Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 295/2022-T
Data da decisão: 2023-03-01  IVA  
Valor do pedido: € 832.604,99
Tema: IVA – verba 2.23 da Tabela I anexa ao CIVA- conceito de operação de reabilitação urbana para efeitos da aplicação da taxa reduzida de IVA aí prevista- comprovação da integração da obra em operação de reabilitação urbana previamente aprovada.
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 Sumário                                                                                                    

1- A aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Tabela I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana exige a localização do prédio em área de reabilitação urbana previamente delimitada pelo município e uma operação de reabilitação urbana aprovada, no âmbito da qual essas obras se realizem.

2- Não é suficiente, no entanto, para a aplicação dessa taxa a intervenção ser efetuada em área previamente delimitada, sendo também necessária a prova do enquadramento dessa intervenção em operação de reabilitação urbana aprovada.

3- Essa prova deve ser efetuada através de declaração da entidade incumbida da coordenação e gestão da operação de reabilitação urbana aprovada.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

  1. Requerente

A…., com o nº único de pessoa coletiva e identificação fiscal … e sede na Rua …, Lisboa.

 

  1. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

  1. Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral

3.1. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28/04/22 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis

3.2. A 1/5/20220, esse pedido seria pelo CAAD notificado à AT.

3.3.A Requerente indicou, na Petição Inicial (PI), como árbitro a Dr.ª Catarina Belim;

3.4.A 16/5/22, a Requerida indicou como seus representantes os drs. … e ….

3.5.A 17/6/22, a Requerida indicou como árbitro o Dr. António Barros Lima Guerreiro

3.6. Despacho de 12/7/2022 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro presidente o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros;

3.7. A 1/8/2022; o Presidente do CAAD, nos termos do nº 7 do art. 11º do RJAT, comunicaria às partes a constituição do Tribunal Arbitral.

3.8. A 3/10/2022, a Requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar aos autos o processo administrativo (PA).

3.9. A Resposta seria admitida pelo Presidente do Tribunal Arbitral, também a 3/10/2002, com fundamento no art.º 19º do RJAT;

3.10. Nesse mesmo dia o Tribunal Arbitral considerou dispensável a reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT e, dada a importância económica e jurídica do litígio, convidou as partes a apresentarem alegações escritas sucessivas no prazo de 10 dias;

3.11 A Requerente apresentou alegações a 2/11/2022 e a Requerida, em 15 desse mês.

 

  1. Pedido

A Requerente vem pedir a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, da autoria do Diretor de Finanças Adjunto do Diretor de Finanças da Direção de Finanças do distrito de Lisboa, por delegação, de 21/1/2022, apresentada contra as autoliquidações de IVA no valor total de € 832.604,99, respeitantes aos períodos de tributação compreendidos entre o 1º trimestre de 2020 e o 3º trimestre de 2021,documentadas nas declarações periódicas submetidas sob os nºs …, …, …, …, …, … e …, com fundamento em erro na aplicação de taxa., nos montantes de imposto de, respetivamente, de € 4.186,39, € 71.833,18, € 46.443,15, € 141.378,88, € 172.042,62, € 205.209,94€ 191.510,83, os quais teriam sido comprovadamente pagos em excesso.

 

  1. a) Posição da Requerente

A Requerente imputa os seguintes vícios ao indeferimento impugnado:

­Erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão, pelo não reconhecimento dos pressupostos de aplicação da taxa reduzida de IVA da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA, na medida em que essa taxa abrangeria todas as empreitadas de reabilitação urbana que se realizem em áreas de reabilitação urbana e outras que sejam realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional, em áreas delimitadas nos termos do nº 1 do art. 13º do RJRU, não dependendo em particular a aplicação do prévio licenciamento da construção de qualquer edifício, que seria um requisito adicional não previsto na lei.

-Violação das regras relativas ao ónus da prova; por ausência de demonstração dos fundamentos de facto que justificassem a aplicação da taxa normal de IVA em vez da taxa reduzida.

-Violação dos princípios constitucionais da igualdade e da adequação ou proporcionalidade da determinação do imposto.

-Erro sobre os pressupostos do direito a juros indemnizatórios.

Junta em apoio da sua pretensão, como Doc. nº 5 anexo à Petição Inicial (PI), Parecer da Profª da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra …, em que essencialmente a autora sustenta integrar uma operação de reabilitação urbana a construção nova, em terreno vago em virtude da demolição de construção anterior, localizado em área delimitada de reabilitação urbana, desde que de acordo com a estratégia de reabilitação urbana previamente aprovada pelo órgão competente do município.

Remete ainda para os precedentes das Decisões Arbitrais nºs 135/2020- T e 137/2022- T, que evidenciariam em sua opinião, “uma forte e consistente repulsa da jurisprudência” por posição idêntica à assumida pela AT no presente processo arbitral.  

 

  1. b) Posição da Requerida

Nos termos do nº 1 do art. 7º do referido RJRU, de acordo com a redação dada pelo referido art. 2º da Lei nº 32/2012, a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana promovida pelos municípios depende, não apenas da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana, como também da aprovação da correspondente operação de reabilitação urbana em que se vierem a integrar as obras projetadas.

Segundo a alínea b) do art. 2º do RJRU, área de reabilitação urbana é toda a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana.

A mera localização de um prédio em área de reabilitação urbana, ainda que comprovada no processo, não constituiria, deste modo, condição bastante para considerar que todas as obras efetuadas nesse prédio se subsumem ao conceito de reabilitação urbana e consequentemente, poderem beneficiar da aplicação da taxa reduzida de IVA.

Teria de ser a Câmara Municipal a aferir e a certificar que o projeto preenche os requisitos legalmente previstos, de modo a se integrar na estratégia de reabilitação aprovada.

Deste modo, não seria compatível com a letra e o espírito do RJRU a qualificação de uma empreitada como de reabilitação urbana, para efeitos dessa verba 2.23. da Lista I, independentemente do seu enquadramento, confirmado pelo município em estratégia ou programa estratégico de reabilitação urbana.

É com o ato administrativo de aprovação desta operação e não com o ato administrativo que se limita a operar a mera delimitação da área de reabilitação urbana que inicia a intervenção integrada sobre o tecido urbano a que se refere o nº 1 do art. 7º desse RJRU.

Cabe ao sujeito passivo do IVA justificar que o  projeto se integra  nessa intervenção, através de uma declaração de conformidade do projeto de construção com a operação de reabilitação urbana aprovada, emitida pela entidade municipal que proceda legalmente á coordenação e gestão da operação de reabilitação urbana.

 

II. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para conhecer do pedido, nos termos dos seguintes artigos do RJAT: 2º, n.º 1, alínea a); 5º, n.º 3, alínea a); 6º, n.º 2, alínea a) e 11º, n.º 1, todos do RJAT.

As partes são legítimas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas.

Não existe no processo qualquer nulidade.

 

As partes não suscitaram questões prévias nem exceções que o Tribunal deva conhecer antes de proferir a sua decisão.

 

III. Fundamentação de facto.

  1. Factos provados

O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes, considera provados os seguintes factos:

1 - A Requerente é uma sociedade por quotas constituída em 17/7/2018, tendo como objeto social a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para o mesmo fim, promoção imobiliária, consultadoria, gestão e apoio a projetos imobiliários, comercialização de produtos do ramo imobiliário, projetos e montagem de investimentos imobiliários, bem como a gestão de imóveis próprios e alheios; arrendamento, gestão de condomínios, exploração de empreendimentos imobiliários e turísticos, incluindo alojamento local”, estando registada,  com o CAE 68100 correspondente a “Compra e venda de Bens imobiliários “, relativo à sua atividade principal isenta de IVA, nos termos do 29º e 30º do art. 9º,constituindo atividade secundária a construção de edifícios residenciais ou não residenciais, atividade sujeita e não isenta de IVA.

2 - A Requerente está registada para efeitos de IVA como sujeito passivo misto abrangido pelo regime normal de periodicidade trimestral.

3 - De acordo com o Campo 3 do Quadro 06 e o Campo 102 do Quadro 06 - A de todas as declarações periódicas a que se refere o presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não realizou, no espaço de tempo a que tais declarações periódicas se reportam, quaisquer operações ativas mas liquidou o IVA à taxa de 23%, devido em virtude da aplicação do regime de inversão do sujeito passivo referido na alínea j) do nº 1 do art. 2º e no nº 13 do art. 36º, como consta do Campo 92 do Quadro 06.

4 - De acordo com o Campo 91 do Quadro 06 de todas essas declarações e dada a natureza da atividade do sujeito passivo, que, no período a que essas operações se referem realizou exclusivamente operações isentas de IVA, nos termos dos 29 e 30º do art. 9º do CIVA, sem ter renunciado a essa isenção nos termos dos nºs 5 a 7 do art. 12º do CIVA e legislação especial aí referida, o valor deduzido, apurado a favor da Requerente, foi zero.

5 - A Requerente é proprietária do prédio sito na Avenida …, …, freguesia de Olivais, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º …, adquirido em hasta pública, onde, aquando dos factos, pretendia construir um novo imóvel;

6 - A parcela referida no nº anterior situa-se numa zona qualificada no Plano Diretor Municipal de Lisboa como “Espaços Centrais e Residenciais a consolidar”, que, em 2010, segundo a Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa, 2011-2014, pg. 5, representava 82 % da cidade de Lisboa

7 - A partir de 26/3/2012, grande parte da área consolidada de Lisboa, com exceção das áreas recentemente urbanizadas, grandes equipamentos e cemitérios, é classificada como Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Lisboa, com a fundamentação constante do Preâmbulo da Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011 a 2024.

8 - O imóvel a construir, segundo o Projeto de Licenciamento/Arquitetura junto pela Requerente, num terreno vago pertencente a esse prédio, insere-se nessa ARU, conforme planta emitida no site da Câmara Municipal de Lisboa em Plantas online, a partir do Aviso n.º 8391/2015, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 148, de 13 /7/2015 e declaração do município de Lisboa anexa aos autos, objeto, desde então, segundo esse Aviso, de uma operação de reabilitação urbana simples, assente primordialmente na reabilitação do edificado.

9 - Essa construção, que visa em parte substituir construções anteriores entretanto demolidas foi efetuada com base em estudo de edificabilidade de Iniciativa Municipal, elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa.

10 - A Requerente, em 13/1/2020, assinou um contrato de empreitada com a empresa B… – Engenharia e Construções SA, doravante referida por B…, tendo como objeto a construção na área daquele prédio, de um novo imóvel para fins habitacionais e de comércio, com 3 caves.

11 - Tal contrato de empreitada não foi qualificado pelas partes como de reabilitação urbana, mas de mera empreitada, com a consequente aplicação, no que não fosse estipulado pelas partes, do Capítulo XII do Título II do Livro II do CC.

12 - No contrato de empreitada as partes afirmam constituir seu objeto a construção daquele imóvel com vista à sua ulterior colocação no mercado, a partir do dia 31/12/2021, para efeitos de arrendamento ou venda para habitação e comércio.

