Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 731/2014-T
Data da decisão: 2015-07-09  IRC  
Valor do pedido: € 531,96
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos; Criação líquida de emprego
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PROCESSO N.º 731/2014-T

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A, S. A., contribuinte n.º …, notificada que foi da liquidação adicional de IRC n.º ... (com a compensação ...), do ano de 2009, apresentou em 21/10/2014, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade de tal acto de liquidação, no montante total de € 531,96.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 05/12/2014 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 24/12/2014 ficou constituído o tribunal.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 08/01/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

1.5.Em 10/02/2015 a Requerida apresentou a sua resposta.

1.6.O tribunal, no dia 26/05/2015 ordenou a notificação das partes para dizerem se pretendiam a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, uma vez que não foi invocada matéria de excepção pela Requerida que obste ao conhecimento imediato do pedido de pronúncia.

1.7.A Requerente em 27/05/2015 apresentou requerimento, no qual advoga que nada tem a opor quanto à dispensa de realização da sobredita reunião. No mesmo sentido, também a Requerida em 29/05/2014 veio aos autos declarar que não pretendia a realização da referida reunião.

1.8.O tribunal em 29/05/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT. Como também, concedeu prazo às partes para, querendo, apresentarem alegações finais.

1.9.A Requerida apresentou as suas alegações finais escritas no dia 08/06/2015.

1.10.        Por despacho de 23/06/2015 e com a fundamentação nele aposta o tribunal prorrogou o prazo para proferir a decisão arbitral por um período de 2 meses e agendou para o dia 09/06/2014 a prolação de tal decisão.

2.      SANEAMENTO

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

3. POSIÇÕES DAS PARTES

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da Requerida na sua resposta.

Sintetizando, a Requerente entende que:

a)      «A Requerente não concordou nem poderia de qualquer forma conformar-se com o teor do supra mencionado projeto de relatório pelo que exerceu, nos termos dos artigos 60.º, n.º 1 al. e) da Lei Geral Tributária(LGT) e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) o respectivo direito de audição…»;

 

b)      «Cumpre notar nesta sede que, em sede de direito de audição, a ora requerente não contestou, por considerar ter-se tratado  de um lapso seu, as correcções propostas ao Benefício Fiscal – Criação líquida de emprego, no montante de € 832,56 e a não aceitação do custo do imobilizado corpóreo transferido para custos especializados, no montante de € 12 166,26.»;

 

c)      «Não obstante, por não se coadunar com a legislação e o normativo legal vigente, requereu aa A junto da AT, atento o demonstrado mérito subjacente dos argumentos apresentados em sede de direito de audição, a anulação das demais correcções propostas no projecto de relatório de inspecção tributária…»;

 

d)      «As correcções em apreço determinaram a emissão da nota de liquidação n.º 2014 ... – doc. 4.(compensação n.º ... – doc. 4-A), cujo valor a pagar ascende a € 531,96, terminando o prazo para proceder ao respectivo pagamento em 23 de Julho de 2014.»;

 

e)      Relativamente à não aceitação do custo inerente ao desenvolvimento do projeto de implementação de sofware ... advoga que: «Não pode deixar a requerente de manifestar, neste sede, a sua estupefação com a argumentação aduzida pela AT, em sede de projeto de relatório de inspecção e os aduzidos agora em sede de relatório final de inspecção para justificar a correcção ao lucro tributável, no montante de € 50 956,07, relativa à não aceitação dos custos suportados pela A com o desenvolvimento do projecto de implementação de software (...), a qual não se compreende, nem se pode em boa justiça, aceitar.»;

 

f)        «Assim, veio a AT, por referência ao ponto em análise corrigir o lucro tributável da requerente por considerar que, uma vez que o projecto de implementação do software não foi implementado, este não teria, alegadamente, cabimento legal nos termos do art. 23.º do CIRC.»;

 

g)      «A AT foi ainda mais longe, na resposta ao exercício de direito de audição patente no projecto final de inspecção quando afirma que os serviços de inspecção se limitaram a efectuar uma “dedução lógica”, pois a implementação de software de gestão de inventários não chegou a ser concluída, logo o benefício que resultaria da sua utilização, ou que seria expectável, não se verificou, porque o software não chegou a ser implementado, logo não pode o custo ser aceite para efeitos fiscais.»;

 

h)      «Deveria ser do conhecimento da AT, conforme é comummente aceite na Jurisprudência e na Doutrina portuguesa, que a interpretação do art. 23.º não deverá ser feita no sentido de aceitar fiscalmente apenas os custos que efetivamente realizaram proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, como pretendeu a AT fazer crer.»;

 

i)        «Na realidade, um custo para poder ser fiscalmente relevante, tem de poder ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as circunstâncias normais do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do ato à finalidade de maximização dos lucros, o que se verificou no caso em apreço.»;

 

j)        «Ao contrário do que pretende a AT insinuar, nem todos os investimentos realizados pelas empresas no desenvolvimento de novos produtos, optimização de linhas de produção ou qualquer investigação tendente a melhorar e maximizar os lucros surtem efeitos e resultam em proveitos efetivos para as empresas ou chegam mesmo a ser implementados.»;

 

k)      «De facto, não raras vezes os investimentos promovidos pelas empresas não atingem o efeito pretendido, caso contrário tanto o tecido empresarial português como a economia nacional seriam bem mais fulgurantes e encontrar-se-iam em melhor estado do que aquele que presentemente exibem, sem prejuízo de outros considerandos igualmente relevantes.»;

 

l)        «Será até em certa medida atentatório da lógica empresarial e do investimento (e aliás bastante ingénuo) pensar-se sequer na possibilidade de que todos os investimentos efectuados em melhorias (no caso em apreço de software) venham efectivamente a traduzir-se em aperfeiçoamentos ou vejam sequer a possibilidade de vir a ser implementados.»;

 

m)    «Obviamente, a lógica do investimento será sempre essa, e não teria a requerente investido no desenvolvimento do software se não achasse que este viria, numa primeira fase ser implementado, e que a posteriori traria eficiências passíveis de gerar o incremento dos proveitos ….»

