Borges)

 

 

 

 

(Manuel Pires)

(com a declaração de voto em anexo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei não concordando com o reconhecimento da competência do Tribunal relativa ao eventual reembolso do imposto, atento o disposto na lei (cfr. acórdão arbitral no processo n.º 244/2013-T). Votei ainda e sem desconsideração do tipo de processo em causa, entendendo ser necessário o aprofundamento da análise da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC (cfr. acórdão arbitral no processo 258/2015-T), da problemática por ela suscitada, tendo em atenção designadamente o aspecto quantitativo ou valorativo do pressuposto objectivo da tributação e das vias para a sua determinação, bem como das consequências derivadas desse aprofundamento, incluindo a invocação de princípios constitucionais. Atento o carácter interpretativo e guia de aplicação do artigo 32.º n.º 2 do EBF, por parte da circular, contribuindo para a segurança derivada da uniformização – artigo omisso quanto ao método aplicável na determinação nos encargos nele referidos -, é necessária a correcta interpretação da disposição em causa, atendendo-se à sua ratio essendi (evitar duplo desagravamento e até esquemas mais ou menos apurados de evitar o imposto), recorrendo-se, se necessário, à interpretação extensiva – hoje aceite, com o afastamento de orientações ultrapassadas como a interpretação meramente literal, mesmo no domínio dos elementos essenciais do imposto -, trabalho interpretativo que conduz ao afastamento da exclusividade da afectação directa ou específica. Também importa analisar o cumprimento do ónus da prova, ónus que não poderá ou poderia ser subestimado ou invertido, mesmo que se chegue ou se chegasse à conclusão de a referida circular ser contra legem, não devendo ser dada a possibilidade de se entender como provado algo, mesmo que seja difícil a prova, com a invocação sic et simpliciter de não existir conexão de financiamentos com as aquisições, posto que se ofereça a disponibilidade da informação que se deseje e mesmo na sequência de algo que eventualmente se tenha provado. Ainda se torna necessário o aprofundamento da fundamentação da Requerida, visto não ser procedente a constatação da irrelevância da exigência da origem das aquisições, atento nomeadamente o que imediatamente se lhe segue na referida fundamentação.

 

25.05.2016

(Manuel Pires)



[1]              Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 05-05-1999, processo n.º 05557A, publicado em Boletim do Ministério da Justiça n.º 487, página 181;

- 17-11-2004, processo n.º 0772/04;

- de 27-06-2007, processo n.º 080/07;

- de 01-10-2008 processo n.º 0244/08;

- de 29-10-2008, processo n.º 0622/08;

- de 21-01-2009, processo n.º 0945/08;

- de 04-02-2009, processo n.º 0766/08;

- de 25-6-2009, processo n.º 0346/09;

- de 09-09-2009, processo n.º 0369/09.

[2]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

–    de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;

–    de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289;

–    de 09/10/2002, processo n.º 600/02;

–   de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

–    MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;

–    MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

[4]                     SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.

                Em sentido idêntico, pode ver-se NUNO SA GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.

                Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-11-2009, processo n.º 0553/09, em que se entendeu que «a regra estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária vale não apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também em relação a outras normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação), pois que o advérbio "sempre" aí utilizado inculca a ideia de tratar-se de um princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva

[5]              Neste sentido, defendendo que deve distinguir-se, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, «entre normas que constituem uma efectiva oneração do contribuinte – sujeitas a reserva de lei – e deveres de cooperação de menor monta que daquela podem ser dispensados (tudo resultando do grau de sacrifício que implicarem e da legitimidade da sua exigência em termos de proporcionalidade) e normas organizatórias da cobrança e liquidação, que não faz sentido sujeitar ao princípio da legalidade», pode ver-se SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, páginas 121-122).