Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 62/2014-T
Data da decisão: 2014-09-01  IRS  
Valor do pedido: € 861.694,66
Tema: Cláusula geral anti-abuso
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Processo n.º 62/2014-T

           

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Poças Falcão e Dr. Pedro Pais de Almeida, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-03-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A e B, casados entre si, respectivamente NIF … e NIF …, com domicílio fiscal na …, -…, vieram nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) submeter à apreciação de Tribunal Arbitral a legalidade das seguintes liquidações:

(i) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2009, no valor de € 172.457,76, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 19.727,88, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 165.020,08;

(ii) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2010, no valor de € 434.927,88, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 37.289,03, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 429.296,49;

(iii) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2011, no valor de € 271.396,75, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 14.021,38, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 267.378,09.

            Os Requerentes pedem ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada no pagamento de uma indemnização pela garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal na pendência do presente litígio.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Os Requerentes optaram pela não designação de árbitro.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Dr. Jorge Lopes de Sousa, o Dr. José Poças Falcão e o Dr. Pedro Pais de Almeida, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28-03-2014.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência dos pedidos.

            Em reunião de 30-06-2014, procedeu-se à produção de prova testemunhal.

            Na mesma reunião, as Partes foram notificadas para alegações escritas sucessivas.

            Os Requerentes apresentaram as seguintes conclusões:

 

 

A. O essencial dos factos em causa no presente processo é de fácil descrição: uma sociedade adquiriu aos seus acionistas (pessoas individuais) participações sociais por estes detidas noutras sociedades, numa altura em que as mais-valias decorrentes da alienação de ações detidas há mais de 12 meses estavam excluídas de tributação em sede de IRS.

B. A AT entende que as mencionadas operações de compra e venda de participações sociais são abusivas, na medida em que pretenderam dissimular distribuições de dividendos. Como tal, entendeu aplicar a cláusula-geral anti-abuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e converter as mais-valias não tributadas em dividendos tributados.

C. Na verdade, as liquidações em causa resultam de uma aplicação abusiva da CGAA, a qual se fundamenta no entendimento administrativo da AT de que há abuso sempre que um contribuinte não opta pela via fiscalmente mais onerosa para realizar os seus negócios.

D. Em concreto, no ano de 2009, tiveram lugar as seguintes operações:

(i) Venda de participações na C:

- em 20.07.2009, B vendeu as 420.000 ações de que era titular na C à D, pelo valor unitário de € 2.4286, perfazendo o preço total de € 1.020.000,00. O preço foi pago da seguinte forma: (i) o valor de € 84.000 no ato de assinatura do contrato de compra e venda; (ii) o valor de € 120.000,00 em 31.12.2009; (iii) o valor de € 306.000 em 30.06.2010; (iv) o valor de € 204.000 em 31.12.2010; (v) o valor de € 306.000 em 30.06.2011;

- Em 20.07.2009, A vendeu as 420.000 ações de que era titular na C à D, pelo valor unitário de € 2.4286, perfazendo o preço total de € 1.020.000,00. O preço foi pago da seguinte forma: (i) o valor de € 84.000 no ato de assinatura do contrato de compra e venda; (ii) o valor de € 120.000,00 em 31.12.2009; (iii) o valor de € 306.000 em 30.06.2010; (iv) o valor de € 204.000 em 31.12.2010; (v) o valor de € 306.000 em 30.06.2011;

(ii) Venda de participações na E:

- em 20.07.2009, B vendeu as 100.450 ações de que era titular na E à D, pelo valor unitário de € 2,00, perfazendo o preço total de € 200.900,00, pago da seguinte forma: (i) o valor de € 20.090 no ato de assinatura do contrato de compra e venda; (ii) o valor de € 20.090,00 em 31.12.2009; (iii) o valor de € 60.270,00 em 30.06.2010; (iv) o valor de € 40.180 em 31.12.2010; (v) o valor de € 60.270 em 30.06.2011.

- em 20.07.2009, A vendeu as 100.450 ações de que era titular na E à D, pelo valor unitário de € 2,00, perfazendo o preço total de € 200.900,00. O preço total foi pago da seguinte forma: (i) o valor de € 20.090 no ato de assinatura do contrato de compra e venda; (ii) o valor de € 20.090,00 em 31.12.2009; (iii) o valor de € 60.270,00 em 30.06.2010; (iv) o valor de € 40.180 em 31.12.2010; (v) o valor de € 60.270 em 30.06.2011.

(iii) Venda de participações na F:

- em 20.07.2009, B vendeu as 264.000 ações de que era titular na F à D, pelo valor unitário de € 2,00, perfazendo o preço total de € 528.000,00. O preço total foi pago da seguinte forma: (i) o valor de € 52.800,00 no ato de assinatura do contrato de compra e venda; (ii) o valor de € 52.800,00 em 31.12.2009; (iii) o valor de € 158.400 em 30.06.2010; (iv) o valor de € 105.600 em 31.12.2010; (v) o valor de € 158.400 em 30.06.2011.

- em 20.07.2009, A vendeu as 264.000 ações de que era titular na F à D, pelo valor unitário de € 2,00, perfazendo o preço total de € 528.000,00. O preço total foi pago da seguinte forma: (i) o valor de € 52.800,00 no ato de assinatura do contrato de compra e venda; (ii) o valor de € 52.800,00 em 31.12.2009; (iii) o valor de € 158.400 em 30.06.2010; (iv) o valor de € 105.600 em 31.12.2010; (v) o valor de € 158.400 em 30.06.2011.

E. Em 07.08.2009 foi registado o projeto de fusão, por transferência global do património, entre a D (como sociedade incorporante) e a F, C e E enquanto sociedades incorporadas, representando esta operação o culminar de um processo de reorganização empresarial das quatro sociedades em causa que começou a ser equacionado aos primeiros sinais da crise económica e financeira iniciada em 2008.

F. Em 2008, o ciclo de crescimento que se vinha observando nos mercados em que atuavam as referidas sociedades desde o início da década de noventa terminou, iniciando-se uma fase de redução da atividade das quatro empresas; em 2009 verificou-se um acentuado decréscimo na procura dos respetivos serviços em virtude das condicionantes existentes no mercado da construção civil e obras públicas, que originou uma quebra das receitas das prestações de serviços.

G. Procurando responder aos constrangimentos provocados pela acentuada redução de atividade, em 2009, os sócios das quatro empresas optaram por pôr em prática um plano de reorganização empresarial que se traduziu na fusão das sociedades, através da incorporação da C, F e E pela D.

H. Tomada a decisão de proceder à fusão e definida a respetiva modalidade (fusão por incorporação) houve que decidir de que forma se procederia à operação. À data, o Código das Sociedades Comerciais (CSC) previa duas formas de realização de uma operação de fusão por incorporação:

 (i) a forma comum, a que se refere o artigo 97.º do CSC, que implica a atribuição de ações da sociedade incorporante aos sócios das sociedades incorporantes e que obedece a um complexo processo de concretização, previsto nos artigos 98.º e ss. do CSC;

(ii) a forma simplificada, prevista no artigo 116.º do CSC, a qual tinha sido objeto de algumas alterações por via da reforma do direito societário levada a cabo em 2006 (através do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março), que veio simplificar ainda mais o processo já anteriormente previsto naquela disposição legal.