 

n)      «Considerar que um custo não pode ser fiscalmente aceite porquanto não gerou proveitos, é no mínimo redutor e atentatório daquilo que é a Doutrina e a Jurisprudência portuguesa e do fim último das empresas, o lucro, ao que acresce não caber à AT o papel de sindicar a bondade dos actos de gestão ou estratégia empreendida pelas empresas!»;

 

o)      «Neste sentido, claramente não assiste à AT qualquer razão quando considera que a requerente “não usufruiu de qualquer benefício resultante da utilização desse software porque o mesmo não foi implementado no processo produtivo dos bens da actividade da 4.ª gama”, constituindo o desenvolvimento do projeto mencionado uma questão de gestão e estratégia interna da empresa, sendo um custo com efectiva ligação à atividade da Requerente e dentro do seu escopo social, à qual a AT é alheia, pelo que não pode imiscuir-se esta naquela que deverá ser uma decisão dos órgãos de gestão das empresas, fazendo juízos subjectivos da bondade da gestão empreendida.»:

 

p)      «Com efeito, o facto de o mercado da 4ª  gama (ao qual seria afeto o software em apreço) ter sofrido uma quebra consideravelmente acentuada, situação que não poderia em termos razoáveis ser antecipada pela A, e o facto de a continuação do projeto em análise poder traduzir-se num prejuízo superior ao proveito que viria a gerar, e como tal diminuir ainda mais os lucros tributáveis que a AT acusa a requerente de subverter, resultaram na decisão de não implementação do software e da movimentação do reconhecimento do mesmo enquanto activo (imobilizado em curso) para custos especializados.»;

 

q)        A AT sustenta que a correcção foi efectuada porque o custo não poderia gerar proveitos : «…pois a implementação do software não foi concluída por decisão do sujeito passivo.»;

 

r)       «Ora, esta afirmação não só não corresponde à verdade, como é falaciosa, já que apenas aquando da constatação do decréscimo do volume de negócios associado à 4.ª gama se optou pela não implementação do software em causa, sendo que até esse momento as despesas inerentes a tal projeto tinham potencialidade para serem potenciadoras de proveitos.»;

 

s)       «Caso assim não fosse qual seria o racional económico subjacente à contratação do desenvolvimento de tal projecto se, a priori, a requerente não tivesse a expectativa de que o mesmo viesse a traduzir-se num incremento de eficiência e como tal passível de aumentar os proveitos?!»;

 

t)        «Importa notar ainda que a AT refere que não foi a entidade contratada para o desenvolvimento de tal software  - ... – que decidiu a não implementação do mesmo em Portugal, mas o Grupo  pelo que “as despesas...não respeitaram a um estudo sobre se esse  software devia ser implementado, ou não, na A Portugal.»;

 

u)      «De facto, as despesas respeitam a um projecto de software e não a um juízo de bondade sobre as respectiva implementação em Portugal, já que a ... foi contratada pelo Grupo para desenvolver o projecto de software não lhe cabendo qualquer decisão sobre a respectiva adequação à realidade da A Portugal.»;

 

v)      «Mas o que a requerente não compreende é qual o relevo de tal argumento no âmbito da desconsideração de tais encargos como “imobilizado em curso” para “custo especializado”, sendo a respectiva motivação a constatação, pela A, de que o projecto em curso não traria os benefícios esperados pelo que não deveria ser implementado em virtude da perspetivada descontinuação da 4.ª gama.»;

 

w)    «Em face do exposto, deverão os argumentos invocados pela AT improceder…»;

 

x)      No que tange à não aceitação do custo debitado com fonte no contrato de Master Service Agreement refere que como a AT: «… não conseguiu, através dos documentos disponibilizados pela requerente confirmar o valor suportado a título de group expenses, aquele deve pura e simplesmente ser desconsiderado e como tal não aceite, não procedendo a um ajustamento ao lucro tributável no montante de € 20 181,86.»;

 

y)      «A requerente concorda com a AT quanto a esta nota, e bem, que aquela sempre se mostrou disponível para esclarecer todas as dúvidas e colaborar, no espírito de boa-fé e do princípio da cooperação com a AT no processo de inspecção.»;

 

z)       «Cumpre notar quer apenas após notificação por parte dos Serviços do relatório final de inspecção a requerente constatou que por lapso lhes forneceu ficheiro excel com a estimativa para o ano de 2009 (…) e não o ficheiro final comprovativo da importância de € 1 901 575,67 debitada por outra entidade do Grupo B (doravante B) à C (a qual concorre para o valor global debitado no âmbito do Master Services Agreement e redebitado à requerente na proporção a seguir melhor explicitada)…»;

 

aa)  «A requerente pretende ainda, no espírito de colaboração porque sempre pautou a sua atuação juntar como doc. 6(..)cópia de ficheiro composto por 12 páginas excel que decompõem, por mês, os valores conducentes ao apuramento de um valor de € 1 901 6606,68 (Total amount reporting) e de € 1 901 575,67 (total amount invoice) que a AT alegadamente não terá conseguido apurar…»;

 

bb)  «Importará, antes de mais, explicitar os termos do contrato “Master Services Agreement” ao abrigo do qual tais serviços foram debitados.»;

 

cc)   «Nos termos do “Master Services Agreement 2007”, a holding do Grupo A, C, compromete-se a fornecer serviços relacionados com a gestão, marketing, apoio financeiro e apoio técnico, de entre outros, às suas participadas, categoria na qual se inclui a requerente.»;

 

dd)  «O preço dos serviços prestados pela C às suas participadas corresponderá ao custo suportado por aquela para poder fornecer tal serviço, acrescido de uma margem calculada sobre o valor dos custos suportados.»;

 

ee)   «O critério de imputação por entre as várias entidades do Grupo é proporcional à sua margem bruta nas vendas orçamentadas e o respetivo EBITDA, correspondendo, no ano de 2009, à Requerente, 1,06% do valor total de “Group Expenses.»;

 

ff)      «Função do tipo de serviço a prestar, a C recorre ao seu próprio staff ou socorre-se de terceiros para a prestação do serviço em causa, conforme sucede, por exemplo, quando a C contrata serviços à B.»;

 

gg)  «A B desempenhou, até ao final de 2009, o papel de entidade responsável pela realização das prestações de serviços (e.g. apoio financeiro, legal e fiscal, recursos humanos, informático) à globalidade do Grupo A, operando como um centro de serviços partilhado.»;

 

hh)  «Enquanto tal, a B repercutia nas beneficiárias os custos incorridos na realização dos serviços prestados.»;

 

ii)      «Por referência a 2009, a C facturou à requerente a importância de € 133 771 a título de “Group Expenses”, valor que corresponde a 1,06% da importância global de € 12 604 172,64.»;

 

jj)      «O montante de € 12 604 172,64 engloba a importância de € 5 849 931, 47, a qual corresponde a despesas imputadas a título de “General Expenses” à C pela B, a qual se decompõe conforme se segue: a) Fees – Other € 3 948 355,80 (respeitante ao pessoal assalariado e a consultores externos); b) Services – ICO € 1 901 575, 67 (respeitante a despesas gerais, que não se encontrem afectos a projectos ou entidades específicas, mas utilizados por todas as entidades do Grupo e respeitantes a despesas correntes).»;

