Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 705/2021-T
Data da decisão: 2022-06-23  IRS  
Valor do pedido: € 142.362,89
Tema: IRS 2014 - Residência Parcial. Mais-valias Mobiliárias.
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Sumário:

I - Considerando o disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, são residentes fiscais em território português, em 2014, aqueles que nele tenham permanecido, nesse ano, 200 dias, encontrando-se, por isso, sujeitos à tributação da totalidade dos rendimentos auferidos nesse período de tributação;

II – Não tendo sido feita a prova documental do custo da aquisição dos valores mobiliários, que incumbia aos Requerentes, o custo de aquisição dos valores mobiliários alienados é determinado, à luz do disposto no artigo 48.º, alínea a)) do Código do IRS, considerando a cotação verificada nos últimos 2 anos anteriores à data da alienação.

 

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Cons. Carlos Cadilha (árbitro-presidente), Dra. Magda Feliciano e Dra. Vera Figueiredo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-01-2022, acordam no seguinte:

 

         

         1. Relatório

 

A..., titular do número de identificação fiscal..., e B..., titular do número de identificação fiscal ..., casados entre si e residentes na Rua ... ... Cascais (doravante designados por “Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), do acto de deferimento parcial do recurso hierárquico do acto de liquidação n.º 2016 ... do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), tendo em vista obter a declaração de anulação do acto de liquidação de IRS respeitante ao período de tributação de 2014, no valor total de €142.362,89, ou, subsidiariamente, a anulação parcial do referido acto, considerando-se devido a título de IRS, o valor de €87.190,48, com base na determinação da mais-valia dos valores mobiliários com base no custo histórico.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 2-11-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11-01-2022.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

Por despacho de 12 de Maio de 2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as Partes sido notificadas para alegações.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

 

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a)    A... e B... (doravante Requerentes) residem, em Portugal, desde 14 de Junho de 2014;

b)    Em 2015, apresentaram a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos de 2014, onde apenas inscreveram o valor das pensões auferidas;

c)    Os Requerentes apresentaram, também, em França uma declaração de rendimentos referente ao período entre 1 de Janeiro e 14 de Junho de 2014;

d)    Aquando da alteração da morada fiscal para Portugal, os Requerentes transferiram a conta de títulos mobiliários que detinham no banco “C...” (“C...”) para o Banco D..., S.A, que se passou a chamar por E... S.A;

e)    Os Requerentes adquiriram diversos títulos mobiliários através da sua conta no C... que foram transferidos para a conta detida pelos mesmos no Banco D..., S.A./ E..., S.A, em Portugal;

f)     De acordo com os elementos constantes da declaração modelo 13 apresentada pelo actual E... S.A foram alienadas pelos Requerentes no ano 2014 os valores mobiliários com os seguintes códigos: FR0000131104, FR0000035081, FR0000045072;

g)    A 22/04/2014, deram entrada na conta do E... dos Requerentes 7.384 unidades do valor mobiliário com o ISIN FR... .

h)    Os valores mobiliários registados com o código ISIN FR... foram alienados pelos Requerentes:

·      A 28/04/2014 foram alienadas 769 unidades deste valor mobiliário, pelo valor total de € 42.644,72;

·      A 12/06/2014, foram alienadas 2.115 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 109.789,96;

·      A 13/06/2014, foram alienadas 2.500 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 131.520,99;

·      A 13/06/2014, foram alienadas 2.000 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 105.233,56;

i)     No total, os valores com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor de realização de €389.189,23.

j)     A 22/04/2014, deram entrada na conta do recorrente 19.405 unidades do valor com o código ISIN FR...;

k)    A 29/09/2014 foram alienadas 6.405 unidades dos valores mobiliários registados com o código ISIN FR... pelo valor total de €74.810,40;

l)     A 22/04/2014, entraram na conta do recorrente 1.750 unidades de valores mobiliários com o código ISIN FR...;

m)  A 12/06/2014 foram alienadas 750 unidades dos valores mobiliários registados com o código ISIN FR..., pelo valor total de € 58.050,00;

n)    Os Requerentes apresentaram em 12 de agosto de 2016 reclamação graciosa contra a demonstração de liquidação de IRS n.º 2016 ... e demonstração de acerto de contas nº 2016 ... relativas ao exercício de 2014;

o)    A reclamação graciosa foi objeto de uma decisão de indeferimento expresso por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Requerida, em 23 de dezembro de 2016.

p)    Na sequência do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, foi interposto recurso hierárquico em 3 de fevereiro de 2017 a que foi atribuído o n.º de processo ...2020... .

q)    A 23 de julho de 2021, foi proferido despacho de deferimento parcial do recurso hierárquico apresentado pelo Requerente A..., notificado aos Requerentes em 2 de agosto de 2021,mediante Ofício n.º ..., datado de 23 de julho de 2021, tendo sido decidido o seguinte:

ii. Quanto à questão da residência: 

2. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º do Código do IRS, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. 