I. Perante o cenário legal descrito, afigurou-se aos acionistas das sociedades em causa, dois dos quais os ora Requerentes, bem como aos membros dos respetivos órgãos de administração que, podendo ser levada a cabo a fusão através de uma forma mais simplificada e não pretendendo os acionistas das sociedades incorporadas adquirir novas participações na sociedade incorporada, a fusão simplificada seria uma vantagem em termos de tempo e de custos associados ao processo, permitindo que fossem dispensados:

(i) a troca de participações sociais e consequentemente, a elaboração das relações de troca de participações sociais e apuramento de eventuais valores em dinheiro a atribuir aos sócios das sociedades incorporadas (prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 98.º do CSC, aplicável ao processo comum de fusão), o que significava que o projeto não teria que indicar os critérios de avaliação adotados e as bases dessa relação de troca (como previa o n.º 3 do artigo 98.º do CSC para o processo comum de fusão);

(ii) o envio do projeto de fusão ao órgão de fiscalização das sociedades envolvidas na fusão e a emissão de pareceres pelos mesmos (conforme previa o n.º 1 do artigo 99.º do CSC para o processo comum de fusão);

(iii) a promoção do exame do projeto de fusão por um revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores independente de todas as sociedades intervenientes (como previa o n.º 2 do artigo 99.º do CSC para o processo comum de fusão);

(iv) a elaboração de relatórios pelos revisores com o respetivo parecer fundamentado sobre a adequação e razoabilidade da relação de troca de participações sociais, indicando, pelo menos, os métodos seguidos na

definição da relação de troca proposta e a justificação da aplicação ao caso concreto dos métodos utilizados pelo órgão de administração das sociedades ou pelos próprios revisores, os valores encontrados através de cada um desses métodos, a importância relativa que lhes foi conferida na determinação dos valores propostos e as dificuldades especiais com que se tenham deparado nas avaliações a que procederam (conforme previa o n.º 4 do artigo 99.º do CSC para o processo comum de fusão); e, ainda, que, (v) a fusão pudesse ser registada sem prévia deliberação das assembleias gerais, bastando, portanto, elaborar o projeto de fusão e proceder às comunicações necessárias nos termos do n.º 2 do artigo 116.º do CSC.

J. Para que o processo simplificado de fusão pudesse ter lugar, era apenas necessário, nos termos do disposto no artigo 116.º do CSC, que a D (sociedade incorporante) fosse titular do capital social das sociedades incorporadas quando se iniciasse o processo de concretização da fusão; para tanto, era necessário que os acionistas das últimas vendessem as suas participações à primeira previamente ao início do processo de fusão.

K. Tendo em conta que as empresas em causa eram empresas familiares, pertencentes, embora em medidas diferentes, aos ora Requerentes e às suas três filhas, a solução da fusão simplificada com prévia aquisição das participações sociais na F, na C e na E à D pareceu ser a solução mais vantajosa, justamente por ser a mais simples em termos de cumprimento de requisitos e formalidades legais e porque os acionistas das sociedades incorporadas não tinham como objetivo a aquisição de novas participações na sociedade incorporada.

L. A pretendida simplificação do processo foi, aliás, descrita por uma das testemunhas apresentadas (o contabilista da D) como a razão pela qual ocorreu a aquisição das participações sociais aos acionistas das sociedades incorporadas por parte da sociedade incorporante – uma razão em tudo legítima e expressamente permitida pela lei.

M. Não houve, ao contrário do que argumenta a AT, qualquer intenção de proceder à distribuição de dividendos das sociedades incorporadas através de uma “falsa” venda de participações sociais. De resto, como foi referido pelas duas testemunhas arroladas pelos Requerentes e como é reconhecido pela própria AT ao longo do relatório de inspeção e deste processo, as sociedades em causa nunca tiveram uma política de distribuição de dividendos, seguindo, ao contrário, uma política de reinvestimento interno que, de resto, é também aquela que vem sendo seguida pela D, sociedade incorporante, antes e depois da fusão.

N. Esta consistência da política de não distribuição de dividendos revela que se trata de uma opção empresarial sólida da parte dos acionistas, que se prende com o facto de as sociedades em causa (agora, apenas a D) terem necessidades elevadas de investimento em imobilizado e não poderem estar apenas dependentes de financiamento externo para esse efeito.

O. Sendo isso verdade, não se pretende aqui obnubilar o facto de que a venda das participações sociais permitiu aos Requerentes e restantes acionistas das sociedades incorporadas a realização de mais-valias – facto que, de resto, nunca foi negado pelos mesmos.

P. É certo também que o facto de os rendimentos assim obtidos não serem, à época, objeto de tributação, foi um factor considerado aquando da decisão de proceder ou não à venda das participações antes da fusão. Aliás, nem outra coisa poderia supor-se, pois qualquer pessoa que pondera alternativas de decisão pondera os respetivos prós e contras.

Q. Contudo, existe uma diferença fundamental entre ponderar esse factor numa decisão entre alternativas e elegê-lo como leit motiv do caminho que se percorre de seguida e que assim é constituído por atos e operações funcionalizados à realização daquele objetivo. Essa é a diferença que está na raiz da distinção entre planeamento fiscal legítimo e ilegítimo. Nas palavras de SALDANHA SANCHES, in “Os limites do planeamento fiscal”, Coimbra Editora, 2006, pág. 21, o planeamento fiscal legítimo "consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico aquela que, por ação intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais". Por outro lado, o planeamento fiscal ilegítimo "consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo".

R. No caso concreto, a decisão dos sujeitos, ora Requerentes, foi determinada por uma razão positiva essencial: a simplificação do processo de fusão e a dispensa de realização da troca de participações que um processo comum de fusão implicaria. Naturalmente que antes de se dar início à concretização dessa solução se pesaram os respetivos prós e contras, tendo nessa análise sido incluída a questão do rendimento que seria gerado para os acionistas e da respetiva isenção de tributação. Não é isso que faz qualquer sujeito económico esclarecido antes de tomar uma decisão com implicações patrimoniais?

S. O que não aconteceu de todo foi os acionistas das sociedades incorporadas quererem distribuir para si dividendos e sujeitarem a forma como se realizaria a fusão a esse objetivo – que nunca existiu – procedendo para tanto à venda prévia das respetivas participações sociais à sociedade incorporante. Aliás, se a vontade dos acionistas fosse a de aproveitar o momento para retirar meios financeiros das sociedades em causa, porque razão teriam esperado três anos para receber a totalidade do preço das participações sociais? Note-se que a contrapartida das ações das sociedades incorporadas foi paga ao longo dos anos de 2009, 2010 e 2011 e que, no momento da fusão, foi paga uma parte muito pequena desse valor.

T. No entender da AT, os negócios jurídicos de venda das participações eram desnecessários para o projeto de fusão se poder efetivar, na medida em que este poderia igualmente ter ocorrido se os sujeitos passivos fossem ainda titulares das participações sociais nas sociedades incorporadas, situação em que ficariam com participações sociais equivalentes na sociedade incorporada.

U. Com efeito, a operação de fusão podia, efectivamente, ter ocorrido se as sociedades incorporadas fossem ainda detidas pelos sujeitos passivos e não pela sociedade incorporante.

Contudo, essa situação não permitiria a aplicação do regime de fusão simplificada e obrigaria à troca de participações para que os acionistas das sociedades incorporadas ficassem a deter participações na sociedade incorporante, o que não era pretendido pelos mesmos. É perfeitamente legítimo e não constitui qualquer tipo de fraude ou abuso que os sujeitos passivos tenham adotado a solução que adotaram e que não tenham querido adotar a solução que a AT entende que deveriam ter adotado (a fusão comum, sem aquisição prévia de participações sociais pela sociedade incorporante).

V. O interesse que realizaram é legítimo e não teve qualquer fim ou intuito de manipulação da base tributável e da carga fiscal, ainda que tenha permitido, colateralmente, a realização de um rendimento não tributado pelo ordenamento jurídico então vigente. “De facto, uma coisa é a obtenção despropositada de uma vantagem fiscal e a montagem de actos encadeados em termos tais que a possam atingir; outra, totalmente distinta, é a mera coincidência de eventos, decorrentes da atividade normal do sujeito ou da empresa, dos quais podem resultar vantagens fiscais.” (cf. GUSTAVO LOPES COURINHA, op. cit., p. 170).