 

kk)   «A AT veio questionar o valor acima referido respeitante a Services – ICO, referindo não ter sido possível comprovar o modo de apuramento do mesmo, sem que demonstre, de forma cabal, a motivação das dúvidas suscitadas.»;

 

ll)      «Reitera a Requerente, antes de mais, que o valor de € 1 950 967,47 corresponde a um valor estimado para o período de 2009, conforme resulta da folha de trabalho junta ao Relatório de Inspecção como anexo 9 (“budget”),sendo o valor final respeitante ao exercício de 2009, de € 1901 575,67, conforme resulta dos documentos 5 e 6 previamente juntos.»;

 

mm)                     «Nesse sentido, não pode a Requerente aceitar que a AT venha questionar o apuramento da importância referida e colocar em causa a aceitação do custo respeitante à respectiva imputação proporcional à A Portugal.»;

 

nn)  «Cumpre notar que a Requerente informou a AT que tal compreendia nomeadamente a despesas com serviços informáticos, mas não só, o que corresponde à verdade, conforme se pode comprovar através dos documentos juntos, sem prejuízo de conter despesas de outra natureza relacionadas com os serviços gerais e operacionais de coordenação e administração prestados pela B

 

oo)  «A AT veio ainda questionar se os custos debitados directamente à requerente por parte da B estariam incluídos também na contabilidade da holding do Grupo – C – especificamente na rubrica respeitante a custos de IT.»;

 

pp)  «Refira-se que neste considerando, que a B pode prestar serviços esporádicos e/ou específicos afetos a um beneficiário concreto, situação em que os mesmos são cobrados diretamente ao respectivo destinatário, sendo o que sucedeu nesta situação em concreto por referência às importâncias de € 29 660,00 e € 11 143,00, faturadas diretamente pela B à Requerente.»;

 

qq)  «Acresce que, as Demonstrações Financeiras da requerente relativas ao período de tributação ora em discussão foram devidamente auditadas não tendo relativamente às mesmas sido suscitados quaisquer ênfases ou reservas.»;

 

rr)    «Nesse sentido, volta a requerente a salientar que é inadmissível aceitar a insinuação de que os custos constantes da contabilidade da requerente poderão encontrar-se duplicados.»;

 

ss)    «A este respeito, importa ainda notar que é à AT que está onerada com o ónus da prova de demonstrar que tal custo estaria duplicado ou que já teria sido anteriormente considerado, o que não logrou fazer.»;

 

tt)      «Ainda assim, entende a requerente que a documentação agora junta será bastante no sentido de comprovar cabalmente o modo de apuramento do valor de € 1 901 575,67 e sanar as alegadas dúvidas geradas e as quais se encontram agora devidamente fundamentadas, possibilitando a definitiva comprovação de parte do valor registado como custo e sujeito a correcção por parte da AT, importância calculada no montante de € 20 181,86.»;

 

uu)  «Assim, em face do exposto e dos elementos agora fornecidos, também neste considerando não é possível acolher a posição sustentada pela AT, pelo que deve igualmente ser desconsiderada a correcção efectuada nesta sede.»;

 

vv)   Refere que o ato em crise padece do vício de falta de fundamentação, uma vez que, «…a AT, no caso em concreto, não aduziu qualquer argumento substancial ou razão sustentada para justificar as correcções efetuadas, o que desde logo constitui vício de obscura e incompleta fundamentação, rectius, ausência da mesma, o que expressamente se invoca.»;

 

ww)                      «Da análise à alegada fundamentação remetida, resulta que a mesma não satisfaz os preceitos exigidos pelas leis tributárias, maxime no art. 77.º da LGT, no sentido em que não permite à requerente compreender a razão que fundamenta o ato tributário, nem a quantificação do mesmo.»;

 

xx)   «A fundamentação é errónea já que, conforme de se vem demonstrando, inexiste motivação passível de motivar as correcções notificadas à ora requerente.»;

 

yy)   «A requerente não compreende, nem pode compreender, o motivo pelo qual lhe é notificado o ato de liquidação em apreço, que determina imposto a pagar no montante de € 531,96.»;

 

 

zz)    No tange à caducidade do direito à liquidação de IRC afirma: «… a requerente foi notificada, no dia 14 de Novembro de 2013, da instauração do procedimento de inspecção tributária externo (...) de âmbito parcial em sede de IRC, o qual se iniciou no dia 20 de Novembro de 2013.»;

 

aaa)                     «Nos termos do art. 36.º do RCPIT, o procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, o que aconteceu no caso em apreço dado ter sido a Requerente notificada no dia 14 de Novembro de 2013, coincidindo o final do prazo de caducidade com o dia 31 de Dezembro de 2013.»;

 

bbb)                     «Ora muito estranha a requerente que numa fase posterior (a 6 de Fevereiro de 2014) venha a AT a alterar o âmbito do procedimento de inspecção tributária externo de parcial para geral.»;

 

 

ccc)                      «Como tal, considera a requerente que houve erro de aplicação de lei, na medida em que já se havia verificado o prazo de caducidade da liquidação, apenas suspenso no âmbito da inspecção de carácter parcial, aquando da notificação da extensão do âmbito de parcial para geral, sendo causa de anulabilidade do ato a alteração promovida.»;

 

ddd)                     «Assim, a AT veio, já após o prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos, estender e alterar o procedimento de inspecção tributária pelo que as presentes correcções se encontram inquinadas, devendo ser como tal anuladas, o que desde já se invoca…»;

 

eee)                      «…assiste à requerente não só o direito ao reembolso da quantia já paga, bem como ainda ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos melhor previstos no disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, o que se requer».

 

Doutro modo, advoga a Requerida que:

a)      «A AT desde já impugna as razões de facto e de direito articuladas pela Requerente no seu petitório, por considerar que as correcções ora impugnadas resultam de uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos e do cabal cumprimento das regras procedimentais aplicáveis.»;

 

b)      A propósito do projecto de implementação de software «...»: «Os SIT nunca emitiram qualquer opinião sobre a bondade ou não de implementar aquele ou outro software.»;

 

c)      «Ou emitiram qualquer opinião sobre a decisão de terminar ou não com a actividade da 4.ª gama.»;

 

d)      «Os SIT procederam, sim, a uma análise dos elementos contabilísticos fornecidos pela própria Requerente, com a finalidade de verificarem se os registos contabilísticos e o apuramento do lucro tributável declarado cumpriam com o disposto na lei fiscal, em concreto com o disposto no CIRC.»;

 

e)      «Apesar de criticada pela ora Requerente a verdade é que a conclusão do raciocínio vertido no relatório inspectivo é uma dedução lógica, mas é apenas a conclusão de algo que foi devidamente explicado o fundamentado…»;

