Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 587/2019-T
Data da decisão: 2020-02-24  IRC IVA  
Valor do pedido: € 31.831,00
Tema: IRC e IVA - perda por imparidade; dedutibilidade do IVA relativo à comissão paga pela venda do imóvel afeto à atividade da Requerente
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Decisão Arbitral

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., LDA., com o NIPC ... e sede na Rua ..., nº..., ..., em Lisboa, vem requerer a anulação:

(i)           do acto de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2019... referente ao ano 2015;

(ii)          do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2019... referente ao ano 2015.

 

A Requerente pretende, assim, que seja declarada a ilegalidade dos referidos actos de liquidação de IRC e de IVA.

 

A 13 de Janeiro de 2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT, respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

 

Foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

II.            MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente é um sujeito passivo de IRC, enquadrado no regime geral de tributação, com um período de tributação coincidente com o ano civil e exerce a actividade de "outras atividades de consultadoria para os negócios e a gestão" a que corresponde o Código de Atividade Económica (CAE) 70220 e a nível secundário a actividade do CAE 46382 "comércio por grosso de outros produtos alimentares;

b)           A Requerente é uma empresa de consultoria de gestão focada no acompanhamento da actividade financeira e contabilística das empresas clientes;

c)            A Requerente desenvolvia a sua actividade via internet, sendo as reuniões efectuadas via Skype, com visitas ocasionais pessoais aos clientes;

d)           A actividade da empresa era exercida a partir do imóvel denominado ..., sito em ...;

e)           O imóvel identificado encontrava-se registado como um bem activo não corrente;

f)            No período de tributação de 2015, a Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção credenciado pela Ordem de Serviço 0I2018..., tendo o SIT efectuado correções fiscais no montante global de €287.600,77, o que originou uma alteração do prejuízo fiscal declarado de - €144.390,83 para um lucro tributável corrigido de €143.390,83;

g)            A 26 de Abril de 2019 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2019..., que por sua vez despoletou a emissão da Nota de Acerto de Contas identificada com o n.º 02019... e o consequente pagamento de imposto no montante de €21.941,65 com data limite de pagamento de 6 de Junho de 2019;

h)           A liquidação adicional de IRC resulta da não aceitação de uma imparidade de crédito no montante de €250.000,00 da sociedade "B..., SA" ("B...") registada no exercício de 2015 na c/c "6512 - Outros Devedores”;

i)             A Requerente detinha 33,25% na sociedade B...;

j)             A B... foi objecto de Plano Especial de Revitalização, junto do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa, Noroeste-Sintra-Juízo do Comércio n.º de processo .../13...T2SNT, EM 18.12.2013;

k)            Não foram apresentados comprovativos de transferência dos suprimentos registados;

l)             Os suprimentos realizados pela Requerente constam de "Declaração de Reconhecimento de Divida”, de 20-12-2009;

m)          No âmbito da Inspecção Tributária realizada foi corrigida a dedução do IVA respeitante a serviços inerentes à transmissão onerosa do imóvel afecto à actividade da empresa, no valor de €9.890,00 pago pela Requerente pela contratação de serviços de “mediação imobiliária” à sociedade “C..., Lda;

n)           A correção foi feita ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, de acordo com a qual só confere o direito à dedução o imposto devido que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização, entre outras, de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

 

2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo.

 

III.          MATÉRIA DE DIREITO

 

As principais questões que se colocam nos presentes autos prendem-se com saber se, por um lado, o acto de liquidação adicional de IRC objecto da presente petição é ou não legal considerando a não aceitação como perda por imparidade dos suprimentos não recebidos pela Requerente. E, por outro lado, se o acto de liquidação adicional de IVA tem ou não enquadramento legal, tendo em conta a não aceitação da dedutibilidade do IVA relativo à comissão paga pela venda do imóvel afecto à actividade da Requerente.

