Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 667/2019-T
Data da decisão: 2020-03-11  IVA  
Valor do pedido: € 13.461,61
Tema: IVA– Migração de processos; Isenção nas Exportações; artigo 14.º n.º1 aliena a) e artigo 29.º n.º 8 do CIVA.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

I - Relatório

A -Identificação Das Partes

Requerente: A..., LDA., com o número de identificação de pessoa coletiva..., com sede em ..., ..., doravante designados de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

Em 2019-10-07, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 2019-11-27, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 2019-12-30, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 2020-02-11, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT apresentação de alegações escritas foi dispensada.

O presente pedido de pronúncia arbitral resulta do aproveitamento do regime estatuído no Decreto de Lei n.º 81/2018, que permite sejam submetidas à arbitragem tributaria, dentro das suas competências pretensões que tenham sido formuladas em processos de impugnação judicial, nos tribunais tributários, o que é o caso, tendo corrido termos sob o processo n.º 98/… no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... .

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

B – PEDIDO

  1. A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado n.º..., no montante de € 2.664,43, e n.º..., no montante de € 254,03, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201106, n.º ..., no montante de € 4.521,86, e n.º ..., no montante de € 414,77, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201107, n.º..., no montante de € 8.874,52, e n.º..., no montante de € 756,64, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201109, que fixou um imposto a pagar de €13.461,61 (treze mil quatrocentos e sessenta e um euros e sessenta e um cêntimos).

C – CAUSA DE PEDIR

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou em síntese, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
  2. No decurso da sua atividade, a Requerente extrai rochas ornamentais de uma pedreira localizada em ..., transformando-as e vendendo-as, de seguida, às suas empresas clientes, em especial à B..., Ltd. (doravante “B...”), empresa sedeada no Liechtenstein e que é a sua principal sócia.
  3. As rochas ornamentais que a Requerente vende à B... são habitualmente expedidas através dos seguintes meios de transporte: (a) Por camião, caso em que é utilizado o Incoterm FCA (“Free Carrier”), à saída das mercadorias da  pedreira sita em ...; ou, e no que é particularmente relevante para o presente caso, (b) Por navio, caso em que é utilizado o Incoterm FOB (“Free on Board”), à saída das mercadorias do porto de Leixões.
  4. Esta ideia resulta da circunstância de – atendendo a que a Requerente e a B... acordaram recorrer ao Incoterm FOB para dividir entre si os custos e a responsabilidade no transporte das rochas ornamentais – a tradição (i.e. a transferência de todos os riscos e responsabilidade inerentes ao poder de dispor daquelas mercadorias) ter-se operado com a entrega da coisa à responsabilidade do comandante do navio atracado no porto de Leixões.
  5. Feita essa entrega, passou a B... a ter de suportar todos os riscos associados à titularidade (jurídica e económica) das mercadorias adquiridas à Requerente.
  6. Nos casos de operações de exportação em que a saída dos bens se processa por outro Estado-Membro, é possível ainda apresentar, em conformidade com o disposto no artigo 796.º-DA, n.º 4, das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (Código que, à data dos factos se aplicava), as seguintes provas alternativas, a ser consideradas de forma isolada ou conjunta: (a) Uma cópia da nota de entrega assinada ou autenticada pelo destinatário localizado fora do território aduaneiro da Comunidade; (b) A prova de pagamento ou fatura ou nota de entrega devidamente assinada ou autenticada pelo  operador económico que retirou as mercadorias do território aduaneiro da Comunidade; (c) Uma declaração assinada ou autenticada pela empresa que retirou as mercadorias do território  aduaneiro da Comunidade; (d) Um documento certificado pelas autoridades aduaneiras de um Estado-Membro ou de um país  fora do território aduaneiro da Comunidade;(e) Registos dos operadores económicos referentes a mercadorias fornecidas a plataformas de perfuração e de produção de petróleo e de gás ou a turbinas eólicas.
  7. Defende a Requerente, que com os documentos juntos é possível evidenciar que: (a) Primeiramente, as mercadorias em causa foram transportadas por camião desde ... até ao porto de Leixões, local onde foram descarregadas e colocadas num dos seguintes navios: LivKriistin, Flitterspirit ou Free Ocean; (b) Ao recorrerem ao Incoterm FOB, a Requerente e a B... (sua cliente direta) acordaram em dividir entre si os custos e a responsabilidade no transporte das mercadorias e, como tal, a transferência de todos os riscos e responsabilidade inerentes ao poder de dispor daquelas mercadorias operou-se com a entrega da coisa à responsabilidade do comandante do navio atracado no porto de Leixões; (c) De seguida, cada um desses navios viajou desde o porto de Leixões até ao porto holandês de Roterdão/..., local onde as ditas mercadorias foram descarregadas para um navio de menor dimensão; (d) Posteriormente, esse navio de menor dimensão transportou as referidas mercadorias, através do Rio Reno, até à cidade transfronteiriça (faz fronteira a oeste com a França e a sul com a Suíça) alemã de ...; (e) Finalmente, essas mercadorias foram importadas em território suíço por parte da C... (cliente final), recorrendo para o efeito a uma das várias estâncias aduaneiras existentes nesse território.
  8. Através dos documentos e informação, fica, pois, claramente comprovado que a Requerente, enquanto fornecedor, dispõe dos elementos necessários para comprovar a saída das rochas ornamentais por si vendidas à B... do território comunitário.
  9. Deste modo, não existirão motivos, de ordem legal, que possam obstar à correta aplicação, por parte daquela, da isenção constante no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.
  10. Termina a Requerente sustentando que este é motivo bastante para que se tenha de considerar inevitável a anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios, na parte ora impugnada, na medida em que as mesmas padecem de um vício de lei.