 

f)        «Que está relacionado com o facto destes custos não gerarem proveitos, mas não é de todo correcto afirmar pura e simplesmente que a AT desconsiderou o custo de € 50 956,07 relativamente ao software ..., porque este não gerou proveitos.»;

 

g)      «Na actuação da AT não é posta em causa se aquela ou outra opção de gestão é, ou não, correcta, está sim em causa o facto de estarmos perante um custo que potencialmente nunca poderia vir a gerar proveitos.»;

 

h)      «Isto porque, com o fim da 4.ª gama (em Portugal), a ora Requerente não teria o sector para o qual se propunha a aplicação do projecto (software).»;

 

i)        «Ou seja, dito por outras palavras, não se encontrava em condições de cumprir com o objectivo de optimizar a gestão de recursos e contribuir para um melhor resultado na performance da actividade da 4.ª gama
(através da gestão de inventários dos produtos utilizados no processo produtivo).»;

 

j)        «Diga-se ainda que o que se verifica no caso concreto é que não existe relação causal, isto é, relação entre a despesa e vantagens ou futuras vantagens para a ora Requerente, mas sim, eventualmente, apenas para as outras empresas do grupo que ainda mantivessem a 4ª gama.»;

 

k)      «Ademais, a verdade é que o software não chegou à fase de estar afecto à exploração da actividade produtiva, logo, para além da inexistência de relação causal entre o custo e os proveitos, não é possível aferir se, caso o software tivesse sido efectivamente concretizado e implementado teria contribuído para a obtenção de proveitos diferentes dos efectivamente ocorridos.»;

 

l)        «É certo que, aquando do desenvolvimento de uma investigação seja de software seja de utensílio/meio de produção, nunca podemos saber o resultado final mas, no presente caso, essa possibilidade estava de todo vedada porquanto o objectivo daquela ferramenta era a organização da actividade da 4.º gama e, com a retirada dessa actividade de Portugal nunca foi concretizado o objectivo económico a que esse projecto se destinava.»;

 

m)    «Logo, sempre faltou a motivação última de que cada custo se deve revestir, que é a da contribuição para a obtenção do lucro da empresa.»;

 

n)      «Nem se diga que o facto de a actividade de produção da 4.ª gama ter sido descontinuada, não é relevante, porque a verdade é que é muito relevante, efectivamente, para quê desenvolver estudos quando logo à partida não vão dar frutos?!»;

 

o)      Quanto à indispensabilidade dos custos: «Logo a AT não questionou o resultado, porque não é necessário para atribuir relevância fiscal aos encargos, demonstrar que eles produziram efectivamente um resultado positivo.»;

 

p)      «Questionou sim e, com toda a legitimidade, o facto de se ter realizado uma despesa que não tinha qualquer potencialidade, porque a finalidade/objecto antes de se concretizar já tinha sido eliminada do mercado da actuação da empresa em causa (abandono da 4º gama).»;

 

q)      «Pelo que, nunca se tratou de actos do tipo dos que uma empresa realiza com o objectivo de incrementar os proveitos e com tendencial potencialidade para gerar incremento dos ganhos.»;

 

r)       «…uma despesa realizada pela sociedade, para ser fiscalmente relevante, atendendo à sua indispensabilidade, tem de ser potencialmente apta a proporcionar proveitos ou ganhos independentemente do resultado que em concreto proporcionam, e no caso concreto no momento da entrega da declaração de rendimentos (mod. 22) a ora Requerente tinha perfeito e pleno conhecimento que essa potencialidade não existia.»;

 

s)       «Logo, tinha perfeito conhecimento que, fiscalmente, aquele custo não era relevante, atendendo ao facto de ser dispensável, pelo que o deveria ter acrescido ao Quadro 7.»;

 

t)        «Ora, no caso presente, como se depreende do Projecto do RIT, vejam-se págs. 28 a 33, a AT conseguiu fundadamente demonstrar que a despesa associada à implementação de software nunca se poderia integrar no escopo societário da requerente tratando-se, ao invés, de uma repartição de despesas numa óptica de grupo que só terá tido em conta motivações de índole fiscal e que nunca teve potencialidade para influenciar, positivamente, a obtenção de lucros ou proveitos do requerente.»;

 

u)      «Sendo igualmente certo que a requerente também nunca foi capaz de infirmar tal juízo e demonstrar que a realização do custo foi sempre realizada no seu interesse e para o desenvolvimento da sua actividade económica.»;

 

v)      No que concerne ao custo debitado do contrato de Master Service Agreement advoga que: «…a exposição da requerente neste segmento é em si contraditória, isto porque inexplicavelmente só agora parece ter “encontrado” documento(s) que alegadamente explica(m) todos os movimentos que, anteriormente e devidamente instada para o efeito, não conseguiu encontrar na fase do procedimento de inspecção.»;

 

w)    «Assim, sendo certo que os documentos que a requerente pretende agora apresentar não foram e nem puderam se analisados na fase do procedimento inspectivo pela AT, sendo igualmente certo que não são supervenientes (e nem essa circunstância foi alegada pela requerente) e que cabia à requerente o ónus de os apresentar em sede própria perante a AT, não pode ser, agora, admitida a sua junção, com vista à sua apreciação para controle da (i)legalidade do acto tributário.»;

 

x)      «Donde, sob pena de violação do princípio do contraditório, requer-se o desentranhamento dos documentos pretendidos juntar pela requerente sob os nºs 5, 6 e 7.»;

 

y)      «Relativamente ao ónus da prova, quando a Requerente refere que a AT questiona os valores, “referindo não ter sido possível comprovar o modo de apuramento do mesmo, sem que demonstre de forma cabal, a motivação das dúvidas suscitadas”.»;

 

z)      «É ainda incompreensível que a Requerente no art. 67.º do requerimento de pronúncia arbitral refira que “informou a AT que tal valor compreendia nomeadamente despesas com serviços informáticos e não só…»;

 

aa)   «Admitindo desta forma que não demonstrou a natureza dos serviços em causa.»;

 

bb)  «Não bastando uma mera informação de serem serviços informáticos e não só (o que serão esses “não só”) para cumprir um ónus de prova relativamente à correcta contabilização dos custos.»;

 

cc)   No que respeita ao ónus de prova: «…neste caso, quem invocou o direito ao custo foi o sujeito passivo, tendo a AT desconsiderado o mesmo, não por este estar em duplicado,»;

 

dd)  «mas por se verificarem determinadas situações que geraram dúvidas, as quais, se encontram devidamente fundamentadas, e que impossibilitaram a cabal comprovação de parte do valor registado como custo.»;