13 - Nos períodos compreendidos entre o 1º trimestre de 2020 e o  3º  trimestre de 2021, inclusive, em cada uma das autoliquidações que a Requerente apresentou, integradas nas respetivas declarações periódicas submetidas sob os nºs  …, …, …, …, …, … e …,  colocou no Quadro 3 o valor da faturação proveniente desse empreitada , ao qual foi aplicaria  a taxa de 23%, em vez da taxa reduzida de 6 %,atingindo o IVA por aplicação da taxa normal um valor superior em  € 832.604,99 àquele que teria resultado da aplicação da taxa reduzida;

14 - As faturas em causa foram elaboradas pela B…, nos termos do nº 13 do 36º do CIVA, datando de 31/3/2020, fatura com o nº …, no valor de € 24.625,80, de 28/4/2020, fatura com o nº …, no valor de € 66.413,61,de 29/5/2020, fatura nº …, no valor de € 200.810,38, de 30/6/2020, fatura nº …, no valor de € 155.231,13,de 31/8/2020, fatura nº …, no valor de € 83.593,10, de 30/9/2020, fatura nº …, no valor de € 100.959,69, de 30/10/2020, de 30/11/2020, fatura nº …, no valor de € 52.740,23, de 31/12/2020, fatura nº …, no valor de € 246.883,47, de 31/12/:2020, fatura nº …, no valor de € 28.702,66, de 29/1/2021, fatura nº …, no valor de € 316.362,22, de 31/1/2021, fatura nº …, no valor de € 27.857,49, de 26/2/2021, fatura nº …, no valor de € 307.900,21, de 26/:2/2021, fatura nº …, no valor de € 25.433,47, de 31/3/2021, fatura nº …, no valor de € 334.213,01, de 31/3/2021, fatura nº …, no valor de € 27.857,49, de 30/4/2021, fatura nº …, no valor de € 378.126,81, de 30/4/2021,fatura nº …, no valor de € 18.638,11, de 29/5/:2021, fatura nº …, no valor de € 381.766,91, de 31/5/2021, fatura nº …, de 30/6/2011, fatura nº …, no valor de € 420.839,85, de 30/7/2021,fatura nº …, no valor de € 325.142, 47, de 31/8/2021, fatura nº …, no valor de € 410.887,72, de 30/9/2021, fatura nº …, no valor de € 381.056,73 e de 30/10/2021,fatura nº …, no valor de € 9.447,33.

15 - Nos termos desse  nº 13 do art. 36º do CIVA, todas essas faturas  emitidas pela B… contêm a menção “IVA- autoliquidação”, referindo serem de construção civil os serviços prestados para efeitos da alínea j) do nº 2 do art. 2º do CIVA,  não referindo a taxa aplicável, a normal ou a  reduzida, nem mencionando a natureza de empreitada de  reabilitação urbana dos serviços prestados, nem identificando  declaração do município  certificando a localização do imóvel em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais.

16 - As faturas enumeradas não foram retificadas pela B…, em ordem a passarem a incorporar essa referência.

17 - A Requerente procedeu ao pagamento do IVA nos períodos ora contestados à taxa de 23%, com base na faturação emitida pela B….

18 - A Requerente apresentou a 18/10/2021, reclamação graciosa contra a autoliquidação de IVA dos períodos trimestrais de imposto compreendidos entre o 1.º trimestre de 2020 e o 3.º trimestre de 2021.

19 - No exercício do direito de audição sobre projeto de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente fez juntar aos autos os seguintes documentos:

- balancete anterior ao apuramento dos resultados de 2020;

- balancete posterior ao apuramento desses resultados;

- balancete a setembro de 2021;

- extratos do IVA liquidado a setembro de 2021.

- faturas recebidas pela Requerente emitidas pelo empreiteiro.

20 - Não apresentou qualquer certidão ou declaração da entidade municipal que procede à administração e gestão da operação de reabilitação urbana, comprovando o enquadramento da operação a realizar como de empreitada de reabilitação urbana, que consideraria desnecessária.

21- Despacho do Diretor de Finanças Adjunto do Diretor de Finanças da Direção de Finanças do distrito de Lisboa, por delegação, de 21/1/2022, indeferiria essa reclamação graciosa, com os fundamentos que integram a Resposta da Requerida nos presentes autos.

Não existem factos não provados relevantes para a decisão.

 

 

  1. Fundamentação da prova dos factos

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do art. 123.º do CPPT e n.º 3 do art. 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do nº 1º  do art.  29.º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do art. 511.º do CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi dessa alínea e) do n.º 1 do art. 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do art. 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV - Questão decidenda

Nos presentes autos a questão a decidir é a de determinar as condições legais que devem ser preenchidas para a aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que abrange as empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais e se essas condições foram efetivamente preenchidas no caso em apreciação.

 

V. Fundamentação de Direito

A atual verba 2.23 da lista I, na redação dada pelo art. 76º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12, sujeita à taxa reduzida de 6 % as empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, o referido RJRU, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

A liquidação do imposto, pela taxa normal ou reduzida, cabe ao empreiteiro ou subempreiteiro, enquanto prestador de serviços de construção civil, ou, quando for aplicável o regime de inversão do sujeito passivo, como aconteceu no presente caso, ao dono da obra, com base na fatura emitida pelo empreiteiro ou subempreiteiro.

É, com efeito, sempre ao prestador de serviços de construção civil, empreiteiro ou subempreiteiro, que cabe proceder à elaboração da fatura, a qual, quando aplicável o regime de inversão, deve conter a menção “Autoliquidação”, nos termos do nº 13 do art. 36º do CIVA.

Essa menção à autoliquidação consta de toda a faturação emitida pela B…, com base na qual a Requerente autoliquidou IVA.

No regime- regra da liquidação do IVA, a fatura emitida pelo prestador deve incluir, através da identificação dos serviços prestados, todos os elementos  necessários à determinação  da taxa a aplicar, normal ou reduzida, na autoliquidação, nos termos da alínea b)  do nº 5 do art. 36º do CIVA .

No caso de o imóvel estar localizado em área de operação de reabilitação urbana, para efeitos da determinação da taxa a aplicar deve esse facto ser evidenciado na faturação da empreitada ou  subempreitada, que, além de identificar os serviços prestados como de reabilitação urbana, deve referir a declaração do município que ateste a localização do imóvel em área de reabilitação urbana, da qual possa resultar a aplicação da taxa reduzida de 5 % (nº 13 da Informação Vinculativa no Proc. nº 9650, de 9/12/2015, da DSIVA). 

No caso do regime de inversão, é, no entanto, ao sujeito passivo do IVA, o dono da obra, e não ao prestador do serviço, o empreiteiro, com base na fatura emitida pelo prestador dos serviços, que cabe simultaneamente liquidar o IVA e beneficiar da sua dedução, caso a natureza da sua atividade económica o permita. Por despacho do subdiretor- geral da AT de 21/3/2016, ficha doutrinária nº 10.048, foi entendido que “Cabendo, em resultado da aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, ao adquirente dos serviços, a liquidação e entrega do IVA que se mostre devido, incumbir-lhe-á  também mencionar a aplicação da verba 2.23 da lista anexa ao CIVA, por se constituir como um dos elementos específicos necessários à determinação da taxa aplicável, devendo, evidentemente, possuir os documentos comprovativos suficientes para a verificação, por parte da AT, dessas mesmas condições”.

Esse regime de inversão não abrange os sujeitos passivos totalmente isentos, mas compreende os sujeitos passivos mistos, como tais cadastrados, em que se inclui a Requerente. Tal regime de inversão é aplicável ainda que tais sujeitos passivos cadastrados como mistos não exerçam efetivamente a atividade tributável (Despacho do Subdiretor-geral da AT de 1/7/2021, Proc. nº 21.440). 

A Requerente considerou inicialmente a empreitada em causa estar abrangida pela taxa normal e não pela taxa reduzida.

Essa opção só pode ter por justificação os serviços adquiridos à B…, a que se refere o presente pedido de pronúncia arbitral, ainda que relacionados com uma operação de reabilitação urbana aprovada, não integrarem a execução de operação de reabilitação urbana, que é um conceito claramente definido nas normas de direito administrativo enquadradoras da atividade de construção civil, completando o direito privado aplicável.

Nos termos do nº 1 do art. 7º do RJRU, a reabilitação urbana estrutura-se, à luz do direito administrativo, em torno de dois conceitos fundamentais: i) o de área de reabilitação urbana como tal delimitada, e ii) e o de operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de reabilitação urbana, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.

A aprovação da área de reabilitação urbana e a aprovação da operação de reabilitação urbana são atos administrativos distintos, sendo também diferentes os respetivos pressupostos legais, como, aliás explica com o devido detalhe o Manual de Apoio às Áreas de Reabilitação - Urbana - Processos de Delimitação e de Aprovação de Áreas de Reabilitação Urbana e de Operações de Reabilitação Urbana, pg. 3, disponível no Portal do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana.

Nos termos dos nºs 2 e 3 desse art. 7º do RJRU, tais atos de aprovação não têm de ser necessariamente simultâneos, podendo qualquer um deles anteceder o outro. Segundo o art. 15º, no entanto, no caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana, a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.

Segundo o nº 4 daquele art., a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana. Assim, as áreas de reabilitação urbana e das operações de reabilitação urbana coincidem necessariamente.

O art.º 2º do RJRU contém as seguintes definições, obviamente apenas para efeitos desse Regime Jurídico:

b) “Área de reabilitação urbana” é a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana;

c) «Edifício» é a construção permanente, dotada de acesso independente, coberta, limitada por paredes exteriores ou paredes meeiras que vão das fundações à cobertura, destinada a utilização humana ou a outros fins;

e) «Entidade gestora» é a entidade responsável pela gestão e coordenação da operação de reabilitação urbana relativa a uma área de reabilitação urbana

h) «Operação de reabilitação urbana» é o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área;

i) “Reabilitação de edifícios» é a forma de intervenção destinada a conferir adequadas características de desempenho e de segurança funcional, estrutural e construtiva a um ou a vários edifícios, às construções funcionalmente adjacentes incorporadas no seu logradouro, bem como às frações eventualmente integradas nesse edifício, ou a conceder-lhes novas aptidões funcionais, determinadas em função das opções de reabilitação urbana prosseguidas, com vista a permitir novos usos ou o mesmo uso com padrões de desempenho mais elevados, podendo compreender uma ou mais operações urbanísticas;
j) «Reabilitação urbana» a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios;  

k) «Unidade de intervenção» é  a  área geograficamente delimitada a sujeitar a uma intervenção específica de reabilitação urbana, no âmbito de uma operação de reabilitação urbana sistemática aprovada através de instrumento próprio, com identificação de todos os prédios abrangidos, podendo corresponder à totalidade ou a parte da área abrangida por aquela operação ou, em casos de particular interesse público, a um edifício.

O nº 1 do art. 8º do RJREU divide as operações de reabilitação urbana em duas categorias: simples ou sistemáticas.

A primeira categoria abrange, nos termos do nº 2 dessa norma legal, as que consistam numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução.

A segunda categoria, nos termos do nº 3, abrange as intervenções, igualmente integradas, de reabilitação urbana de uma área, dirigidas, não apenas à reabilitação do edificado, mas também “à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público”.

As operações de reabilitação urbana simples e sistemática são enquadradas, de acordo com o nº 4 da mesma norma, por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana.

Nos termos do art. 9º desse RJRU, as operações de reabilitação urbana são coordenadas e geridas por uma entidade gestora, que, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 10º, pode ser o próprio município, bem como uma entidade do setor empresarial local.

 

Segundo o nº 1 do art. 13º do RJRU, a delimitação das áreas de reabilitação urbana é da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal.

Tal delimitação, deve segundo o nº 2, ser devidamente fundamentada e conter memória descritiva e justificativa, que inclua os critérios subjacentes à delimitação da área abrangida e os objetivos estratégicos a prosseguir, a planta com a delimitação da área abrangida e o quadro dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais, nos termos da alínea a) do art. 14.