3. Pelo contrário, tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

4. Atualmente, o Código do IRS acrescenta, no n.º 3 do mesmo preceito, que “[o] disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial […], relativamente a cada um dos estatutos de residência”.

 5. Sucede, porém, que este preceito apenas foi introduzido no Código do IRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro do ano seguinte.

6. Assim sendo, antes de 2015, o Código do IRS não previa a figura da residência parcial, pelo que, uma vez considerado residente em território português, era ao abrigo deste estatuto que era tributado 

7. Assim, e tendo presente o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, nos termos do qual, são residentes em território português, as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos “hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, conclui-se que os recorrentes devem ser considerados residentes em território português, na totalidade do ano 2014. 

iii. Quanto ao valor de aquisição dos valores mobiliários 

8. De acordo com os elementos constantes da declaração modelo 13 apresentada pelo D..., S.A, estão em causa os valores de aquisição dos valores mobiliários com os seguintes códigos: FR... e FR...; FR..., alienados pelos recorrentes no ano 2014 

9. De acordo com a DF de Lisboa, os recorrentes não apresentaram prova dos valores de aquisição, pois os documentos apresentados não eram os originais. 

10. Sucede, porém, que toda a documentação oferecida pelos recorrentes se encontra certificada. 11. Assim, havendo certificação de como as cópias correspondem ao original, cremos não haver motivo para as desconsiderar.

12. Os recorrentes juntam, então, então outra documentação, os extratos emitidos pelo Banco C... aquando da aquisição dos valores mobiliários, a comunicação do D... com o registo dos movimentos realizados com os valores mobiliários (entrada e alienação) e, por fim, uma declaração do D... indicando o valor das cotações dos dois anos anteriores à alienação. 

13. De acordo com a argumentação oferecida pelos recorrentes, no cálculo das mais-valias resultantes da alienação dos referidos valores mobiliários, a AT deve ter em consideração o valor de aquisição, sendo este, o custo documentalmente comprovado, ou, na sua falta, o valor da menor cotação nos dois anos anteriores ao da alienação. Vejamos: 

14. Nos termos da alínea a), do artigo 48.º do Código do IRS, “[t]ratando-se de partes sociais, warrants autónomos, certificados referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 10.º ou de outros valores mobiliários cotados em mercado regulamentado, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado”. 

15. Seguindo o resumo apresentado pelos recorrentes (cf. ponto 27.º da petição do RH), os valores de aquisição a considerar são os seguintes: 

• F... (FR...): estes títulos foram adquiridos em 5 tranches: F... – Purchase_04.10.2011a_Quantidade adquirida 3935 - valor unitário de euro € 31,6487 (Doc. n.º 9). 

F...– Purchase_04.10.2011b_Quantidade adquirida 4843 - valor unitário de euro € 31,637290 (Doc. n.º 10). 

F...– Purchase_04.10.2011c_Quantidade adquirida 2222 -valor unitário de euro € 31,650923 (Doc. n.º 11). 

Informação 

F...– Purchase_04.10.2011d_Quantidade adquirida 3080 -valor unitário de euro € 31,675669 (Doc. n.º 12). 

F...– Purchase_04.10.2011e_Quantidade adquirida 6991 -valor unitário de euro € 6,486282 (Doc. n.º 13). 

Total de títulos adquiridos: 21.071 

• G... (FR0000035081): Estes títulos foram adquiridos uma só tranche_ Quantidade adquirida: 2.153_valor unitário € 84 (Doc. n.º 14). 

• H... (FR0000045072): Estes títulos foram adquiridos em 2 tranches:H...– Purchase_28-01-2008 – quantidade adquirida 5.000_valor unitário € 20.2 (Documento n.º 15) 

H...– Purchase_08-07-2008 – quantidade adquirida 1.405_valor unitário € 10.6 (Documento n.º 16) 

Total de títulos adquiridos: 6.405 16. 

16. Em alternativa, os recorrentes solicitam que sejam considerados os valores da menor cotação verificada nos dois anos anteriores (cf. declaração emitida pelo D..., a 23 de janeiro de 2017). 

17. Vejamos, então, o que consta em cada um dos documentos: 

17.1. Documento n.º 9: Extrato emitido pelo Banco C..., na Suíça. De acordo com este extrato, emitido a 29/09/2011, os recorrentes adquiriram 3935 unidades de ações do Banco F..., às quais corresponde o código ISIN FR... . O valor de aquisição de cada unidade foi de € 31.648977. O valor de aquisição da totalidade das ações foi de € 124.538,73. 

Nesta aquisição, os recorrentes incorreram em custos no valor de € 2.120,43. 

17.2. Documento n.º 10: Extrato emitido pelo Banco C..., na Suíça. De acordo com este extrato, emitido a 29/09/2011, os recorrentes adquiriram 4843 unidades de ações do Banco F..., às quais corresponde o código ISIN FR... . O valor de aquisição de cada unidade foi de € 31.63729. O valor de aquisição da totalidade das ações foi de € 153.219,40. Nesta aquisição, os recorrentes incorreram em custos no valor de € 2.051,43. 