 

ee)   «Valor esse corrigido pela AT (do valor de € 133 771,80 registado como custo, a AT não aceitou o valor de € 20 181,86), recaindo sobre o sujeito passivo, ora requerente, o ónus de prova sobre a comprovação do custo.»;

 

ff)    «Não se tendo verificado essa comprovação ou justificação contabilística em sede de procedimento inspectivo ou em sede de direito de audição, sabendo-se que a documentação que a requerente aí apresentou era inidónea para a comprovação da realização do custo, a correcção ora em análise efectuada pela AT é legal e legítima»;

 

gg)  Quanto ao vício de falta de fundamentação afirma que perante a «…leitura do relatório inspectivo, um homem médio colocado na posição de destinatário, conseguiria apreender o seu sentido.»;

 

hh)  A «…fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais a prosseguir.»;

 

ii)      As razões subjacentes às correcções «…foram  amplamente compreendidas  e posteriormente referenciadas  e atacadas pela requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral que, de outra forma, não o teria apresentado, com o concreto conteúdo...»;

 

jj)      Mas «…a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, cabia à requerente lançar mão do mecanismo previsto no art. 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respectiva notificação ou emissão da certidão em conformidade.»;

 

kk)  «Ora, não tendo a requerente usado a faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os actos aludidos continham, como efectivamente contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício que eventualmente padeciam ficou sanado.»;

 

ll)      Quanto à caducidade do direito à liquidação sustenta que: «A carta aviso foi entregue em mão, conforme notificação pessoal concretizada na pessoa do seu Administrador Sr. D, NIF …, em 2013/11/14.»;

 

mm)         «A ora Requerente advoga a existência de caducidade do direito à liquidação, porquanto a alteração do âmbito da inspecção externa de parcial para geral ocorreu após o decurso do prazo de caducidade, sendo esta alteração causa de anulabilidade do acto tributário.»;

 

nn)  «Quanto à extensão da ordem de serviço esta foi iniciada como sendo de âmbito parcial, isto é, em sede de IRC, todavia procedeu-se a uma alteração para âmbito geral, notificada à ora requerente em 2014/02/06.»;

 

oo)  «Ora, apesar desta alteração de âmbito de parcial para geral, a verdade é que as correcções efectuadas incidiram apenas sobre IRC…»;

 

pp)  «…não assiste a menor razão à ora requerente.»;

 

qq)  «Com efeito, como se pode verificar mediante uma breve análise dos documentos constantes do processo administrativo, a ordem de serviço, que determina o início do procedimento inspectivo externo, foi assinada em 2013/11/20, suspendendo assim o prazo de caducidade.»;

 

rr)     «Quanto à necessidade de despacho fundamentado a que se refere o art.º 15.º do RCPIT, no caso concreto foi expressa e efectivamente salvaguardada e observada.»;

 

ss)    «Sem necessidade de mais considerações, facilmente se depreende que a jurisprudência é “esmagadora” em considerar que o termo da suspensão do prazo de caducidade se verifica com a notificação do relatório final do procedimento de inspecção (art. 62º, n.º 2, do RCPIT), desde que a duração da inspecção externa não tenha ultrapassado o prazo de 6 meses, após a notificação ao inspecionado da ordem de serviço ou despacho do início da acção de inspecção externa…»;

 

tt)     Finalmente quanto aos juros indemnizatórios peticionados, «Visando o processo arbitral, nos termos definidos no RJAT, um mero controle de legalidade da liquidação impugnada, não pode pois determinar que houve “erro imputável aos serviços” quando através de uma interpretação legalmente sustentada em facto tributário sujeito a IRC se consideraram custos fiscalmente não aceites.»;

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

4.1.1. A Requerente designa-se como «A, SA.», pessoa colectiva n.º ….

4.1.2. Tem como CAE principal «52101 – Armazenagem frigorífica» e como CAES secundários: «52102 – Armazenagem frigorífica», «46311 – comércio por grosso de fruta e produtos hortícolas, excepto batata» e «35302 – produção de gelo».

4.1.3. O objecto social da Requerente, em 2009, distribuía-se entre 3 actividades, a logística (serviço de distribuição de produtos frescos a destinatários identificados pelos seus clientes), a produção/4.ª gama (compra de legumes e frutas que após lavagem são tratados e embalados como produtos prontos a comer) e o comércio (compra e venda de frutas e legumes).

4.1.4. Em 04/10/2013 a Requerente foi notificada de um procedimento interno de inspecção, relativamente à declaração periódica de IRC, IVA, RFIRC e RFIRS.

4.1.5. A Requerente foi notificada em 20/11/2013 da instauração do procedimento de inspecção de natureza externa, respeitante ao exercício de IRC - 2009, com a assinatura da ordem de serviço.

4.1.6. A Requerente foi notificada em 06/02/2014 da alteração do procedimento de inspecção de natureza externa de parcial para geral.

4.1.7. O Relatório Final de Inspecção foi notificado à Requerente no dia 19/05/2014.

4.1.8. Em tal Relatório promovem-se correcções meramente aritméticas no montante de € 84 136,75.

4.1.9. Em tais correcções incluem-se, nomeadamente: i) € 50 956,07 relativos ao «Desenvolvimento do projecto de implementação de software “…” e ii) € 20 181,86 «Custo debitado pela C, ao abrigo do contrato “Master Service Agrement 2007”».

4.1.10. O projecto «…» respeitava ao desenvolvimento de software aplicado à gestão de inventários (área de produção) e ainda a um interface de dados com o programa de contabilidade.

4.1.11. O grupo A contratou a ... para desenvolver um sofware ERP a implementar em todas as empresas do grupo que trabalhassem com a actividade social de produção da 4.ª gama.

4.1.12. O projecto de implementação do software foi apresentado em 2008 pela ....

4.1.13. Em 2009, o projecto de desenvolvimento e implementação do software já estava em curso.

4.1.14. A Requerente em 2009 ainda desenvolveu a actividade social de produção da 4.ª gama, alcançando um volume de negócios de € 5 393 000,00.

4.1.15. A Requerente e outras empresas do grupo celebraram um contrato de «Master Service Agreement 2007» com a C (C), a holding.

4.1.16. De tal contrato resulta:

i) A obrigação da C fornecer todos os serviços relacionados com a Gestão, Marketing financeiro e suporte técnico;

ii) O custo pelos serviços prestados é repartido por cada um dos destinatários proporcionalmente à sua margem bruta de vendas orçamentada e ao seu EBITDA (resultado antes dos juros, impostos e amortizações);

iii) O valor a pagar pelo destinatário dos serviços será de € 50% do valor imputado;

iv) Os serviços requeridos pelo destinatário com natureza esporádica e específica são cobrados directamente a este, sem qualquer imputação.