 

a.            Posição da Requerente

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em síntese, o seguinte:

 

a.            A Requerente é uma empresa de consultoria de gestão focada no acompanhamento de toda a actividade financeira e contabilística das empresas clientes;

b.            Como a Requerente provou e não é posto em causa pela inspeção, a Requerente sofreu uma efectiva perda no montante de €250.000,00, por não ter recuperado o crédito que detinha sobre a B... Lda;

c.            Face à doutrina e jurisprudência citadas não colhe, portanto, a fundamentação da inspeção no sentido de que, tendo o PER sido instaurado em 2013, então, foi nesse ano que se verificou o risco de incobrabilidade, e era, exclusivamente, nesse ano que devia ter sido reconhecida a perda por imparidade;

d.            Em consequência, não tendo havido qualquer prejuízo com o diferimento do reconhecimento da perda por imparidade, não devia ter sido efectuada a correcção, limitando-se aquele dever de correcção por força do princípio da justiça;

e.            E, também não prevalece o fundamento de que se trata de um crédito que não resulta da actividade normal da empresa;

f.             Com efeito, actividade normal de uma empresa deve corresponder ao conjunto de accções ou actos que determinam ou influem na vida empresarial.

 

2.            Nenhuma disposição no Código permite circunscrever o conceito de actividade à “actividade produtiva”, como se as relações creditícias que as empresas estabelecem resultassem exclusivamente de vendas ou prestações de serviços;

3.            O conceito de actividade não pode ser entendido em sentido restritivo, mas sim num sentido amplo, significando actividade relacionada com a fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos;

4.            E, assim sendo, a actividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus activos e da gestão dos seus passivos. Isto é, inclui ainda e necessariamente o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de activos, a obrigatoriedade de efectuar suprimentos ou prestações suplementares, operações em consequência das quais também se geram dívidas e receber;

5.            Por isso, é ilegal a correção com fundamento de que o crédito não resultou da actividade normal da empresa;

6.            Todavia e sem prescindir, mesmo que se entenda que o crédito não resulta da actividade normal da empresa, é certo que a Requerente não recebeu o montante correspondente à controvertida dívida;

7.            Ora, o Código do IRC permite a consideração directa como perda dos créditos incobráveis, quando resultem de processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

8.            É inequívoco que o crédito em causa não foi recuperado e, assim sendo, pode ser considerado como crédito incobrável, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.

9.            Relativamente à liquidação adicional de IVA, sendo a Requerente, como consta do Relatório, um sujeito passivo do regime normal, exerce apenas actividades que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante;

10.          No caso que aqui se discute, limitou-se a transmitir onerosamente o imóvel afecto à actividade da empresa, que obviamente constitui um bem que contribui para a realização operações sujeitas a imposto, mas cuja venda está isenta de imposto por se tratar de uma operação sujeita a IMT;

11.          A norma ao abrigo da qual foi feita essa correcção é o artigo 20º, nº 1 alínea a) do CIVA, segundo a qual só confere direito a dedução o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização, entre outras, de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

12.          Contudo, terá de se admitir, em face da essência do IVA que assenta no mecanismo de dedução do imposto suportado a montante, que o direito à dedução do imposto subsiste mesmo na ausência desse nexo directo e imediato, contanto que os custos dos bens e serviços em causa façam parte das despesas gerais e, nessa qualidade, estarem necessariamente compreendidos no preço dos bens ou serviços que o sujeito passivo presta.

13.          Donde tem forçosamente de se concluir que o custo da prestação de serviços aqui em causa faz parte das despesas gerais da Requerente e é, enquanto tal, elemento constitutivo do preço dos seus produtos, tendo, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo, e, então, o  imposto sobre o valor acrescentado que onerou essa despesa é dedutível.

14.          E, em consequência, também a liquidação do IVA não pode prevalecer, por ilegal.

 

Por sua vez, considera a AT o seguinte:

 

1.            Na sequência de solicitação de informação formalizada pelos SIT, relativamente à natureza dos suprimentos efetuados à "B...", e que foram reconhecidos como imparidade no exercício de 2015, foi dado conhecimento da impossibilidade de disponibilizar os comprovativos desses pagamentos, dado os mesmos terem ocorrido em anos muito anteriores a 2008, e que relativamente à possibilidade de a empresa vir a ser ressarcida do valor dos suprimentos poderia decorrer da concretização da dação de pagamento, conforme melhor descrito no RIT;

 

2.            Reforça-se que, tendo presente a legislação que enquadra tanto as perdas por imparidade, como os créditos de cobrança duvidosa, a imparidade de créditos registada na “c/c 6512 - Outros devedores” no montante de € 250.000,00 não tem enquadramento na al. h) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, visto que não deriva da actividade normal da entidade, mas sim, de suprimentos realizados pela "A..." numa empresa em que detinha 33,25% (mais de 10%), como se constata na "Declaração de Reconhecimento de Divida, de 20-12-2009";