W. A questão que sobressalta a AT é o facto de, à época em que os sujeitos passivos o fizeram, a mais-valia gerada com a venda não ser tributada em sede de IRS; porém, o facto de, à época, o legislador fiscal não tributar as mais-valias realizadas com a venda de ações detidas há mais de 12 meses não pode, naturalmente, ser usado pela AT contra os sujeitos passivos, ora Requerentes: se o legislador abriu essa porta, não pode ser considerado abusivo o comportamento dos sujeitos passivos que, legitimamente, a utilizaram.

X. Em conclusão, no caso concreto não se verifica o elemento meio, pressuposto da cláusula geral anti-abuso, porquanto os negócios em causa não revestiram uma forma anómala, inusual, artificiosa, complexa ou mesmo contraditória, tendo em consideração os fins com ele visados, antes os meios jurídicos utilizados foram negócios típicos que a lei prevê para a realização dos fins em vista, pelo que, no entendimento dos Requerentes, a cláusula geral

anti-abuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT, não é aplicável à situação em apreço

Y. Quanto ao elemento resultado, é evidente que a alienação das acções nas condições verificadas proporcionou aos sujeitos uma vantagem fiscal. Contudo, embora tal constatação baste para preencher aquele requisito, o seu preenchimento é, por si só, irrelevante para a aplicação da CGAA pois “em caso algum, uma vantagem ou um benefício fiscal indiciarão por si só qualquer ideia de abuso jurídico” (cf. LEITE DE CAMPOS, DIOGO, e COSTA ANDRADE, JOÃO, Autonomia Contratual e Direito Tributário, A norma geral anti-elisão, Coimbra, Almedina, 2008, p. 82.).

Z. ALBERTO XAVIER salienta, a este mesmo propósito, que as CGAAs são normas que visam a tributação de “atos ou negócios jurídicos não subsumíveis ao tipo legal tributário, mas que produzem efeitos económicos equivalentes aos dos actos ou negócios jurídicos típicos, sem, no entanto, produzirem as respectivas consequências tributárias.” (cf. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma anti-elisiva, Dialética, São Paulo, 2001, p. 85).

AA. Ora, essa equivalência de resultados não fiscais (económicos, práticos, materiais ou financeiros) entre os actos ou negócios jurídicos praticados e os actos ou negócios jurídicos normais tributados só existe quando aqueles se possam substituir nos efeitos destes. Só se for comprovada esta substituição de efeitos é que estaremos perante situações censuráveis.

BB. Completando esse argumento, GUSTAVO LOPES COURINHA esclarece: “a equivalência de resultados deve, em consequência, aceitando tais termos da atuação (v.g. cláusulas dos contratos firmados), procurar-se nos termos jurídicos dos actos ou negócios adoptados pelo contribuinte, de forma a inferir a posição jurídica (obrigações e deveres) que daí lhe advém e a respetiva equiparação ou não com a posição jurídica que resultaria caso tivesse optado pelo negócio “normal”. Da análise dessas obrigações e direitos constituídos se

conclui sobre a mencionada equivalência dos resultados não fiscais.” (cf. op. cit., p. 175).

CC. Assim, quanto ao elemento resultado, a AT não só tem que provar que o sujeito passivo alcançou, através dos atos ou negócios jurídicos praticados, a verificação de uma certa vantagem fiscal, como também a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do acto normal tributado. Ora, o comportamento alternativo sugerido pela AT – que os sujeitos passivos não tivessem vendido as participações - não só não produziria os mesmos efeitos

económicos, financeiros e materiais, porquanto os sujeitos passivos seriam obrigados a proceder à fusão através do processo comum, com todos os requisitos que a mesma implica, inclusive, a troca de participações sociais, como não produziria o efeito fiscal que a AT pretende – a tributação dos dividendos – porquanto esse comportamento alternativo não conduziria necessariamente à distribuição de dividendos pelas sociedades cujas participações foram alienadas (as quais, já se viu, tinham uma política consistente de não distribuição de dividendos).

DD. Repare-se que é precisamente nesse ponto que repousa toda a fundamentação da AT para recorrer à CGAA: o facto de as operações de venda das participações sociais terem pretendido evitar a tributação dos dividendos que, de outra forma, seriam distribuídos.

Porém, a AT não sabe se os dividendos teriam sido distribuídos caso não tivessem sido vendidas as participações sociais e não pode, sob pena de aplicação ilegal da norma prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, “supor” que essa situação se verificaria.

EE. Quando a AT afirma que “sem a prática de tal negócio jurídico, i.e., sem a manipulação negocial referida, as importâncias recebidas como “contrapartida” da transmissão das participações sociais, ou seja, o “preço”, seriam tributadas, mas a outro título, ou seja, como dividendos” a AT está claramente a extrapolar uma situação que não sabe se teria ocorrido se as participações não tivessem sido vendidas, simplesmente porque nada obriga as sociedades a distribuírem dividendos.

FF. E essa inevitável conclusão não é alterada pelo facto de o “pagamento” das participações sociais adquiridas pela D se ter feito, como diz a AT, “com os resultados transitados da “D” (sociedade incorporante), para cujo montante total concorreram, aliás, os resultados transitados das sociedades incorporadas “F”, “C” e “E”, já que como decorre da análise dos balanços destas sociedades, não era política das sociedades, quer incorporadas, quer incorporante, distribuir dividendos aos sócios, facto este confirmado pela administradora da “D, SA” em termo de declarações (Anexo VIII).”

GG. O facto de o montante do preço ser semelhante ao montante dos resultados transitados não permite de forma alguma concluir que, se não tivesse havido venda, os resultados das sociedades incorporadas teriam sido distribuídos - quanto muito, a AT poderia discutir se o preço das acções foi o adequado, mas não é isso que se discute na aplicação da CGAA. Aliás, se a AT entendia que o valor de venda das participações não era o adequado, porque não recorreu ao regime dos preços de transferência previsto no Código do IRC

justamente para permitir corrigir situações como esta?

HH. No que respeita ao elemento intelectual, trata-se de demonstrar que o contribuinte adotou um acto ou negócio jurídico – e não outro com os mesmos efeitos não fiscais – apenas com vista à obtenção da vantagem fiscal que o mesmo lhe proporcionava.

II. Ora, como já ficou esclarecido, as razões pelas quais os sujeitos passivos quiseram vender as participações em causa relacionam-se com a necessidade de a sociedade incorporante ser detentora a 100% das sociedades incorporadas para poder ser aplicado o regime simplificado de fusão, o qual permitiria também evitar a atribuição de participações sociais aos acionistas das sociedades incorporadas na sociedade incorporada (nas quais os mesmos não estavam interessados), sendo que, colateralmente, essa venda lhes permitia a realização de uma mais-valia que, de outra forma, não realizariam, a qual, por decisão do legislador, não era tributada por as ações serem detidas há mais de 12 meses.

JJ. Não houve, portanto, qualquer intenção de distribuir dividendos de forma artificiosa através da venda das participações sociais, nem estas foram realizadas com aquele propósito.

KK. Em conclusão, a AT não logrou demonstrar a verificação do elemento intelectual previsto na norma contida no n.º 2 do artigo 38.º da LGT – nem o poderia ter feito, na medida em que esse elemento não se verificou na conduta dos sujeitos passivos

LL. Quanto ao elemento normativo, conforme salienta GUSTAVO LOPES COURINHA (cfr. A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua Compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 186-187) “tem lugar a reprovação de um certo resultado obtido ou pretendido, quando confrontado com a intenção ou espírito da lei, do Código do Imposto em causa ou do próprio Ordenamento Tributário. O acto fraudulento configura-se em função da reprovação pelo direito da sua natureza verdadeira e substancial – os efeitos obtidos. Efeitos esses que não são desejados, previstos ou promovidos pelo Direito, mas antes rejeitados”. Nestes termos, o apuramento das “fronteiras do acto elisivo” depende do “requisito da condenação pelo Ordenamento Fiscal do resultado obtido”.