4.1.17. Mais, de acordo com o Relatório de Inspecção, a dúvida colocada pelos serviços inspectivos a propósito do contrato de «Master Service Agreement 2007»   celebrado pela Requerente centrou-se no valor debitado a esta, a título de «Group Expenses», no montante de € 133 771,80. Mais concretamente, quanto ao modo de apuramento de tal valor e à natureza dos custos que o integram, na parte respeitante aos «Services – Ico (top)», que aquela justificou como serviços informáticos e que foram facturados à holding por € 1 901 575,67.

4.1.18. Em 30/04/2014 foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição em relação ao Projecto de Relatório de Inspecção Tributária.

4.1.19. No dia 15/05/2014 a Requerente exerceu o seu direito de audição relativamente ao Projecto de Relatório de Inspecção Tributária.

4.1.20. Por documento datado de 26/05/2014 a Requerida praticou a liquidação adicional de IRC n.º ... e juros compensatórios, bem como a compensação n.º 2014 11214336, o que originou imposto a pagar no montante de € 531,96.

4.1.21. A Requerente procedeu ao pagamento de € 531,96 no dia 20/06/2014.

4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5. QUESTÃO PRÉVIA

 

 Defende a Requerida em sede de resposta e de alegações que os documentos apresentados pela Requerente sob os números 5, 6, 7 com o pedido de pronúncia arbitral devem ser desentranhados, por violação do princípio do contraditório, uma vez que não foram apreciados em sede de procedimento inspectivo.

Em primeiro lugar, não há qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que a Requerida teve conhecimento dos mesmos aquando da sua notificação para apresentar resposta. Em bom rigor, a própria Requerida, caso entendesse que as dúvidas que formulou relativamente ao custo a que os documentos se reportam foram eliminadas, podia revogar parcialmente o acto em crise, como admite o art. 112.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Mais, o tribunal encontra-se vinculado ao princípio da descoberta da verdade, assim e porque os documentos são, em tese, relevantes para aferir da indispensabilidade do custo em apreço que a Requerida colocou em causa ao não proceder à sua aceitação, não se encontra fundamento jurídico para os desentranhar ou, repete-se, concluir que a sua junção aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral viola o princípio do contraditório.

 

6. O DIREITO

 

            Em primeiro lugar, perante a posição das partes, o tribunal tem de decidir as seguintes questões: i) apurar se o acto tributário em crise padece do vício de falta de fundamentação; ii) determinar se ocorreu a caducidade do direito à liquidação de IRC  do ano de 2009 em virtude da alteração do âmbito do procedimento externo de inspecção de parcial para geral e iii) decidir se os custos incorridos com o desenvolvimento do projecto de implementação de software «...» e aqueles debitados ao abrigo do contrato de «Master Service Agreement» são dedutíveis para efeitos do art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na versão em vigor à data dos factos.

            Ora, não se vislumbrando no RJAT qualquer normativo quanto à ordem de conhecimento dos vícios, o art. 29.º de tal diploma, remete o tribunal para o CPPT, mais concretamente para o regime jurídico da impugnação judicial, meio processual a partir do qual o legislador, por via de regra, desenhou o processo arbitral.

            Em tal actividade chegamos ao art. 124.º, n.º 1 do CPPT que dispõe: «Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação». E continua o n.º 2 de tal normativo: «Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior».

Ainda que, no caso sub judice, a latitude das questões a conhecer não ultrapasse a anulabilidade, não podemos esquecer que ensina a doutrina: «Embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, nas situações em que a falta de fundamentação afecte a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado, a nível dos seus pressupostos de facto ou de direito.»[1]. Deste modo, impõe-se conhecer, em primeira linha, a invocada falta de fundamentação, para que, subsequentemente, se aprecie a legalidade do acto.

 

6.1. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO  

Defende a Requerente que a fundamentação do acto é insuficiente porque a seu juízo, a Requerida não aduz qualquer justificação bastante para proceder às correcções em causa.

Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação que: «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n. 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do  acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual»[2]. Mais, defende a doutrina que a fundamentação deve: «…proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente»[3]. Em suma, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da AT.

Na hipótese em apreço, é possível vislumbrar um extenso enquadramento fáctico e jurídico nas correcções efectuadas ao rendimento tributável em sede de IRC da Requerente do pedido.

 Razão pela qual, entende o tribunal que o acto se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizadas pela AT para a sua prática. Mais, a falta de fundamentação imputada ao mesmo, não constituiu qualquer obstáculo para a Requerente solicitar a sua anulação em articulado em que imputa ao acto um rol de vícios e cuja compreensão resulta logo evidente na fase administrativa com o exercício do direito de audição. Em suma, o acto não padece do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhe imputa. Na verdade, não é possível confundir a discordância quanto ao conteúdo do acto em crise com a falta de fundamentação.

 

 

 

6.2. CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

            Neste domínio advoga a Requerente que a alteração do âmbito da inspecção (externa) de parcial para geral tem aptidão para provocar a caducidade do direito à liquidação de IRC respeitante ao ano de 2009.

            Deste modo, impõe-se desde logo referir o quadro normativo aplicável. Ora, o art. 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que: «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro». E o n.º 4 do mesmo normativo concretiza que: «O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário».     

            Contudo, tal prazo suspende-se designadamente: «…com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de 6 meses após a notificação», conforme art. 46.º, n.º 1 da LGT.

            Ora, a primeira observação a fazer é que a suspensão da contagem do prazo de caducidade estabelece uma relação próxima com o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), mais concretamente, com o procedimento de inspecção externo.

            Importa desde logo tentar traçar as linhas gerais de distinção entre procedimento de inspecção externo e interno.           A este respeito, sustenta a doutrina: «Como veremos, a classificação dos procedimentos de inspecção como interno ou externo não se resume a uma mera distinção de ordem espacial ou de localização dos actos inspectivos, acarretando, na verdade, importantes consequências, na medida em que o procedimento de inspecção externa pode restringir os direitos e liberdades fundamentais dos sujeitos passivos, desde logo (como veremos adiante) na matéria relativa à caducidade do direito à liquidação de tributos. O procedimento de inspecção externa – procedimento absolutamente essencial para que a Administração fiscal divise a verdade material subjacente aos factos tributários sobre os quais pode incidir uma inspecção – pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo (n.º 1 do art. 36.º do RCPIT) e é notificado ao sujeito passivo – por norma, de forma pessoal (…) A inspecção externa considera-se iniciada na data da assinatura, pelo sujeito passivo, da ordem de serviço ou despacho que determinou a necessidade de inspecção…»[4].

