Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 471/2014-T
Data da decisão: 2015-05-05  Selo  
Valor do pedido: € 8.819,96
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS – Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 471/2014-T

Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Propriedade Vertical

 

O tribunal arbitral em funcionamento com árbitro singular constituído em 07-10-2014 no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa nos termos do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro[1], para o qual foi designado pelo respetivo Conselho Deontológico, o árbitro da lista do Centro, Nuno Maldonado Sousa, elabora seguidamente a sua decisão arbitral.

 

  1. Relatório
    1. Constituição do tribunal arbitral

A…, residente na … em …, portador do Cartão do Cidadão n.º …, válido até …, contribuinte fiscal n.º …, apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira[2].

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 10-07-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-07-2014.

Nos termos do disposto nas normas do artigo 6.º, n.º 1e do artigo 11.º, nº1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 22-09-2014. Em conformidade a regra constante do artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 07-10-2014.

  1. O pedido do Requerente

No seu Requerimento Inicial, clarificado através de articulado de aperfeiçoamento que apresentou correspondendo a convite do Tribunal Arbitral, a Requerente peticionou:

  1. A declaração da ilegalidade e a consequente anulação das seguintes liquidações de Imposto do Selo de 2012, do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de … (extinta), concelho de …, pelo artigo …:
    1. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 610,58 €, com pagamento em Novembro/2013;
    2. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 898,50 €, com pagamento em Novembro/2013;
    3. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 458,25 €, com pagamento em Novembro/2013;
    4. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 651,68 €, com pagamento em Novembro/2013;
    5. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 692,85 €, com pagamento em Novembro/2013;
    6. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 939,68 €, com pagamento em Novembro/2013;
    7. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 651,68 €, com pagamento em Novembro/2013;
    8. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 692,85 €, com pagamento em Novembro/2013;
    9. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 939,68 €, com pagamento em Novembro/2013;
    10. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 651,68 €, com pagamento em Novembro/2013;
    11. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 692,85 €, com pagamento em Novembro/2013;
    12. Liquidação com o n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, relativa ao artigo …, no valor de 939,68 €, com pagamento em Novembro/2013.
  2. A restituição do imposto liquidado e pago no montante global de 8.819,96 €.

A Requerente fundamenta o seu pedido na circunstância de o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões ou andares suscetíveis de utilização independente ser, em cada uma delas, inferior a 1.000.000,00 € e não ser lícito efetuar a sua adição para determinar a respetiva sujeição a imposto.

  1. A posição da AT

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu sustentando a legalidade da liquidação e defendeu a improcedência do pedido e da sua fundamentação, entendendo que que o valor patrimonial tributário do prédio urbano, para efeitos determinação do limite inferior da incidência da verba 28-1 da TGIS[3], resulta da soma dos valores patrimoniais das suas partes suscetíveis de utilização independente (em especial em 25º da sua resposta). Considera assim que a verba 28.1 da TGIS é aplicável aos prédios em que coexistam partes suscetíveis de utilização independente, cuja adição dos valores patrimoniais dessas partes com afetação habitacional resulte num valor igual ou superior a € 1.000.000,00. Conclui defendendo a sua absolvição do pedido.

  1. Instrução do processo e alegações

Em 15-01-2015 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

A AT e a Requerente não requereram a produção de qualquer prova para além da documental que consta dos autos.

A Requerente e a AT acordaram na forma escrita para as alegações, que apresentaram, reiterando as posições assumidas nos articulados.

  1. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e tem competência em razão da matéria segundo dispõem as regras do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As Partes são titulares de personalidade e capacidade judiciárias (sendo a da AT nos termos da disciplina constante do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), são legítimas e estão regularmente representadas.

Não há nulidades que inquinem o processo.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa pelo que se impõe decidir.

 

  1. Decisão
    1. Matéria de facto
      1. Factos que se consideram provados

Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:

  1. A Requerente é o titular na proporção de ¾ do prédio urbano, sito na …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … (anteriormente artigo …)[2º RA[4]e PA[5], pp. 32-40].
  2. O prédio referido em A) não se encontrava constituído em propriedade horizontal e era composto de cave, r/c, 3 andares e logradouro, tinha 13 andares ou divisões com utilização independente e o valor patrimonial total de 1.224.890,00 € [4º RA e PA, pp. 32-40].
  3. As 12 divisões ou andares com afetação “habitação” eram as seguintes e tinham os valores patrimoniais indicados [6º e 7ª RA e PA, pp. 32-40]:

 