3.            Não existindo no código uma definição de actividade normal, para que sirva de delimitação dos créditos cuja perda por imparidade possa ser aceite, é assumido que apenas relevam os créditos decorrentes das operações de natureza comercial relacionadas com a venda de bens e prestações de serviços respeitantes à actividade da empresa, ou seja, operações que envolvam transacções correntes;

4.            O artigo 28.º do Código do IRC-A sob a epígrafe "Perdas por imparidade em dívidas a receber” dispõe na alínea a) do n.º 1 que, podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores relacionadas com créditos resultantes da actividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

 

5.            Ora, sabendo-se que a Requerente não é uma sociedade gestora de participações sociais, estando apenas vocacionada para o exercício das actividades a que correspondem os seus CAE, ou seja, para "outras atividades de consultadoria para os negócios e a gestão" e para o "comércio por grosso de outros produtos alimentares”, afigura-se-nos inequívoco que operações associadas a suprimentos não se materializam na actividade normal da Requerente;

6.            As perdas por imparidade são consideradas perdas desde que incorridas ou suportadas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC; o crédito incobrável em causa deveria ser directamente considerado gasto no período de tributação a que respeita a homologação do PER, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC.

7.            Contudo, a sua aceitação como fiscalmente dedutíveis, depende da verificação das seguintes condições cumulativas: i. Sejam derivadas da actividade normal da entidade, ou seja, os créditos que são originados por vendas de bens e serviços que sejam próprios dos objectivos ou finalidade principais da empresa, afastando, liminarmente, os créditos que resultem de meras operações de carácter financeiro, os juros de mora (exceto decorrentes da actividade normal), e venda de ativo fixo tangível; ii. Possam ser considerados de cobrança duvidosa - As perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa encontram-se descritas no artigo 28.°-B do CIRC, onde se determina que os créditos de cobrança duvidosa são aqueles em que o risco de cobrabilidade esteja devidamente justificado; e iii. Os créditos de cobrança duvidosa estejam evidenciados na contabilidade.

8.            Em jeito de conclusão, face ao que dispõe a al. c) do n.º 1 do art.º 41.º e o n.º 1 do art.º 18.º, ambos do Código do IRC, são de improceder os argumentos da Requerente e de manter a correção fiscal controvertida na medida em que:

• O PER da B... foi homologado no período de tributação de 2013 pelo Tribunal da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste - Sintra - Juízo do Comércio.

• A Requerente não apresentou qualquer justificação para não ter registado a perda por imparidade em 2013.

• Não é indiferente nem para a requerente nem para o Estado que, o registo contabilístico do crédito incobrável em causa tenha sido efetuado em 2015 e não em 2013.

• A Requerente ao não ter registado o crédito incobrável em apreço em 2013, apurou um prejuízo fiscal de -€39.081,05 passível de dedução nos cinco períodos posteriores, nos termos do art.º 52.º do CIRC, na redação em vigor à data de 31 de dezembro de 2013.

• Caso tivesse considerado a perda relativa ao referido crédito no período de 2013, apuraria prejuízos fiscais no montante de - €289.081,05.

• Tendo procedido em 2015, ao registo contabilístico da perda associada ao crédito controvertido, a Requerente beneficia da redação do artigo 52.º do Código do IRC dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a qual veio alterar a dedução dos prejuízos fiscais "aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores".

• O espaço temporal para a dedução dos prejuízos fiscais aos lucros tributáveis futuros foi alterado de cinco períodos em 2013 para 12 períodos de tributação em 2015, pelo que,

• Estamos na presença de uma situação não neutral, não se podendo desprezar o princípio da periodização do lucro tributável, de acordo com o regime de periodização económica previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, com a ligeireza com que pretende a Requerente.

 

9.            Segundo a Requerente, o direito à dedução subsiste mesmo na ausência de nexo directo e imediato, contanto que os custos dos bens e serviços em causa façam parte das despesas gerais e, nessa qualidade, estarem necessariamente compreendidos no preço dos bens e serviços que o sujeito passivo presta.

10.          A este respeito dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA, que: “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.

11.          As isenções previstas no artigo 9.º do Código do IVA são usualmente denominadas por “incompletas” porque não se procede à liquidação de imposto nas operações ativas, mas também não se pode deduzir imposto nas operações passivas.