            Todavia, como resulta do art. 46.º, n.º 1 da LGT em conjugação com o RCPIT, só o procedimento de inspecção externa suspende o prazo de caducidade do direito à liquidação, sendo o “início” determinado através da assinatura da ordem de serviço por parte do sujeito passivo como expressa e concretamente dispõe o art. 51.º, n.º 2 do RCPIT[5]. Assim, ficam excluídos de tal efeito, os procedimentos de inspecção internos e aqueles que, ainda que sejam externos, se encontrem gizados para a consulta, recolha e cruzamento de elementos, pois nestes não se exige qualquer ordem de serviço ou a notificação prévia, como se impõe, por via de regra, quando a inspecção é, repete-se, externa[6].

            Mais, caso o procedimento inspecção externo dure por um período superior a 6 meses a contar do seu início, o prazo de caducidade deverá contar-se como se não tivesse existido qualquer suspensão.          

            No caso concreto, se a ordem de serviço foi entregue ao legal representante da Requerente em 20/11/2013 com fundamento no art. 14.º, n.º 1 do RCPIT, ocorreu nessa data a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC do ano de 2009 e, concomitantemente, se o relatório final de inspecção foi notificado ao sujeito passivo em 19/05/2014 verifica-se a suspensão do prazo de caducidade.

Por tal somatório de razões, se a liquidação de IRC em crise é respeitante ao exercício de 2009, não pode deixar de concluir-se que, in casu, não se verifica a caducidade direito à liquidação de tal imposto.

 

6.3. DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS

 

            A redacção do art. 23.º, n.º 1 do CIRC anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho estabelecia o seguinte: «1. Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora (nosso sublinhado)…».

            Este excerto normativo foi fonte de litigância tributária quanto à determinação do sentido da locução «indispensáveis», atento o grau de subjectividade necessário à sua aplicação prática. Dizemos foi, porquanto, o legislador com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou tal requisito, substituindo a indispensabilidade do gasto pela finalidade económica do mesmo[7] como alguma doutrina e jurisprudência já anteriormente o afirmava. 

Voltando ao regime aplicável à hipótese em análise, a primeira tarefa que o tribunal tem de enfrentar consiste na interpretação do referido art. 23.º, n.º 1 do CIRC. Em tal actividade e recorrendo à doutrina e jurisprudência encontramos uma tese ampla e outra restrita. Quanto à primeira, considera que são indispensáveis os custos que têm ligação com a actividade do contribuinte, isto é, têm de ter uma relação causal e justificada com a actividade desenvolvida pela empresa. Já a segunda observa que apenas são indispensáveis os custos que têm uma relação objectiva com os proveitos.

Na esteira da doutrina de VÍTOR FAVEIRO[8], o tribunal entende que a indispensabilidade do custo não se encontra na necessidade da despesa para a realização de proveitos ou de qualquer utilidade ou conveniência da despesa para a organização empresarial em causa. Relevante é, para aferir da dedutibilidade do custo, que se estabeleça uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. Ou, por outras palavras, não são indispensáveis aqueles custos incorridos na prática de actos não conformes com o interesse da sociedade, porque se encontram a latere do seu escopo social. Nesta linha afirma a jurisprudência que: «… a ligação à actividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade.»[9]. Ou seja, relevante é a congruência do custo incorrido no acto com o interesse da empresa.

Importa ainda acrescentar quanto ao tempo adequado para aferir a indispensabilidade do custo que é aquele em que se actuou, isto é, como observa a jurisprudência: «A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido, com a utilização do tempo verbal “forem”, em vez do tempo passado “foram”: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos…»[10].

Mas depois da interpretação do conceito de «indispensabilidade» é necessário formular uma questão para a decisão a proferir neste processo. Mais concretamente: sobre quem impende o ónus probatório em demonstrar a relação que esse custo estabelece com a actividade económica do sujeito passivo?

A esta questão dá resposta a jurisprudência quando defende que: «Por outro lado, também é seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus probatório da indispensabilidade dos seus custos. Contudo, se a AT, actuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a actividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação da congruência económica da operação, a qual não se cumpre alegação abstracta (…) de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com actividade desenvolvida(nosso sublinhado), exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das actuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT[11]. Por outras palavras, perante a formulação de um juízo de dúvida quanto a determinados custos compete ao contribuinte alegar e provar que estes têm ligação à actividade societária do sujeito passivo.

Na verdade, a obrigação de demonstrar quantitativamente o montante dos gastos incorridos com base em documentos justificativos resulta do art. 74.º da LGT. Por isso, se o contribuinte não satisfizer esse ónus pode a AT desconsiderar tal gasto, ainda que a actividade social daquele justificasse um juízo de congruência do gasto, com a finalidade económica subjacente à actividade da empresa.

Vejamos agora a aplicação de tal normativo ao caso concreto.

Ora, como resulta da posição da Requerente, os custos desconsiderados pela Requerida têm fonte em: i) contrato «...» e ii) contrato de «Master Service Agreement 2007».

Quanto ao contrato «...», o mesmo teve por objecto o desenvolvimento de um software aplicado à gestão de inventários e, de igual modo, um interface de dados com o programa de contabilidade. Mais, tal software serviria para ser aplicado em todas as empresas do grupo no qual a Requerente se insere, desde que na sua actividade se incluísse a 4.ª gama. Ora, se no caso concreto, a factura respeita ao exercício de 2009, intervalo de tempo durante o qual a Requerente ainda desenvolvia a actividade de 4.ª gama e destinando-se o custo à implementação do referido software tem o mesmo que ser aceite, uma vez que existe uma ligação à actividade daquela no momento em que foi suportado. Ou seja, no momento da realização do custo, como sustenta a jurisprudência, se este tem uma ligação com a actividade social da Requerente é imperioso aceitá-lo fiscalmente, o que aqui se determina, até porque o requisito colocado em crise foi única e exclusivamente, o da indispensabilidade do custo.

Consequentemente, a sua utilização para a correcção ao rendimento tributável promovida pela Requerida tem de ser considerada ilegal, por violação do art. 23.º, n.º 1 do CIRC.

Por outro lado, relativamente ao custo debitado em resultado da celebração do contrato de «Master Service Agreement 2007» é necessário esclarecer que o mesmo vinculava a C (C) a fornecer, nomeadamente, serviços relacionados com a Gestão, Marketing, apoio financeiro e técnico às empresas do grupo, incluindo a aqui Requerente. Para poder prestar esses serviços a C recorria também à B (B).

A dúvida colocada pelos serviços inspectivos da Requerida centrou-se no valor debitado à Requerente, a título de «Group Expenses», no montante de € 133 771,80. Mais concretamente, quanto ao modo de apuramento de tal valor e à natureza dos custos que o integram, na parte respeitante aos «Services –  Ico (top)», que a Requerente justificou como serviços informáticos e que foram facturados à holding por € 1 901 575,67.