MM. Ora, perante a opção do legislador fiscal de excluir de tributação as mais-valias obtidas com a venda de ações detidas há mais de 12 meses não estava, evidentemente, “vedado ao contribuinte o aproveitamento daquele regime que se lhe afigure mais favorável, no contexto de um planeamento fiscal não abusivo, e não caberia ao aplicador da lei substituir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades seguidas pelo legislador fiscal” (cfr. SALDANHA SANCHES, in “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 180).

NN. A título de exemplo, a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, com a subsequente venda das acções sem sujeição a tributação (face ao regime em vigor até à revogação do artigo 10.º, n.º2 do CIRS), foi classificada por SALDANHA SANCHES como uma “lacuna consciente de tributação”. Para o autor, esta não seria uma situação susceptível de aplicação da cláusula geral anti-abuso, uma vez que “se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por ações mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais” (cfr. SALDANHA SANCHES, in “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 182).

OO. Assim, mesmo que a venda das ações tivesse tido uma motivação exclusivamente fiscal, o ato não seria considerado condenável pelo ordenamento jurídico uma vez que o próprio legislador fiscal tinha deixado essa porta aberta, não tributando ganhos decorrentes de venda de ações. Por conseguinte, a ausência de elemento normativo – isto é, de condenação por parte do ordenamento jurídico da atuação dos sujeitos passivos - impediria a

aplicação da CGAA.

PP. Em conclusão, não estão verificados, no caso concreto, os pressupostos de cuja verificação cumulativa depende a aplicação da CGAA, nem a AT logrou fazer a prova que lhe competia nos termos do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT.

QQ. Quanto ao pagamento de juros compensatórios pretendido pela AT, tendo os mesmos o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual e não se tendo verificado, in casu, um facto ilícito (violação de normas jurídicas), culposo (a título doloso ou negligente), um dano (para a fazenda) e um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano, não existe fundamento legal para a respetiva imputação aos Requerentes.

RR. Pelo contrário, os Requerentes têm direito a uma indemnização pela garantia bancária prestada com vista à suspensão dos processos executivos instaurados pela AT para cobrança coerciva do imposto liquidado através das liquidações que constituem objeto do presente processo, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT (cf. a cópia da garantia bancária apresentada na reunião que teve lugar no dia 30.06.2014 nos termos do artigo 18.º do RJAT).

SS. Com efeito, apurando-se no presente processo que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo (nos termos do n.º 2 do artigo 53.º da LGT), e uma vez que a garantia prestada consiste numa garantia bancária (expressamente prevista no n.º 1 do artigo 53.º da LGT), estão verificados os pressupostos legais de que depende a atribuição de uma indemnização aos Requerentes.

TT. No caso concreto, os Requerentes realizaram despesas no valor de € 11.124,30 (conforme documento emitido pelo Banco ... e que protestam juntar ao processo no prazo de 30 dias).

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, anuladas as liquidações adicionais de IRS, bem como as relativas aos juros compensatórios, com as demais consequências legais, sendo a AT condenada no pagamento de uma indemnização pela garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal na pendência do presente litígio.

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou conclusões na sua alegação, terminando-a pedindo que a acção seja julgada improcedente, absolvendo-se a requerida dos pedidos.

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)     Foi realizado um procedimento inspectivo aos ora Requerentes com origem nas Ordens de Serviço n.ºs ...09, ...10 e ...11, despachadas pelo Chefe de Divisão em 2013-05-10, tendo em vista o apuramento de factos relativos aos períodos de tributação de 2009, 2010 e2011 (Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

b)     Na sequência da análise aos resultados obtidos com aquele projecto verificou-se que os Requerentes não haviam declarado a transmissão de participações sociais, efectuada em 2009, concretamente, não entregaram o anexo G, ou o G1, da Declaração Mod. 3 relativa aos rendimentos obtidos em 2009, situação entretanto regularizada voluntariamente (Relatório da Inspecção Tributária);

c)      A Administração Tributária entendeu que da análise à declaração entregue pelos Requerentes a situação poderia subsumir-se à hipótese da norma constante do n.º 2 do artigo 38.º da LGT (cláusula geral antiabuso), com os fundamentos que constam do Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta além do mais o seguinte:

O elemento meio corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e. o(s) acto(s) ou negócio(s) jurídico(s) cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal.

A operação de venda das acções da "F", "C" e "E" que antecedeu a operação de fusão destas sociedades com a "D" constitui um negócio que, com abuso de formas jurídicas, teve como objectivo fundamental a eliminação de encargos tributários que seriam devidos se ao invés da transmissão da totalidade das acções das primeiras três sociedades, a fusão se tivesse operado sem tal operação, já que a coberto do pagamento do correspondente preço, beneficiaram os S.P. A e B de importâncias que de outro modo seriam tributadas a título de dividendos distribuídos, nos termos da al. h) do n.º 2 do art. 52 do CIRS.

Com efeito, sem a prática de tal negócio jurídico, i.e, sem a manipulação negocial referida as importâncias recebidas como "contrapartida" da transmissão das participações sociais, ou seja o "preço", seriam tributadas, mas a outro título, ou seja, como dividendos, porquanto o respectivo “pagamento" fez-se com os resultados transitados na "D" (sociedade incorporante), para cujo montante global concorreram, aliás, os resultados, também, transitados das sociedades incorporadas "F", "C" e "E", já que como decorre da análise dos balanços destas sociedades, não era política das sociedades, quer incorporadas, quer incorporante, distribuir dividendos aos sócios, facto este confirmado pela administradora da "D, SA” em termo de declarações (Anexo VIII).

Ou seja, conforme se poderá constatar a totalidade dos resultados transitados na "D" (somatório dos resultados das incorporadas com os da incorporante) foram utilizados até ao quase esgotamento no "pagamento do preço" das acções adquiridas pela" D". Resultados esses acumulados ao longo de vários exercícios económicos, face, como supra referido, à política de não distribuição de resultados das sociedades em causa.

Por outro lado, atendendo à existência de relações especiais entre as partes, questionada a administradora da "D, SA" sobre a determinação do preço, foi referido que: "Não existiu nenhum estudo de análise económica, tendo sido alienadas as partes de capital pelo valor estipulado em contrato, de acordo com a vontade das partes." (Anexo IX), donde se conclui que a operação de transmissão das acções das sociedades "F, SA”, "C, SA” e "E SA” à sociedade "D, SA”, não foi delineada por si com um sentido económico, não tendo sido assegurada a contratação de um preço objectivo, com aceitação entre entidades independentes.

Recorda-se que foi definido como preço unitário das acções € 2,00 para as sociedades "F, SA" e "E, SA" e € 2, 4286 para a sociedade "C, SA”, sendo que nesta última sociedade, o preço de venda unitário fixado para os restantes accionistas foi de € 1,00. Resulta que, ao invés de ser determinado de forma objectiva o valor económico das sociedades com vista à determinação do justo valor das sociedades, foi antes definido o valor que a sociedade "D teria para remunerar os vendedores (e accionistas, valor este influenciado por uma política de não distribuição dos lucros ao longo dos exercícios económicos).

Prova concludente que não existiu qualquer avaliação económica às sociedades para efeitos de determinação do valor unitário das acções e que o preço foi fixado em função da capacidade de remuneração de que a "D” dispunha (tal como sucede, aliás, na decisão de distribuição de dividendos) é o facto de para uma das sociedades, em contratos de compra e venda de acções, efectuados no mesmo dia (20.07.2009), terem sido fixados preços por acção diferentes, em função da percentagem detida no capital da sociedade pelos respectivos accionistas.