12.          No caso em análise, a operação é isenta ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA, pelo que é devida a regularização de imposto a favor do Estado no montante de €9.890,00, deduzido indevidamente pelo sujeito passivo, nos termos da legislação mencionada.

13.          No entanto, de acordo com os elementos juntos aos autos resultou provado que o imóvel em causa se encontrava afecto à actividade da requerente, tratando-se por isso de um bem do activo não corrente.

14.          Donde, reiteradamente, se conclui que a venda de imóveis está excluída do exercício da sua actividade, porquanto não se encontra relacionada com “gestão focada no acompanhamento de toda a actividade financeira e contabilística (com a emissão de todo o reporting de gestão) das empresas clientes”, nem com o comércio por grosso de produtos alimentares.

15.          Não podendo por isso tal operação ser considerada como integrante das actividades habitualmente desenvolvidas pela Requerente.

16.          Ademais, e mais relevante, os referidos serviços foram contratados para a prática de uma operação sujeita a imposto, mas dele isenta, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do art.º 1.º, e da alínea 30) do artigo 9.º do Código do IVA, com o n.º 1 do art.º 2.º do Código do IMT.

17.          Ora, no caso concreto os serviços adquiridos para preparar a venda do imóvel, contribuíram para a posterior realização de uma operação isenta.

18.          A jurisprudência invocada menciona claramente que, para que o imposto seja dedutível é necessário que os custos sejam repercutidos nas operações “tributadas a jusante” (Cfr. Acórdão do TJUE, proferido no Processo n.º C-465/03 e Acórdão do STA, de 07/03/2013, proferido no processo n.º 01148/11).

19.          Uma vez que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre serviços utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens sujeitas a imposto e dele não isentas [Cfr. alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIVA], o IVA incluído nos serviços em causa não pode deduzir-se.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

A – IRC – Créditos Incobráveis

De acordo com a Requerente a liquidação adicional de IRC sub judice é ilegal, uma vez que os suprimentos não recebidos pela Requerente constituem um crédito incobrável dedutível ao abrigo do artigo 28.º-A, n.º 1 a) ou, então, ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC.

 

No fundo, a questão em discussão prende-se com a aceitação ou não da perda por imparidade registada pela Requerente como dedutível. Neste contexto, determina o artigo 23.º do Código do IRC o seguinte:

 

“Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…)

h) Perdas por imparidade; “

 

Por sua vez, o artigo 28.º-A do Código do IRC dispõe, com relevância para a solução do caso em litígio, o seguinte:

 

“Artigo 28.º-A

Perdas por imparidade em dívidas a receber

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

(…)

3 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação.”

 

Resulta, então, do disposto no n.º 1 do artigo 28-ºA do Código do IRC que podem ser deduzidas as perdas por imparidade relativamente às quais se verifiquem as seguintes condições cumulativas:

             As perdas por imparidade sejam relacionadas com créditos resultantes da actividade normal;

             As perdas por imparidade possam ser consideradas de cobrança duvidosa fim do período de tributação;

             As perdas por imparidade estejam evidenciadas como de cobrança duvidosa na contabilidade.

Em face da disposição legal referida, importa antes de mais saber se os suprimentos efectuados pela Requerente constituem créditos resultantes da sua actividade normal.

Tendo em conta que a Lei fiscal não determina o que se deve entender por actividade normal para efeitos de delimitação dos créditos que ingressam na base de incidência do cômputo das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º l do artigo 28.º-A do Código do IRC, tem sido entendido que, para efeitos de constituição de perdas por imparidade, relevam apenas os créditos resultantes das operações de natureza comercial relacionadas com a venda de bens ou prestação de serviços, respeitantes à actividade da empresa, i.e., operações que envolvam transacções correntes.

A este propósito, o Centro de Estudos Fiscais, emitiu o Parecer, de 12.07.1995, no âmbito do Processo n.º 1244/95, de 12 de Julho, segundo o qual  “a única interpretação da alínea a), do n.º 1, do art.º 33.º do CIRC (que corresponde à actual alínea a), do número 1, do artigo 28.º-A) que se nos releva sustentável, pelas razões atrás definidas, é a que qualifica como relevantes, para efeitos da constituição das provisões (hodiernamente designadas perdas por imparidade) aí previstas, apenas os créditos que são originados por vendas de bens e prestações de serviços que sejam próprios dos objectivos ou finalidade principais da empresa, afastando, linearmente, os créditos que resultem de meras operações de carácter financeiro (adiantamentos ou entregas por conta).”