Essa alínea a) do art. 14º determina a delimitação de uma área de reabilitação urbana obriga à definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável

A delimitação de uma área de reabilitação urbana determina, deste modo, a assunção pelo Município e de outras entidades públicas da necessidade de congregar nessa área, um conjunto de intervenções e investimentos integrados, em consequência de uma estratégia previamente definida, assegurando a salvaguarda do património edificado e o desenvolvimento sustentável do respetivo território

Tal delimitação não teria, no entanto, qualquer utilidade se não fosse completada pela execução de uma operação de reabilitação urbana dentro do prazo de caducidade do despacho de delimitação da área de reabilitação urbana a que se refere o art. 15º do RJRU, cabendo ao município deliberar previamente se esta deve ser efetuada em instrumento próprio ou por meio de plano de pormenor, se deve ser simples ou sistemática, sobre a entidade gestora, o próprio município ou membro do setor empresarial local.

Segundo o nº 1 do art. 17º do RJRU, a aprovação de operações de reabilitação urbana através de instrumento próprio, nos termos do nº 1 do art. 7º, é da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal.

De acordo com o nº 3 do primeiro desses preceitos, o projeto de operação de reabilitação urbana, uma vez aprovado, é remetido ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., por meios eletrónicos, para emissão de parecer não vinculativo no prazo de 15 dias.

De acordo com o nº 5 dessa norma, após a discussão pública imposta no nº 4, é emitido o   ato de aprovação de operação de reabilitação urbana integrando os elementos legalmente exigidos é publicado através de aviso na 2.ª série do Diário da República e divulgado na página eletrónica do município.

No entanto, a aprovação de operações de reabilitação urbana pode igualmente ter lugar através de um plano de pormenor de reabilitação urbana, cujo processo de elaboração, acompanhamento e aprovação seguem a tramitação da Subdivisão IV da Divisão III do Capítulo II do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (DL n 80/2015, de 14/5), com os aspetos específicos contidos na regulamentação da Secção IV do Capítulo II da Parte II do RJREU.

Nos termos do nº 1 desse art. 30º do RJRU, as operações de reabilitação urbana simples são orientadas por uma estratégia de reabilitação urbana.
Segundo o nº 2 dessa norma legal, a estratégia de reabilitação urbana deve, sem prejuízo do tratamento de outras matérias que sejam tidas como relevantes:

a) Apresentar as opções estratégicas de reabilitação da área de reabilitação urbana, compatíveis com as opções de desenvolvimento do município;

b) Estabelecer o prazo de execução da operação de reabilitação urbana;

c) Definir as prioridades e especificar os objetivos a prosseguir na execução da operação de reabilitação urbana;

 d) Determinar o modelo de gestão da área de reabilitação urbana e de execução da respetiva operação de reabilitação urbana;

e) Apresentar um quadro de apoios e incentivos às ações de reabilitação executadas pelos proprietários e demais titulares de direitos e propor soluções de financiamento das ações de reabilitação;

f) Explicitar as condições de aplicação dos instrumentos de execução de reabilitação urbana previstos no presente decreto-lei;

g) Identificar, caso o município não assuma diretamente as funções de entidade gestora da área de reabilitação urbana, quais os poderes delegados na entidade gestora, juntando cópia do ato de delegação praticado pelo respetivo órgão delegante, bem como, quando as funções de entidade gestora sejam assumidas por uma sociedade de reabilitação urbana, quais os poderes que não se presumem delegados;

h) Mencionar, se for o caso, a necessidade de elaboração, revisão ou alteração de plano de pormenor de reabilitação urbana e definir os objetivos específicos a prosseguir através do mesmo.

Tal aprovação, no entanto, não foi efetuada por qualquer plano de pormenor, mas por meio de instrumento próprio, sob a forma de uma operação de reabilitação urbana simples, nos termos do art. 30º do RJRU. Porque é uma operação de reabilitação simples, no termos do nº 2 do art. 8º do RJRU, destina-se essencialmente, embora não exclusivamente, à reabilitação do edificado.

É pacífico a aplicação da taxa reduzida de IVA pressupor, não apena uma área delimitada de reabilitação urbana como uma operação de reabilitação urbana aprovada. Antes da aprovação dessa operação de reabilitação urbana, a empreitada é tributada à taxa normal (Decisão Arbitral nº 404/2022- T).

Tal operação de reabilitação urbana simples seria aprovada, para a área delimitada onde as obras se realizaram a 20/3/2012 com a fundamentação constante da Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011/2024, expressa na Deliberação da Assembleia Municipal n.º 11/AML/2012, publicada no Diário da República, 2ª série, em 26 /3/2012, através do Aviso n.º 5876/2012.

Viria, no entanto, essa operação de reabilitação urbana simples a ser alterada.

Tal resulta diretamente do Facto Provado nº 8, o referido Aviso 8391/2015.

Tal Aviso 8391/2015, nos termos do n.º 4 do art. 13.º, do n.º 4 do art. 17.º e do n.º 4 do art. 20.º-B do RJRU e, ainda, do n.º 2 do art. 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12/9, comunicaria, com efeito, “… que a Assembleia Municipal de Lisboa deliberou, através da Deliberação n.º 190/AML/2015, tomada na reunião de 7/7/2015, sob a Proposta n.º 388/2015, aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, na reunião de 24/6/2015, aprovar uma Alteração à Delimitação da Área de Reabilitação Urbana de Lisboa, incluindo a alteração da planta anexa à Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011/2014, e a alteração da respetiva Operação de Reabilitação Urbana Simples, publicada em Anexo”.

Não está em causa, assim, porque é uma evidência, que, na área da construção do edifício (ou edifícios) promovida pela Requerente, já vigorasse, desde 26/3/2012, data de publicação da Deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa que a aprovou, uma operação de reabilitação urbana simples devidamente aprovada que manteria essa natureza com a referida alteração. Esta, no entanto, não transformaria essa operação de reabilitação simples em sistemática, destacando-a da operação de reabilitação simples que continua em vigor.

Com efeito, a freguesia dos Olivais e áreas limítrofes ainda hoje não integra nenhum dos planos de pormenor de reabilitação urbana vigentes na área do município de Lisboa ( Madragoa, conforme o Aviso nº 8302/2016, a que se reporta a 2ª Série do Diário da República, de 1/7/2016), Janelas Verdes, conforme o Aviso nº 1451/2021, a que se reporta a 2ª Série do Diário da República, de 2/8/2021, Campus de Campolide, conforme o Aviso nº 9664,/2014, a que se reporta o Diário da República II Série, de 26/8/2014, e Baixa de Lisboa, Aviso nº 7126/2011, a que se reporta a II Série do Diário da República de 18/3/2011.

Do mesmo modo, nenhuma das operações de reabilitação urbana sistemáticas vigentes na área do município de Lisboa se desenvolve atualmente na freguesia dos Olivais (Olivais Velho e zonas limítrofes (Parque das Nações, Aviso nº 9022/2022, Diário da República II Série de 4/5/2022, Santa Clara, Aviso nº 5873/20, Diário da República II Série, de 3/5/2018, Campo Grande Calvanas, Aviso nº 10200/2020 Diário da República, II Série, de 9/2/2021, Tejo Trancão, Aviso nº 2528/2021, Diário da República, II Série, de 9/2/2021).

Todas essas operações de reabilitação urbana estão minuciosamente fundamentadas por memórias descritivas, objeto de regulamentos e acompanhadas de planta da respetiva área.

Não é suficiente, no entanto, a incidência de uma operação de reabilitação simples sobre o prédio para ser aplicável a taxa reduzida da verba 23.2.

É indispensável o efetivo enquadramento da obra na Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-2024, que é definida e executada pelo município ou pela entidade gestora a quem tiver delegado as suas competências legais, ainda com a colaboração de outras entidades públicas e particulares, em particular os proprietários. Com efeito, nos termos do nº 1 do art. 39º do RJRU, a execução da operação de reabilitação urbana, na componente das ações necessárias à reabilitação do edificado definidas pela entidade gestora, deve também ser promovida pelos proprietários ou titulares de outros direitos, ónus ou encargos relativos aos imóveis existentes na área abrangida pela operação.

Como refere a Requerente, a aplicação de verba 2.23 pressupõe um contrato de empreitada, nos termos do art. 1207.º do CC.

O ordenamento fiscal português não contém qualquer definição específica de empreitada, pelo que, em obediência ao disposto no n.º 2 do art.º 11º da LGT, torna-se necessário ir buscar a definição à lei geral, concretamente ao art.º 1207º do CC, segundo o qual se entende por empreitada “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. É esta a definição que a administração fiscal tem vindo a seguir, como a própria afirma na Informação Vinculativa emitida no referido Proc. n.º 21440:

Tal empreitada a realizar não é, no entanto, qualquer empreitada.

Deve ser considerada de reabilitação urbana no sentido de o objeto do contrato ser a reabilitação urbana, “tal como definida no diploma específico”, o referido RJRU, e legislação complementar, que contém um conjunto de disposições de direito administrativo aplicáveis à reabilitação urbana.

A divergência não incide, com efeito, sobre a qualificação do contrato entre a Requerente a B… como de empreitada, mas sobre a sua qualificação como contrato de empreitada de reabilitação urbana de acordo com a terminologia da verba 2.23. da lista I anexa ao CIVA e com o conceito de direito administrativo de reabilitação urbana, que enquadra a atividade de construção civil.

Para a Requerida, apenas seriam empreitadas de reabilitação urbana as integradas em operações de reabilitação urbana devidamente aprovadas nos termos da Secção III do Capítulo II da Parte II do RJRU, integração essa que deveria ser atestada por declaração do município nesse sentido.

A Requerente insiste que seriam empreitadas de reabilitação urbana todas as realizadas em áreas delimitada de reabilitação urbana, nos termos do nº 1 do art. 13º do RJRU, não sendo necessário ao sujeito passivo do IVA apresentar declaração da entidade gestora da operação de reabilitação urbana atestando o efetivo enquadramento da obra em operação de reabilitação urbana.

É evidente que, caso o entendimento da Requerente fosse aceite, a taxa reduzida abrangeria todas e quaisquer atividades de construção civil realizadas em áreas delimitadas de reabilitação urbana do município de Lisboa, 4/5 da área de todo o município, independentemente de qualquer prova do seu enquadramento em estratégias ou programas estratégicos de reabilitação urbana aprovadas, proporcionada pela entidade gestora da operação de reabilitação urbana, o que vai muito além do espírito e da letra das  normas jurídicas aplicáveis.

Fora do âmbito desta verba figura a  verba 2.27 da Lista I, a qual  inclui na taxa reduzida as  empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação, com exceção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares, independentemente de se desenvolverem ou não em áreas delimitadas de reabilitação urbana. Tal verba, com efeito, não se aplica aos edifícios novos, como aquele a que as obras respeitam, mas apenas a obras de recuperação em edifícios existentes, e só abrange os imóveis destinados a habitação.

Neste caso, o edifício construído pela Requerente não só é uma construção nova, já que foi erguido sobre um terreno desocupado como não tem por destino exclusivo a habitação, já que parte do edifício construído vai ser afeta a atividades comerciais.

Esse conceito de reabilitação urbana que essencialmente abrange a manutenção e modernização do património imobiliário, através de intervenções de reabilitação urbana exprime-se no art. 51º do RJRU (princípio da proteção do existente).