Face ao exposto, concluímos desde já que: (i) os accionistas das sociedades "F, SA, "C, SA" e "E, SA", entre os quais se incluem os s.p. inspeccionados, como detentores da maioria da percentagem do capital social destas sociedades, decidiram em 20.07.2009 vender as suas participações no capital destas sociedades à "D, SA”, cujo capital é igualmente detido pelos mesmos accionistas e na mesma proporção, conforme já descrito neste relatório; (ii) o preço acordado pelas partes (vendedores e compradores coincidentes, porquanto indirectamente a "D, S.A. é detida a pelos vendedores) é definido em função da capacidade que a “D, SA" teria para remunerar os seus accionistas decorrentes desta operação e seguindo um critério subjectivo nessa mesma definição, que inclusive conduz à fixação de preços de venda por acção divergentes; (iii) essa capacidade de remuneração advém do facto desta sociedade nunca ter distribuído resultados ao longo da sua vida económica; (iv) por fim, mais de 90% do valor pago acontece após a fusão da sociedade. A remuneração dos accionistas é também efectuada com recurso a capital das sociedades incorporadas, as quais também não distribuíram resultados ao longo da sua vida económica.

De ressaltar, em acréscimo e a título final, que a transmissão das participações sociais não revestia em si mesmo um carácter indispensável, nem à concretização da posterior operação de fusão por incorporação, nem à obtenção, em termos fiscais, do regime de neutralidade fiscal que o art. 74º do CIRC associa, nomeadamente, à fusão, verificadas certas condições.

De facto, de um prisma fiscal, são três as tipologias de operações de fusão a que nos termos da legislação fiscal vigente, podem beneficiar do regime de neutralidade fiscal:

- Operações pelas quais se transmita o património global de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e ocorra a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;

- Operações pelas quais se constitua uma nova sociedade (sociedade beneficiária) mediante a transmissão global do património de uma, ou mais sociedades (sociedades fundidas), sendo atribuídas aos sócios daquelas partes representativas do capital social da sociedade beneficiária e, eventualmente, quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhe forem atribuídas;

- Operações pelas quais uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integram o seu património para a sociedade detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social (sociedade beneficiária).

Ou seja, pese embora a operação de fusão, precedida da transmissão pelos aqui S.P. da totalidade das acções de que eram titulares nas sociedades "F, S.A.", "C, S.A." e "E, S.A." à "D, S.A.", tenha permitido que a posterior operação de fusão que levaram a efeito se subsumisse no último dos tipos supra mencionados, para assim lograr da aplicabilidade do "benefício" do regime da neutralidade fiscal, tal transmissão, todavia, não era condição "sine qua non", para tal objectivo, face, designadamente a alternativa de que dispunham os aqui s.p.

Designadamente, ao invés de transmitirem para a "D, S.A." a totalidade das participações sociais de que eram detentores nas sociedades incorporadas, poderia a globalidade do património das sociedades incorporadas ter sido transmitida para a "D, S.A.", com a atribuição aos S.P. de acções da sociedade Beneficiária, i.e., da "D, S.A.", com o consequente aumento de capital.

Ao não procederem desta última forma, face à moldura circunstancial da venda das acções criada pelos accionistas das sociedades "F, SA”, "C, SA" e " E, SA”' (mais uma vez importa sublinhar da coincidência, em termos práticos, entre vendedores e compradores) tiveram os s.p. por objectivo fundamental obter, por tal via, "dividendos" não tributados, porquanto as importâncias já pagas, a cada um dos sujeitos passivos (ao longo dos anos de 2009, 2010 e 2011), nos montantes, repete-se de €349.780,00€; €874.450,00 e €524.670,00, respectivamente, o foram, tendo como causa justificativa o "pagamento de preço" das acções transmitidas que antecederam a operação de fusão por incorporação das sociedades a que vem sendo feita referência ao longo do presente projecto de aplicação da cláusula anti-abuso.

Revestiu-se, consequentemente, tal negócio jurídico, isto é, a venda das participações sociais (acções), de uma natureza artificiosa, sendo a prática do mesmo determinada unicamente por razões fiscais,

Por todo o exposto, forçoso se torna concluir que a motivação subjacente aos actos praticados foi exclusivamente fiscal que não assente em qualquer critério dito de racionalidade económica, em que, ao invés da prática de uma operação de fusão (com atribuição de novas participações sociais aos accionistas da beneficiária) foi efectuada uma venda das participações sociais anteriormente à fusão, gerando-se assim, por efeito da mesma, um crédito na esfera dos aqui sujeitos passivos satisfeito à custa dos resultados transitados da "D" (e das sociedades fundidas).

(...)

Refira-se em acréscimo que, não só, não houve lugar a qualquer estudo económico que conduzisse à explanação das razões que ditaram a fixação do preço atribuído as acções da "F", "C" e "E" objecto de venda à "D" (Cfr. Termo de declarações da administradora da "D ", G em anexo), no ano de 2009, como da leitura dos documentos que incorporam O projecto de fusão e fusão (definitiva) não se vislumbram razões económicas que justifiquem a transmissão das acções que antecederam a fusão.

Não é de mais salientar que os sujeitos passivos na qualidade de vendedores e de forma indirecta, também compradores, decidem vender pelo preço que os próprios determinaram que seria igual à capacidade que a entidade compradora teria de os remunerar, com a particularidade que para contratos efectuados no mesmo dia, para uma das situações, foram fixados preços por acção diferentes, em função da percentagem que os sujeitos passivos detêm no capital da sociedade. Prova concludente que o objectivo único do negócio da venda das acções seria a remuneração dos accionistas, afastando a tributação como distribuição de lucros. Decorridos dezassete dias (número de dias que medeia entre a venda das acções e a assinatura do projecto de fusão) ficam definidos os contornos de uma operação de fusão, que como o conjunto de actos e negócios jurídicos praticados evidenciam, se conclui ter sido o objectivo último de toda a sequência factual elencada.

Assim é que, conforme decorre dos contratos de compra e venda das acções analisados por estes Serviços (Anexo II), o valor para a transmissão das acções fixou-se no dobro do valor nominal que as acções da "F", e "E" detinham à data em que foi acordada a respectiva venda, sendo que para as acções da C o preço unitário de venda das acções acordado foi de 2,4286 € (...)

E finalmente, a sequência de actos descrita supra, a começar, designadamente pela transformação das sociedades "F", "C" e "E" de sociedades por quotas em sociedades anónimas, no mês de Dezembro do ano de 2008, seguida da transformação, já em Junho de 2009, também da "D" do tipo quotas para o tipo anónima, com o alargamento do respectivo objecto social (de molde a abarcar as actividades que parcelarmente as três sociedades prosseguiam a titulo individual), a compra da totalidade das acções pela "D, S.A." aos accionistas da "F, SA", "E, SA" e "C, SA" em Julho de 2009.

Por último a fusão em Setembro de 2009 (com o Projecto da dita fusão a ser assinado em Agosto desse ano), demonstram um conjunto concatenado de actos/negócios jurídicos cujo fim último foi a fusão por incorporação, mas conforme supra se descreveu, no concernente à compra das acções, negócio enxertado nesta sequência, foi o mesmo determinada por razões exclusivamente fiscais, já que o referido negócio era desnecessário para o processo de fusão se poder efectivar (Cfr. quadro demonstrativo da cronologia dos actos e negócios jurídicos).

(...)

Reforça-se, assim, que os resultados obtidos com a alienação das partes sociais só são plenamente alcançados porque foi desenhada uma sucessão concertada de actos e negócios jurídicos que permitiu em acréscimo, com as transformações societárias operadas (do tipo quotas para o tipo anónima) a exclusão, também, da tributação das mais valias que, não fora tal procedimento, se mostraria devida.

(...)

Com a "metamorfose" da distribuição dos lucros sob a veste de "pagamento do preço", atingiram os contribuintes o resultado fiscal pretendido consubstanciado na eliminação da tributação que seria devida relativamente aos rendimentos de capitais obtidos, já que com a transmissão das participações sociais efectuada, inexistiu matéria colectável (...)