Divisão ou andar

Valor patrimonial

R/c - D

81.410,00 €

R/c - E

119.800,00 €

R/c - F

61.100,00 €

1º - D

86.890,00 €

1º - E

92.380,00 €

1º - F

125.290,00 €

2º - D

86.890,00 €

2º - E

92.380,00 €

2º - F

125.290,00 €

3º - D

86.890,00 €

3º - E

92.380,00 €

3º - F

125.290,00 €

 

  1. A Requerente foi notificada das seguintes 12 liquidações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2012, referente à verba 28.1 da TGIS, datadas de 17-04-2013, para pagamento no mês de Novembro de 2013, relativamente às divisões ou andares do prédio identificado em A) [1º e 8º RA e PA, pp. 8-31]:

Identificação do documento

Divisão ou andar

Valor patrimonial

Valor a pagar

2013 …

R/c - D

               81.410,00 €

610,58 €

2013 …

R/c - E

             119.800,00 €

898,50 €

2013 …

R/c - F

               61.100,00 €

458,25 €

2013 …

1º - D

               86.890,00 €

651,68 €

2013 …

1º - E

               92.380,00 €

692,85 €

2013 …

1º - F

             125.290,00 €

939,68 €

2013 …

2º - D

               86.890,00 €

651,68 €

2013 …

2º - E

               92.380,00 €

692,85 €

2013 …

2º - F

             125.290,00 €

939,68 €

2013 …

3º - D

               86.890,00 €

651,68 €

2013 …

3º - E

               92.380,00 €

692,85 €

2013 …

3º - F

             125.290,00 €

939,68 €

 

  1. No dia 27-11-2013 a Requerente efetuou o pagamento das 12 liquidações do imposto do selo identificadas em D), totalizando a quantia de 8.819,96 € [docs. 1 a 12 juntos ao RA].
  1. Factos que se consideram não provados

Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa.

 

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do Tribunal assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados, devidamente identificada.

  1. Matéria de direito

Nos autos suscitam-se as seguintes questões, que se resolverão de seguida, na medida do necessário, segundo um critério de precedência lógica:

  • A questão de fundo consiste em saber se para determinação do limite inferior da incidência da verba 28-1 da TGIS na versão que foi vigente até 31-12-2013, resultante da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, o apuramento do VPT[6] de prédio não submetido ao regime da propriedade horizontal e composto por divisões ou andares suscetíveis de utilização independente, resulta da soma dos valores patrimoniais dessas partes com afetação habitacional ou se a sujeição a imposto deve ser aferida por cada divisão ou andar suscetível da referida utilização independente.
  • Em caso de resposta afirmativa à questão anterior há que determinar se procede o pedido de reembolso do imposto pago.
  1. Questão de fundo: a verba 28.1 TGIS

A questão de fundo a apreciar nos autos consiste em saber de que forma se deve encontrar o VPT para aplicação das normas conjugadas do artigo 1º-1 CIS[7] e da verba 28.1 TGIS, na versão que foi vigente até 31-12-2013, resultante da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

A Requerente defende a sua posição com recurso ao regime subsidiário do CIMI[8] que considera que acolhe no seu artigo 2º-4 o conceito de prédio urbano habitacional e que neste tanto cabem as frações autónomas dos prédios constituídos em propriedade horizontal como as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente. Em consequência, a sujeição à verba 28.1 TGIS há de ser verificada face ao VPT da fração, da divisão ou do andar suscetível de utilização independente. Considera que em consonância a norma do artigo 12º-3 CIMI obriga a discriminar o respetivo VPT. Recorre ao princípio interpretativo ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus e ao elemento teleológico, designadamente à ratio legis, que diz ter sido a intenção de “tributar a riqueza exteriorizada pela propriedade (…) de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional”, considerando que refletem essa realidade os que têm valor superior a 1.000.000,00 €. Aponta também o elemento histórico-interpretativo que se retira da discussão na Assembleia da República onde a proposta de lei foi justificada com a referência á intenção de “fazer incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

 

A AT sustenta que as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente não são em si prédios (de modo diverso do que se entende a propósito das frações autónomas dos edifícios em propriedade horizontal) e que por isso a tributação “resulta[m] da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos”, designadamente o valor patrimonial tributário do prédio urbano que  “resulta necessariamente da soma dos valores patrimoniais dos andares suscetíveis de utilização independente”, nos termos da regra do artigo 7º-2-b) do CIMI, do seu valor ser superior a 1.000.000,00 € e de ter afetação habitacional.

Veja-se agora qual a solução para o diferendo.

A Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro introduziu alteração na regra do artigo 1º do CIS no sentido de esta norma passar a contemplar também “situações jurídicas” para além de “atos, contratos, documentos, títulos papéis e outros factos” previstos na TGIS. Por outro lado, a mesma alteração legislativa aditou à TGIS a verba 28, em que prevê a tributação da titularidade do direito de propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a 1.000.000,00 €, incidindo o imposto sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI. O imposto é calculado à taxa de 1 % quando o prédio em causa tenha afetação habitacional e à taxa de 7,5% se se tratar de pessoa coletiva residente em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável.

O CIS não dá diretamente resposta à generalidade das questões interpretativas que a verba 28 da TGIS levanta e por isso o legislador avisadamente elegeu desde logo o regime do CIMI para disciplinar as matérias não reguladas (67º-2 CIS). É natural que assim seja pois é justamente no CIMI que estão consagrados os conceitos básicos que o direito fiscal utiliza para a tributação do património, como se alcança do próprio 1º - 6 CIS e do 1º - 2 CIMT.

O direito fiscal não adotou integralmente a conceptualização civilística de prédio, adaptando-a às necessidades deste ramo do direito. Para a tributação do patrimónioprédio é afinal qualquer fração de território, incluindo as águas, plantações e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa e tenha valor económico (2º CIMI). Por sua vez os prédios podem ser rústicos ou urbanos.

São prédios rústicos os terrenos situados fora dos aglomerados urbanos que não sejam terrenos para construção, destinados ou destináveis a atividades agrícolas, incluindo as construções diretamente afetas a essa atividade, suas águas e plantações (3º CIMI).

Já os prédios urbanos, que são todos os outros, dividem-se em várias espécies, designadamente (i) prédios habitacionais; (ii) prédios comerciais, industriais ou para serviços; (iii) terrenos para construção; e (iv) outros (6º-1 CIMI). A especificação dos prédios urbanos é feita de acordo com o seu fim, ou porque esteja licenciado para o efeito em causa ou porque seja esse o fim a que é normalmente destinado (6º-3). Por sua vez cabem na qualificação de terrenos para construção (i) aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; (ii) os que tenham sido declarados como tal no título de aquisição (6º-3 CIMI).

Por seu turno são classificados como outros prédios urbanos (i) os terrenos dentro dos limites dos aglomerados urbanos em que as entidades competentes ou os instrumentos de ordenamento do território vedem o loteamento ou a construção (ii) os terrenos dentro de um aglomerado urbano que não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos e não estejam afetos a utilização geradora de rendimentos agrícolas; (iii)os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins diversos dos fins habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços (6º-4 CIMI).

É ainda admitida a classificação de prédio misto, quando o mesmo prédio disponha de parte rústica e parte urbana e nenhuma delas possa ser classificada como principal relativamente à outra (5º-1 e 2 CIMI).

Crê-se que as construções concetuais do CIMI devem ser entendidas como estruturantes da tributação do património, por várias razões. Primeiramente porque as próprias normas das leis fiscais desta área da tributação se expressam nesse sentido, designadamente o 1º - 6 CIS e o 1º - 2 CIMT. Em segundo lugar porque o CIMI é um verdadeiro código na sua aceção jurídica, i.e., contém o regime nuclear das regras relativas a determinada matéria; contém a disciplina fundamental, tratando-a de forma sistemática e científica[9]. Em terceiro lugar, as normas do CIMI em causa foram elaboradas no âmbito da reforma da tributação do património, ponderadas no complexo normativo em que se integram e têm como função “consagrar os contornos precisos da realidade a tributar” (preâmbulo do CIMI).

Todo o sistema de organização da propriedade imobiliária plasmado no CIMI tem assim como finalidade a caracterização rigorosa do património imobiliário que é objeto de tributação e utiliza para isso um critério de múltiplas dimensões – a perspetiva económica. É a perspetiva económica que permite afirmar que só são prédios as frações de território suscetíveis de constituírem o património de pessoas e que tenham valor económico (2º CIMI); é a característica de terem autonomia económicaque permite que o conceito de prédio abranja as águas, plantações, edifícios e construções (2º CIMI); é a utilização geradora de rendimentos agrícolas que permite qualificar os prédios como rústicos (3º-1-a CIMI); crê-se ser a mesma ótica de individualidade económica, muito mais do que jurídica, que manda tratar como um prédio cada fração autónoma dos edifícios em propriedade horizontal (2º-4 CIMI), embora para o direito civil seja apenas uma unidade independente de um prédio urbano (1.414º do código Civil); parecem ser também razões de índole económica que levam a que cada parte de prédio suscetível de utilização independente seja considerada separadamente na inscrição matricial, de forma a permitir a discriminação do respetivo valor patrimonial tributário (12º-3 CIMI).