17.3. Documento n.º 11: Extrato emitido pelo Banco C..., na Suíça. De acordo com este extrato, emitido a 29/09/2011, os recorrentes adquiriram 2222 unidades de ações do Banco F..., às quais corresponde o código ISIN FR... . 

O valor de aquisição de cada unidade foi de € 31.650923. 

O valor de aquisição da totalidade das ações foi de € 69.885,28 (€ 70.328,35 - € 443.08). 

Nesta aquisição, os recorrentes incorreram em custos no valor de € 106.55. 

17.4. Documento n.º 12: Extrato emitido pelo Banco C..., na Suíça. 

De acordo com este extrato, emitido a 29/09/2011, os recorrentes adquiriram 3080 unidades de ações do Banco F..., às quais corresponde o código ISIN FR... . O valor de aquisição de cada unidade foi de € 31.675. 

O valor de aquisição da totalidade das ações foi de € 97.561,06. 

Nesta aquisição, os recorrentes incorreram em custos no valor de € 1.661,4. 17.5. Documento n.º 13: Extrato emitido pelo Banco C..., na Suíça. De acordo com este extrato, emitido a 12/08/2011, os recorrentes adquiriram 6991 unidades de ações do H..., às quais corresponde o código ISIN FR... . 

O valor de aquisição de cada unidade foi de € 6.486282. 

O valor de aquisição da totalidade das ações foi de € 45.345,60. 

Nesta aquisição, os recorrentes incorreram em custos no valor de € 886,32. 17.6. Documento n.º 14: Extrato emitido pelo Banco C..., na Suíça. 

De acordo com este extrato, emitido a 23/01/2008, a recorrente adquiriu 2.153 unidades de ações do G..., S.A, às quais corresponde o código ISIN FR... . 

O valor de aquisição de cada unidade foi Informação de € 84. O valor de aquisição da totalidade das ações foi de € 180.852,00. 

Nesta aquisição, os recorrentes incorreram em custos no valor de € 1.898,95. 17.7. Documento n.º 15: Extrato emitido pelo Banco C..., na Suíça. De acordo com este extrato, emitido a 23/01/2008, a recorrente adquiriu 10000 unidades de ações do H..., às quais corresponde o código ISIN FR... . O valor de aquisição de cada unidade foi de € 20,20. 

O valor de aquisição da totalidade das ações foi de € 202.000,00. 

Nesta aquisição, os recorrentes incorreram em custos no valor de € 2.121. 17.8. Documento n.º 17: Declaração emitida pelo Banco D... (D...). 

De acordo com esta declaração, o valor da menor cotação nos dois anos anteriores era o seguinte: 

17.8.1. Para os valores mobiliários com o código ISIN FR...: € 24.95504

17.8.2. Para os valores mobiliários com o código ISIN FR...: € 57.15 17.8.3. Para os valores mobiliários com o código ISIN FR...: € 5.4610 18. Quanto aos valores de realização, os movimentos reportados nas declarações de movimentos de registo/depósito dos valores mobiliários, emitidas pelo Banco D..., a 02 de fevereiro, permite-nos aferir o seguinte: 

18.1. Quanto aos valores mobiliários registados com o código ISIN FR... alienados pelo recorrente: 

18.1.1. A 22/04/2014, deram entrada na conta do recorrente 7.384 unidades do valor mobiliário com o ISIN FR... . 

18.1.2. A 28/04/2014 foram alienadas 769 unidades deste valor mobiliário, pelo valor total de € 42.644,72. 

18.1.3. A 12/06/2014, foram alienadas 2.115 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 109.789,96. 

18.1.4. A 13/06/2014, foram alienadas 2500 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 131.520,99. 

18.1.5. A 13/06/2014, foram alienadas 2000 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 105.233,56. 

18.1.6. No total, os valores com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor de realização de € 389.189,23. 

18.2. Quanto aos valores mobiliários registados com o código ISIN FR...: 

18.2.1. A 22/04/2014, deram entrada na conta do recorrente 19.405 unidades do valor mobiliário com este código. 

18.2.2. A 26/09/2014, entraram na conta do recorrente 2.227 unidades deste valor mobiliário. 

18.2.3. A 29/09/2014, foram alienadas 6.405 unidades deste valor mobiliário, pelo valor total de € 74.810,40. 

18.3. Quanto aos valores mobiliários registados com o código ISIN FR...: 

18.3.1. A 22/04/2014, entraram na conta do recorrente 1.750 unidades de valores mobiliários com o código ISIN FR... . 

18.3.2. A 12/06/2014, foram alienadas 750 unidades deste valor mobiliário, pelo valor total de € 58.050,00. 

19. Resultam, então, dos referidos movimentos, os seguintes valores de realização: 

19.1. Os valores mobiliários com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor total de € 389.189,23. 

19.2. Os valores mobiliários com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor total de € 74.810,40. 

19.3. Os valores mobiliários com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor total Informação de € 58.050,00. 

19.4. No total, o valor de realização das mais-valias alienadas pelo recorrente foi de € 522.049,63 (o correspondente à soma dos € 447.239,24 com € 74.810,40 indicados no quadro 8, da declaração modelo 3 de IRS). 