 

No caso em apreço, atento todo o circunstancialismo acima descrito, facilmente se conclui que a motivação dos contribuintes só é compreensível à luz' da vantagem fiscal obtida com a alienação das participações operada. Na verdade, sempre seria o mesmo o resultado económico tivesse havido lugar ou não à venda dessas mesmas participações sociais, dois meses antes da fusão, ressalte-se.

Razão pela qual se conclui pela dispensabilidade de tal acto face ao objectivo que se logrou demonstrar ser o último, ou seja a fusão por incorporação da "F", "C" e " E" na "D", conforme decorre, aliás, das razões ínsitas nos documentos que titulam o Projecto de Fusão e a Fusão (definitiva), ou seja, a operação de fusão é justificada pelo facto de, e passamos a transcrever: "(...) a partir do momento em que a D, passou a ser a única accionista das sociedades C, F e Lauretrans, não há mais justificação. económica, empresarial, de mercado ou outra para manter a funcionar, autonomamente, as saciedades C, F e E. E, por outro lado, na óptica da D, a lógica do seu investimento financeiro, ao adquirir a totalidade das acções das sociedades C, F e E, só será plenamente realizada com a absorção de todos os meios disponíveis e a consequente intervenção no mercado de uma forma unitária e não dispersa."

(...)

Ora, no presente caso os contribuintes transformaram as três sociedades incorporadas, através do processo de fusão, de quotas em anónimas. Transformaram a sociedade incorporante, também de quotas em anónima e transmitiram num acto que antecedeu a fusão, apenas em dois meses, a totalidade das acções de que passaram a ser detentores nas três sociedades para a sociedade incorporante sem que tal acto, para além de dispensável, configure uma actuação "normal", surgindo como um acto ilógico, concebido exclusivamente, de forma "engenhosa" para tão só obviar ao nascimento da obrigação tributária.

Assim sendo, numa perspectiva de racional justeza, normativamente fundada, encontram-se reunidas as condições para defender a inaceitabilidade fiscal do acto de venda das participações sociais (acções) o qual economicamente dispensável, contribuiu tão só, para ilegitimamente sonegar à tributação do IRS, os rendimentos de capitais que sob a veste de preço os contribuintes obtiveram.

d)     Em 2009, os Requerentes eram accionistas das seguintes sociedades:

a) F , S.A. (doravante “F”)

b) C, S.A  (doravante “C”)

c) E, SA "  (doravante E")

d) D, S.A. (doravante “D”);

 

e)     Em 20-07-2009 os Requerentes transmitiram à sociedade anónima "D, SA", a totalidade das acções de que eram titulares nas sociedades, também anónimas "F", "C" e" E" (anexo II ao Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido);

f)       A fusão foi antecedida do projecto que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais o seguinte:

           «As sociedades envolvidas actuam nos mercados do aluguer e comercialização de máquinas e equipamentos e em especial de …, para a indústria de construção civil e de obras públicas e para a indústria em geral e também no transporte de mercadorias.

Têm sido, por isso, concorrentes nos sectores de mercado onde vêm actuando e pelo que, o facto da D, ter adquirido a totalidade das acções representativas do capital social das sociedades C, F e E, sendo, nesta data, a única accionista, destas sociedades, tornou, desde logo, evidente, a necessidade de alterar o modo de funcionamento e de intervenção, no mercado, das quatro empresas.

Com efeito, a partir do momento em que a D, passou a ser a única accionista das sociedades C, F, e E, não há mais justificação económica, empresarial, de mercado ou outra para manter a funcionar, autonomamente, as sociedades C, F e E.

E, por outro lado, na óptica da D, a lógica do seu investimento financeiro, ao adquirir a totalidade das acções das sociedades C, F e E, só será plenamente realizada com a absorção de todos os meios disponíveis e a consequente intervenção no mercado de uma forma unitária e não dispersa.

A fusão que agora se pretende efectivar visa, pois, conferir maior solidez empresarial e reforçar em torno de D a posição no mercado que, isoladamente, as quatro sociedades detinham.

Paralelamente, pretende-se, igualmente, com a fusão a realização de sinergias nos domínios das receitas e da contenção de custos, na racionalização da gestão dos recursos humanos, dos meios técnicos, dos equipamentos e das instalações, com vista a obter melhores resultados de exploração e consequentemente um maior retorno aos capitais investidos.»

 

g)     A "F", "C" e "E" eram originariamente sociedades por quotas, tendo sido transformadas em anónimas no ano de 2008, no mesmo dia e mês (Anexo III ao Relatório da Inspecção Tributária);

h)    A "D" transformou-se de sociedade por quotas em anónima, em 29-06-2009, tendo o seu objecto social sido ampliado para, passar a incluir, além do mais, a actividade de transporte de equipamentos (Anexo IV ao Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido);

i)       Em 16-09-2009, através de um processo de fusão por incorporação, as sociedades "F", "C" e "E" (sociedades incorporadas) fundiram-se com a "D" (sociedade incorporante), nos termos que constam dos documentos que incorporam o projecto de fusão e fusão (definitiva) (Anexo V ao Relatório da Inspecção Tributária);

j)       A F foi constituída em 1988, com a denominação social de "F, Lda" e com um capital social de 250.000,00 dividido em cinco quotas, no valor nominal de €110.000,00 (duas quotas) pertença de A e B (marido e mulher), respectivamente e € 10,000,00 (três quotas) pertencentes, respectivamente a cada uma das três filhas do casal: G; H e I (Relatório da Inspecção Tributária);

k)     No ano de 2008, foi registado um aumento de capital social daquela sociedade "F, Lda" no montante de € 350,000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), elevando-se o capital social desta sociedade para € 600,000,00 (seiscentos mil euros), a que se seguiu a transformação desta sociedade de quotas em anónima, ficando, assim, o respectivo capital representando por 600,000 acções com o valor nominal de € 1,00 cada, distribuídas do seguinte modo:

 

F

H

I

G

B

A

 

l)       A “C” foi constituída em 1993, com a denominação social de "C Lda" e com um capital social de € 750,000,00 dividido em duas quotas, no valor nominal de € 375.000,00 (duas quotas) pertença de A e B (marido e mulher), respectivamente (Relatório da Inspecção Tributária);

m)  Em 22-12-2008, foi aumentado o capital social desta sociedade no montante de € 450.000,00, o qual passou, assim, para € 1.200,000,00, dividido em duas quotas de € 600.000,00 cada, pertença dos anteriores sócios (Relatório da Inspecção Tributária);

n)    Cada uma destas duas quotas foi dividida em três novas quotas;

o)     Na mesma data de 22-12-2008, foi ainda cedida pelo ora Requerente A às suas filhas, G e I, duas quotas, no valor de € 120.000,00 e € 60.000,00, respectivamente (Relatório da Inspecção Tributária);

p)     Também na mesma data, a ora Requerente B cedeu às suas filhas, H e I, duas quotas, no valor de € 120.000 e € 60.000,00, respectivamente (Relatório da Inspecção Tributária);

q)     Ainda, em 22-12-2008, foram as duas quotas de € 60.000,00 pertença da I unificadas numa quota de € 120.000,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

r)      Após o aumento de capital, divisão, cessão e unificação de quotas foi a sociedade por quotas "C" transformada em anónima com a denominação social de "C, S.A" e com o capital social de € 1.200.000,00 dividido em 1.200.000,00 acções com o valor nominal de € 1,00, assim distribuído: (Relatório da Inspecção Tributária)

 