Para sustentar tal conclusão, os serviços de inspecção tributária defenderam em síntese que: a) não foi possível determinar o modo de apuramento do montante de € 1 901 575,67 respeitante a «Services – Ico (top) porque no documento apresentado (anexo 9 do relatório de inspecção) encontra-se sublinhado o valor de € 1 950 967,47 mas não o de € 1 901 575,67; b) do documento enviado para suporte desse valor apura-se o montante de € 1 950 967,47 e, concomitantemente, integra custos que não são informáticos, como o sujeito passivo os tinha justificado; c) relativamente às despesas que respeitam a valores de serviços informáticos, uma delas sob a designação «custos de IT da conta 61» são referentes a serviços contratados a terceiros; d) a conta «61» respeita a serviços prestados por terceiros; e) na contabilidade do sujeito passivo encontram-se registados na conta «622369 – trabalhos especializados» a que correspondem valores respeitantes a somas de diversas facturas emitidas pela B ao sujeito passivo com fonte em manutenção de serviços informáticos; f) existem despesas que não são serviços informáticos tais como «desvios», «custos a serem cobrados», «depreciações» e «imputação de recursos humanos (parte CC)».

Em resumo, não é possível comprovar o modo de apuramento de € 1 901 575,67.

            Como vimos, perante a colocação em dúvida de um custo contabilizado pela AT compete ao contribuinte alegar factos concretos, demonstrar a congruência económica da operação a que se reporta o custo e a forma da sua quantificação, abstendo-se de qualquer alegação abstracta.

A Requerente em 67.º do seu pedido de pronúncia arbitral, alega que informou a Requerida que o valor de € 1 901 575,67 compreendia «...nomeadamente a despesas com serviços informáticos, mas não só, o que corresponde à verdade, conforme se pode comprovar através dos documentos juntos…» e por lapso não forneceu aos serviços inspectivos da Requerida o ficheiro correcto.

Se é admissível em tese, atenta a actividade exercida e a sua dimensão, que a Requerente tenha incorrido em custos de Gestão, Marketing e de Coordenação de estratégia, sempre seria necessário que esta tivesse referido uma prova lógica, documentada e que permitisse perceber a quantificação do custo colocado em crise pela Requerida. O que não aconteceu, tanto assim o foi que a Requerente, com o pedido de pronúncia arbitral, junta o doc. 5, 6 e 7. O que adicionando aos fundamentos descritos no Relatório de Inspecção e supra resumidos leva a concluir pela improcedência da pretensão da Requerente, relativamente a este gasto.

            E a conclusão diversa não chega o tribunal com a análise dos documentos agora juntos, como é disso exemplo, a dúvida criada se os serviços informáticos debitados directamente pela B estão ou não incluídos na rubrica «custos de it da conta 61» e a natureza das despesas que não são serviços informáticos, quando a Requerente os justificou como tal. Deste modo, mantém-se a correcção efectuada à matéria tributável quanto a este custo.

 

6.4. ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO

 

Perante o decaimento parcial da Requerente no presente pedido de pronúncia coloca-se a questão da anulação parcial da liquidação em crise. A tal propósito ensina JORGE LOPES DE SOUSA[12]: «Nos termos do art. 100.º da LGT, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a administração tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio. Desta norma infere-se a possibilidade de anulação parcial dos actos tributários. O STA tem entendido, em geral, que os actos de liquidação, por definirem uma quantia, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles actos, no referido art. 100.º, ao prever a procedência parcial de meios processuais impugnatórios (como, anteriormente, previa o art. 145.º do CPT). Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do acto, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial. Será o que acontece quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde à matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade.».

Ora, é precisamente o que acontece no presente caso em que o tribunal entendeu que em relação ao custo suportado pela Requerente com contrato «...», no montante de € 50 956,07, considerado na liquidação em crise foi determinado ilegalmente, por violação do art. 23.º, n.º 1 do CIRC. Assim, anula-se o acto de liquidação, relativamente à parte em que considerou o custo que o tribunal se refere neste parágrafo.

 

6.5. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “São devidos juros indemnizatórios, quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) Existência de um erro em acto de liquidação do imposto imputável aos serviços; ii) Determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e iii) Pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Conhecendo a questão, a ilegalidade parcial da liquidação é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa apurada, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso, relativamente à parte da matéria determinada ilegalmente.

 

7. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação parcial do acto em crise, considerando para efeitos do art. 23.º do CIRC o custo de € 50 956,07.

 

8. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 531,96 nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

9. CUSTAS

Custas a cargo da Requerente e da Requerida, no montante de € 306, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, na proporção do decaimento (28,37 % e 71,63%, respectivamente).

Notifique.

 

Lisboa, 9 de Julho de 2015

 

O árbitro,

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, Volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 341.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01690/13 e em que foi relator o conselheiro ASCENSÃO LOPES.

[3] DIOGO LEITE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 4.ª edição, Encontro da escrita, 2012, pág. 675.

[4] NUNO DE OLIVEIRA GARCIA/RITA CARVALHO NUNES, Inspecção Tributária Externa e Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano IV, Março de 2011, Coimbra, Almedina, pág. 251 e 252.

[5] Neste sentido, NUNO DE OLIVEIRA GARCIA/RITA CARVALHO NUNES, Inspecção Tributária Externa e Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano IV, Março de 2011, Coimbra, Almedina, pág. 252.

[6] V. neste sentido, NUNO DE OLIVEIRA GARCIA/RITA CARVALHO NUNES, Inspecção Tributária Externa e Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano IV, Março de 2011, Coimbra, Almedina, pág. 252 e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, O procedimento tributário de inspecção – um contributo para a sua compreensão à luz dos direitos fundamentais, Tese de Mestrado – Escola de Direito da Universidade do Minho – não editada, pág. 216.

[7] ROSA BRANCO AREIAS/JAIME CARVALHO ESTEVES, IRC – Notas práticas, Porto Editora, 2014, pág. 53.

[8] Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Volume II, Coimbra Editora, 1984, pág. 601.

[9] Acórdão arbitral do CAAD de 14/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 39/2013-T e em que assumiu a função de árbitro-presidente o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA.

[10] Acórdão arbitral do CAAD de 15/06/2012, proferido no âmbito do processo n.º 29/2012-T e em que assumiu a função de árbitro-presidente o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA.

[11] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/03/2012, proferido no âmbito do processo n.º 05312/12 e em que foi relator o desembargador ANÍBAL FERRAZ.

[12] Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, pág. 342.