Também tem expressão no art. 45º do EBF, que diz:

“1- Os prédios urbanos ou frações autónomas concluídas há mais de 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana beneficiam dos incentivos previstos no presente artigo, desde que preencham cumulativamente as seguintes condições: 

a) Sejam objeto de intervenções de reabilitação de edifícios promovidas nos termos do RJRU , aprovado pelo DL .º 307/2009, ou do regime excecional do Decreto-Lei n.º 53/201 de 8/4.

b) Em consequência da intervenção prevista na alínea anterior, o respetivo estado de conservação esteja dois níveis acima do anteriormente atribuído e tenha, no mínimo, um nível bom nos termos do disposto no DL n.º 266-B/2012, de 31/12, e sejam cumpridos os requisitos de eficiência energética e de qualidade térmica aplicáveis aos edifícios a que se refere o artigo 30.º do DL n.º 118/2013, de 20/8, alterado pelo DL n.º 194/2015, de 14/9, sem prejuízo do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 53/2014.

Aos imóveis que preencham os requisitos a que se refere o º 1, dispõe o nº 2 serem aplicáveis os seguintes benefícios fiscais:

a) Isenção do IMI por um período de três anos a contar do ano, inclusive, da conclusão das obras de reabilitação, podendo ser renovado, a requerimento do proprietário, por mais cinco anos no caso de imóveis afetos a arrendamento para habitação permanente ou a habitação própria e permanente;

b) Isenção do IMT nas aquisições de imóveis destinados a intervenções de reabilitação, desde que o adquirente inicie as respetivas obras no prazo máximo de três anos a contar da data de aquisição;

c) Isenção do IMT na primeira transmissão, subsequente à intervenção de reabilitação, a afetar a arrendamento para habitação permanente ou, quando localizado em área de reabilitação urbana, também a habitação própria e permanente; 

d) Redução a metade das taxas devidas pela avaliação do estado de conservação a que se refere a alínea b) do n.º 1.

Segundo o nº 4, o reconhecimento da intervenção de reabilitação para efeito de aplicação do disposto no art. 45º deve ser requerido conjuntamente com a comunicação prévia ou com o pedido de licença da operação urbanística, cabendo à câmara municipal competente ou, se for o caso, à entidade gestora da reabilitação urbana comunicar esse reconhecimento ao serviço de finanças da área da situação do edifício ou fração, no prazo máximo de 20 dias a contar da data da determinação do estado de conservação resultante das obras ou da emissão da respetiva certificação energética, se esta for posterior.

Tal benefício fiscal pressupõe, assim, a defesa e a modernização do património imobiliário existente e não as construções novas, salvo quando estas se destinem à proteção e modernização desse património.

Dispõe, por outro lado, o art. 71:

“4 - São dedutíveis à coleta, em sede de IRS, até ao limite de   500 €, 30 % dos encargos suportados pelo proprietário relacionados com a reabilitação de:

a) Imóveis, localizados em 'áreas de reabilitação urbana' e recuperados nos termos das respetivas estratégias de reabilitação; ou
b) Imóveis arrendados passíveis de atualização faseada das rendas nos termos dos artigos 27.º e seguintes do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/2, que sejam objeto de ações de reabilitação.

5 - As mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção, de imóvel localizado em área de reabilitação urbana, são tributadas à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento.”

Apenas no caso previsto no nº 5 desta norma, a que se pode adicionar o previsto no nº 1, o legislador do EBF se satisfez para a concessão do benefício com a mera localização do imóvel reabilitado em área de reabilitação urbana, independentemente de a intervenção ser ou não efetuada no âmbito de uma estratégia ou programa estratégico de reabilitação urbana (nesse sentido, aponta a informação vinculativa de 26/7/2019, sancionada por despacho no proc. 2076/2019).

O conceito de “empreitada de reabilitação urbana” empregue na verba 2,23, aponta, sem ambiguidades, no sentido que as obras de reabilitação urbana aí referidas deverem ter enquadramento em estratégia ou programa estratégico de reabilitação urbana destinada à proteção e modernização do património imobiliário existente.

No entanto, a proteção e modernização do património existente pode circunstancialmente recomendar ou eventualmente exigir demolições integrais, demolições parciais ou a ampliação com um piso ou até mais pisos de imóveis existentes, nos termos das estratégias ou programas estratégicos de reabilitação urbana aprovados.  

 

A realização dessas ações não prejudica a natureza de operação de reabilitação urbana, para efeitos do RJRU, pelo que, nesse aspeto, o Parecer junto dos autos não suscita qualquer discordância.

Tal não quer dizer, no entanto, que, para efeitos do RJRU, os imóveis demolidos ou ampliados nessas condições, devam ser considerados reabilitados e possam aproveitar dos incentivos financeiros, fiscais e outros aplicáveis à reabilitação urbana.

A reabilitação urbana a que se refere a Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-2024 é a efetiva, não compreendendo a construção nova que não se destine à proteção e modernização do património imobiliário existente, de acordo com o conceito de reabilitação urbana expresso a 1, págs., 5 a 9 desse documento.

“Ao longo dos últimos 80 anos muito se tem discutido e debatido sobre os conceitos, os princípios da reabilitação e os meios de atuação sobre o património, seja ele edificado, cultural ou natural. Destes debates têm sido produzidos um conjunto de recomendações, cartas ou resoluções que procuram estabelecer uma visão comum sobre estas problemáticas.

As definições de Área e/ou Obra de Reabilitação Urbana têm sido objeto, ao longo dos anos, de diversos e diferentes conceitos, mais ou menos complexos, que se encontram vertidos na abundante legislação urbanística em vigor. Não chegando a ser contraditórios, a sua interpretação tem levado a aplicação de diferentes critérios para situações que, no seu conteúdo, são semelhantes. Considerando que a simples certificação de uma intervenção, como de reabilitação, pode significar a atribuição de um apoio ou benefício fiscal, compreende-se a necessidade. de termos uma definição clara, rigorosa e única dos termos que empregamos.

A concessão de benefícios fiscais e a redução de taxas municipais em obras de reabilitação já tem, hoje em dia, um significado relevante. Porém é importante que esses benefícios incidam em efetivas obras de reabilitação”.

E mais adiante:  

“A elaboração da presente estratégia de reabilitação obriga a, quanto antes, definir claramente o conceito de Reabilitação Urbana.

O conceito de reabilitação do edificado que se propõe, aplica-se nos casos em que, em resultado da operação urbanística, se mantenham as fachadas, o número de pisos acima do solo e os elementos estruturais de valor patrimonial (abóbadas, arcarias, estruturas metálicas ou de madeira), sendo admitido mais um piso pelo aproveitamento do vão da cobertura e, eventualmente, de pisos em cave nos termos definidos no PDM.

No caso de ser viável a construção de estacionamento é permitida a alteração de fachada para abertura do acesso de viaturas. Deste conceito ficam excluídas as obras de ampliação com ou sem manutenção das fachadas, e a ampliação de mais do que o piso de aproveitamento da cobertura.

Tal não significa que, no âmbito da intervenção numa área de reabilitação urbana, não seja possível, ou mesmo desejável em casos particulares, a demolição integral, que dá origem a uma obra nova, ou a ampliação com mais de um piso de um imóvel existente. Tais operações urbanísticas não beneficiarão de incentivos, nomeadamente isenções de taxas municipais, compensações urbanísticas e benefícios fiscais previstos para as obras de reabilitação urbana, no caso em que estiverem previstas em Plano de Pormenor ou numa operação em áreas de reabilitação sistemática nos termos do RJRU”. Da expressão “nomeadamente” resulta tais benefícios abrangerem as taxas reduzidas de IVA aplicáveis às empreitadas de reabilitação urbana”.

Assim, ao contrário dos edifícios reconstruídos, considerando-se tais aqueles em que a reconstrução mantiver a fachada e estrutura essencial do imóvel objeto de intervenção, os edifícios construídos de novo não são edifícios reabilitados.

Assim, tais obras de construção em espaços vagos não beneficiam legalmente, por falta de enquadramento nas normas legais citadas, dos incentivos financeiros nomeadamente da taxa reduzida de IVA, redução de taxas municipais ou da redução de compensações urbanísticas, o que, aliás, só é possível quando se integrem em operação de reabilitação sistemática.

Não está em causa o interesse urbanístico das obras realizadas pela Requerente ou o eventual benefício que delas possam advir para as políticas nacionais ou municipais de habitação ou outras de interesse social em execução no município de Lisboa.

Interessa, sim, se as novas construções, que não visam substituir, por hipótese, infraestruturas existentes, mas se destinam a habitação e comércio, estão abrangidas pelos incentivos à reabilitação urbana previstos da Estratégia de Reabilitação Urbana 2011-2024 definida e executada pelo município de Lisboa.

O entendimento que a construção em terreno vago, ainda que em área de reabilitação urbana, não está abrangida pela taxa reduzida da verba 2.23, foi seguido e aceite pela Requerente no início da execução do projeto, tendo consequentemente liquidado IVA à taxa normal.

Com efeito, à data de apresentação do projeto para aprovação camarária até ao presente o quadro legislativo manteve-se inalterado, bem como o quadro de classificação da área de reabilitação urbana em que o prédio da Requerente se localiza. A Requerente tinha conhecimento e consciência dessa realidade e por tal razão, do 1º trimestre de 2020 até ao 3º de 2021 preencheu  o Campo 3 do Quadro 06 nas declarações trimestrais de IVA.

E esse entendimento era o correto.

Com efeito, não pode haver qualificação de uma empreitada ou subempreitada como efetiva operação de reabilitação urbana se não forem preenchidos os termos previstos no RJRU. Conforme é afirmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de outubro de 2021, proferido no âmbito do proc. N.º 5665/17.1T8BRG.GI, Não é um facto notório que as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana estão sujeitas à taxa reduzida de 6% de IVA (nos termos do art.º 18º, n.º 1 a) do CIVA e ponto 2.23 da lista anexa a este diploma). A aplicação da taxa reduzida depende do enquadramento da obra em operação de reabilitação urbana sobre a área de reabilitação urbana, devidamente aprovada e não da mera localização em área de reabilitação urbana ainda que neste vigore uma operação de reabilitação urbana.

Aliás, no contrato de empreitada celebrado entre a Requerente e a empresa B… -Engenharia e Construções SA, em momento algum se alude sequer a reabilitação urbana, por outras  palavras, nada se refere acerca da conformidade da empreitada a realizar com uma operação de reabilitação urbana definida pela entidade gestora e enquadrada pelo direito administrativo. Com efeito, a finalidade da empreitada é identificada como a construção do Prédio, ou seja, a colocação do mesmo no mercado, a partir de 31 de Dezembro de 2021, para efeitos de arrendamento ou venda para habitação e comércio  e no  considerando B do mesmo contrato pode ler-se que a Requerente está interessada em promover, no Prédio Urbano… a construção de um Prédio para fins de habitação/comércio, com 3 caves…, nos termos do Projeto de Execução e do Licenciamento, melhor descritos e identificados neste contrato. Nenhuma menção refere nesse documento a figura da empreitada de reabilitação urbana.

No caso em apreço, a Requerente agiu, assim, relativamente a uma construção localizada numa área de reabilitação urbana tal como agiria se se tratasse de uma construção situada fora de uma área de reabilitação urbana, ou seja, como se objeto da construção fosse um normal empreendimento imobiliário, sem os constrangimentos habitualmente impostos pelo município a toda e qualquer operação de reabilitação urbana, a começar pela direção dessa operação por uma entidade gestora, o município ou entidade do sector empresarial local.

Como afirma a Requerida e este Tribunal subscreve, não basta a simples inserção de uma obra numa área de reabilitação urbana para que a mesma seja automaticamente considerada operação de reabilitação urbana e, consequentemente, taxada nos termos previstos na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.

Terá de ser a Câmara Municipal a aferir e a certificar, no âmbito dos seus poderes de aplicação da estratégia de reabilitação urbana aprovada, que determinado projeto tem enquadramento no âmbito de uma operação de reabilitação urbana.

A verdade é que não o fez, já que não é suficiente a declaração apresentada mencionar o imóvel localizar-se em área de reabilitação urbana.

Não está em causa a posição expressa no Parecer junto aos autos que a proteção e modernização do património imobiliário visada pela operação de reabilitação possa exigir a demolição de imóveis e a construção de outros.

Não é essa, no entanto, a questão em causa, mas se essas construções novas estão, ou não abrangidas pelos incentivos financeiros e fiscais à reabilitação de imóveis, entre os quais o da verba 2.23. da Lista I, nos termos da Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-2024. A essa questão a Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-2024 responde negativamente.

Razão reconhece-se à fundamentação da Requerida do indeferimento da reclamação

Efetivamente, o primeiro requisito para que determinada operação tenha enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA), é a de que esteja em causa uma empreitada, mas exige-se, desde logo, que a empreitada seja de reabilitação urbana. 5 - Deve, por esse motivo, entender-se, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana se as mesmas forem realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada. 6 - Porquanto é nas operações de reabilitação urbana aprovadas, através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, que estão contidos a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática (cf. artigo 16.º do mencionado normativo legal). 7 - Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana; 9 - O próprio Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, no já citado artigo 7.º, n.º 1, determina que a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta não só da aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana, mas também da operação de reabilitação urbana a desenvolver nestas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana”.

Como é sabido, na fixação do sentido e alcance das leis há que considerar, como se consagra no n.º 3 do art. 9º do Código Civil, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, à face deste princípio ficaria incompreensível o facto de no art. 2º do RJRU se encontrarem em alíneas diferentes, respetivamente na b), na j) e na h) as definições de “Área de reabilitação urbana”, “Reabilitação urbana” e “Operação de reabilitação urbana”. Com efeito, bastaria que a localização de uma obra estivesse classificada como área de reabilitação urbana, para que a obra fosse de imediato uma operação de reabilitação urbana, com as consequências jurídicas e fiscais daí advindas.

De outro modo, aliás, o incentivo aplicar-se-ia  a todas as operações efetuadas em áreas delimitadas de reabilitação urbana, ainda que sem qualquer componente efetiva de reabilitação, por não se enquadrarem em operação de reabilitação urbana aprovada, enquanto elementos integrantes da sua execução.

Esse enquadramento só o município, ou, por delegação, a entidade gestora que define e aplica a Estratégia de Reabilitação Urbana 2011/2024, pode adequadamente documentar.

É facto que sobre a parcela onde se localiza o imóvel a construir, como aliás sobre a área da quase totalidade da área do município de Lisboa, incide desde 2012 uma operação de reabilitação urbana simples.

Pretende a Requerente, que esse elemento seria suficiente para que as obras que aí tivessem lugar fossem abrangidas, em termos de IVA, pelo disposto na alínea a) n.º 1 do art.º 18º, em conjugação com a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.

Não apresentou, no entanto, a Requerente qualquer documento comprovativo de que a obra levada a cabo se enquadrava em uma operação de reabilitação urbana, tal como definida no art. 7º, n.º 1 do RJRU.

O Facto Provado nº 8 de que o imóvel, segundo o Projeto de Licenciamento/Arquitetura junto pela Requerente, vai ser edificado num terreno vago pertencente a esse prédio inserido numa área onde se desenvolve uma operação de reabilitação urbana, conforme planta emitida no sítio da Câmara Municipal de Lisboa em Plantas online, a partir do Aviso n.º 8391/2015, não tem como corolário o enquadramento das obras em operação efetiva de reabilitação urbana.

Resulta, pelo contrário, da anterior citação feita da Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011/2024, que essas obras não podem beneficiar da taxa reduzida de IVA, nem aproveitam das isenções de taxas municipais, compensações urbanísticas e benefícios fiscais previstos para as obras de reabilitação urbana.

Outra solução só seria possível desconsiderando totalmente o conceito de Estratégia de Reabilitação Urbana 2011-2024 em vigor no município de Lisboa.

Nesse sentido,  é afirmado nos n.ºs 31 e 32 da Informação Vinculativa da AT emitida no proc. n.º 21440, “ ( 31) Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana. (32) Entender que o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, se aplica, para efeitos da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, apenas no que diz respeito à definição de “reabilitação urbana” e à determinação da delimitação da área de reabilitação urbana é desconsiderar, no seu conjunto, a parte inicial da verba, a qual se refere especificamente que estão em causa “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico”.

E não se diga, como faz a Requerente, que a imposição aos sujeitos passivos da obrigação de atestar a natureza da operação urbana (por um município ou por uma outra entidade gestora) é uma ingerência das competências das autarquias nas competências tributárias. Não o é. Trata-se simplesmente de dar cumprimento ao estatuído na legislação específica do RJRU, sendo que é a própria verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA que para ele remete e, substancialmente, de assegurar o cumprimento, não apenas dos planos diretores municipais, mas das decisões das assembleias municipais, que não ficaria garantido caso se não obrigasse o sujeito passivo a demonstrar o real enquadramento das obras em operação de reabilitação urbana. Absurdo seria considerar como operações de reabilitação urbana, à margem da vontade das entidades gestoras das operações de reabilitação urbana, projetos puramente imobiliários, que, com a autêntica reabilitação urbana, além do eventual interesse urbanístico, apenas têm de comum serem desenvolvidos em áreas de reabilitação urbana, de cujas exigências regulamentares os construtores ficariam libertos.

Como é sabido, a reabilitação urbana é, pelo menos em regra, muito mais dispendiosa que a construção nova. A aceitação da tese da Requerente permitiu uma dupla vantagem que não apenas o legislador, mas o município de Lisboa não pretendeu associar: os benefícios de uma construção mais barata aos incentivos financeiros e fiscais aplicáveis à reabilitação urbana.

Não procede também o segundo vício apontado ao indeferimento impugnado de violação das regras relativas ao ónus da prova; por ausência de demonstração dos fundamentos de facto que justificassem a aplicação da taxa normal de IVA em vez da taxa reduzida.

Discute-se no processo determinar as condições que devem ser preenchidas para a aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA às empreitadas de reabilitação urbana.

A definição dessas condições é uma mera questão de direito: se à aplicação da verba 2.23 bastam a mera delimitação de uma área de reabilitação urbana e a aprovação de uma operação de reabilitação urbana simples ou sistemática nessa área ou é necessária a declaração pelo município confirmando o enquadramento das obras nessa operação de reabilitação urbana, declaração que a Requerente não apresentou e que era uma formalidade essencial da sua emissão (Facto Provado nº 20).

A divergência entre as partes incide sobre a questão de direito identificada e não sobre questão de facto pelo que é improcedente a alegação da violação das disposições legais sobre a repartição do ónus probatório.

Também inexiste violação dos princípios constitucionais da igualdade e da adequação ou proporcionalidade da determinação do imposto, quer na atuação da AT quer na lei que aplicou.

A AT atuou no âmbito de poderes vinculados, sem qualquer margem relevante de liberdade ou oportunidade. Por outro lado, a exigência da prova de as obras se enquadrarem em operação de reabilitação urbana aprovada é adequada e não excessiva em relação aos fins a atingir: garantir que os incentivos à reabilitação urbana cumpram os objetivos para que foram criados, o que pressupõe, voltando à Estratégia de Reabilitação Urbana 2011-2024, que essa reabilitação seja efetiva e evite a evasão e a fraude fiscal  

O entendimento da presente Decisão Arbitral não colide com a fundamentação de direito da Decisão Arbitral no processo nº 137/2022, que, citando o II do respetivo Sumário, foi o que “O legislador tributário não previu, na verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA, a obrigação de a aplicação da taxa reduzida de IVA a empreitadas de reabilitação urbana pressupor a prévia apreciação e aprovação do respetivo pedido de licenciamento por parte da entidade competente”.

A questão discutida nesse processo arbitral era efetivamente diferente da discutida no presente processo arbitral, já que no primeiro processo estava em causa o enquadramento dos Factos Provados nº s 9 e 10, de acordo com o qual as obras realizadas ao abrigo do contrato de empreitada em causa tiveram em vista uma renovação e beneficiação geral do edifício para que o mesmo, com décadas de utilização, fosse dotado das condições técnicas e de segurança (e.g. deteção e proteção contra incêndios) exigidas pelas leis e regulamentos em vigor para o seu uso normal e em contrapartida da empreitada de reabilitação e conservação a C... pagou o montante de € 1.985.830,75, “acrescido de IVA à taxa legal em vigor”. É de referir que esse tipo de obras de conservação não está sujeito a controlo prévio, nos termos da alínea a) nº 1 do art. 6º do DL nº 555/99, de 12/3.

No presente processo arbitral não está em causa a aplicação da taxa reduzida a quaisquer obras de renovação/ beneficiação, mas a construções novas.

Do mesmo modo, a questão de que se ocupa a presente Decisão Arbitral não é idêntica àquela sobre a qual se pronunciou a Decisão Arbitral do proc. nº 135/2020- T, em que a questão colocada era o enquadramento na parte final da verba 2.23 da Resolução do Conselho de Ministros nº 61/2012, de 5/7, que suspenderia, pelo prazo de dois anos, o disposto nos artigos 25.º, 48.º, 50.º e 53.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Cascais e nos arts,  81.º e 82.º do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Cascais (Cidadela)-Forte de São Julião da Barra, numa área localizada na freguesia de Carcavelos, concelho de Cascais, a qual tinha estabelecido medidas preventivas pelo mesmo período e para a mesma área e alterado a delimitação da Reserva Agrícola Nacional do Município de Cascais, com o fundamento de o projeto da Nova School of Business and Economics, doravante designado por Projeto Nova SBE, constituir uma iniciativa que se reveste de excecional relevante interesse nacional e geral, na medida em que aquela instituição tem sido uma das faculdades que mais se tem destacado, a nível nacional e internacional, na área da Gestão e da Economia, oferecendo todas as garantias no que respeita à intenção de criar, neste setor, uma estrutura de formação e investigação de excelência a nível mundial, acolhendo um conjunto de profissionais nacionais e estrangeiros de topo, na área da Gestão e da Economia nos 1.º, 2.º e 3.º Ciclos, nos Programas de Executivos e, ainda, nos Programas Avançados de Investigação.

Independentemente de qualquer juízo de concordância ou discordância dessas Decisões Arbitrais, que não é da competência do presente Tribunal, estão em causa questões de direito distintas.

Acerca de uma questão de facto idêntica à discutida no presente processo arbitral a Decisão Arbitral no proc. 404/2022-T pronunciou-se do seguinte modo:

«Na medida em que a reabilitação urbana ocorre dentro de uma área de reabilitação urbana (ARU), para a qual deve ser aprovada uma operação de reabilitação urbana (ORU), é a área daquela que deve ser tomada como referência para a determinação do sentido do respetivo conceito, o que significa, se partirmos dele, que se bem que na sua globalidade (isto é, para a totalidade da ARU e da ORU que para ela foi aprovada .assumida esta como uma intervenção integrada isto é, a intervenção constituída por várias operações urbanísticas devidamente articuladas entre si, a reabilitação urbana pressuponha a manutenção do património urbanístico e imobiliário, tal não significa, muito pelo contrário, que não se admitam, nessas áreas, operações de nova construção, de demolição ou de substituição de edifícios por outros , por isso se refere a lei à “manutenção substancial” no todo ou em parte (e não à manutenção integral) do património urbanístico e imobiliário (e não dos edifícios). E por isso se refere, também, à modernização daquele património (e não apenas dos edifícios isolados), designadamente por via de distintas operações (onde se inclui expressamente a nova construção e a demolição). Portanto, na ARU, podem ser admitidos vários projetos, nada impedindo que em determinados espaços estes projetos correspondam à construção de novos edifícios, noutros espaços à demolição de edifícios existentes e noutros, ainda, à substituição de edifícios (obsoletos ou menos adequados para os usos pretendidos) por edifícios material e funcionalmente distintos: fundamental é que parte substancial do tecido urbano da ARU (da totalidade da sua área de abrangência) seja mantido, o que deve ser salvaguardado na ORU, em especial nos seus instrumentos estratégicos (estratégia ou programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a ORU seja, respetivamente, simples ou sistemática).

(...) Assim, o conceito de reabilitação urbana, apesar de assentar na conservação substancial do edificado (globalmente considerada a ARU) admite todo um conjunto de intervenções que tanto pode consistir na alteração e na demolição do existente, em especial quando destinado a ser substituído por novos edifícios destinados aos mesmos usos ou a novos usos, desde que pretendidos pela (alinhados com a) estratégia em vigor.

Assim, é de considerar errado o primeiro fundamento invocado na decisão da reclamação graciosa, em que é afirmado que a «reabilitação urbana, contempla necessariamente a construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção preexistente, tal significa que há uma obra de construção, se o edifício estiver em ruína física».

No entanto, não está em causa qualquer incompatibilidade da demolição integral ou parcial de uma construção existente e subsequente substituição com uma operação de reabilitação urbana.

Na verdade, a reabilitação urbana não se confunde, por mais extensa, com a reabilitação do edificado.

O que está em causa é se os prédios reconstruídos no terreno vago por demolição de uma construção preexistente ou mesmo ancestralmente desocupados, devem beneficiar dos incentivos fiscais e financeiros aplicáveis aos prédios reabilitados. questão à qual a Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011- 2024 respondeu negativamente.

ilitação do edificado.

O que está em causa é se os prédios reconstruídos no terreno vago por demolição de uma construção preexistente ou mesmo ancestralmente desocupados, devem beneficiar dos incentivos fiscais e financeiros aplicáveis aos prédios reabilitados, questão à qual a Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011- 2024 respondeu esclarecedoramente.

Acrescenta essa Decisão Arbitral  no proc. nº 404/2022- T que:

“Mas, essa mesma característica da «reabilitação urbana» consubstanciar uma «intervenção integrada sobre o tecido urbano existente» obstará a que possa ser enquadrada em tal conceito qualquer construção de edifício novo não inserida num «conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área», isto é, que não se integre numa «operação de reabilitação urbana», à face da definição deste conceito que fornece a alínea h) do artigo 2.º RJRU não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23 referida.

Sucede, porém, que no caso em apreço foi aprovada a operação de reabilitação urbana correspondente à delimitação da área de reabilitação em causa e a aprovação foi concomitante com a aprovação dessa delimitação, como se conclui do Aviso n.º 8391/2015 referido na alínea G), da matéria de facto fixada”.

Não é, repete-se o que está em causa nos presente autos, em que é discutida , não  a existência de uma operação de reabilitação urbana para a área da construção, mas se os benefícios fiscais aplicáveis aos prédios reabilitados se aplicam aos prédios novos, pelo facto de estes se localizarem em área delimitada de reabilitação  urbana.

Neste contexto, é convicção deste Tribunal Arbitral que a certificação pela entidade competente é exigida pelo princípio da legalidade que rege o direito fiscal e pelo princípio da precaução que visa  prevenir a evasão e fraude fiscal. A certificação exigida não é substituída por presunção judicial não permitida em matéria de benefícios fiscais que são de interpretação e aplicação estrita. Os tribunais não têm competência para, por via direta ou indireta, alargarem o âmbito dos benefícios fiscais, estando vinculados ao estrito princípio da legalidade e consequentemente ao respeito pelas formalidades exigíveis nos preceitos legais aplicáveis.

Como decorre abundantemente das considerações anteriormente efetuadas, o licenciamento de uma construção em área de reabilitação urbana não quer dizer que esta se enquadre em operação de reabilitação urbana aprovada e o prédio reconstruído aproveite, por isso, dos benefícios fiscais e financeiros concedidos aos prédios reabilitados.

Significa apenas o início da legalização de uma construção.

A autorização de uma construção numa área em que decorra uma operação de reabilitação urbana aprovada não quer dizer que o objeto dessa permissão seja a reabilitação de edificado e que o proprietário do novo edifício possa aceder aos incentivos financeiros e fiscais aplicáveis à reabilitação urbana.

A tal se opõe, com a maior clareza, a Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011- 2024.

 

 

VI. DECISÃO

Em consequência, este Tribunal julga totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Não reconhecendo o Tribunal razão à Requerente, obviamente não pode ainda reconhecer-lhe o direito a juros indemnizatórios, conforme ao estatuído no art. 43º da LGT.

Termos em que este Tribunal decide julgar improcedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, em consequência,

  1. Não proceder à anulação das autoliquidações de IVA estruturadas nas declarações periódicas submetidas sob os n.os …, …, …, …, …, … e …;
  2. Não reconhecer à Requerente direito a juros indemnizatórios.

 

 

VII - VALOR

Fixa-se o valor do processo em 832.604,99 (oitocentos e trinta e dois mil, seiscentos e quatro euros e noventa e nove cêntimos), nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 97º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do art.º 29º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII – CUSTAS

Fixa-se em 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) o valor das custas, a cargo da Requerente. Nos termos da Tabela II, art.º 5º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Lisboa,15 de fevereiro de 2023

 

 

Os árbitros

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

 

Dr. António de Barros Lima Guerreiro

 

 

Dr.ª Catarina Belim

Com declaração de voto vencida, junta,

com 20 páginas

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDA (Catarina Belim) – para uma melhor compreensão do voto vencido, o mesmo deve ser lido em formato pdf devido às formas visuais utilizadas

 

  1. Com todo o respeito pela decisão do coletivo, entendo que a mesma padece de erro de direito quando: (i) conclui que para o enquadramento da empreitada como “empreitada de reabilitação urbana” é exigida declaração de enquadramento da empreitada em operação de reabilitação urbana emitida pela entidade incumbida da coordenação e gestão da operação de reabilitação urbana aprovada, requisito que não é exigido pela lei, e (ii) desconsidera os elementos apresentados pelo Requerente que demonstram o enquadramento da empreitada em causa na operação de reabilitação urbana simples de Lisboa e no conceito de empreitada de reabilitação urbana definido no regime jurídico de reabilitação urbana, sendo assim devida a procedência do PPA.

A norma em causa

  1. Está em causa a interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA que tem a seguinte redação:

2.23 - Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional. (Redação dada pela L 64-A/2008, de 31 de dezembro)

  1. De forma visual e sumária está em causa subsumir a empreitada em causa nos seguintes conceitos da norma:

 

 

Empreitadas

 

de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico,

realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana

delimitadas nos termos legais

 

 

 

 

 

    

 

 

 Elementos apresentados pela Requerente

  1. A Requerente apresenta os seguintes elementos para demonstrar a subsunção da obra nos respetivos conceitos legais:

 

 

Empreitadas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana

delimitadas nos termos legais

de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico,

  • Contrato de empreitada entre Requerente e B… – Engenharia e Construções S.A, de 13/1/2020 (doc. 2 junto reclamação graciosa, doc. 3 PPA)
  • Faturas emitidas pela B… com descritivo “Construção do Edifício de Habitação … II” e “IVA-autoliquidação” (doc. 6 da audição prévia da reclamação graciosa, doc. 4 PPA)
  • Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal do edifício … II, elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (doc. 3 junto com reclamação graciosa, doc 3 PPA)
  • Memória descritiva (doc. 4 junto com reclamação graciosa, doc. 3 PPA)
  • Parecer emitido pela Senhora Professora …, (doc. 5 junto com reclamação graciosa, doc. 3 PPA)
  • Declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa que o imóvel está localizado na Área de Reabilitação Urbana de Lisboa conforme o Aviso da Câmara Municipal de Lisboa n.º 8391/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 148, de 31 de Julho de 2015

(doc. 5 junto com reclamação graciosa, doc. 3 PPA)

 

Redação Verba 2.23 Lista I anexo ao CIVA

ELEMENTOS APRESENTADOS PELA REQUERENTE

Este Parecer refere (pág. 7):

Portanto, na ARU, podem ser admitidos vários projetos, nada impedindo que em determinados espaços estes projetos correspondam à construção de novos edifícios, noutros espaços à demolição de edifícios existentes e noutros, ainda, à substituição de edifícios (obsoletos ou menos adequados para os usos pretendidos) por edifícios material e funcionalmente distintos: fundamental é que parte substancial do tecido urbano da ARU (da totalidade da sua área de abrangência) seja mantido, o que deve ser salvaguardado na ORU, em especial nos seus instrumentos estratégicos (estratégia ou programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a ORU seja, respetivamente, simples ou sistemática)”

 

 

  1.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

Resposta da Requerida

  1. A resposta da Requerida é de forma sumária e gráfica a seguinte:

 

 

Empreitadas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana

delimitadas nos termos legais

de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico,

  • Contrato de empreitada entre Requerente e B… – Engenharia e Construções S.A, de 13/1/2020 (doc. 2 junto reclamação graciosa, doc. 3 PPA)
  • Faturas emitidas pela B… com descritivo “Construção do Edifício de Habitação … II” e “IVA-autoliquidação” (doc. 6 da audição prévia da reclamação graciosa, doc. 4 PPA)
  • Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal do edifício … II, elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (doc. 3 junto com reclamação graciosa, doc 3 PPA)
  • Memória descritiva (doc. 4 junto com reclamação graciosa, doc. 3 PPA)
  • Parecer emitido pela Senhora Professora …, (doc. 5 junto com reclamação graciosa, doc. 3 PPA)
  • Declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa que o imóvel está localizado na Área de Reabilitação Urbana de Lisboa conforme o Aviso da Câmara Municipal de Lisboa n.º 8391/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 148, de 31 de Julho de 2015

(doc. 6 junto com reclamação graciosa, doc. 3 PPA)

 

 

 

Redação Verba 2.23 Lista I anexo ao CIVA

ELEMENTOS APRESENTADOS PELA REQUERENTE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não aceita comprovação que a empreitada é de reabilitação urbana (cfr. Pontos 11 a 14 do indeferimento da reclamação graciosa doc 2 do PPA) sem certificação da câmara de que a empreitada consubstancia operação de reabilitação urbana

 

 

 

Aceita comprovação de que empreitada é realizada em imóvel localizado na área delimitada como de reabilitação urbana de Lisboa (cfr. Ponto 7 do indeferimento da reclamação graciosa, doc 2 do PPA)

RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Aceita comprovação de empreitada
(cfr. Ponto 7 do indeferimento da reclamação graciosa, doc 2 do PPA)

 

 

 

 

 

 

 

     Fundamentação relevante para apreciação da legalidade dos atos tributários

  1. Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua atividade limitada à declaração da ilegalidade de atos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
  2. No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no ato impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada.
  3. Nos casos de autoliquidação, sujeitos a impugnação administrativa prévia necessária [artigos 131.º do CPPT e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março], a fundamentação relevante para aferir a legalidade é a da respetiva decisão, pois o ato subsiste na ordem jurídica após a decisão com a fundamentação que dele consta, conforme artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015.
  4. Assim, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da autoliquidação.

 

Fundamentação da decisão da reclamação graciosa a analisar

  1. Como resulta do confronto entre a resposta da Requerida e os elementos apresentados pela Requerente, o ponto de divergência no presente caso é a ausência de certificação pela câmara municipal de Lisboa de que a empreitada consubstancia uma operação de reabilitação urbana.
  2. Nesta sede, a fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa assenta nos seguintes fundamentos: (Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa (doc. 2 junto ao PPA):

 

 

 

“(…) 5 – Deve, por esse motivo, entender-se, para efeitos da aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana se as mesmas forem realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada.

6 – Porquanto é nas operações de reabilitação urbana aprovadas, através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, que estão contidos a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação, consoante a operação de reabilitação seja simples ou sistemática (…)

7 – Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana.

11 – Do exposto resulta, conforme já referido em sede de projeto de decisão que, a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da taxa reduzida do imposto

12 – A entidade competente para certificar, que determinado projeto se enquadra no âmbito de uma operação de reabilitação urbana, nos termos do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, é a Câmara Municipal da área onde se situa o imóvel objeto de intervenção.

“13 – Deste modo, sempre que a Câmara Municipal da área em que se situa o imóvel objeto de intervenção certifique que, nos termos do citado diploma legal, o projeto:

  1. Está integrado numa área de reabilitação urbana; e,
  2. Consubstancia uma operação de reabilitação urbana,

ser-lhe-á, verificados que sejam os restantes condicionalismos (…) aplicável a taxa reduzida de imposto (…).

14 -  Não, foi, no entanto, junto ao pedido  qualquer documento que certifique que o projeto consubstancia uma operação de reabilitação urbana”.

 

 

 

 

 

Da ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito em que assenta

  1. Retira-se da argumentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa que a Requerida interpreta que apenas se pode considerar uma “empreitada de reabilitação urbana” a empreitada para a qual for apresentado um documento da respetiva Câmara Municipal que certifique que o projeto em causa consubstancia uma “operação de reabilitação urbana”.
  2. Ora como já aqui transposta, a verba 2.23 da Lista I do Código do IVA não utiliza, não contém, nem emprega, em nenhum momento, o conceito de “operação de reabilitação urbana” e muito menos refere ou remete para qualquer certificação pela Câmara Municipal a “consubstanciar” tal operação.
  3. A verba em causa refere-se a 9 conceitos, nenhum deles “operação de reabilitação urbana”:

“2.23 - Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional. (Redação dada pela L 64-A/2008, de 31 de dezembro)”

Conceitos da verba 2.23 da Lista I do CIVA

1

Empreitadas

Operação de Reabilitação Urbana? Não consta da letra da lei

 

 

Operação de Reabilitação Urbana? Não consta da letra da lei

 

2

Empreitadas de reabilitação urbana

3

Imóveis

4

Espaços Públicos

5

Áreas de reabilitação urbana

6

Áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística

7

Zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana

8

Outras (áreas de reabilitação urbana)

9

Operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público

 

  1. A verba em causa emprega ainda 3 condições formais, nenhuma delas a certificação pela Câmara Municipal de que um determinado projeto consubstancie uma operação de reabilitação urbana:

Requisitos formais da verba 2.23 da Lista I do CIVA

1

Reabilitação urbana tal como definida em diploma específico

Certidão camarária que consubstancia operação de reabilitação urbana? Não consta da letra da lei

2

Imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais

3

Operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público

 

  1. Inexiste, na fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa, qualquer menção ou referência ao artigo e número específicos de diploma legal que exige tal certificação (o que só por si demonstra que inexiste esta condição legal).

 

  1. O conceito de “operação de reabilitação urbana” invocado pela Requerida é retirado não do Código do IVA mas sim do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJRU) que define, nos termos do seu artigo 2.º alínea h) do RJRU, a “operação de reabilitação urbana” como:

“o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área”.

  1. Este conceito parece ser invocado pela Requerida por via indireta, do RJRU, na medida em que o conceito de “área de reabilitação urbana” (esse sim constante da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA) está “acoplado” ao conceito de “operação de reabilitação urbana” nos termos do artigo 7.º do RJRU: resulta deste artigo que não pode existir uma “área de reabilitação urbana” sem existir uma aprovação (simultânea ou em momento posterior) de uma “operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas de reabilitação urbana”.

 

Art. 7.º do RJRU - Reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta da

Aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver na ARU pela CM

 

 

 

 

 

Aprovação da delimitação
da ARU pela CM

 

 

 

 

 

  1. Ora tal como resulta da decisão arbitral 404/2022-T, a qual está em direto confronto com a presente decisão (naquele caso está em causa a construção do edifício … I e aqui está em causa a construção do edifício … II, situados na mesma localização e ao abrigo do mesmo estudo de edificabilidade, com o mesmo tipo de construção) o enquadramento da obra em apreço na respetiva operação de reabilitação urbana de Lisboa está verificado nos autos, não depende de certificação pela Câmara Municipal e poderia de forma pública e notória ser verificado pela AT:

“no caso em apreço foi aprovada a operação de reabilitação urbana correspondente à delimitação da área de reabilitação em causa e a aprovação foi concomitante com a aprovação dessa delimitação, como se conclui do Aviso n.º 8391/2015 referido na alínea G), da matéria de facto fixada. [ponto 8 da matéria de facto assente nesta presente decisão]

Na verdade, como aí se refere, «a Assembleia Municipal de Lisboa deliberou, através da Deliberação n.º .../AML/2015, na sua reunião de 7 de julho de 2015, (...) aprovar a Alteração à Delimitação da Área de Reabilitação Urbana de Lisboa, incluindo a alteração da planta anexa à Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011/2014, bem como a alteração da respetiva Operação de Reabilitação Urbana Simples».

 Por outro lado, estando aprovada essa operação de reabilitação urbana para a área em que foi efectuada a construção, não há qualquer razão para crer que o licenciamento não foi efectuado no seu âmbito, de acordo com a «Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011/2014» ( [4] ) a que corresponde a respetiva «Operação de Reabilitação Urbana Simples».

Na verdade, para além de ter sido emitida pela Câmara Municipal de Lisboa a certidão que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se faz referência a esse Aviso como «condicionante», a construção em causa assume características que não permitem duvidar da sua sintonia com a referida operação de reabilitação urbana simples, que são o facto de a construção ter sido levada a cabo num terreno vendido pela Câmara Municipal de Lisboa em hasta pública e de a construção ter sido efectuada com base no «Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal» que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direcção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa.

Neste contexto é convicção dos Árbitros, baseada nas regras da experiência e em presunção assente em critérios de normalidade, que a construção do imóvel foi efectuada em consonância com a referida «Estratégia de Reabilitação de Lisboa» e no âmbito da correspondente «operação de reabilitação urbana» que se referem no Aviso n.º 8391/2015, pois é manifestamente inverosímil que a própria Câmara Municipal de Lisboa tivesse efectuado o referido Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal à margem da Operação de Reabilitação Urbana Simples que ela própria decidira levar a cabo naquele local.

Por outro lado, esta conclusão, como juízo de facto baseado na prova documental, poderia também ter sido retirada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base naquela prova, pois ela foi apresentada pela Requerente na reclamação graciosa.

Pelo exposto, a decisão da reclamação graciosa enferma de vício por erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre a interpretação da verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, que justifica a sua anulação, bem como a anulação das autoliquidações nas partes impugnadas pela Requerente.”

 

 

 

  1. Neste sentido, considerando que:
  1. inexiste na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA (norma específica e de âmbito nacional aplicável ao caso concreto) exigência legal de certificação por parte da Câmara de que um determinado projeto ou empreitada consubstancia uma operação de reabilitação urbana;
  2. resulta dos elementos juntos pela Requerente aos autos que a empreitada em causa está enquadrada na respetiva operação de reabilitação urbana simples de Lisboa, o que é confirmado pelo:

- próprio Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal do edifício … II, elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (doc. 3 junto com reclamação graciosa, doc 3 PPA) e

- pela Declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa que o imóvel está localizado na Área de Reabilitação Urbana de Lisboa conforme o Aviso da Câmara Municipal de Lisboa n.º 8391/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 148, de 31 de Julho de 2015 (doc. 6 junto com reclamação graciosa, doc. 3 PPA); e,

  1. os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído, estando a sua competência limitada à declaração da ilegalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º n.º 1 alínea a) do RJAT;

é devida a anulação da decisão da reclamação graciosa que enferma de vício por erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre a interpretação da verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA – esta verba não exige, em nenhum momento, certificação pela Câmara Municipal de que uma empreitada consubstancia operação de reabilitação urbana –, bem como a anulação das autoliquidações nas partes impugnadas pela Requerente (sendo devidos juros indemnizatórios em consonância).

  1. Ante os motivos expostos, discorda, esta signatária, da decisão que saiu vencedora no presente processo, na sua totalidade, na medida em que a mesma confirma a ilegalidade de que padece a decisão impugnada.

 

  1.  Aqui chegados, sempre se refira que:
  • resulta da leitura da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da resposta da Requerida aos autos relativo desconhecimento sobre a aprovação do instrumento “operação de reabilitação urbana” simples de Lisboa, apesar de tal aprovação ser de conhecimento público na medida em que foi aprovada através da Deliberação n.º 190/AML/2015, na sua reunião de 7 de julho de 2015 e tornada pública pelo Aviso da Câmara Municipal de Lisboa n.º 8391/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 148, de 31 de Julho de 2015:
    • neste sentido estão as seguintes passagens da decisão de indeferimento da reclamação graciosa das quais se infere que a perceção da AT é a de que a operação de reabilitação urbana ainda não foi aprovada:

(…) 5 – Deve, por esse motivo, entender-se, para efeitos da aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana se as mesmas forem realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada” (…)

7 – Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana.

  • este desconhecimento é ainda evidenciado pelas seguintes passagens da resposta apresentada pela Requerida no respetivo processo:

Artigo 44.º da resposta:

“Deste modo, não está em conformidade com o espírito do regime, a qualificação de uma empreitada como “empreitada de reabilitação urbana, tal como definida no diploma específico” se, a operação de reabilitação urbana não estiver aprovada, porque é, conforme já mencionado, com a aprovação desta operação, que se concretiza a intervenção integrada sobre o tecido urbano.”

Artigo 45. da resposta:

Antes deste momento (aprovação da operação de reabilitação urbana), as empreitadas realizadas na área delimitada de reabilitação urbana não são ainda qualificadas de empreitadas de reabilitação urbana nos termos do Decreto-lei n.º 307/2009, e assim também não o podem ser para efeitos do exigido na letra da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.”

  • a convicção de que existe alguma indeterminação pela administração fiscal quanto ao conceito e conteúdo do instrumento “operação de reabilitação urbana”, é reforçada se considerarmos que a AT exige, para aplicação da taxa reduzida de IVA, um “documento que certifique que o projeto consubstancia uma operação de reabilitação urbana”.
    • Neste sentido está esta passagem da resposta da AT:

Artigo 56 da resposta:

“Sendo que, de nenhum dos documentos juntos ao Processo, resulta a comprovação de que o Município de Lisboa considerou a operação em análise como uma operação de reabilitação urbana por si definida para uma área de reabilitação urbana delimitada, nos termos do RJRU.”

ora sendo a “operação de reabilitação urbana” definida como o “conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área” (artigo 2.º alínea h) do RJRU)” a condição exigida pela AT, a proceder nos exatos termos em que é requerida, significaria certificar que uma obra consubstancia todo o conjunto articulado de intervenções integradas da área de reabilitação urbana de Lisboa aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, o que. crê a signatária, não é verosímil nem exequível (mas sim relevador de indeterminação no uso do conceito em causa).

 

 

 

 

Apreciação da questão da aplicação da taxa

  1. A questão essencial que é objeto do processo é a de saber se, face à documentação apresentada pela Requerente na reclamação graciosa, esta deveria ter sido deferida, fazendo aplicação da taxa reduzida, por se estar perante uma «empreitada de reabilitação urbana».
  2. A Requerida negou a pretensão com base no argumento formal de não existir um documento emitido pela Câmara que certifique que o projeto consubstancia uma operação de reabilitação urbana.
  3. No entanto, como explicitado acima, este documento não é exigido pela lei e os elementos constantes dos autos demonstram que o projeto está enquadrado na ORU ou Operação de Reabilitação simples de Lisboa.
  4. Os elementos constantes dos autos demonstram ainda que a empreitada em causa é uma “empreitada de reabilitação urbana”.
  5. Nesta sede, apesar de a Requerida ir buscar, no presente caso, o conceito de “operação de reabilitação urbana” constante do RJRU para preencher o conceito de “empreitada de reabilitação urbana” contante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, resulta muito claro do percurso sistemático da verba 2.23 que quando esta regra refere “reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico”, quer preencher este conceito de “reabilitação urbana” pela definição constante do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJRU”):

 

 

 

 

 

 

Redação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA

antigo quadro legislativo da reabilitação urbana

Decreto-Lei n.º 104/2004, de 7 de maio

Redação verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA

após entrada em vigor do novo regime jurídico de reabilitação urbana

Decreto-Lei no. 307/2009, de 23 de outubro, que revoga o
 Decreto-Lei n.º 104/2004

2.23 - As empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida no artigo 1º do Decreto-Lei nº 104/2004, de 7 de Maio, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais.(Redação da L 67-A/2007, de 31 de dezembro)

 

2.23 - Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
(Redação dada pela L 64-A/2008, de 31 de dezembro)

 

  1. Sendo o Decreto-Lei n.º 307/2009, sucessor do Decreto-Lei n.º 104/2004, o “diploma específico” para definir o conceito de “reabilitação urbana” a que se refere a atual verba 2.23 da Lista I do Código do IVA é, e só pode ser, o RJRU (não se compreendendo o recurso constante, pela decisão aqui vencedora, ao conceito de “reabilitação do edificado” definido na Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa que consubstancia uma  orientação municipal em detrimento do ato legislativo específico RJRU.
  2. O RJRU, na alínea j) do seu artigo 2.º, define

«Reabilitação urbana»

como:

 «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».

  1. Aqui chegados, importa recordar que no caso concreto está em causa um terreno para construção onde foi construído um novo edifício destinado principalmente a habitação.
  2. O novo edifício é construído numa zona qualificada no Plano Diretor Municipal de Lisboa como “Espaços Centrais e Residenciais a consolidar”.
  3. No entanto, e tal como indicado na  decisão arbitral 404/2022-T não resulta da definição de «reabilitação urbana» que a construção de novos edifícios esteja excluída deste conceito, como bem se refere no Parecer junto aos autos:

«Na medida em que a reabilitação urbana ocorre dentro de uma ARU, para a qual deve ser aprovada uma ORU, é a área daquela que deve ser tomada como referência para a determinação do sentido do respetivo conceito, o que significa, se partirmos dele, que se bem que na sua globalidade (isto é, para a totalidade da ARU e da ORU que para ela for aprovada ⎯ assumida esta como uma intervenção integrada isto é, a intervenção constituída por várias operações urbanísticas devidamente articuladas entre si ⎯ a reabilitação urbana pressuponha a manutenção do património urbanístico e imobiliário, tal não significa, muito pelo contrário, que não se admitam, nessas áreas, operações de nova construção, de demolição ou de substituição de edifícios por outros ⎯ por isso se refere a lei à “manutenção substancial” no todo ou em parte (e não à manutenção integral) do património urbanístico e imobiliário (e não dos edifícios). E por isso se refere, também, à modernização daquele património (e não apenas dos edifícios isolados), designadamente por via de distintas operações (onde se inclui expressamente a nova construção e a demolição).

Portanto, na ARU, podem ser admitidos vários projetos, nada impedindo que em determinados espaços estes projetos correspondam à construção de novos edifícios, noutros espaços à demolição de edifícios existentes e noutros, ainda, à substituição de edifícios (obsoletos ou menos adequados para os usos pretendidos) por edifícios material e funcionalmente distintos: fundamental é que parte substancial do tecido urbano da ARU (da totalidade da sua área de abrangência) seja mantido, o que deve ser salvaguardado na ORU, em especial nos seus instrumentos estratégicos (estratégia ou programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a ORU seja, respetivamente, simples ou sistemática).

(...)

Assim, o conceito de reabilitação urbana, apesar de assentar na conservação substancial do edificado (globalmente considerada a ARU) admite todo um conjunto de intervenções que tanto pode consistir na alteração e na demolição do existente, em especial quando destinado a ser substituído por novos edifícios destinados aos mesmos usos ou a novos usos, desde que pretendidos pela (alinhados com a) estratégia em vigor.”

 

  1. Pelo contrário, a construção em causa é abrangida pelo conceito de “reabilitação urbana, definido em diploma específico” – conceito este que, de forma ampla, abrange a “forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente“em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de”  “obras de construção dos edifícios” .

 

  1. Pelo exposto, verificando-se que os elementos apresentados pela Requerente nos autos subsumem a empreitada em causa na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, é devida a anulação da decisão da reclamação graciosa que enferma de vício por erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre a interpretação desta verba, bem como a anulação das autoliquidações nas partes impugnadas pela Requerente (sendo devidos juros indemnizatórios em consonância).

 

 

Da violação do princípio da proporcionalidade

 

  1. A decisão impugnada, confirmada pela decisão vencedora, acarreta, por fim, um grave precedente: o de permitir introduzir por via administrativa regras de incidência e de taxa de imposto com as quais os contribuintes não podem, expetavelmente, contar.
  2. Neste contexto, existem situações em que a lei especificamente determina que cabe às Câmaras Municipais certificar benefícios fiscais.
  3. Tal acontece no caso dos benefícios do IMI e IMT em que é a própria lei que refere (artigo 45.º do EBF):  “cabendo à câmara municipal competente ou, se for o caso, à entidade gestora da reabilitação urbana comunicar esse reconhecimento [da intervenção de reabilitação] ao serviço de finanças da área da situação do edifício ou fração”.
  4. Nestes casos os contribuintes sabem com o que contar e podem modelar a sua conduta de forma a obter o reconhecimento da Câmara quanto à intervenção de reabilitação.
  5. Mas se quanto ao IMI e IMT o legislador quis expressamente prever esse reconhecimento para as Câmaras Municipais, já não o fez quanto ao IVA,
    deduzindo-se que o preenchimento da Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA depende dos meios gerais de interpretação e de prova (pois esta verba é omissa quanto a reconhecimentos de Câmaras).
  6. Permitir, como faz a decisão aqui confirmada, introduzir, por via administrativa, condições formais que não estão previstas na lei, para além de permitir a criação, por   via administrativa, de regras de incidência e de taxa de imposto reservadas a atos de lei (lei ou decreto-lei) nos termos do artigo 103.º da CRP viola, frontalmente, a adequação e proporcionalidade do que pode ser exigido a um contribuinte que agiu como um “bom pai de família”.
  7. Resulta dos autos que durante décadas a Requerida bastou-se com uma certidão emitida pela Câmara de que o imóvel estava localizado na ARU (Área de Reabilitação Urbana), para legitimar a aplicação da taxa reduzida contida na verba 2.23 aqui em discussão (não obstante tal certidão não ser exigida pelo Código do IVA ou outra legislação complementar era já emitida pelas Câmaras Municipais a pedido dos contribuintes, para satisfazerem o solicitado pela AT). São dezenas as informações vinculativas publicadas neste sentido.
  8. Resulta ainda de uma consulta ao site da Câmara Municipal de Lisboa – elemento público e notório – que a prática da Câmara à data dos factos (e do presente voto de vencido) é a emissão desta certidão ARU.
  9. Quanto a esta certidão é mesmo referido, na presente data, no site da Câmara de Lisboa que:

“Para efeitos de aferição da aplicação da taxa reduzida de IVA pela Autoridade Tributária, a Câmara Municipal de Lisboa emite uma certidão de localização de operação urbanística em Área de Reabilitação Urbana.”

 

 

  1. Resulta dos autos que o contribuinte em questão agiu como um “bom pai de família” documentando a empreitada com os elementos contratuais, faturas e urbanísticos ao seu dispor e obtendo a certidão ARU emitida, na data dos factos, pela Câmara Municipal.
  2. A 2ª certificação exigida pela Requerida quanto à operação de reabilitação urbana é um requisito recente exigido pela administração tributária quanto a uma norma cuja redação permanece a mesma desde 2008, ou seja, uma norma cuja redação é a mesma pelo menos há 13 anos.
  3. Nada mudou na lei.
  4. Não mudou a sua redação.
  5. O que mudou foram as condições impostas pela administração tributária para permitir o benefício da taxa reduzida (mas não é à administração, mas sim ao legislador nacional que compete tal atribuição).
  6. Tanto assim é que, na altura em que este voto de vencido é escrito, a própria Câmara Municipal de Lisboa se viu compelida a emitir despacho a reiterar que apesar da lei não fazer depender de qualquer verificação municipal que a operação urbanística se subsume no conceito de reabilitação urbana previsto no RJRU, a Câmara passará a emitir, a pedido dos contribuintes, para satisfazerem o solicitado pela AT, a partir de 18.02.2023,  declarações que atestem a localização de determinada operação urbanística em ARU e que a mesma se integra numa operação de reabilitação urbana simples ou sistemática (Despacho nº 35/P/2023, publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa nº 1514 – 1º Suplemento de 23 de fevereiro de 2023, pontos 11 a 15).
  7. Nesse despacho, a Câmara Municipal de Lisboa refere que:

“11 - Os cidadãos têm vindo a requerer à Câmara Municipal de Lisboa declaração da localização em ARU, por tal constituir exigência da Autoridade Tributária.”

  1. A 2ª certificação exigida pela Requerida quanto à operação de reabilitação urbana não é, à data dos factos, exigida por lei nem prática camarária como resulta dos elementos aqui produzidos.
  2. E se perante uma redação da norma que não muda há 13 anos é exigido, no final de uma década, por via administrativa, uma nova certificação e burocracia não prevista na lei, nem existente na prática camarária, tal exigência deve entender-se por desproporcional e desrazoável (violadora do artigo 266.º n.º 2 da CRP) na medida em que os contribuintes só podem modelar a sua conduta com o que podem contar: a letra da lei e a confiança nas instituições, no caso a AT.

 

 

Catarina Belim, 1 de março de 2023