I

H

G

B

A

C

 

s)      A “E” foi constituída em 14-05-1990 com um capital social de € 249.400,00 dividido por quatro quotas: uma no montante de € 49.880,00 da titularidade de J, outra no montante de € 49.880,00 da titularidade de G e duas quotas de € 99.760,00 e € 49.880,00, ambas pertencentes a K (Relatório da Inspecção Tributária);

t)      Em 21-12-2007, o J dividiu a quota de que era titular na "E" com o valor nominal de € 49.880,00 em duas novas quotas de € 24.940,00 cada, que cedeu, respectivamente, a B e a I (Relatório da Inspecção Tributária);

u)    Na mesma data, a sócia G, dividiu também a respectiva quota no montante de € 49.880,00, em duas quotas de € 24.940,00, tendo cedido uma dessas quotas a H (Relatório da Inspecção Tributária);

v)     A quota de no montante de € 49.880,00 de que era titular o K foi cedida A e a quota de € 99.760,00 de que também era titular foi dividida em duas, sendo uma de € 62.350,OO que foi cedida a B e outra de € 37.410,00 que foi cedida a A (Relatório da Inspecção Tributária);

w)   Com as divisões e cedências de quotas supra mencionadas ficou o capital social da “E” a pertencer a A, com uma quota de € 87.290,00, a B, com uma quota de € 87.290,00 e a G, H e a I, cada uma com uma quota de € 24.940,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

x)     Em 22-12-2008, o capital social da “E” foi aumentado no montante de € 37.600,00 passando assim para € 287.000,00, dividido em 287.000 acções de valor nominal de € 1,00 cada e distribuídas do seguinte modo: (Relatório da Inspecção Tributária)

 

I

H

G

B

A

E

 

y)     A “D” foi constituída em 2005 sob a forma de sociedade por quotas e com a denominação social de "D, Lda”, com o capital inicial de € 1.500.000,00 dividido em quatro quotas: uma quota de €249,40 pertencente a L e três outras quotas, todas da titularidade de A e nos montantes, respectivamente de € 299.875,30; € 299.875,30 e € 900.000,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

z)      Em 29-06-2009, o capital social desta sociedade aumentado em €4.000,00, subscrito na íntegra pelos novos sócios; B, G, H e I, com a quantia de € 1.000,00 cada;

aa) Na sequência da entrada dos novos sócios, foi a sociedade “D” transformada em anónima adoptando a denominação social de "D, S.A com um capital social de € 1.504.000,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

bb)Em 15-09-2010, foi reduzido o capital social no montante de € 249,40 em consequência da amortização das acções do accionista L, passando assim o capital social da D para € 1.503.750,60 (Relatório da Inspecção Tributária);

cc)  Em 14-10-2010 foi o capital social aumentado no montante de € 249,40 subscrito por um accionista e voltando, assim, o capital social da "D" ao valor que tinha antes da amortização das acções, ou seja, a ser igual a € 1.504.000,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

dd)Em 18-10-2010 a um novo aumento do capital social no montante de € 1.499.000,00 integralmente subscrito em dinheiro pela accionista B, correspondente à emissão de 299.800 acções de valor nominal igual a € 5,00 cada, passando o capital social a ser de € 3.003.000,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

ee) Em 20-07-2009, os accionistas, pessoas singulares, A e B procederam à venda da totalidade das participações sociais (das sociedades "F, S.A.", "C, S.A." e "E, S.A.") à sociedade "D S.A.", conforme declarado pelo mesmo, máxime, no Anexo G1 à declaração modelo 3, relativa aos rendimentos obtidos em 2009, entregue, pelos seguintes valores, conforme quadro: (Relatório da Inspecção Tributária)

Valor de venda das acções de A

 

E

B

 

F

 

Valor de venda das acções de B

 

 

E

B

F

 

ff)   

A

O preço devido pelas acções transmitidas para a D S.A. foi pago em cinco prestações, nos termos dos quadros que seguem: (Relatório da Inspecção Tributária)

 

 

E

C

F

B

E

C

F

 

gg) Assim, nos anos de 2009, 2010 e 2011 cada um dos sujeitos passivos recebeu, a título de preço pela venda das acções da F, SA, C, SA e E, SA as seguintes importâncias, respectivamente: € 349.780,00, € 874.450,00 e € 524.670,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

hh)           Na sequência da inspecção e da aplicação da cláusula geral antiabuso a Administração Tributária efectuou correcções ao rendimento colectável dos Requerentes dos anos de 2009, 2010 e 2011 «com a declaração de ineficácia para efeitos fiscais dos negócios jurídicos de compra e venda das acções pelos sujeitos passivos à "D" e a consequente tributação dos rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, de acordo com o disposto na al. h) do n.º 2 do art. 5.º e art. 40º-A, ambos do CIRS», nos termos do quadro que segue:

ii)     Por despacho de 02-10-2013, o Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizou a aplicação da cláusula geral antiabuso (despacho a fls. 4 do documento «PA1.pdf»);

jj)    Na sequência das referidas correcções ao rendimento dos Requerentes formalidade efectuadas as seguintes liquidações:

(i) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2009, no valor de € 172.457,76, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 19.727,88, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 165.020,08;

(ii) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2010, no valor de € 434.927,88, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 37.289,03, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 429.296,49;

(iii) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2011, no valor de € 271.396,75, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 14.021,38, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 267.378,09 (documentos n.ºs 1 a 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

kk)Nunca houve distribuição de dividendos em qualquer das sociedades referidas sendo os lucros investidos (depoimentos das testemunhas … e …);

ll)    Os Requerentes optaram pela venda à D S.A, antes da fusão, das suas participações nas sociedades F, SA, C, SA e E, SA. por isso permitir o uso de processo simplificado de fusão (depoimento da testemunha …);

mm)     As empresas referidas dedicavam-se ao mesmo ramo de actividade (depoimento da testemunha …);

nn)          A D S.A., após a fusão, melhorou os custos operacionais, reduzindo despesas, sendo esse o objectivo visado com a fusão (depoimento das testemunhas ... e ...);

oo)Os Requerentes prestaram garantia bancária para suspender uma execução fiscal instaurada para cobrança das quantias liquidadas pelos actos que são objecto do presente processo tendo despendido em 17-06-2014 a quantia de € 11.124,30 (documentos juntos pelos Requerentes em 18-07-2014, que não foram impugnados pela Autoridade Tributária e Aduaneira);

pp) No dia 24-01-2014, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

            Não se provou que os Requerentes tenham optado pela venda das suas participações à D S.A.  com o desígnio de obter vantagens fiscais, designadamente a nível da tributação em IRS.

           

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária,  nos documentos que constam do processo instrutor e na prova testemunhal.

As testemunhas ... e ... aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos sobre que depuseram.

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»

No caso em apreço, a Administração Tributária decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso considerando que os negócios jurídicos que devem ser desconsiderados para efeitos de tributação em IRS são as vendas efectuadas pelos Requerentes à D SA das participações sociais detidas nas sociedades F, SA, C, SA e E, SA., antes da incorporação destas na D S.A., como se sintetiza no seguinte excerto do Relatório da Inspecção Tributária:

A operação de venda das acções da "F", "C" e "E" que antecedeu a operação de fusão destas sociedades com a "D" constitui um negócio que, com abuso de formas jurídicas, teve como objectivo fundamental a eliminação de encargos tributários que seriam devidos se ao invés da transmissão da totalidade das acções das primeiras três sociedades, a fusão se tivesse operado sem tal operação, já que a coberto do pagamento do correspondente preço, beneficiaram os S.P. A e B de importâncias que de outro modo seriam tributadas a título de dividendos distribuídos, nos termos da al. h) do n.º 2 do art. 52 do CIRS.

 

            Isto é, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as referidas operações de venda de participações sociais são abusivas, na medida em que pretenderam dissimular distribuições de dividendos, pelo que decidiu aplicar a cláusula geral antiabuso e considerar as quantias recebidas como se fossem dividendos.

 

 

3.1. Planeamento fiscal legítimo e ilegítimo

 

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches ( [1] ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal ( [2] ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ( [3] ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [4] ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal»( [5] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem ( [6] ).