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
  2. Alega que não houve exportação direta para país terceiro, pois em face da factualidade que se relata a seguir, fácil se conclui que a pretensa exportação não seguiu os trâmites legais para poder beneficiar da isenção do IVA.
  3. Para cumprir os requisitos plasmados no art.º 14º, nºs 1 e 2 do CIVA e poder beneficiar, por força desse articulado, da isenção de IVA, a Requerente deveria expedir a mercadoria para fora da Comunidade, por si, ou, por um terceiro por sua conta.
  4. No entanto, este requisito essencial não foi cumprido, pois de facto, a mercadoria foi descarregada num território comunitário (Holanda), seguindo posteriormente para a Suíça;
  5. Atento o circuito físico dos bens, facilmente se depreende que os mesmos não foram postos à disposição do cliente C..., na Suíça, mas sim num território comunitário – Holanda, nunca podendo esta transação ser rotulada de exportação;
  6. Note-se que é a própria impugnante que vem, na sua petição inicial, dizer que o bem é carregado na sua extração em ..., expedido para o porto de Roterdão (Holanda) de barco, onde é descarregado, tendo como destinatária a sua cliente e sócia com sede no  ..., conforme consta nas faturas em causa;
  7. Após a descarga em território comunitário, a mercadoria aguarda expedição para fora da Comunidade, o que poderá não acontecer em simultâneo, podendo também essa expedição ulterior ser por meio diferente do inicial;
  8. Ainda na Holanda é efetuado um novo documento de embarque, tendo como destino o cliente da B... sediado na Suíça (C...), via porto alemão ..., quando os bens forem também remetidos por navio;
  9. Defende a Requerida que para poder beneficiar do previsto no art.º 14º do RITI, os bens teriam de ser expedidos pelo vendedor ou por sua conta, a partir do território nacional (TN), para outro Estado Membro (EM), tendo como destino uma pessoa singular ou coletiva, registada para efeitos de IVA noutro EM e tendo utilizado o respetivo NIF desse EM e ser abrangido por um regime de tributação nas aquisições intracomunitárias de bens;
  10. Não poderá a Requerente beneficiar do estipulado no RITI, uma vez que, o adquirente não é uma pessoa, singular ou coletiva, registada noutro território de Estado Membro;
  11. Embora a Requerente venha dizer na petição que os custos do transporte e o risco do mesmo foram acordados, nos termos FOB (Free On Board), a verdade é que a mercadoria não foi expedida por si ou por terceiro por sua conta;
  12. Defende, que a Requerente não apresentou quaisquer documentos comprovativos da saída a mercadoria do espaço comunitário, como é o caso de documento alfandegário apropriado – Documento Administrativo Único (DAU) – devidamente autenticado pelos serviços aduaneiros;
  13. Como se refere na reclamação graciosa, “a) Não existe total coincidência entre a quantidade constante da fatura emitida com a discriminada nos documentos correspondentes ao transporte, (…) não correspondem as datas nos documentos, (…) em determinados documentos são mencionadas quantidade diferentes, (…) são referenciadas mais que uma estância aduaneira”, o que não permite estabelecer uma ligação concreta relativamente a que documento alfandegário correspondem as faturas em causa;
  14. Aliás, a Requerente apresenta um Bill of Lading (conhecimento de embarque), como comprovativo da saída dos bens da comunidade europeia;
  15. A Requerida termina Sustentando, do que vem de ser dito, verifica-se que se trata de um documento manifestamente insuficiente para conferir direito à isenção do IVA nos termos do nº 1 do art.º 14º do CIVA.