20. Estes valores correspondem aos valores declarados pelo banco D... na declaração modelo 13, referente aos rendimentos de 2014. 

21. Quanto aos valores mobiliários registados com o código ISIN FR... alienados pela recorrente: 

21.1.1. A 22/04/2014, deram entrada na conta do recorrente 7.383 unidades do valor mobiliário com o ISIN FR... . 

21.1.2. A 28/04/2014 foram alienadas 769 unidades deste valor mobiliário, pelo valor total de € 42.589,26. 

21.1.3. A 12/06/2014, foram alienadas 2.115 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 109.789,96. 

21.1.4. A 13/06/2014, foram alienadas 2500 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 131.520,99.

21.1.5. A 13/06/2014, foram alienadas 2000 unidades deste valor mobiliário, pelo valor de € 105.233,55. 21.1.6. No total, os valores com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor de realização de € 389.133,76. 21.2. Quanto aos valores mobiliários registados com o código ISIN FR...: 21.2.1. A 22/04/2014, deram entrada na conta da recorrente 19.405 unidades do valor mobiliário com este código. 

21.2.2. A 26/09/2014, entraram na conta da recorrente mais 2.277 unidades deste valor mobiliário. 

21.2.3. A 29/09/2014, foram alienadas 6.405 unidades deste valor mobiliário, pelo valor total de € 74.810,40. 

21.3. Quanto aos valores mobiliários registados com o código ISIN FR...: 

21.3.1. A 22/04/2014, entraram na conta do recorrente 1.750 unidades de valores mobiliários com o código ISIN FR....

21.3.2. A 12/06/2014, foram alienadas 750 unidades deste valor mobiliário, pelo valor total de € 58.050,00. 

22. Resultam, então, dos referidos movimentos, os seguintes valores de realização: 

22.1. Os valores mobiliários com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor total de € 389.133,76. 

22.2. Os valores mobiliários com o código ISIN FR... foram alienados pelo valor total de € 74.810,40. 

22.3. Os valores mobiliários com o código ISIN FR...  foram alienados pelo valor total de € 58.050,00. 

22.4. No total, o valor de realização das mais-valias alienadas pela recorrente foi de € 521.994,16 (o correspondente à soma dos € 447.183,76 com € 74.810,40 indicados no quadro 8, da declaração modelo 3 de IRS). 

23. Estes valores correspondem aos valores declarados pelo banco D... na declaração modelo 13, referente aos rendimentos de 2014. 

24. Chegados aqui, estamos em condições para aferir se os valores de aquisição são imputáveis aos valores mobiliários alienados pelos recorrentes no ano 2014. Assim:

 24.1. Quanto aos valores mobiliários com o código ISIN FR...: 

24.1.1. Em 2014, o número de unidades deste valor mobiliário alienado pelo recorrente foi de Informação 7.384 e o número alienado pela recorrente foi de 7.383, que correspondiam aos títulos que haviam dado entrada nas contas dos recorrentes no ano 2014. 

24.1.2. No total, os recorrentes alienaram 14.767 unidades deste valor mobiliário. 

24.1.3. Ora, se atentarmos nos extratos emitidos pelo banco USB verificamos que o número de títulos adquiridos pelos recorrentes em 2011 foi de 14.080, faltando documento que ateste a aquisição das 687 unidades remanescentes e o correspondente valor de aquisição.

24.1.4. Resulta, assim, não ser possível fazer a correspondência integral entre o número títulos adquiridos e os títulos alienados

24.1.5. Deste modo, fica inviabilizado o apuramento do valor de aquisição das 14.767 unidades pelo valor histórico. 

24.1.6. Assim, e considerando que, nos termos da alínea a), do artigo 48.º do Código do IRS, quando não seja possível apurar o “custo documentalmente comprovado”, o valor de aquisição a considerar é “o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado”. 

24.1.7. Ora, conforme consta da declaração emitida pelo D... (documento n.º 17), o valor da menor cotação o seguinte: 

• € 24.96, quanto às unidades alienadas a 30-05-2014 

• € 26.46, quanto às unidades alienadas a 12-06-2014 e 13-06-2014. 24.1.7.1. Assim, quanto às unidades alienadas a 28-04-2014, pelo recorrente, o valor de aquisição a considerar é de 769x24.96 =19.190,40 € 

24.1.7.2. Quanto às unidades alienadas a 12-06-2014 e a 13-06-2014, pelo recorrente, o valor de aquisição a considerar é de (2115+2500+2000) x 26.46 = 175.032,90 € 

24.1.7.3. No total, o valor de aquisição a considerar, quanto à alienação destes valores mobiliários pelo recorrente é de € 194.223,30 

24.1.7.4. Quanto às unidades alienadas a 28-04-2014 pela recorrente, o valor de aquisição a considerar é de 768x24.96 =19.165,44 €. 