A preocupação da individualização seguindo critérios de cariz económico entende-se bem; pretende-se caracterizar cada coisa de acordo com a sua aptidão e tributá-la em conformidade. Para isso há a preocupação permanente de fazer registar o valor de cada parte que possa ser objeto de utilização diferenciada (v.g. 12º-3 CIMI). A preocupação da descrição e registo individualizados das partes autónomas tem afinal o propósito de fazer a tributação também individualizada, por cada parte do património imobiliário; é justamente essa individualização que consagra a norma do artigo 119º-1 CIMI, ao impor não só a discriminação dos prédios mas também a das suas partes suscetíveis de utilização independente e do respetivo valor patrimonial tributário. Para o CIMI é pois o valor das partes suscetíveis de utilização independente que serve de base de incidência ao imposto e não qualquer outro valor que com base nele se calcule por operação aritmética.

Sendo este o critério usado para o cálculo do Imposto Municipal sobre Imóveis e sendo o CIMI de aplicação subsidiária ao CIS (67º-2 daLei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro), não se vê razão para não seguir a sua orientação. Veja-se a que conduz.

A norma de incidência – 28-1 TGIS – apenas determina a aplicação do imposto aos prédios com afetação habitacional com VPT igual ou superior a 1.000.000,00 €. Duas orientações se poderiam explorar:

  1. Considerar que o limite de 1.000.000,00 € se refere a cada parte do prédio que seja fiscalmente relevante, por ter dignidade tributária própria;
  2. Obter um VPT correspondente à afetação habitacional, através das operações aritméticas necessárias a expurgar o VPT total das divisões autonomizáveis com diferente afetação.

Em tese qualquer das soluções parece possível mas há que reconhecer que o engenho da segunda orientação não tem qualquer suporte legal e mais não faz do que ficcionar um VPT corrigido que a lei não consagra e que parece até estar fora do seu espírito.

Com efeito e como se viu, a tributação do património é marcada pela caracterização rigorosa das realidades a tributar. Ora esse rigor não é conciliável com raciocínios e operações aritméticas que não têm claro suporte legal.

Os elementos teleológico e histórico da interpretação conduzem também no mesmo sentido. Por ocasião da discussão da lei na Assembleia da República ficou claro que se pretendia tributar os prédios de elevado valor e que o imposto incidiria sobre as casas de valor igual ou superior a 1.000.000,00 €[10]. Ora a grandeza do valor de uma casa é um juízo que se afere relativamente a cada andar e não relativamente a um edifício, que pode ser constituído por múltiplas pequenas divisões, eventualmente com VPT totalizando um quantitativo vultuoso mas sem que com isso se possa afirmar que estejamos perante “casas de elevado valor”. Um edifício com duas casas de 1.000.000,00 € cada uma, terá casas de elevado valor; um outro com 100 frações de 100.000,00 € cada uma não merecerá a legenda de ter casas de elevado valor.

A jurisprudência dominante tem consagrado soluções no sentido apontado, podendo ver-se a revisão feita nesta matéria pela recente Decisão do Tribunal Arbitral Singular constituído no CAAD de 29-01-2015, no processo 313/2014-T [Jaime carvalho Esteves][11].

Parece assim que a melhor interpretação da norma constante da verba 28.1 da TGIS impõe que cada parte do prédio que seja fiscalmente relevante, por ser suscetível de utilização autónoma, só seja objeto de tributação se o seu VPT for igual ou superior a 1.000.000,00 €.

Veja-se agora em que medida é este entendimento aplicável à factualidade trazida pelo Requerente.

Assentou-se que as liquidações incidiram sobre 12 divisões ou andares com afetação “habitação”, qualquer delas com VPT inferior a 1.000.000,00 €.Da matéria de direito exposta resulta claramente que essas divisões ou andares não podem ser base de incidência do imposto por o seu VPT se situar abaixo do limiar de tributação.

Há assim que concluir pela ilegalidade da liquidação e pela procedência do pedido da Requerente, nesta parte.

  1. Reembolso da quantia paga

A Requerente peticiona também que a AT lhe reembolse o valor do imposto pago, relativo às liquidações impugnadas.

Nos termos da norma do artigo 100º da LGT[12] “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”. Parece claro que assiste ao contribuinte o direito a serem-lhe restituídas as importâncias que tenha pago, relativas a liquidações feridas de ilegalidade, de modo a que o seu património seja reconstituído no quantitativo que tinha no momento antecedente a esse pagamento.

Importa contudo avaliar se este Tribunal Arbitral goza de competência para lhe reconhecer esse direito ou para condenar a AT nesse sentido. Para isso importa ter presente que (i) com o RJAT se pretendeu reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos (preâmbulo do decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro); (ii) o caráter imperativo das decisões arbitrais para a AT tem a extensão dos exatos termos dessas mesmas decisões (24º-1 RJAT); (iii) a obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência do pedido (que pode ser total ou parcial) (100º LGT).

O primeiro elemento interpretativo citado impede que se conceba qualquer sistema que obstaculize ou dificulte que a decisão arbitral atinja o seu objetivo, que é a definição do direito no caso concreto. A tutela dos direitos dos sujeitos passivos não se basta com menos, i.e., da decisão devem resultar todas as consequências necessárias para que se obtenha a legalidade. Não se pode conceber que declarada a ilegalidade do ato tributário o sujeito passivo tenha ainda que recorrer a outra instância para ver declarado o seu direito à reconstituição da situação.

Por outro lado, o segundo elemento leva a considerar que sendo as decisões arbitrais imperativas para a AT nos seus exatos termos (24º-1 RJAT), isso significa que estas devem conter todos os elementos necessários a que a AT possa com toda a exatidão, repor a legalidade e para isso é indispensável que decisão contenha os precisos limites e termos em que julga.

O terceiro elemento ilustra afinal esta necessidade de exatidão ou precisão da decisão. Ao afirmar que a obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência, a lei (100º LGT) cria um nexo de dependência entre a decisão e a obrigação de reconstituição. A reconstituição é feita na medida em que a pretensão seja julgada procedente. Não há reconstituição sem procedência e a medida da precedência define a medida da reconstituição. A necessidade desta precisão é claríssima nos casos de procedência parcial. Quando ocorra a procedência parcelar como deve comportar-se a AT? A resposta só pode ser uma – nos exatos termos e limites em que foi proferida a decisão, quer seja judicial ou arbitral.

Do exposto resulta que a decisão sobre a reconstituição deve ser tomada pelo tribunal arbitral quando lhe for pedida a apreciação da questão.

Nestes autos ficou assente que a Requerente efetuou o pagamento das 12 liquidações do Imposto do Selo relativo ao ano de 2012 no valor total de 8.819,96 €.

A Requerente tem direito à reconstituição plena da situação que existiria se não tivessem sido feitas as liquidações, pelo que deve ser reembolsada do valor que pagou. 

 

  1. Decisão

Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos,o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral:

  1. Declarando a ilegalidade das doze liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2012,relativas ao prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de … (extinta), concelho de …, pelo artigo …, anulando em consequência estas liquidações;
  2. Condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso à Requerente do valor total de 8.819,96 €, correspondente ao somatório das doze liquidações que satisfez.

 

  1. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306º- 2, do CPC, ex-vi 29º-1-e) RJAT e 97º-A, n.º 1-a) do CPPT ex-vi 3º-2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de  8.819,96 €.

 

  1. Custas

As custas ficam a cargo da parte que a elas tiver dado causa, entendendo-se que lhes dá causa a parte vencida (527º-1 e 2 CPC). Nestes autos e considerando a citada regra, a responsabilidade pelas custas é da AT, enquanto parte vencida.

Nos termos do artigo 22º-4 RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 5 de maio de 2015

 

O árbitro,

 

Nuno Maldonado Sousa



[1] Nesta decisão designado pela forma abreviada de uso comum “RJAT" (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

[2] Nesta decisão designada pela forma abreviada “AT” como é de uso generalizado.

[3]Nesta peça utiliza-se o acrónimo TGIS para designar a tabela Geral do Imposto do Selo.

[4]Nesta peça utiliza-se o acrónimo “RA” para designar o requerimento (de aperfeiçoamento) apresentado pela Requerente em 19-01-2015.

[5] Nesta peça utiliza-se o acrónimo “PA” para designar o processo administrativo junto pela AT a estes autos.

[6]Nesta peça utiliza-se o acrónimo “VPT” para designar o valor patrimonial tributário.

[7]Nesta peça utiliza-se o acrónimo CIS para designar o Código do Imposto do Selo.

[8]Nesta peça utiliza-se o acrónimo CIMI para designar o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

[9] Cfr. José de Oliveira Ascensão – O Direito – Introdução e Teoria Geral. 3ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp.282-283.

[10]Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9/XII -2, 11 de Outubro, p. 32.

[11] Acessível em http://www.caad.org.pt/

[12]Nesta peça utiliza-se o acrónimo LGT para designar a Lei Geral Tributária.