E -     FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

  1. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
  2. A Requerente é uma sociedade por quotas, com fins lucrativos, que se dedica à atividade de extração de granito ornamental e de rochas similares, em conformidade com o Código de Atividade Económica 8112.
  3. A Requerente iniciou a sua atividade em 01.11.1992, estando enquadrada no regime geral de tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante IRC), e no regime normal mensal, para efeitos de IVA, desde 01.01.2001.
  4. A Requerente foi sujeita, no ano de 2013, a uma ação de fiscalização efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., que visou o exercício económico de 2011, da qual resultaram liquidações adicionais de IVA, IRC e respetivos JC, com recurso a métodos indiretos e correções de natureza meramente aritméticas resultantes de imposição legal, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013... .
  5. A Requerente emitiu à B... as seguintes quatro faturas: n.º 105, de 08.06.2011, n.º 122, de 01.07.2011, n.ºs 183 e 184, ambas de 12.09.2011 e a nota de débito também aí aludida n.º 15, de 18.09.2011, referente à venda de rochas ornamentais – Granito.
  6. Relativamente aos bens referentes a essas faturas, a Requerente juntou como prova da sua expedição, método e forma de transporte e documentos alfandegários da saída do Espaço Comunitário, os seguintes documentos:
    1. A Fatura n.º 105, é acompanhada  do Bill of Lading, no qual se é identifica que o navio ... partiu do porto de Leixões em direção ao porto holandês de Roterdão/...; e documentos oficiais, emitidos pelas autoridades aduaneiras (“Zollstelle”) suíças (de Rheinfelden, de Stein / Bad Sackingen, de Schaffhausen da Koblenz e de Basel/...), que atestam a importação (“Einfuhrliste Definitiv”) dessas mesmas mercadorias em território suíço pela sociedade C...;
    2. Fatura n.º 122, é acompanhada do Bill of Lading, no qual se identifica que o navio ... partiu do porto de Leixões em direção ao porto holandês de Roterdão/...; da guia de transporte (“Frachtbrief / Ladeschein”) emitida pela empresa transportadora D... BV (mencionando o transporte desde Roterdão/... para o porto da cidade alemã de ...); e de documentos oficiais, emitidos pelas autoridades aduaneiras(“Zollstelle”) suíças (de Rheinfelden e de Stein / Bad Sackingen), que atestam a importação (“Einfuhrliste Definitiv”) dessas mesmas mercadorias em território suíço pela sociedade C...;
    3. faturas n.º 183 e 184 e pela nota de débito n.º 15, é acompanhado do Bill of Lading, no qual se identifica que o navio ... partiu do Porto de Leixões em direção ao porto holandês de Roterdão/...; de uma cópia da guia de transporte (“Frachtbrief / Ladeschein”) emitida pela empresa transportadora D... BV (mencionando o transporte desde Roterdão/Moerdijk para o porto da cidade alemã de ...); e de documentos oficiais, emitidos pelas autoridades aduaneiras (“Zollstelle”) suíças (de Rheinfelden, de Stein / Bad Sackingen e de Schaffhausen da Thayngen), que atestam a importação (“Einfuhrliste Definitiv”) dessas mesmas mercadorias em território suíço pela sociedade C... .

 

F-        FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

G-       QUESTÕES DECIDENDAS

  1. Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumprem, pois, apreciar e decidir, as seguintes:
  1. A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado n.º..., no montante de € 2.664,43, e n.º..., no montante de € 254,03, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201106, n.º..., no montante de € 4.521,86, e n.º ..., no montante de € 414,77, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201107, n.º..., no montante de € 8.874,52, e n.º..., no montante de€ 756,64, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201109, que fixou um imposto a pagar de €13.461,61 (treze mil quatrocentos e sessenta e um euros e sessenta e um cêntimos).
  2. Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

I          MATÉRIA DE DIREITO

  1. A questão de fundo a apreciar, consiste em determinar para o caso sub-júdice se as operações realizadas pela Requerente se enquadram como exportações ou transmissões localizadas em território nacional, e em concreto determinar se as mercadorias foram efetivamente expedidas ou transportadas para fora da União Europeia, e consequentemente saber se são isentas de IVA nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA.
  2. Atendendo à posição das partes, a Requerente no ano de 2011, vendeu mercadorias a sociedade B..., Ltd. (doravante “B...”), empresa sedeada no Liechtenstein e que é a sua principal acionista, e esta vendeu essas mesmas mercadorias a sociedade e C... Ltd. (dorovante C...) localizada na Suíça. A expedição e transporte do material foi efetuado da seguinte forma: inicia-se com o transporte da pedreira situada em ... [Portugal], para o porto de Leixões, onde é expedida por navio para o porto de Roterdão na Holanda. Neste porto, as mercadorias podem ser descarregadas para um navio de menores dimensões, sendo o transporte feito até a cidade alemã de ... sendo aqui descarregadas e transportadas por camião até as instalações da C... Ltd. Ou podem ser descarregadas do porto de Roterdão e transportadas por camião até as instalações da C... Ltd.
  3. A Requerente, alega que, feita a entrega à sociedade B... passou a suportar todos os riscos associados à titularidade (jurídica e económica) das mercadorias adquiridas à Requerente, e que juntou documentos comprovativos da exportação e da saída dos bens do território comunitário.
  4. A Requerida, por seu turno, entende que a Requerente não juntou os documentos válidos comprovativos da saída da mercadoria do espaço comunitário, e mais defende o fato de o material ser descarregado no Porto de Roterdão num território comunitário (Holanda), foi assim, colocado à disposição do cliente extra comunitário, num território pertencente à Comunidade Europeia, e portanto estava sujeita a IVA, de acordo com os precisos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 1º do CIVA.
  5. Deste modo, compete ao presente tribunal, analisar o regime jurídico-fiscal das exportações, em concreto saber se as transmissões aqui em análise preenchem os requisitos necessários para ser qualificada como exportação, conforme o regime previsto no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, analisando para esse efeito os documentos juntos pela Requerente e se esses são os legalmente admissíveis para comprovar essa exportação.
  6. Vejamos o que dispõe a legislação e a jurisprudência sobre esta matéria.
  7. Sobre o regime jurídico das exportações, dispõe o art.º 146º, n.º 1 a) da DIVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro, que: "1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações: a) As entregas de bens expedidos ou transportados, pelo vendedor ou por sua conta, para fora da Comunidade.”
  8. O regime de isenção de IVA encontra-se previsto no art.º 14º do CIVA, e o art.º 29º desse mesmo Código contém o regime de comprovação das exportações.
  9. Assim, de acordo com o disposto no n.º 8 do art.º 29º, as exportações devem ser comprovadas mediante a apresentação de documentos aduaneiros apropriados ou, se não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens, com indicação do destino que lhes irá ser dado.
  10. As exportações constituem saída de bens do território aduaneiro da Comunidade Comunitária, e vinculadas ao princípio da neutralidade do imposto e ao princípio da tributação no destino, devem ser alvo do imposto IVA ou, similar, onde ocorre o consumo final, de modo a evitar uma dupla tributação, conforme previsto no artigo 6º do CIVA.
  11. De acordo com as normas de incidência objetiva do IVA,  nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1º,  as operações aqui em apreço, são operações sujeitas a imposto, dado que se subsumem ao conceito de transmissão de bens, definido no nº 1 do artigo 3º, qual considera "transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.”
  12. Não existe qualquer dúvida, que as transmissões aqui em análise, estão sujeitas a IVA, vamos agora analisar se preenchem os requisitos de uma exportação e se respeita os requisitos obrigatórios para beneficiar da isenção.
  13. Sobre estes requisitos, os mesmos encontram-se elencados alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, estabelece que estão isentas do imposto as “transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste”, e no artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA.
  14. Assim sendo, compete à Requerente demonstrar que as mercadorias foram efetivamente transportadas para fora da União Europeia, conforme o previsto no artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA, ie, que as “As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.”.
  15. Regra que se encontra em consonância com o que Dispõe o artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”., e tendo presente que o que está em causa é um direito do sujeito passivo a uma isenção de imposto, o ónus da prova dos pressupostos do direito que pretende exercer impenderá sobre o sujeito passivo.
  16. A inexistência desta prova determina a obrigação para o transmitente dos bens de liquidar o correspondente imposto, conforme preceitua o nº 9 do artigo 29.º, obrigação que no presente caso, compete à Requerente.
  17. Nas operações de “exportação”, estamos perante uma restrição na admissibilidade dos meios de prova, fundada num quadro legal de maior exigência, quanto à idoneidade dos meios probatórios.
  18. Deste modo, debrucemo-nos sobre quais os documentos e o procedimento a adotar, e apurar se a data da transmissão se encontrava prevista no âmbito do procedimento e da documentação a apresentar, tal como o estabelece os artigos 793º e seguintes previstas na  Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC).
  19. Resulta, assim, que na generalidade das exportações efetuadas por via rodoviária e as que, sendo efetuadas por outras vias, não decorram de um contrato de transporte único, a estância aduaneira de saída não coincide com a estância aduaneira de exportação, competindo àquela, a confirmação da saída das mercadorias do território da Comunidade.
  20. Nas operações de exportação, em que a saída dos bens, se processa por outro Estado membro, e na impossibilidade dos operadores apresentarem o exemplar 3 do Documento Administrativo Único, visado pela estância de saída, o exportador ou, o declarante podem fornecer, à estância aduaneira de exportação, as provas alternativas previstas no nº 4 do artº 796º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário, as quais podem ser consideradas de forma isolada ou, em conjunto:

            a) Uma cópia da nota de entrega assinada ou autenticada pelo destinatário localizado fora do território aduaneiro da Comunidade;

            b) A prova de pagamento ou, fatura ou, nota de entrega devidamente assinada ou autenticada pelo operador económico que retirou as mercadorias do território aduaneiro da Comunidade;

            c) Uma declaração assinada ou autenticada pela empresa que retirou as mercadorias do território aduaneiro da Comunidade;

            d) Um documento certificado pelas autoridades aduaneiras de um Estado- Membro ou de um país fora do território aduaneiro da Comunidade;

            e) Registos dos operadores económicos referentes a mercadorias fornecidas a plataformas de perfuração e de produção de petróleo e de gás ou a turbinas eólicas.

  1. Assim, desde que a exportação das mercadorias se tenha, efetivamente, produzido e o exportador possua o mencionado exemplar do Documento Administrativo Único, ou, na impossibilidade de o obter tenha fornecido as provas a que se refere o nº 4 do artº 796º- (DACAC), já referido, a comprovação da isenção prevista na alínea a) do nº 1 do artº 14º do CIVA fica efetivada.
  2. Sendo que é este também o entendimento da AT, conforme resulta da Informação vinculativa n.º 3092 de 24-05-2012.
  3. Perante o exposto, passemos a analisar em detalhe, face à legislação elencada, os requisitos obrigatórios para que as exportações possam beneficiar de isenção:

            i) o adquirente não possua residência ou estabelecimento em território nacional ou comunitário;

            ii) os bens forem expedidos ou transportados do território nacional para fora da Comunidade pelo adquirente ou, por um terceiro por conta deste;

            iii) comprovação documental da saída dos bens para fora da Comunidade pelo adquirente ou por um terceiro por conta deste, efetuada de acordo com as regras estabelecidas pelo disposto nos artigos 793.º e seguintes do DACAC.

  1. Assim, quanto ao primeiro requisito “i) o adquirente não possua residência ou estabelecimento em território nacional ou comunitário”, temos que a Sociedade B..., Ltd. (doravante “B...”), é sedeada no Liechtenstein, e portanto, não faz parte da União Europeia, e a sociedade não tem residência ou estabelecimento em território nacional ou comunitário, fato este que  não posto em causa nem pela Requerida nem pela Requerente. Pelo que este primeiro requisito se encontra devidamente preenchido.
  2. Quanto ao segundo e ao terceiro requisito, podemos analisá-los em conjunto. Assim  compete à Requerente demonstrar se os bens forem expedidos ou transportados do território nacional para fora da Comunidade pelo adquirente ou por um terceiro por conta deste,  e prestar comprovação documental da saída dos bens de acordo com o estabelecido pelo DACAC.
  3. Face à moldura jurídico-fiscal supra indica, compete assim à Requerente demonstrar mediante documentos alfandegários apropriados, que as mercadorias foram efetivamente transportadas para fora da União Europeia, e que a paragem e troca de transporte feita no porto de Roterdão ou noutro local dentro do espaço comunitário, constitui uma colocação por parte da Requerente das mercadorias a cliente extracomunitário num território pertencente à Comunidade Europeia.
  4. Com efeito, tem de existir um nexo entre o método ou métodos de transporte, as datas de saída dos bens da posse da Requerente e a transmissão para o adquirente e a data de entrada dos bens no Pais terceiro e a estância aduaneiras por onde entrou.
  5. Para comprovar a saída dos bens, a Requerente juntou documentos de transporte, e várias declarações oficiais das autoridades aduaneiras suíças, das referidas declarações é possível identificar a estância aduaneira envolvida, a data e o material.
  6. Documentos alfandegários válidos e admissíveis como prova, conforme o dispõe o artigo 796.º-n.º 4, das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário.
  7. As declarações oficiais das autoridades aduaneiras suíças, constituem documentos alfandegários apropriados conforme o impõe o artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA.
  8. Das faturas juntas pela Requerente, em confronto com os documentos alfandegários, é possível concluir que os mesmos correspondem, se não vejamos:
    1. Fatura n.º 105 de 2011, de 08-06-2011, emitida pela Requerente à Sociedade B…, no valor de 7.817,50€, correspondente a 64 paletes de granito, que corresponde ao documento alfandegário emitido pelas autoridades aduaneiras (“Zollstelle”) suíças (de ... /..., de Schaffhausen da Koblenz e de Basel/St. Louis), que atestam a importação (“Einfuhrliste Definitiv”) dessas mesmas mercadorias (Granito/Granit) em território suíço pela C... .
    2. Fatura 122 de 2011, de 01-07-2011, emitida pela Requerente à Sociedade B…, no valor de 15.893,30€, correspondente a 132 paletes de granito, que corresponde ao documento alfandegário emitidos pelas autoridades aduaneiras (“Zollstelle”) suíças (de Rheinfelden e de Stein / Bad Sackingen), que atestam a importação (“Einfuhrliste Definitiv”) dessas mesmas mercadorias em território suíço pela C... AG.
    3. Faturas n.º 183 e 184 de 2011, de 18-09-2011 e pela nota de débito n.º 15 de 2011 de 18-09-2011, emitida pela Requerente à Sociedade B..., no valor total de 33,380.56 €, que corresponde ao documento alfandegário emitidos pelas autoridades aduaneiras (“Zollstelle”) suíças (de Rheinfelden, de Stein / Bad Sackingen e de Schaffhausen da Thayngen), que atestam a importação (“Einfuhrliste Definitiv”) dessas mesmas mercadorias (Granito/Granit) s em território suíço pela C... AG.
  9. Das faturas emitas pela Requerente à Sociedade B..., é possível determinar a data, quantidade, preço, unidades e identificação do local de envio (FOB/Leixões- Portugal).
  10. Da conjugação dos documentos alfandegários e das faturas emitidas, é possível verificar que se trata dos mesmos bens/materiais, e portanto existe assim um nexo entre os produtos vendidos pela Requerente e a respetiva saída do espaço comunitário pela via da Suíça.
  11. Esta comprovação por documentos, segue o entendimento da Jurisprudência do TJUE, nos processos 27.09.2007, Teleos e o., no processo n.º C-409/04, de 07.12.2010, R., no processo n.º C-285/09, de 06.09.2012, Mecsek-Gabona, no processo n.º C-273/11, e de 19.12.2013, BDV HungaryTrading, processo n.º C-563/12 n.º C-275/18, Milan Vinš, sendo que este último refere“a exportação de um bem é efetuada e (…) a isenção da entrega para exportação é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tiver sido transferido para o adquirente, quando o fornecedor demonstrar que o bem foi expedido ou transportado para fora da União e quando, na sequência dessa expedição ou transporte, o bem saiu fisicamente do território da União”.
  12. Atendendo aos documentos juntos pela Requerente, encontra-se feita a prova documental imposta para efeitos da isenção prevista no artigo 14 n.º 1 aliena a) do CIVA, bem como se encontra preenchidos todos os requisitos obrigatórios para que a presentes transmissões de bens constituam exportações e isentas.
  13. Encontra-se assim preenchidos o segundo e o terceiro requisito acima elencados.
  14. Nestes termos, as transmissões de bens aqui em apreço preenchem os requisitos do artigo 14 n.º 1 aliena a) do CIVA, alem de que a Requerente fez a prova documental que lhe competia, cumprindo o disposto nos termos do artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA, para a aplicação da respetiva isenção.
  15.   Assim, face ao anteriormente exposto, julga-se que as correções operadas pela AT e contestadas pela Requerente na presente ação arbitral enfermam de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, como tal ser anuladas.

I - QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

  1. O tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Deste modo, em face da solução dada, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral.

J - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

  1. Peticiona ainda a Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Perante o exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, a Requerente cumpriu o seu dever de declaração.
  3. Na verdade, ficou demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido. Desta forma e por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses que devem ser contabilizados  desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
  4. Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido da Requerente.

H- DECISÃO

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado n.º..., no montante de € 2.664,43, e n.º..., no montante de € 254,03, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201106, n.º..., no montante de € 4.521,86, e n.º ..., no montante de € 414,77, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201107, n.º..., no montante de € 8.874,52, e n.º..., no montante de€ 756,64, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período 201109, que fixou um imposto a pagar de €13.461,61 (treze mil quatrocentos e sessenta e um euros e sessenta e um cêntimos).
  2. Condenar a Requerida, a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos, relativo ao período que mediou entre a data de pagamento do imposto até a sua devolução, bem como, no pagamento dos juros indemnizatórios vincendos a contar da data da notificação da decisão, até, efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.ºa 5.ºdo art.º 61.º do CPPT,  à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo art.º 43.º da LGT até integral reembolso.

Fixa-se o valor do processo em €13.461,61 (treze mil quatrocentos e sessenta e um euros e sessenta e um cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique.

Lisboa, 11 de Março de 2020

A Árbitra

Rita Guerra Alves