24.1.7.5. Quanto às unidades alienadas a 12-06-2014 e a 13-06-2014, pela recorrente, o valor de aquisição a considerar é de (2115+2500+2000) x 26.46 = € 175.032,90. 

24.1.7.6. No total, o valor de aquisição a considerar, quanto à alienação destes valores mobiliários pela recorrente é de € 194.198,34. 25. A estes valores acrescem, ainda, o valor dos custos suportados por cada um dos recorrentes de € 2.226,20.

26. Quanto aos valores mobiliários com o código ISIN FR...: 

26.1. No ano 2014, o recorrente alienou 750 unidades das 1750 unidades que haviam dado entrada na conta do recorrente. 

26.2. Sucede, porém, que da documentação em anexo, não consta qualquer documento que ateste o número de unidades adquiridas pelo recorrente, nem o respetivo valor de aquisição. Com efeito, o único documento referente a este valor mobiliário está dirigido à recorrente. 

26.3. Assim, também quanto a este valor não é possível apurar documentalmente o valor de aquisição. 

26.4. Nestes termos, e pelos motivos expostos no ponto 24.1.6. há que considerar o valor da menor cotação nos dois anos anteriores ao da alienação. 26.5. Assim, e em conformidade com a declaração emitida pelo D..., o valor de aquisição a considerar é de 750x57,15, ou seja, € 42.862,50. 

26.6. Quanto à recorrente, o valor a considerar é igualmente de € 42.862,50. 26.3. Em ambos os casos, acrescem custos no valor de € 332,04. 

27. A mesma lógica se aplica às unidades alienadas do valor mobiliário com o código ISIN FR..., ou seja, não sendo possível apurar o custo histórico, aplica-se a menor cotação dos dois anos anteriores. 

28. Neste caso, não é possível apurar o custo histórico porque, também aqui, não é possível Informação fazer a correspondência integral entre as unidades alienadas e as unidades adquiridas. 

29. Com efeito, o documento n.º 13, referente ao valor mobiliário com este código ISIN, menciona que foram adquiridas pelos dois recorrentes, 6.991 unidades deste valor, cabendo a cada um 3495,5 unidades. 

30. O outro documento referente à aquisição destes valores mobiliários apenas está dirigido à recorrente e, nos termos dele constantes, esta havia adquirido 10.000 unidades. 

31. Ora, se confrontarmos estes valores com o número de títulos que deram entrada nas contas de cada um dos recorrentes junto do D... (19.405), concluímos que este último é muito superior ao valor contabilizado nas declarações do banco C..., entregues pelos recorrentes em anexo ao presente recurso. 

32. Assim, o valor de aquisição a considerar, tanto no caso do recorrente, como no caso da recorrente, é de € 34.997,71. 

33. Aqui, acrescem custos no valor de € 427,91, por cada um. 

34. Face ao exposto, os valores a considerar na alienação destes valores mobiliários são os seguintes: 

34.1. Quanto ao recorrente:

ISIN Valor de aquisição Valor de realização Custos FR... € 194.223,30 € 389.189,23. € 2.226,20 FR... € 42.862,50. € 58.050,00 € 332,04 FR... € 34.997,71 € 74.810,40 € 427,91 

34.2. Quanto à recorrente: 

ISIN Valor de aquisição Valor de realização Custos FR... € 194.198,34 € 389.133,76 € 2.226,20 FR... € 42.862,50. € 58.050,00 € 332,04 FR... € 34.997,71 € 74.810,40 € 427,91 

35. Propõe-se, assim, face ao exposto nos pontos anteriores, o deferimento parcial do pedido formulado pelos recorrentes, promovendo-se a reforma da liquidação efetuada com base nos valores acima indicados. 

V. PROPOSTA DE DECISÃO 

Face ao exposto nos pontos anteriores, propõe-se o deferimento parcial do pedido formulado pelos recorrentes, promovendo-se a reforma da liquidação efetuada com base nos valores acima indicados. Propõe-se, ainda, em conformidade com as instruções constantes da alínea c), do n.º 3 da Circular n.º 13, de 08/07/1999, a dispensa do direito de audição prévia, em virtude de os factos analisados neste RH terem sido integralmente analisados em sede de reclamação graciosa, e como tal, já terem sido objeto do exercício do direito de audição prévia.

r)     Em consequência da decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico apresentado, acima identificado, foi emitida a liquidação de acerto de contas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2016 ... e a liquidação n.º 2021 ... relativo ao período de tributação de 2014, sendo apurado a título de IRS a pagar o montante total de €142.362,89 (cento e quarenta e dois mil trezentos e sessenta e dois euros e oitenta e nove cêntimos).

s)     Em 3 de novembro de 2021, foi apresentado o presente pedido de pronuncia arbitral.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos aos autos pelas Partes.

Não se considerou provado o custo histórico dos títulos com os códigos ISIN FR..., ISIN FR... e ISIN FR... .

 

 

3. Matéria de direito

 

Está em causa nos presentes autos determinar se a decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico e, consequentemente, do acto de liquidação de IRS de 2014, no valor total de €142.362,89 deve ser anulada por se encontrar provada a residência fiscal parcial dos Requerentes em Portugal e, em consequência ser indevido o pagamento de imposto sobre as mais-valias objecto de liquidação em Portugal.

Caso se entenda que os Requerentes são residentes fiscais em Portugal, em 2014, impõe-se ainda determinar se foi feita prova do custo histórico das mais-valias obtidas, caso em que o imposto devido seria de €87.190,48.

 

A este propósito entendem, sumariamente, os Requerentes que apenas residem, em Portugal, desde o dia 14 de Junho de 2014, altura em que estabeleceram a sua residência fiscal em Portugal, jurisdição na qual pretendem viver, tendo as suas declarações fiscais sido entregues, em França, relativamente ao período fiscal de 1 de Janeiro a 14 de Junho de 2014.

Neste contexto, considerando o disposto no artigo 4.º, n.º 2 do ADT celebrado entre Portugal e França e os comentários efectuados ao artigo 4.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e Património (doravante, Convenção Modelo), entendem os Requerentes ser possível sustentar que um indivíduo pode qualificar como residente fiscal nos dois países durante o mesmo ano, mas relativamente aos períodos em que, efectivamente permaneceu em cada um dos territórios. Deste modo, concluem que apenas qualificaram como residentes fiscais em Portugal, no período de 15 de Junho de 2014 até 31 de Dezembro de 2014, razão pela qual as mais-valias realizadas antes desse período não poderiam ser tributadas, em Portugal.

 

Admitindo, por hipótese, que os Requerentes são residentes fiscais, em Portugal, a tributação das mais-valias obtidas com a alienação de títulos mobiliários deverá ser efectuada considerando o custo documental dos títulos alienados, após a aquisição de residência fiscal em Portugal, ou seja, os títulos da entidade H..., S.A. (ISIN FR...), e ainda o custo de aquisição dos títulos do F... (ISIN FR...) e G... (ISIN FR...) e o valor da “menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data de alienação” para a totalidade dos títulos adquiridos, como considerou a Requerida.

 

Concluem, assim, os Requerentes, peticionando que seja:

 

a) Considerado como provado o presente pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anulada a decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico, acima mencionada e, por conseguinte, anulado o acto de liquidação de IRS respeitante ao período de tributação de 2014, no valor total de €142.362,89;

b) Considerada como provada a residência fiscal parcial dos Requerentes, em Portugal, e em consequência, que não existirá qualquer imposto a liquidar em Portugal, mas antes o apuramento de uma menos-valia fiscal;

c) Subsidiariamente, e sem conceder, caso se considere a residência fiscal anual dos Requerentes, que se coloca em tese e sem conceder, ficaria claramente demonstrado que o custo histórico total daria origem a uma mais-valia global de €286.749,98 e a um imposto devido no valor de €87.190,48;

d) Ordenado o pagamento de indemnização pela prestação indevida de garantia hipotecária, ao abrigo do disposto nos artigos 53.º, n.º 2 da Lei Geral Tributaria (LGT) e artigo 171°, n.º 1 e 2 do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

 

 

Por sua vez a Requerida defende que o regime da residência parcial apenas foi introduzido no Código do IRS através da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro do ano seguinte (2015), sendo por posterior inaplicável à situação fiscal dos Requerentes.

Em consequência, segundo as regras em vigor, em 2014, os Requerentes eram residentes fiscais, em Portugal.

 

Quanto à determinação do valor de aquisição e cálculo da mais-valia, conforme análise exaustiva à documentação apresentada pelos requerentes que consta da informação 231/2021, não há uma correspondência integral e inequívoca entre o número de títulos que constam dos extratos do banco C... e o número de títulos que deram entrada nas contas constituídas pelos Requerentes junto do D... .

Por esse motivo, não sendo possível apurar de forma clara e inequívoca, o valor de aquisição dos títulos em questão, teve-se em consideração o valor da menor cotação nos dois anos anteriores.

Assim, defende-se a manutenção da liquidação de IRS n. º 2021 ..., que resultou do despacho de deferimento parcial da Directora de Serviços do IRS, proferido a 23 de Julho de 2021, no âmbito do recurso hierárquico apresentado pelos requerentes.

 

Vejamos:

 

A – Residência Fiscal – IRS 2014

 

Os critérios para a determinação da residência fiscal dos Requerentes, em Portugal, encontram-se estabelecidos no artigo 16.º, n.º 1, do Código do IRS, segundo o qual:

 

Artigo 16.º
Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:


a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.”