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( [7] ).

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal ( [8] );

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( [9] );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( [10] );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »( [11] );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

Apesar desta desconstrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» ( [12] ).

Apreciemos, tendo este aspecto em consideração, os elementos da cláusula geral antiabuso tendo em atenção a fundamentação da decisão, os factos provados, e a argumentação jurídica das partes.

 

3.2. Análise da situação

 

Nesta análise, tem de partir-se do pressuposto de que a fundamentação do acto que decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso que se tem de apreciar é apenas a que consta do próprio acto e elementos para que remete, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos que são objecto do processo têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

No caso em apreço, sucintamente, os Requerentes contestam que configure planeamento fiscal abusivo a venda à D S.A. das acções que detinham nas sociedades F, SA, C, SA e E, SA., antes da incorporação destas na primeira, defendendo que efectuaram as vendas para possibilitarem a utilização do processo simplificado de fusão previsto no artigo 116.º do Código das Sociedades Comerciais, embora tenham considerado também o facto de os rendimentos assim obtidos não serem, à época, objeto de tributação.

Na verdade, o artigo 116.º do Código das Sociedades Comerciais previa, em 2008, um regime simplificado de «incorporação de sociedade totalmente pertencente a outra» que, a partir de 15-09-2009, com o Decreto-Lei n.º 189/2009, de 12 de Agosto, passou a ser aplicável à situação de «incorporação de sociedade detida pelo menos a 90 % por outra», simplificação essa que se traduzia, nomeadamente, na dispensa da aplicabilidade das disposições relativas à troca de participações sociais, aos relatórios dos órgãos sociais e de peritos e à responsabilidade desses órgãos e peritos, podendo, inclusivamente, mediante a satisfação de algumas condições, a fusão ser registada sem prévia deliberação das assembleias gerais.

 Sendo esta possibilidade de opção pelo regime simplificado de fusão de sociedades uma vantagem evidente e importante que podia propiciar a venda das acções à D S.A. antes da fusão e sendo fácil a concretização do requisito para a utilização desse regime, por se estar em face de sociedades de estrutura familiar, cujos accionistas eram os Requerentes e suas filhas, não há qualquer razão para crer que, como alegam os Requerentes, essa não tenha sido a principal razão para a opção pela realização desse negócio. Menos compreensível seria, decerto, que podendo optar pelo que é mais fácil e simples para obter determinado resultado fossem optar pelo que seria mais oneroso e complexo.

Em situações deste tipo, em que a lei estabelece dois regimes para realizar a fusão de sociedades, um deles mais fácil e menos oneroso, não se pode entender que seja antijurídico que os interessados criem as condições para utilização do regime mais simples e menos oneroso, antes se estará perante o meio normal de concretizar uma fusão numa situação equiparável.

Por isso, não se pode sequer considerar demonstrado que a obtenção da vantagem fiscal tenha sido o exclusivo ou primacial motivo da realização da venda das acções.

            No mínimo, à face da realidade jurídica que é a possibilidade de opção pelo regime simplificado no caso de concentração na D S.A. da titularidade das participações sociais das sociedades a incorporar e da prova testemunhal que corrobora as afirmações dos Requerentes de não terem sido motivados exclusiva ou primacialmente por razões fiscais, sempre se teria de ficar perante uma situação de dúvida sobre se não foi esta razão não fiscal que que motivou os Requerentes. Ora, por força do disposto no artigo 100.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, essa hipotética dúvida sempre teria de ser valorada processualmente a favor dos Requerentes, o que equivale processualmente a considerar não provado que tenham sido determinados por razões exclusiva ou principalmente fiscais.

Por isso, a realização de tal negócio que propicia a utilização do regime simplificado de fusão não pode ser considerada a utilização de um meio artificioso ou fraudulento, para efeitos do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, nem se pode vislumbrar qualquer abuso de formas jurídicas ao concretizar a venda necessária para esse regime ser utilizado.

O facto de a estas operações estar associada uma vantagem fiscal não pode ser considerado um obstáculo à aceitação da opção para efeitos fiscais, pois os contribuintes não são obrigados a optar pelos negócios que sejam fiscalmente mais onerosos, quando a lei lhes propicia mais de um meio para atingir os fins que visam na reestruturação de sociedades.

Assim, sendo cumulativos os requisitos previstos no artigo 38.º,  n.º 2, da LGT para aplicação da cláusula geral antiabuso, tem de se concluir que a actuação dos Requerentes não pode ser considerada sequer um planeamento fiscal e muito menos ilegítimo.

 

4. Conclusão

 

Conclui-se, assim, que não se verifica um dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso, que é o acto ou negócio ter sido essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, pois provou-se que a opção pela venda das acções à D S.A. antes da fusão foi dirigida à satisfação de um requisito da utilização do regime simplificado de fusão e não por razões fiscais.

À face do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, ao referir que, para aplicação da cláusula geral antiabuso, os negócios devem ser dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos, não basta que sejam obtidas vantagens fiscais, sendo antes indispensável que a obtenção destas tenha sido um objectivo essencial ou principal visado pelo contribuinte.

Consequentemente, são ilegais os actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida, que tiveram como pressuposto a verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, por violação do preceituado no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por isso, tem de ser julgado procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, bem com as demonstrações de acerto de contas que naqueles se basearam, que enfermam do mesmo vício.

 

5. Indemnização por garantia indevida

 

Os Requerentes formulam pedido de indemnização por garantia indevida.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

   1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

   2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Os Requerentes prestaram garantia bancária para suspender uma execução fiscal instaurada para cobrança das quantias liquidadas pelos actos que são objecto do presente processo tendo despendido em 17-06-2014 a quantia de € 11.124,30.

No caso em apreço, os erros nas correcções da matéria tributável dos Requerentes subjacentes aos actos de liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções que efectuou com aplicação da cláusula geral antiabuso foram da sua iniciativa e os Requerentes não contribuíram para que esses erros fossem praticados.

Por outro lado, esses erros das correcções efectuadas repercutiram-se nas liquidações impugnadas, pelo que os Requerentes têm direito a ser indemnizados pelos prejuízos derivados da garantia prestada para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança da quantia liquidada.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 861.694,66.

 

7. Decisão

 

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

·           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a anulação das seguintes liquidações de IRS e juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas:

(i) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2009, no valor de € 172.457,76, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 19.727,88, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 165.020,08;

(ii) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2010, no valor de € 434.927,88, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 37.289,03, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 429.296,49;

(iii) liquidação adicional n.º 2013 ..., de 02.11.2013, referente ao IRS de 2011, no valor de € 271.396,75, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 06.11.2013, no valor de € 14.021,38, e demonstração de acerto de contas n.º 2013 ..., relativa à compensação n.º 2013 ..., de 06.11.2013, com o saldo apurado de € 267.378,09.

·           Anular as liquidações e demonstrações de acerto de contas referidas;

·           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a indemnização por garantia indevida;

·           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar aos Requerentes a quantia de € 11.124,30 a título de indemnização por garantia indevida.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.240,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 01-09-2014

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

 

 

(Pedro Pais de Almeida)

 



[1]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 21.

[2]              Cfr. AcTCAS de 12-02-2011, proc. n.º 04255/10.

[3]              Cfr. Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[4]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 181.

[5]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[6]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, que afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[7]              Ou seja, a uma «actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2009, pp.15-17 e 163-165; bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-02-2011, proc. n.º 04255/10, conclusões XIII e XIV).

[8]              Como decorre da seguinte parte do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos».

[9]              Tal decorre do seguinte segmento do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios». Decorre ainda do artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que exigem que a Administração Tributária inclua na sua fundamentação, respectivamente, «a descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam» e «a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais».

[10]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 180.

[11]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 211.

[12]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 165. Identicamente, Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 170, que aponta uma «relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei».