Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 137/2020-T
Data da decisão: 2021-06-06  IVA  
Valor do pedido: € 40.366,99
Tema: IVA – Prestações de Serviços de Nutrição – Isenção – Artigo 9.º, n.º 1) do CIVA. Improcedência do pedido de condenação em custas de parte
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SUMÁRIO:

1. As prestações de serviços no âmbito do acompanhamento nutricional constituem prestações de serviços independentes na aceção da Diretiva IVA.

2. Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção, pois a partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o cliente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços disponibilizados de ginásio/fitness).

3. Pretender a Recorrida que agora o Tribunal declare a ilegalidade de actos de liquidação socorrendo-se de uma decisão do TJUE, que embora forneça uma interpretação geral a dar à matéria da isenção de IVA na prestação de serviços de nutrição no âmbito de uma instituição desportiva, no âmbito das suas atribuições, não é contemporânea dos actos tributários praticados, quando esta em momento algum o fez e tendo até considerado como isenta a prestação (em relação a todas as consultas havidas) de serviços de nutrição prestados por profissionais credenciados, poria em causa os mais elementares princípios da segurança jurídica na actuação da Administração, da confiança dos administrados e das expectativas legítimas destes.

4. E implicaria, além do mais, a violação da proibição da fundamentação a posteriori dos actos tributários.

5. O Tribunal Arbitral não viola a solução de direito formulada pelo TJUE no processo C- 581/2019, porquanto quem compete dirimir o litígio são os Tribunais nacionais. No caso concreto o Requerente nunca chegou a ter oportunidade de poder demonstrar (ou não) que as consultas de nutrição utilizadas (e as não utilizadas) tinham uma finalidade terapêutica, como advoga o TJUE no seu aresto proferido no processo C-581/2019, pela simples razão de que tal não lhe foi questionado durante o procedimento inspectivo, cabendo o ônus de prova dos factos constitutivos do direito à liquidação adicional à AT - artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 5 de Agosto de 2020, acorda no seguinte:

 

1.                            RELATÓRIO

1.1. A…, LDA, pessoa coletiva número …, com sede na …, …, …, adiante designada por “Requerente”, vem, por pedido de 03 de Março de 2020, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

1.2. O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IRC referente ao exercício de 2016, com os números 2020 ... e demonstração de liquidação de juros com o n.º 2020 ..., no valor de € 6.529,97, correspondente a IRC; referente ao exercício de 2017, com o n.º 2020 ..., no valor de € 5.621,79; referente ao exercício de 2018, com o n.º 2020 ..., no valor de € 5.350,49.

1.3. Peticiona, igualmente, a anulação dos seguintes actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios:

Liquidação n.º 2020 ..., ID 2020 ... e NR 2020 … no valor total de EUR 1.591,19 (mil quinhentos e noventa e um euros e dezanove cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Janeiro a 31 de Março de 2016.

Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR 2020 … no valor total EUR 3.561,53 (três mil quinhentos e sessenta e um euros e cinquenta e tres cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Abril a 30 de Junho de 2016.

Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 4.122,17 (quatro mil cento e vinte e dois euros e dezassete cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2016

Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR:  2020 … no valor total EUR 1.164,07 (mil cento e sessenta e quatro euros e sete cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Janeiro a 31 de Março de 2017.

Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR:  2020 … no valor total EUR 2.735,71 (dois mil setecentos e trinta e cinco euros e setenta e um cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Abril a 30 de Junho de 2017.

Liquidação n.º 2020 …,  ID 2020 … e NR:  2020 … no valor total EUR 3.871,73 (três mil oitocentos e setenta e um euros e setenta e três cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Julho  a 30 de Setembro  de 2017.

Liquidação n.º 2020 …,  ID 2020 … e NR:  2020 … no valor total EUR 143,04 (cento e quarenta e três euros e quatro cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Janeiro  a 31 de Março  de 2018.

Liquidação n.º 2020 …,  ID 2020 … e NR:  2020 … no valor total EUR 2.056,68 (dois mil e cinquenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Abril  a 30 de Junho  de 2018.

Liquidação n.º 2020 …,  ID 2020 … e NR:  2020 … no valor total EUR 3.444,53 (três mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e tres cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Julho  a 30 de Setembro  de 2018.

Liquidação de Juros compensatórios referentes ao 1º, 2º e 3º Trimestres, respetivamente do ano de 2016: no valor de EUR 1.219,03 (229,48 +477,73 +511,82) – correspondentes às notas de liquidação com os n.ºs 2020 …; 2020 …; 2020 ….

Liquidação de Juros compensatórios referentes ao 1º, 2º e 3º Trimestres respetivamente do ano de 2017: no valor de EUR 691,50 (121,44 + 256,93 + 313,13) cfr- notas de liquidação NR nº 2020 …; 2020 …; 2020 ….

Liquidação de Juros compensatórios referentes ao 2º e 3ºs Trimestres respetivamente do ano de 2018, no valor de € 263,46 (111,34 + 152,12) notas de liquidação NR nº 2020 …; 2020 ….

Tudo (IVA e IRC) no valor total de € 40.366,99.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

1.4. Como fundamento da sua pretensão o Requerente imputa vários vícios.

(i) Alega que não há dúvida que a prestação de serviços de acompanhamento nutricional encontra-se incluída no ramo da dietética, enquadrada no âmbito de actividade paramédica.

(ii) E que está demonstrado no processo administrativo que desde o dia 10 de outubro de 2013 se encontra inscrita na Entidade Reguladora da Saúde como prestador de cuidados de saúde.

(iii) E que os serviços são prestados em gabinete e com equipamentos próprios para o efeito e por pessoas que possuem as qualificações profissionais exigidas.

(iv) E que a facturação descrimina as diferentes actividades e indica o correspondente regime de IVA que lhes é aplicável.

(v) E que a sua actividade consiste na prestação de serviços de manutenção física, Nutrição, fisioterapia, hidroterapia, formação profissional e outras actividades de saúde humana.

(vi) E que presta um serviço completo e multidisciplinar na área do bem estar físico e saúde humana, em que quer a componente de manutenção física quer a componente de nutrição estão igualmente disponíveis para os seus clientes.

(vii) E que os serviços de ginásio são absolutamente independentes dos serviços de nutrição.

(viii) Tratando-se, em suma, sustenta, de prestações absolutamente autonomizáveis e não de uma mera componente de maior diversidade do ginásio.

(ix) E que está dotada quer de meios técnicos, quer humanos para a prestação de um serviço que prima por ser completo dentro da área do bem estar físico e saúde, e que disponibiliza quer os meios quer os recursos humanos especialistas para todos os seus clientes/sócios, cabendo a estes a decisão de os usar ou não.

(x) E que os seus clientes eram, e são, periodicamente contactados - há milhares de sms no processo administrativo que o atestam – invoca, no sentido de procederam ao respectivo agendamento.

(xi) E que a partir do momento em que o serviço é disponibilizado e facturado deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta e/ou avaliação nutricional, conforme sucede, aliás, por exemplo, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou transporte aéreo.

(xii) E que segundo o Tribunal Europeu, o prestador de serviços cumpre com a sua prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, independentemente de o cliente optar ou não por usufruir do serviço contratado.

(xiii) Entende que encontram-se reunidos os requisitos indispensáveis e suficientes à aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, nos termos preconizados pela jurisprudência europeia e pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), de 23 de março de 2010, processo n.º 3816/10, pois que relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção.

(xiv) Pelo que também não poderá haver correcção, em sede de IRC, relativa aos gastos não aceites fiscalmente.

(xv) E que a AT não logrou fundamentar suficientemente o Relatório de Inspeção, em violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 268.º, n.º 3 da Constituição (“CRP”), e, por outro lado, incorreu em erro nos pressupostos (errada interpretação da lei) por todos os serviços de nutrição prestados serem enquadráveis no disposto no artigo 9º, 1) do Código do IVA e, desta forma, isentos do imposto, e não apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas.

(xvi) E assim, no seu entender, alega que a Requerida violou os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sobre a forma, e em consequência da posição, ora contestada da AT, invocando também que o pro rata está mal determinado pela AT, pois, diz, a não consideração da isenção das consultas alegadamente não realizadas implica que o pro rata considerado é menor e, naturalmente, diminui indevidamente o gasto considerado de regularização para efeitos de matéria coletável de IRC.

(xvii) Pugna, a final, pela procedência da impugnação, por fundamentada e provada, e em consequência pede anulação das liquidações adicionais de IVA e IRC relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018, por errónea qualificação dos rendimentos, já que as liquidações adicionais de IVA não são devidas, face à isenção da actividade da nutrição como actividade paramédica, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 9 do CIVA e no erróneo e ilegal conceito da necessidade da efetiva prestação do serviço ao invés da sua disponibilização e, bem assim, na alegada concepção do serviço como meio acessório e não principal, o que não se verifica, uma vez que, conforme amplamente demonstrado, sustenta, o serviço de nutrição em apreço é prestado a título principal, autónomo, distinto e complementar da actividade de ginásio.

 (xviii) Concluí pedindo ao Tribunal que ordene que a Autoridade Tributária seja condenada a anular todas as liquidações de juros de mora e compensatórios constantes das notas de liquidação identificadas na petição arbitral; Anular todo e qualquer processo de contra ordenação, juros e coimas associados; Restabelecer a situação que existiria se os actos tributários impugnados não tivessem sido praticados e ordenar o pagamento de todas as quantias suportadas a titulo de custas com o presente e demais referidos processos, incluindo as de parte.

1.5. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

(i) Vem defender-se por excepção e por impugnação.

(ii) Por excepção entende que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade de coimas aplicadas em processo de contra-ordenação.

(iii) E que a incompetência material configura uma incompetência absoluta que determina a absolvição da instância, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 96.º e no n.º 1 do artigo 99.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

(iv) Invoca a excepção da incompetência material do Tribunal para apreciar o pedido constante do ponto 2 do PPA, com todas as consequências legais.

(v) Por impugnação, para além de referir que o direito aplicável é o constante da fundamentação de direito do RIT, que dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, vem igualmente dizer que concluíram os SIT que, os serviços prestados a título de avaliações de nutrição, aqui em apreço, estão sujeitos a IVA e dele não isentos.

(vi) E, assim o considerou, pela simples razão de que de acordo com os elementos de prova disponibilizados pela Requerente, a efectiva prestação das consultas não ficou demonstrada.

(vii) Dúvidas não deverão restar, no seu entendimento, que atenta a factualidade descrita no RIT e assumida pelo Requerente nos termos acima evidenciados, apenas foi liquidado imposto sobre serviços facturados e não prestados.

(viii) E que os serviços só poderão beneficiar da isenção se forem prestados e por profissionais habilitados.

(ix) Sendo o Requerente quem invoca o direito à isenção, nos termos do art.º 74.º da LGT, cabia-lhe fazer prova dos pressupostos da sua aplicação, no caso, do número de consultas efectivamente prestadas.

(x) E não sendo efectivamente prestado o serviço facturado, por maioria de razão se entenderá que não são efectuadas quaisquer práticas terapêuticas, não podendo por via disso, aplicar-se a isenção em apreço.

(xi) Sustenta que para a Comunidade Europeia tal como para a Requerida (remetendo para o RIT), a mera disponibilização de um serviço de aconselhamento nutricional, não lhe permite beneficiar da isenção em questão.

(xii) E que apenas as consultas efectivamente prestadas e que tenham o objetivo de prevenir ou tratar um problema de saúde, poderão beneficiar de tal isenção.

(xiii) E para que tal isenção fosse aplicada, sempre teria de ter o Requerente de ter alegado e provado, tal objectivo, por parte dos seus clientes, na contratação de tais serviços, bem como, que todas os serviços de nutrição facturados com aplicação da isenção, reflectiam consultas efectivamente prestadas.

(xiv) E que quanto à interpretação da isenção da al. 1) do art.º 9.º, não enfermam as liquidações adicionais de qualquer vício, devendo por via disso o PPA improceder por não provado com todas as consequências legais.

(xv) E que é ao TJUE que cabe interpretar a Directiva IVA e, tecendo aquele próprio Tribunal, o juízo (tácito) da pertinência questão em apreço, implícito na aceitação do reenvio, requer a suspensão da instância até à decisão do TJUE no processo Frenetikexito, ao abrigo do processo n.º 504/2018-T, e que diz versar sobre matéria análoga.

(xvi) Relativamente às correcções em sede de IRC, entende que as mesmas têm na base o aumento do imposto dedutível considerado pelos SIT e a respectiva regularização do mesmo a favor do sujeito passivo, com a consequente desconsideração do imposto agora deduzido, como custo fiscal em sede de IRC, pela simples razão de que a partir do momento em que o IVA foi deduzido, deixou de ser um custo.

 (xvii) Pugna, a final, pela procedência da invocada excepção de incompetência material do Tribunal; pela suspensão da instância até à Decisão a proferir no Processo de reenvio do Processo Fenetikexito; e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

1.6. No dia 22 de Maio de 2020 o Requerente apresentou um requerimento onde veio requerer a ampliação do pedido, dizendo que teve de aceder a um plano de pagamento em prestações com a AT relativamente ao imposto impugnado nos presentes autos, para ter acesso a uma certidão de não dívida, tendo, no âmbito do mesmo, pago no dia 5 de Maio de 2020 a quantia de € 15 093,54, conforme documento junto; no dia 2 de Setembro de 2020 veio juntar novo requerimento onde consta o pagamento da 1.ª e 2.ª prestação mensais acordadas com a AT; no dia 26 de Abril de 2021 veio juntar novo requerimento juntando prova do pagamento da 3.ª a 9.ª prestação acordada com a AT; e no dia 5 de Maio de 2021 veio juntar novo requerimento com prova do pagamento da 10.ª prestação mensal acordada com a AT.

1.7. Por requerimento apresentado a 9 de Outubro de 2020 veio o Requerente exercer o seu contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida e quanto ao pedido de suspensão da instância.

1.8. Após sucessivos adiamentos justificados pela situação pandémica no país, foi finalmente, por despacho datado de 7 de Abril de 2021, agendada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 28 de Abril de 2021, com inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

1.9. Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações simultâneas, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo confirmando/reforçando a sua argumentação.

Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 06 de Junho de 2021, após uma prorrogação nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT e considerando igualmente que o processo esteve legalmente suspenso por vários meses por força do disposto na Lei n.º 4-B/2021.

 

                                                        * * *

 

                O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

                As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

2.            MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A) O Requerente é uma sociedade por quotas, a qual tem por atividade principal, de acordo com as suas informações cadastrais, a seguinte: “Exploração de Ginásios”, com o CAE 96040 – Actividades de Bem Estar Físico - Cfr. RIT junto aos autos.

B) O Requerente tem também como atividades a prestação de serviços de nutrição, fisioterapia, hidroterapia, formação profissional e outras actividades de saúde humana, com enquadramento nos CAE: 93130 e 86906 - Cfr. RIT junto aos autos e Doc.º 37 junto pela Requerente.

C) O Requerente desde 10 de outubro de 2013 que se encontra inscrita na Entidade Reguladora da Saúde como prestador de cuidados de saúde. Cfr. RIT junto aos autos.

D) O nutricionista do Requerente, B…, trabalhador dependente do Requerente desde Outubro de 2015, encontra-se inscrito na Ordem dos Nutricionistas e a nutricionista, C…, trabalhador dependente no Requerente desde Março de 2009, encontra-se inscrita na Ordem dos Nutricionistas - Cfr. RIT junto aos autos.

E) O Requerente liquidou IVA à taxa normal pela mensalidade cobrada aos seus sócios e clientes pela disponibilização do espaço, utilização de equipamentos e frequência de aula, que denomina por “quota” e considera isenta de IVA os serviços de acompanhamento nutricional e de nutrição que disponibiliza e que chama de “avaliação nutricional” - Cfr. RIT junto aos autos.

F) O Requerente isentou de IVA todas as avaliações nutricionais que disponibilizou aos seus sócios e clientes, mesmo as que não se vieram a realizar - Cfr. RIT junto aos autos.

G) O Requerente oferecia aos seus sócios e clientes um contrato de adesão – plano de exercício físico e um contrato de prestação de serviços de avaliação e aconselhamento nutricional e dietético, podendo o cliente optar pela subscrição dos dois contratos – Cfr. RIT junto aos autos.

H) Os serviços de nutrição são prestados em gabinete e com equipamentos próprios para o efeito – Cfr. Declarações do Requerente não contrariadas pela Requerida.

I) Os clientes do Requerente eram periodicamente contactados por este no sentido de procederem ao respectivo agendamento da consulta de nutrição. Cfr. Declarações do Requerente não contrariadas pela Requerida.

J) O Requerente foi objeto de uma inspeção tributária, de âmbito geral, aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, com natureza externa, de acordo com a ordem de serviço n.ºs OI2019…, OI2019… e OI2019…. - Cfr. RIT junto aos autos.

K) As prestações de serviços (avaliações nutricionais que não foram efetivamente realizadas) foram pela AT consideradas como estando sujeitas a IVA à taxa de 23% - Cfr. RIT junto aos autos.

L) No exercício da sua atividade, o Requerente proporcionava aos seus sócios e clientes a possibilidade de usufruírem serviços de nutrição, mas eram contratos independentes e a facturação era discriminada, sendo que os sócios e clientes eram notificados de forma periódica para o agendamento das consultas de nutrição - Cfr. Depoimento da testemunha D….

M) Os serviços de nutrição eram prestados em gabinete próprio e por profissional credenciado para o efeito, estando sempre disponível para os sócios e clientes do Requerente, sendo que a marcação era feita por agenda e havia “reminders” periódicos por sms, e que à data marcada o gabinete estava reservado para o sócio/cliente e que às vezes as pessoas não compareciam, embora tivessem direito a uma consulta de nutrição por mês - Cfr. Depoimento da testemunha B…

N) Do respetivo RIT junto aos autos pela Recorrida consta a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alteraram os valores declarados pelo Requerente, meios de prova e a fundamentação de direito de suporte das correções efetuadas, entre os quais se destacam os seguintes pontos transcritos infra:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

X) Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos seguintes actos tributários, no montante total de € 40.366,99, a seguir discriminados:

 - Liquidação n.º 2020 ..., ID 2020 ... e NR 2020 … no valor total de EUR 1.591,19 (mil quinhentos e noventa e um euros e dezanove cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Janeiro a 31 de Março de 2016.

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR 2020 … no valor total EUR 3.561,53 (três mil quinhentos e sessenta e um euros e cinquenta e três cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Abril a 30 de Junho de 2016

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 4.122,17 (quatro mil cento e vinte e dois euros e dezassete cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2016.

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 1.164,07 (mil cento e sessenta e quatro euros e sete cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Janeiro a 31 de Março  de 2017

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 2.735,71 (dois mil setecentos e trinta e cinco euros e setenta e um cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Abril a 30 de Junho de 2017.

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 3.871,73 (três mil oitocentos e setenta e um euros e setenta e três cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2017.

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 143,04 (cento e quarenta e três euros e quatro cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Janeiro a 31 de Março de 2018.

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 2.056,68 (dois mil e cinquenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Abril a 30 de Junho de 2018.

 - Liquidação n.º 2020 …, ID 2020 … e NR: 2020 … no valor total EUR 3.444,53 (três mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e tres cêntimos) de correção, referente ao capital do IVA do período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2018.

 - Liquidação de Juros compensatórios referentes ao 1º, 2º e 3º Trimestres, respetivamente do ano de 2016: no valor de EUR 1.219,03 (229,48 +477,73 +511,82) – correspondentes às notas de liquidação com os n.ºs 2020 …; 2020 …; 2020 ….

 - Liquidação de Juros compensatórios referentes ao 1º, 2º e 3º Trimestres respetivamente do ano de 2017: no valor de EUR 691,50 (121,44 + 256,93 + 313,13) - notas de liquidação NR nº 2020 …; 2020 …; 2020 ….

 - Liquidação de Juros compensatórios referentes ao 2º e 3ºs Trimestres respetivamente do ano de 2018, no valor de € 263,46 (111,34 + 152,12) notas de liquidação NR nº 2020 …; 2020 ….

 - Liquidação de IRC referente ao exercício de 2016, com os números 2020 ... e demonstração de liquidação de juros com o n.º 2020 ..., no valor de € 6.529,97, correspondente a IRC; Liquidação de IRC referente ao exercício de 2017, com o n.º 2020 ..., no valor de € 5.621,79; Liquidação de IRC referente ao exercício de 2018, com o n.º 2020 ..., no valor de € 5.350,49.

Cfr. Documentos juntos pelo Requerente com o seu pedido arbitral.

Y) Em discordância com as liquidações de IVA e de IRC identificadas supra, o Requerente apresentou junto do CAAD, em 3 de Março de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.            FACTOS NÃO PROVADOS

                Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 4.           FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

                Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

                De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

                Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nos depoimentos das testemunhas inquiridas.

Os depoimentos foram consensuais no sentido da confirmação da criação de uma área de negócio autónoma, de nutrição, a somar a já existente de ginásio, bem como da utilização de profissional inscrito na Ordem dos Nutricionistas para poder exercer essa actividade. As testemunhas descreveram em que é consistia a actividade de nutrição e como esta ocorria e que foi intenção do Requerente oferecer um serviço de nutrição aos seus sócios e clientes.

5.            DO DIREITO

Da matéria de Excepção: Da Incompetência do Tribunal Arbitral

De acordo com o disposto no artigo 608.º, nº 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância (…)”, devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Apreciemos, então, a matéria de excepção invocada pela Requerida, apreciando em primeiro lugar a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o 2.º pedido formulado no PPA, conforme invocado por esta.

Nesse referido pedido vem o ora Requerente peticionar a anulação de “todo e qualquer processo de contra ordenação, juros e coimas associados”, identificando na sua petição três processos de contraordenação.

A Requerida entende que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade de coimas aplicadas em processo de contraordenação, invocando a excepção da incompetência material do Tribunal para apreciar o pedido constante do ponto 3 da petição arbitral, no que se crê ter ficado a dever a um lapso de escrita, pois trata-se do ponto 2 e não do 3.

O Requerente, em resposta à excepção invocada, por requerimento apresentado em 09/10/2020, veio se opor dizendo que, in casu, o Tribunal é materialmente competente para apreciar todos os pedidos formulados.

Quanto a este pedido efectuado pelo Requerente cumpre referir que os procedimentos de contraordenação não fazem parte (nem podem fazer) dos autos arbitrais, pelo que não pode o Tribunal tomar conhecimento dos mesmos e cumprir com o peticionado nos exactos termos em que o foi pelo Requerente na sua petição arbitral.

A competência dos Tribunais Arbitrais Tributários que funcionam no CAAD restringe-se, para o que aqui interessa, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (cfr. art.º 2.º, n.º 1 do RJAT). O contencioso tributário (onde se insere o arbitral) é um contencioso de mera anulação visando a apreciação, sequencialmente, dos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado (aqui as liquidações adicionais de imposto) e dos vícios arguidos que conduzam à sua anulação – art.º 124, n.º 1 do CPPT, ou seja, a impugnação judicial (e nesta sede a arbitral) visa a anulação de actos, é este o seu objecto, até por razões de optimização da tutela jurisdicional dos administrados.

Pelo que concluí que assiste qualquer razão à Requerida ao alegar a incompetência do Tribunal Arbitral quanto a este ponto específico do PPA, até se considerando que esta invoca a incompetência absoluta apenas e tão só quanto a um dos pedidos formulados pelo Requerente indicado em (2) do PPA.

Efectivamente a procedência da excepção invocada quanto ao 2.º pedido não dita a incompetência do Tribunal Arbitral de apreciar e decidir os restantes pedidos.

Neste sentido entende o Tribunal que de facto se verifica a excepção invocada pela Requerida da sua incompetência material quanto ao 2.º pedido formulado no PPA, mas que tal não impossibilita o Tribunal de apreciar e decidir quanto aos restantes pedidos.

Como bem decidiu o STA, no processo proferido sob o n.º 0242/09, de 08-07-2009, e citando-o:

“No que se refere à impossibilidade de cumulação de pedidos de anulação das liquidações de imposto com pedido de anulação do acto de reversão, cumpre dizer que, se fosse esse o caso, dever-se-ia determinar não o indeferimento liminar da petição mas o prosseguimento do processo para conhecimento da ilegalidade da liquidação, por ser esse pedido compatível com a forma de processo utilizada [cfr. o artigo 193.º, n.º 4 do CPC; neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e Comentado, vol. II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 116 (nota 17 ao art. 165.º do CPPT) e o Acórdão deste Tribunal de 11 de Fevereiro de 2008 (rec. 875/08)].”.

Com efeito, nestes casos, em que há uma cumulação ilegal de pedidos não derivada de incompatibilidade subs¬tancial, tem vindo a entender-se uniformemente que o processo deverá prosseguir apenas em relação ao pedido para que a forma processual é adequada ou o tribunal é competente.

Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:

— da SCT do STA:

— de 11-2-2009, processo n.° 875/08; de 8-7-2009, processo n.9 242/09; de 24-3-2010, processo n.º 956/09. — da SCA do STA:

No mesmo sentido, podem ver-se também:

                 - ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, volume E, páginas 390-391;

                 - LOPES CARDOSO, Código de Processo Civil Anotado, página 160; e

                 - ABÍLIO NETO, Código de Processo Civil Anotado, 10.° edição, página 356, citando CASTRO MENDES e PAULO CUNHA.

Convocando o disposto no n.º 8 do artigo 4.º do CPTA, de aplicação subsidiária ao RJAT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c):

 “8 - Quando algum dos pedidos cumulados não pertença ao âmbito da competência dos tribunais administrativos, há lugar à absolvição da instância relativamente a esse pedido.”.

Assim, pelo exposto, procede a excepção dilatória invocada pela Requerida quanto ao 2.º pedido formulado pelo Requerente, prosseguindo, todavia, o processo para a apreciação dos restantes pedidos.

Antes de se entrar na apreciação da questão central em causa nos autos, cumpre igualmente apreciar o pedido formulado pela Requerida de suspensão da instância em face do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que tramitou no CAAD, e que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito).

Ora sucede que à data da prolação desta decisão arbitral já é conhecida a decisão do TJUE proferida nesse processo.

Efectivamente, o TJUE emitiu um acórdão em 4 de março de 2021  em que veio a responder a tal pedido de reenvio prejudicial.

Assim, como é bom de se ver, resulta prejudicado por inutilidade superveniente a apreciação desse pedido de suspensão.

 

Apreciando agora o dissídio central.

Comecemos por analisar o Acórdão do TJUE proferido nesse processo C-581/19, pois não se ignora a supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional e, bem assim, que nos termos do previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia.

Não se ignorando, ainda, a produção de efeitos ex tunc dos acórdãos do TJUE.

Na origem do processo de reenvio prejudicial em apreço está o litígio que opôs a sociedade comercial Frenetikexito — Unipessoal Lda. (doravante, “Frenetikexito”) à Autoridade Tributária e Aduaneira portuguesa, a respeito da aplicação de IVA sobre serviços de acompanhamento e aconselhamento nutricional. A Frenetikexito é uma sociedade comercial que gere e explora instituições desportivas, dedicadas a atividades de manutenção e bem estar físico (ginásio), bem como atividades de promoção e apoio à saúde humana, tais como o acompanhamento e o aconselhamento nutricional ou a avaliação física.

Para esse efeito, a Frenetikexito encontra-se registada junto da Entidade Reguladora da Saúde portuguesa, tendo contratado uma nutricionista habilitada e certificada que se encontra disponível para consultas de nutrição uma vez por semana.

Neste âmbito a Frenetikexito disponibilizava aos seus clientes pacotes de serviços que incluíam quer as atividades desportivas, quer o acompanhamento nutricional. Estes serviços de acompanhamento nutricional podiam também ser adquiridos separadamente, com preços variáveis, conforme o cliente fosse ou não sócio da Frenetikexito.

Nas faturas correspondentes, a disponibilização dos serviços de acompanhamento nutricional era discriminada, pese embora fosse pago o mesmo montante fixo quer as consultas tivessem sido efetivamente realizadas ou não.

Sobre estes serviços de acompanhamento nutricional, a Frenetikexito não aplicava IVA, enquadrando a operação no âmbito da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, n.º 1 do Código do IVA.

A Frenetikexito recorreu da decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, a funcionar sob a égide do CAAD, o qual, confrontado com a questão de saber se o Direito da União considera que a prestação de serviços de acompanhamento nutricional no contexto descrito pode configurar uma prestação autónoma e ainda, de saber se o Direito da União permite isentar de IVA as prestações de serviços de disponibilização de acompanhamento nutricional, ainda que nem sempre se realizem as consultas, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) entre outras questões, a seguinte:

“A aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, [alínea] c), da Diretiva [2006/112] pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?”

Quanto a esta questão, isto é, sobre a aplicação da isenção de IVA prevista no âmbito do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA (ao qual corresponde o artigo 9.º, n.º 1 do Código do IVA), constatando que o órgão jurisdicional de reenvio enquadra, desde logo, os serviços de acompanhamento nutricional no âmbito da referida isenção, apenas questionando se a aplicação dessa isenção está dependente da concreta realização dos serviços ou se a mera disponibilização desses serviços é suficiente para beneficiar da isenção, veio o TJUE identificar dois princípios que devem ser atendidos no âmbito da análise do potencial enquadramento dos serviços descritos na isenção de IVA prevista no artigo 132.º, n.º 1, al. c) da Diretiva IVA, nomeadamente, (i) a interpretação restritiva das isenções previstas no referido artigo, porquanto estas constituem derrogações à regra geral de sujeição a imposto de todas as prestações de serviços realizadas a título oneroso por sujeitos passivos, e por outro lado, (ii) o princípio da neutralidade fiscal, o qual prevê a aplicação do mesmo tratamento de IVA a prestações de serviços por forma a não prejudicar o livre desenvolvimento do mercado concorrencial.

Neste contexto, o TJUE, invocando jurisprudência estabelecida, observa que as prestações de serviços abrangidas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA são aquelas que se realizam “tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar” e que visam “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde”. Concluindo, assim, que as prestações de serviços de assistência, tal como descritas na norma em análise, devem ter uma finalidade terapêutica e, neste contexto, “as prestações de natureza médica ou paramédica efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas podem beneficiar da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA”.

Da análise do TJUE resultam dois requisitos para que determinada prestação de serviços possa beneficiar da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, al. c) da Diretiva IVA, a saber: (i) que a finalidade da prestação de serviços consista em proteger, manter ou reestabelecer a saúde das pessoas, e (ii) que essa prestação ocorra no âmbito do exercício das profissões médicas ou paramédicas.

Nesse dissídio, conforme referido, verifica-se que as prestações de serviços de acompanhamento nutricional eram prestadas por uma profissional habilitada e certificada, enquadrando-se, dessa forma, no âmbito das atividades paramédicas sancionadas pelo Estado português. Assim, o TJUE procurou estabelecer a finalidade da prestação de serviços, concluindo que, para derrogar o princípio geral segundo o qual IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços realizada a título oneroso por um sujeito passivo, essa prestação de serviços deve cumprir uma finalidade de interesse geral, inerente a todas as isenções estabelecidas no capítulo 2 da Diretiva IVA, onde se enquadra o artigo 132.º.

Confrontando o caso concreto, o TJUE considera que na ausência de indicação expressa de que a prestação de serviços visa fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, tem uma finalidade terapêutica, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, este serviço de acompanhamento nutricional não preenche o critério da atividade de interesse geral, requisito comum a todas as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), encontrando-se, em princípio, sujeito a IVA.

Por considerar que os serviços de acompanhamento nutricional, conforme descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio, podem não visar necessariamente uma finalidade terapêutica, na aceção da jurisprudência do TJUE, entendeu que estes não podem ser equiparados a serviços de acompanhamento nutricional com essa finalidade terapêutica, ou seja que não são sucedâneos e, por isso, não entram em concorrência com os serviços de acompanhamento nutricional que visam fins terapêuticos.

Nesse sentido, a aplicação de IVA à prestação de serviços descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, não viola o princípio da neutralidade fiscal, o qual determina a aplicação do mesmo tratamento, em sede de IVA, a prestações de serviços ou bens sucedâneos, isto é, que satisfaçam as mesmas necessidades do ponto de vista do consumidor.

Por outro lado, o TJUE considera que permitir a aplicação da isenção de IVA aos serviços descritos constituiria um alargamento do âmbito de aplicação da referida isenção para além da própria ratio legis da norma que a prevê. Afastando, por esta via, a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, al. c) da Diretiva IVA às prestações de serviços de acompanhamento nutricional descritas, o TJUE não chega a responder, em concreto, à segunda questão prejudicial colocada , determinando que aquela isenção pode nem sequer ser aplicável ao tipo de serviços prestados, o que compete ao órgão de reenvio determinar em face das circunstâncias do caso concreto, pois só ele tem competência para dirimir o litígio pois não esqueçamos que o TJUE não goza de hierarquia sobre os tribunais nacionais.

Por outro lado, quanto à acessoriedade da prestação de acompanhamento nutricional, outra das questões colocadas ao TJUE neste processo, este veio observar que estas prestações representam 40% do valor da fatura, não podendo esse valor ser considerado marginal, essas prestações não devem ser consideradas acessórias da prestação de manutenção de bem-estar físico.

Da análise do Tribunal resulta, por um lado, que as prestações de acompanhamento nutricional devem ser consideradas independentes e autónomas e, consequentemente deve ser-lhes aplicado o regime de IVA próprio.

O Tribunal não ignora que esta decisão do TJUE, com a interpretação aí perfilhada, no que se refere ao âmbito de aplicação da norma prevista no artigo 9.º, n.º 1 do Código do IVA, implica, tudo o indica, que doravante se verifique uma mudança de paradigma com que esta questão vinha sendo analisada e enquadrada pela AT nos diversos dissídios que este CAAD tem vindo a apreciar, mas importa dizer que em momento algum a AT veio dizer que as consultas de nutrição, de per si consideradas, não podem beneficiar da isenção de IVA a não ser que se prove terem finalidades terapêuticas, e no caso sub judice tal também assim foi como se verá.

É entendimento deste Tribunal que o TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, constituindo antes um mecanismo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus para garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito europeu (Luísa Lourenço, “O reenvio prejudicial para o TJUE e os pareceres consultivos do tribunal EFTA”, in Revista Julgar n.º 35, página 189).

Mesmo o Tribunal de Justiça tem entendido que o artigo 234.° CE  (actual artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) (TFUE) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.°(acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04, parágrafo 28).

Com efeito, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na sequência da questão prejudicial formulada pela jurisdição nacional não vai resolver o litígio que decorre perante o tribunal nacional. O sentido da resposta dada pelo Tribunal de Justiça é o de fornecer elementos para a interpretação ou a apreciação da validade de uma norma de direito europeu, que foi suscitada no âmbito desse dissídio, sendo que o esse tribunal não interfere directa e imediatamente na solução do caso concreto (Miguel Gorjão Henriques, Direito Comunitário, 4.ª edição, Coimbra, pág. 367).

 

Implicações no caso sub judice

Importa recordar que é de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto administrativo a fundamentação a posteriori, pois a fundamentação do acto tributário deve ser sempre contextual, isto é, contemporânea do acto, que, como tal, é destituída de valor seja como complemento da fundamentação do acto ou como apta a destruir ou contrariar esta última.

Por outro lado, apesar do enorme esforço que a Recorrida agora faz para tentar fundamentar o itinerário cognoscitivo levado a cabo pela AT aquando da realização da acção de inspeção tributária, o certo é que convoca uma fundamentação (e sobretudo tece conclusões) que não existiram aquando da realização desta.

Ou seja, quando a Recorrida vem dizer na sua Resposta e citando: “Ora, para os SIT, numa conclusão que parece à Requerida acertada, o facto de os serviços, não serem efectivamente prestados, evidencia, que os serviços em questão, não têm um fim terapêutico.”.

E que “ não sendo efectivamente prestado o serviço facturado, por maioria de razão se entenderá que não são efectuadas quaisquer práticas terapêuticas, não podendo por via disso, aplicar-se a isenção em apreço” parece estar a pretender fundamentar as correcções operadas recorrendo às conclusões formuladas pelo TJUE no referido processo C 581/19.

Sublinhado do Tribunal

E, in casu, como já se disse, a fundamentação do acto tributário deu-se aquando da realização da acção de inspecção tributária, com a emissão do RIT, pois foi aí que ficou estribada a fundamentação do acto tributário que levou às liquidações de IVA e IRC impugnadas nos autos.

Percorrendo a fundamentação dos SIT verificamos que estes consideraram então que não seria possível isentar de IVA os serviços de nutrição prestados pelo Requerente, não porque estes não tivessem necessariamente uma componente terapêutica, mas porque os mesmos não tinham sido efectivamente utilizados. Ou seja, a AT não diz que as consultas de nutrição não utilizadas não tinham uma finalidade terapêutica, desconsiderou a isenção de IVA com o argumento único de que como estas não se chegaram a realizar então não podiam beneficiar da isenção de IVA.

Aliás, de acordo com o próprio entendimento histórico da AT, embora a actividade de nutricionista não se encontre prevista na Lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, pode, ainda assim, ser equiparada à actividade de "dietética", que se encontra elencada na citada Lista.

Como se elucida na Ficha doutrinária relativa ao Processo n.º 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA, por delegação do Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, que consta, de resto, do enquadramento legal proposto pelos SIT no caso sub judice:

“ 9.Nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) estão isentas de imposto as "prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".

10. No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.

11.Em conformidade com o estabelecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, ambos os diplomas visam prosseguir a proteção da saúde dos cidadãos, enquanto direito social constitucionalmente consagrado "(…) através de uma regulamentação das atividades técnicas de diagnóstico e terapêutica que condicione o seu exercício em geral, quer na defesa do direito à saúde, proporcionando a prestação de cuidados por quem detenha habilitação adequada, quer na defesa dos interesses dos profissionais que efetivamente possuam os conhecimentos e as atitudes próprias para o exercício da correspondente profissão".

12.Neste sentido determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação. 13.É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto. 14.A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê no seu item 5, a atividade de Dietética. De acordo com a descrição aí prevista.

(…)

15.A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.

16. Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

17. Esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades. Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P. I6833, n.º 26), que resume o caráter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

CONCLUSÃO

23.Face a todo o exposto, conclui-se que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto).”.

Assim, não restavam dúvidas que, então, para a AT os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição eram isentos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.

A AT tem vindo a litigar no seio deste CAAD, fundamentalmente com o argumento da acessoriedade (embora não no caso sub judice) e com o argumento de que não havendo prestação efectiva dos serviços de nutrição, estes não podem beneficiar da isenção de IVA abrangida pelo artigo 9.º do CIVA (o que corresponde ao caso sub judice), mas nunca questionando a aplicabilidade da isenção de per si às consultas/aconselhamento prestadas pelos nutricionistas nos ginásios, com o argumento de ter de se provar casuisticamente o seu fim terapêutico, e de igual modo tal não é questionado pelos SIT no caso em apreço.

Antes reconhecendo tal isenção, mas dizendo que a mesma não se aplica a serviços que não foram prestados/utilizados.

Ora sobre isso, já vieram os tribunais que funcionam sob a égide do CAAD se pronunciar, no que não é contrariado pelo Acórdão do TJUE proferido no processo C- 581/2019, concordando este Tribunal com a solução de direito proferida no Tribunal Arbitral Coletivo no processo 373-2018-T, em tudo aplicável ao caso concreto, cujo teor se passa a transpor por facilidade de referência e de economia processual: 

“2.3. A ISENÇÃO DE IVA APLICÁVEL AOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO - ENQUADRAMENTO

(…)

“Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.“.

É igualmente entendimento do Tribunal que face à fundamentação legal de suporte das correções efetuadas pela AT, contemporânea dos actos tributários praticados, não merece censura a actuação do Requerente, face à fundamentação de direito empregue pela AT no caso concreto, devendo, por isso mesmo, os serviços de nutrição prestados/disponibilizados pelo Requerente aproveitar a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.

Isto porque o Requerente nunca foi confrontado com um pedido (em sede de inspecção) para que comprovasse a finalidade terapêutica das consultas de nutrição em causa, aliás, se assim fosse, então teria a AT que ter questionado tal finalidade em relação às consultas havidas e que entendeu isentar por inteiro no RIT, como resultou provado.

Ou seja, o Requerente nunca teve a oportunidade de demonstrar se tais consultas de nutrição tinham ou não uma finalidade terapêutica, pois na realidade tal não foi questionado pelos SIT, cabendo à AT o ônus de prova dos factos constitutivos do direito à liquidação adicional nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, em termos de lhe competir fazer o enquadramento da situação tributária por forma a tornar claro aos contribuintes a ilegalidade que entende que o(s) acto(s) tributário(s) padece(m), com uma determinada fundamentação, competindo depois ao Requerente contrariá-la em face da fundamentação apontada, tendo o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.

Pretender a Recorrida que agora o Tribunal declare a ilegalidade de actos de liquidação socorrendo-se de uma decisão do TJUE, que embora forneça uma interpretação geral a dar à matéria da isenção de IVA na prestação de serviços de nutrição no âmbito de uma instituição desportiva, no âmbito das suas atribuições, não é contemporânea dos actos tributários praticados, quando esta em momento algum o fez e tendo até considerado como isenta a prestação (em relação a todas as consultas havidas) de serviços de nutrição prestados por profissionais credenciados, poria em causa os mais elementares princípios da segurança jurídica na actuação da Administração, da confiança dos administrados e das expectativas legítimas destes.

E além do mais implicaria a violação da proibição da fundamentação a posteriori dos actos tributários.

E mais, não se diga que com esta decisão o Tribunal Arbitral viola a solução de direito formulada pelo TJUE no processo C 581/2019, porque não o faz. Quem compete dirimir o litígio são os Tribunais nacionais, e não o TJUE, como se disse. No caso concreto o Requerente nunca chegou a ter oportunidade de poder demonstrar (ou não) que as consultas de nutrição realizadas (e as não utilizadas) tinham uma finalidade terapêutica, como agora advoga o TJUE no seu aresto, pela simples razão de que tal não lhe foi questionado, e não foi questionado porque não era um tema de dúvida para a própria AT, podendo até dizer-se que esta decisão do TJUE a todos terá apanhado de surpresa pelo seu carácter inovador.

Ou seja, por outras palavras, não existe no processo elementos que permitam concluir que os serviços de nutrição prestados pelo Requerente não tinham (todos ou alguns) uma finalidade terapêutica.

Outra poderia ser a conclusão caso a AT tivesse pugnado, ab initio, pela não aplicação da isenção de IVA com o fundamento de que os serviços de nutrição prestados pelo Requerente teriam necessariamente de ter efeitos terapêuticos para poder aproveitar da isenção de IVA, percorrendo o seu itinerário cognoscitivo nesse sentido, cabendo então tal prova ao Requerente, que teria a possibilidade de se defender e de exercer o seu contraditório sobre este ponto, e no âmbito do procedimento administrativo de inspecção, mas não o fez porque não era esse o seu entendimento, como vimos.

Se assim tivesse sido naturalmente que o Tribunal não deixaria de tirar consequências, analisando a prova produzida e decidindo o dissídio com base nessa fundamentação, considerando a orientação definida pelo TJUE.

No que se refere às liquidações de IRC na medida em que considera o Tribunal que não está em causa a isenção indevida de IVA ao valor dos serviços que a Requerente faturou a título de serviços de nutrição, decai a correcão efectuada pela AT quanto à desconsideração do gasto do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, considerando que estas aquisições estavam afetas ao setor isento de IVA — nutrição.

Aqui chegados importa dizer que tal não impede, naturalmente, a AT, enquanto órgão administrativo a quem compete a fiscalização e cobrança de impostos, de rever as suas orientações administrativas e a sua actuação para, eventualmente, as conformar com o entendimento do TJUE no processo C 581/19, nada a impedindo de fazer se assim o entender e como entender, mas necessariamente no quadro de um novo procedimento administrativo.

                Quanto ao pedido de custas de parte formulado pelo Requerente, não se prevendo o pagamento de custas de parte na jurisdição arbitral, ao admitir-se a possibilidade de ser pedida, pelos contribuintes, compensação pelos encargos com mandatário, estar-se-ia a discriminar negativamente a AT, na medida em que, nas causas que vença, não se verá compensada pelas correspondentes custas de parte, nem poderá obter a correspondente compensação.

                Em todo o caso entende-se não caber na competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, a apreciação da pretensão indemnizatória em causa, sendo, assim, um pedido que não cabe ao Tribunal decidir, o que conduz à absolvição da Requerida do pedido nesta parte.

                Em suma e nos termos melhor fundamentados no segmento decisório, os atos tributários de liquidação de IVA e de IRC e de juros em crise nestes autos, são anuláveis por vício de violação de lei pois não se provou o facto constitutivo do direito à AT de tributar nos termos constantes da fundamentação usada, como impõe o artigo 74.º, n.º 1 da LGT e o princípio da legalidade e o próprio n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, que impõe que qualquer dúvida seja resolvida conta a AT, e igualmente em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

6.            DECISÃO

                Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

- Julgar procedente a excepção dilatória invocada pela Requerida quanto ao pedido arbitral constante do ponto 2. do PPA, absolvendo-a da instância.

- Indeferir o pedido de suspensão da instância apresentado pela Requerida (pedido de reenvio prejudicial no processo Frenetikexito) por inutilidade superveniente.

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte referente à anulação dos actos tributários de liquidação de IVA e de IRC e de juros supra identificados, com as legais consequências, devendo a AT reembolsar a Requerente das quantias pagas e que constam dos autos.

- Julgar improcedente o pedido do Requerente de condenação em custas de parte da Requerida.

 

* * *

                Fixa-se ao processo o valor de € 40.366,99, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Custas no montante de € 2.142,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 06 de Junho de 2021.

O árbitro,

 

Dr. Henrique Nogueira Nunes

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.