 

 

Verifica-se, assim, que “O estatuto de residente adquire-se, alternativamente, pela permanência no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados – sejam quais foram as intenções do sujeito – ou pela intenção de residência em Portugal, expressa por aqueles que, tendo embora permanecido por menos tempo, disponham no território português, em 31 de Dezembro, “de habitação em condições que façam, supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual” (CIRS, artigo 16.º, n.º 1, 2ª” e “b”).[1]

 

Considerando que se encontra provado nos autos que os Requerentes permaneceram em Portugal 200 dias, em 2014, verifica-se preenchido o pressuposto do n.º 1 alínea a) do artigo 16.º, do Código do IRS, que determina a qualificação automática dos Requerentes como residentes fiscais em Portugal, em 2014.

 

 

Resultando a qualidade de residentes fiscais dos Requerente de um critério fáctico, meramente numérico, que se encontra verificado, são os Requerentes, para efeitos fiscais, considerados residentes fiscais, em Portugal, encontrando-se, por isso sujeitos à tributação da totalidade dos rendimentos auferidos, em 2014, em Portugal.

 

Na verdade, não obstante a residência dos Requerentes, também, em França, em 2014, à luz da lei interna portuguesa, os Requerentes são residentes fiscais durante todo o ano 2014, em Portugal.

 

É que, contrariamente ao defendido pelos Requerentes, o regime da residência parcial criado através da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, é inaplicável aos Requerentes, em 2014, uma vez que tal regime só entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015 e para regular factos futuros.

 

Ademais, A qualificação como residente, pertence ao direito interno dos Estados interessados, a qual tem apenas por limite a natureza da conexão adoptada, que deve ser o domicílio, a residência, o local e direcção ou qualquer outro critério de natureza análoga[2]

 

Em consequência da definição da residência fiscal ser matéria regulada pelo direito interno de cada Estado, apenas haverá necessidade de recurso ao disposto no artigo 4.º da CDT celebrada entre Portugal e França em situações de dupla residência, em que alguém tem “contactos prolongados com mais de uma ordem jurídica” (Cf. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2007, pp. 339-340), estabelecendo-se um conjunto de diversas regras especiais (de desempate) cuja aplicação determinará a residência em apenas um dos Estados que reclamam a residência fiscal de um determinado sujeito passivo.

 

Como resulta dos comentários ao artigo 4.º relativo à definição de residente constantes da Convenção-Modelo OCDE, “O presente Artigo visa definir a expressão “residente de um estado Contratante” e resolver os casos de dupla residência.”

 

Ora, no caso dos Requerentes não há qualquer dúvida que estes são residentes fiscais, em Portugal, em 2014, por aqui terem permanecido, conforme declararam 200 dias.

 

Deste modo, tal como defende a Requerida entende-se que os Requerentes são residentes fiscais em território português na totalidade do ano, incidindo o IRS sobre a totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo fora deste território.

 

Sobre os critérios de residência fiscal, realçamos as decisões do CAAD, designadamente o Acórdão Arbitral Processo nº 332/2016-T e o Acórdão Arbitral Processo n.º 214/2017-T.

 

 

 

 

B – Mais-Valias – Custo Documental

 

Considerando-se os Requerentes residentes fiscais, em Portugal, em 2014, importa agora determinar se as correcções promovidas pela AT são ilegais, como defendem os Requerentes, que entendem ter sido comprovado o custo histórico dos valores mobiliários identificados nos autos para efeitos de cálculo das mais-valias obtidas com a alienação dos referidos valores mobiliários, caso em que seria devido imposto no valor de €87.190,48 e não no valor de €142.362,89, como defende a Requerida.

 

De facto, defendem os Requerentes que o custo de aquisição dos títulos alienados se encontra documentalmente provado pelos documentos bancários juntos aos autos, pelo que o cálculo das mais-valias e a liquidação levada a cabo pela Requerida com base no custo de aquisição da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à alienação é ilegal.

 

Tendo em conta que os Requerentes colocam em causa a correcção dos valores de aquisição dos títulos mobiliários declarados promovida pela Requerida, é sobre os Requerentes que recai o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recaí sobre quem os invoque.”

 

Sobre a determinação das mais-valias mobiliárias dispõe o artigo 48.º a)  do Código do IRS que o valor de aquisição é o seguinte:


a) Tratando-se de valores mobiliários cotados em bolsa de valores, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado;

 

Assim, no que tange ao valor de aquisição de valores mobiliários a considerar na operação de determinação de mais-valias a regra é da sua determinação com base no custo real documentalmente provado.

 

Com vista a cumprir o seu ónus, os Requerentes juntaram aos autos vários documentos bancários relativos aos movimentos dos títulos mobiliários, com vista a imputar o custo de aquisição às unidades transacionadas, com base nos documentos de suporte aos movimentos dos títulos mobiliários.

 

Sucede que, analisados os documentos não foi possível concluir relativamente a cada lote de títulos mobiliários transacionados pela exacta correspondência entre a quantidade, a data, o valor histórico de aquisição e o valor de realização de cada lote alienado.

Na verdade, os documentos bancários juntos aos autos revelam a entrada dos valores mobiliários na conta dos Requerentes, mas não evidenciam que esses valores tenham esse valor de aquisição a essa data ou sequer que tenham sido adquiridos nessa data, na data da movimentação entre contas bancárias, visto que podiam pré-existir noutra conta bancária.

 

Para que possa ser determinado o valor histórico dos títulos mobiliários é necessário identificar a quantidade, a data e o valor histórico de cada conjunto registado de títulos mobiliários. Tal não se verifica no caso em análise.

 

Na verdade, tal como é identificado na decisão impugnada: 

 

24.1. Quanto aos valores mobiliários com o código ISIN FR...:

24.1.1. Em 2014, o número de unidades deste valor mobiliário alienado pelo recorrente foi de 7.384 e o número alienado pela recorrente foi de 7.383, que correspondiam aos títulos que haviam dado entrada nas contas dos recorrentes no ano 2014.

24.1.2. No total, os recorrentes alienaram 14.767 unidades deste valor mobiliário

24.1.3. Ora, se atentarmos nos extratos emitidos pelo banco C... verificamos que o número de títulos adquiridos pelos recorrentes em 2011 foi de 14.080, faltando documento que ateste a aquisição das 687 unidades remanescentes e o correspondente valor de aquisição.

24.1.4. Resulta, assim, não ser possível fazer a correspondência integral entre o número títulos adquiridos e os títulos alienados.

24.1.5. Deste modo, fica inviabilizado o apuramento do valor de aquisição das 14.767 unidades pelo valor histórico.

24.1.6. Assim, e considerando que, nos termos da alínea a), do artigo 48.º do Código do IRS, quando não seja possível apurar o “custo documentalmente comprovado”, o valor de aquisição a considerar é “o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado”.

 

26. Quanto aos valores mobiliários com o código ISIN FR...:

26.1. No ano 2014, o recorrente alienou 750 unidades das 1750 unidades que haviam dado entrada na conta do recorrente.

26.2. Sucede, porém, que da documentação em anexo, não consta qualquer documento que ateste o número de unidades adquiridas pelo recorrente, nem o respetivo valor de aquisição.

Com efeito, o único documento referente a este valor mobiliário está dirigido à recorrente.

26.3. Assim, também quanto a este valor não é possível apurar documentalmente o valor de aquisição.

Em ambos os casos, acrescem custos no valor de € 332,04.

 

27. A mesma lógica se aplica às unidades alienadas do valor mobiliário com o código ISIN FR..., ou seja, não sendo possível apurar o custo histórico, aplica-se a menor cotação dos dois anos anteriores.

28. Neste caso, não é possível apurar o custo histórico porque, também aqui, não é possível fazer a correspondência integral entre as unidades alienadas e as unidades adquiridas.

29. Com efeito, o documento n.º 13, referente ao valor mobiliário com este código ISIN, menciona que foram adquiridas pelos dois recorrentes, 6.991 unidades deste valor, cabendo a cada um, 3495,5 unidades.

30. O outro documento referente à aquisição destes valores mobiliários apenas está dirigido à recorrente e, nos termos dele constantes, esta havia adquirido 10.000 unidades.

31. Ora, se confrontarmos estes valores com o número de títulos que deram entrada nas contas de cada um dos recorrentes junto do D... (19.405), concluímos que este último é muito superior ao valor contabilizado nas declarações do banco C..., entregues pelos recorrentes em anexo ao presente recurso.

32. Assim, o valor de aquisição a considerar, tanto no caso do recorrente, como no caso da recorrente, é de € 34.997,71.

33. Aqui, acrescem custos no valor de € 427,91, por cada um.

 

Assim, conclui-se que os documentos juntos aos autos pelos Requerentes não são aptos a fazer prova do custo real documentalmente comprovado dos títulos mobiliários, objecto de liquidação adicional pela Requerida.

 

Em consequência da falta de prova pelos Requerentes, o custo de aquisição dos valores mobiliários alienados terá de ser determinado considerando a cotação verificada nos últimos 2 anos anteriores à data da alienação, como foi efectuado pela Requerida, à luz do disposto no artigo 48.º a) do Código do IRS.

 

 

4. Decisão 

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)   Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)   Julgar consequentemente improcedente o pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia hipotecária;

C)   Condenar os Requerentes nas custas devidas.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor €142.362,89 (cento e quarenta e dois mil trezentos e sessenta e dois euros e oitenta e nove cêntimos

 

6. Custas

 

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €3.060 (três mil e sessenta Euros) de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.

     

Lisboa, 23 Junho de 2022

Os Árbitros

Carlos Fernandes Cadilha 

                                                                                    

Vera Figueiredo

 

Magda Feliciano (Relatora)

 



[1] Direito Tributário Internacional, Alberto Xavier, 2.ª Edição, Almedina, pp. pag.285.

[2] [2] Direito Tributário Internacional, Alberto Xavier, 2.ª Edição, Almedina, pp. pag.291.