 

Tem, também, sido entendido pela melhor  doutrina que “se à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – no entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse - doutrina Rui Duarte Morais, in “Apontamento ao IRC”, Coimbra: Almedina, 2007, p.85 – então, esses gastos devem ser dedutíveis, na medida em que a actividade normal da empresa é constituída por todos os actos aos quais presida motivação e espírito empresarial, independentemente do seu resultado.

 

Neste sentido, tem sido entendido que a aquisição de um bem a integrar o activo fixo tangível não poderá ser considerada anormal, pois, “Será assim, tão normal, no âmbito da atividade da Requerente a venda de produtos, como a compra de matérias-primas ou de instrumentos de fabrico” para a elaboração de tais produtos. Em conformidade, “normalidade não deve ser confundida com regularidade.” – (Cfr. Decisão Arbitral n.º 90/2017-T, CAAD).

 

Também tem sido entendido que os créditos que resultem de meras operações de carácter financeiro (adiantamentos ou entregas por conta) não poderão ser aceites como gasto fiscal a título de perda por imparidade por não terem origem em vendas de bens e prestações de serviços que sejam próprios dos objectivos ou finalidades principais da empresa - (Cfr. Decisão n.º 535/2016-T, CAAD).

 

Deste modo, em face do exposto, considera-se que à luz da Lei não são aceites fiscalmente as imparidades de créditos decorrentes de actividade não normal da empresa, ainda que contabilisticamente constituam efectivas imparidades e estejam devidamente reconhecidas.

 

A análise do caráter normal da actividade tem de ser sindicada em concreto, perante as específicas circunstâncias do caso, isto é, perante a situação real e efectiva da empresa em causa, e suas circunstâncias (Vide Decisão n.º 1/2018-T, CAAD).

 

No caso em análise, constata-se que a Requerente tem como objecto social a actividade de consultoria para os negócios e a gestão e o comércio por grosso de outros produtos alimentares.

 

Não resulta, assim, que a actividade da Requerente se relacione com a concessão de crédito ou suprimentos a outras empresas relacionadas, não constituindo esse tipo de operação uma actividade típica e imediata da sociedade comercial por quotas constituída. Em consequência, cabia à Requerente demonstrar a ligação do crédito à actividade normal da empresa (Vide Decisão n.º 1/2018-T, CAAD).

 

Tendo em conta os factos e documentos carreados para os autos, apenas foi referido que a Requerente detinha um crédito, a título de suprimentos sobre a sociedade B... . Não foram alegados factos nem demonstrado pela Requerente que a concessão dos empréstimos/suprimentos teve qualquer motivação empresarial.

 

Deste modo, conclui-se que a Requerente não logrou provar casuisticamente a ligação dos créditos (atípicos) à sua actividade normal, não sendo em nenhum momento evidenciado o propósito empresarial subjacente aos suprimentos prestados.

 

À luz do disposto no artigo 28.º-A, n.º 1 c) do Código do IRC, não estão reunidas as condições legais cumulativas previstas para a aceitação da dedutibilidade fiscal do crédito incobrável, em causa.

 

Também não se encontram reunidas as condições legais previstas para a dedutibilidade de créditos incobráveis, nos termos do artigo 41.º, n.º 1 c) do Código do IRC, conforme defende a Requerente.

 

Na verdade, a disposição legal invocada pela Requerente, a título subsidiário, constitui uma norma especial em face da norma geral constante do artigo 23.º do Código do IRC. Não obstante, “Para serem fiscalmente dedutíveis, como gastos ou perdas do período de tributação (artigo 23.º), os créditos incobráveis têm que, em primeiro lugar, decorrer do âmbito da actividade normal do sujeito passivo, máxime, como resultado de operações respeitantes à actividade operacional ou corrente do sujeito passivo.” – Cfr. Código do IRC Anotado e Comentado, Rui Marques, Almedina, pp. pag 340.

 

Deste modo, não havendo correlação entre os créditos incobráveis e a actividade da Requerente, também, à luz do artigo 41.º, n.º 1 c) do Código do IRC não podem ser tais créditos dedutíveis.

Sem mais delongas, entende-se que o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC sub judice é improcedente.

B – IVA – Direito à dedução

No âmbito do IVA, importa determinar se o acto de liquidação adicional de IVA impugnado é ou não ilegal, na medida em que a AT procedeu à correcção do IVA deduzido pela Requerente pela prestação de serviços de intermediação de venda do imóvel antes afecto à actividade e sede social da Requerente.

 

Para tal importa saber que  o IVA é um imposto geral sobre o consumo que visa tributar a utilização final de bens e serviços, ou seja, a sua utilização pelo consumidor final.

 

Sendo um imposto indirecto de matriz comunitária e plurifásico, o IVA atinge tendencialmente todo o acto de consumo, sendo o direito à dedução um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.

 

É jurisprudência constante do TJUE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela Directiva IVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.

 

Tal como se salienta no Acórdão BP Soupergaz, o chamado método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fracionados, é o mecanismo essencial de funcionamento deste tipo de imposto. Como se refere nas conclusões deste Acórdão, “A este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e seguintes da Sexta Diretiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela diretiva.”

 

Mais se defende que “as disposições que preveem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto são de interpretação restrita”  .

 

Por isso, o princípio da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida caso os requisitos substanciais tenham sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. 

 

Neste contexto, de acordo com o TJUE, desde que a Administração Fiscal disponha dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das operações, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito à dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito.  

 

Na realidade, o direito à dedução consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado”, assentando no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtractivo indirecto ou ainda método das facturas.

 

De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IVA, através de uma operação aritmética de subtracção, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respectivas facturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs).

 

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objectivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjectivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.

 

Como requisitos objectivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal, de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do IVA.

 

Como requisitos subjectivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

 

No caso concreto em análise, constata-se que estão reunidos os requisitos objectivos do direito à dedução, não sendo contestado que o IVA consta de factura passada na forma legal, que se trata de IVA português, e que a despesa, por si, não está excluída do direito à dedução do IVA, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código do IVA. Há, no entanto, que verificar se o bem imóvel em causa está directamente relacionado com o exercício da actividade da Requerente.

 

A este propósito dispõe-se no artigo 20.º do Código do IVA que são as seguintes operações que conferem direito à dedução:

“1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º.”

Assim, tendo em conta o quadro legal vigente, a jurisprudência comunitária e a Directiva IVA, para determinar o direito à dedução é, então, necessário verificar:

 

             Se o IVA suportado em inputs esta directamente relacionado com outputs tributáveis;

             Se o IVA suportado em inputs está directamente relacionado com uma das actividades económicas prosseguidas;

             Se o IVA é suportado em custos gerais da actividade económica.

 

Tendo em conta que a aquisição do imóvel constitui uma operação isenta de IVA, a comissão de intermediação de venda do imóvel não está directamente relacionada com quaisquer outputs tributáveis, visto que o bem imóvel foi adquirido isento de IVA.

 

Assim, a Requerente não tem direito à dedução do IVA uma vez que os inputs não se relacionam com os outputs tributáveis, nem são efectivamente tributados.

 

O IVA poderá, no entanto, ser dedutível caso exista uma relação directa com as actividades económicas prosseguidas pela Requerente.

 

Ora, as actividades económicas prosseguidas pela Requerente consistem, de acordo com o seu objecto social na prestação de serviços de consultoria de gestão e apoio aos negócios. Não há assim qualquer relação entre a aquisição e venda do imóvel e os custos associados com as actividades económicas prosseguidas pela Requerente – vide artigo 6.º e 7.º da petição arbitral, não sendo o IVA dedutível com este fundamento.

 

Por fim, como defende a Requerente, importará saber se a despesa com o IVA, cujo direito à dedução se reclama, integra os custos gerais da actividade da Requerente. Neste contexto, concluiu-se no Caso BLP10 , que os bens ou serviços a montante devem apresentar uma relação directa e imediata com uma ou diversas operações sujeita(s) a imposto a jusante, sendo que o direito à dedução do IVA pressupõe que as despesas em causa devam constituir parte integrante dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.

 

Sucede que, a Requerente não alega, nem demonstra que de que modo ou em que termos a despesa em análise terá sido considerada na construção do preço das operações tributáveis realizadas.

 

Deste modo, e na ausência, em concreto, de relação directa e imediata da despesa com a actividade da Requerente, também não pode o IVA ser por esta via dedutível.

 

Conclui-se, assim pela improcedência do pedido de anulação do acto de liquidação de IVA sub judice.

 

IV. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC e IVA identificados no processo, no valor de €31.831,65;

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €31.831,65.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.836,00, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2020

 

(Magda Feliciano)

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)