Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 349/2020-T
Data da decisão: 2021-02-08  IRS  
Valor do pedido: € 19.845,40
Tema: IRS – regime transitório, mais-valias imobiliárias, ónus da prova e nua propriedade.
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SUMÁRIO:

 

I – O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, na presente hipótese o dever processual é da Requerente.

 

II – Se a nua propriedade tiver sido adquirida antes do dia 1 de janeiro de 1989, mas a consolidação somente ocorreu após a entrada em vigor do CIRS, há lugar à tributação da mais-valia.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., apartamento ..., Porto, doravante designada por Requerente, apresentou em 07/07/2020 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, respeitante ao ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2019... e, em termos finais, ao ato subjacente de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativo ao ano de 2015 – segmento das mais-valias imobiliárias por, no seu juízo, padecer do vício de violação de lei, pois os ganhos resultantes da alienação dos prédios urbanos ... (quota-parte de 12,50%), 5268 (quota-parte de 8,33%), ... (quota-parte de 12,50%) e ... (quota-parte de 12,50%), todos localizados  na União das Freguesias de ..., ... e ..., estão excluídos da tributação - artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

 

2. No dia 28/09/2020 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi a Requerida em 30/09/2020 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

4. Em 03/11/2020 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa bem como, mediatamente, da liquidação de IRS do ano de 2015, não sendo assim devidos juros indemnizatórios.

 

5.  Por despacho de 05/01/2021 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.

 

6. A Requerente apresentou alegações finais escritas em 14/01/2021, tendo mantido integralmente a sua pretensão inicial.

 

POSIÇÃO DAS PARTES

7. A Requerente sustenta que se encontram excluídos da tributação os ganhos por si obtidos com a alienação em 2015 dos seguintes prédios urbanos ... (quota-parte de 12,50%), ... (quota-parte de 8,33%), ... (quota-parte de 12,50%) e ... (quota-parte de 12,50%), todos localizados na União das Freguesias de ..., ... e ... - artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

A pretensão suprarreferida alicerça-se no facto de a aquisição da propriedade dos prédios agora alienados ser anterior a 1 de janeiro de 1989, na sua alegação em 1985, realidade que resulta, no seu juízo, dos documentos juntos com o pedido de constituição de tribunal arbitral sob os números 8, 9,10,11 e 12 (artigo 25.º do pedido de pronúncia arbitral).

Acrescenta que a dificuldade de leitura dos sobreditos documentos não poderá conduzir à postergação do seu direito à correta aplicação da lei tributária.

Observa igualmente que a partilha não tem o efeito que a AT (“Autoridade Tributária e Aduaneira”) lhe atribui no despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa, mas uma natureza declarativa – Circular n.º 21/92, de 19 de outubro.

Termina solicitando o reembolso de 19 845,40 euros e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

8. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:

i) Erro sobre os pressupostos de facto

Na sua defesa começa por referir que tendo em conta os elementos anexados pela Requerente, bem como os que estão na sua posse, não é possível fazer uma correspondência entre os prédios que foram doados ao marido da Requerente (e que posteriormente herdou - 1985) em 1975 e os imóveis alienados em 2015.

A referida conclusão alicerça-se, em primeiro lugar, na circunstância de dois dos prédios doados (rústico e urbano – artigo ... e artigo ..., respetivamente) estarem localizados na freguesia de ...– freguesia que não foi extinta – e todos os alienados na União das Freguesias de ..., ... e ... .

Acrescenta, em segundo lugar, que em 2015 foram alienados quatro prédios urbanos, quando a doação dizia respeito a dois prédios urbanos e um rústico. Ou, dito de outro modo, defende que também por aqui não é possível efetuar a correspondência entre os prédios adquiridos em 1985 [na alegação da Requerente] e alienados em 2015.

Advoga, em terceiro lugar ainda que, se em tese fosse possível efetuar a aludida correspondência, da leitura da escritura de doação ao seu falecido marido parece resultar que a doadora terá reservado para si o usufruto dos imóveis, por isso observa que tendo esta falecido em 1995, não se aplicaria a exclusão de tributação - vertida no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro - aos prédios objeto da aludida doação.

Termina referindo que, a este propósito, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º ... da União das Freguesias de ..., ... e ... encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial (documento 9 dos autos) como tendo sido adquirido por compra e não por doação ou sucessão hereditária.

 

ii) Juros indemnizatórios

A este respeito defende que o direito a juros indemnizatórios depende da demonstração processual de que a liquidação está inquinada por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.

Acrescenta que, no caso concreto, não existiu defeituosa apreciação da factualidade relevante ou errada aplicação das normas, por conseguinte não pode proceder o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

QUESTÕES A DECIDIR

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar [sem prejuízo da solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT]:

a)            Se o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa com o n.º ...2019..., e o ato de liquidação de IRS subjacente [segmento das mais-valias imobiliárias], padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, dado que os ganhos obtidos pela Requerente em 2015 encontram-se excluídos da tributação, por aplicação do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro e a partilha revestir um efeito declarativo;

b)           Se a Requerente tem direito ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e se a AT deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

 

SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

1.1. A Requerente foi casada com B..., sob o regime da comunhão de adquiridos e no estado de primeiras núpcias de ambos. (Documento junto como n.º 6 no pedido de pronúncia arbitral)

1.2. C..., no dia 12/05/1975, doou a nua propriedade [reservando para si o usufruto] aos seus filhos, D..., E..., F... e G..., dos seguintes imóveis: i) prédio  inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., ...; ii) prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., ... e  iii) prédio inscrito na  matriz predial rústica  sob o artigo ... da freguesia de ..., ... . (Documento junto como n.º 7 no pedido de pronúncia arbitral)

1.3.  C... reservou para si o usufruto dos imóveis doados no ato notarial descrito no número anterior. (Documento junto como n.º 7 no pedido de pronúncia arbitral)

1.4. D... faleceu em 7 de abril de 1985. (Documento junto como n.º 6 no pedido de pronúncia arbitral)

1.5. Sucederem ao falecido como herdeiros legítimos a sua esposa, ora Requerente, e os seus filhos, H..., casada com I... sob o regime da comunhão de adquiridos; J..., casada com K... sob o regime da comunhão de adquiridos e L..., solteiro. (Documento junto como n.º 6 no pedido de pronúncia arbitral)

1.6. C..., faleceu no ano de 1995. (Facto alegado pela Requerida em 25.º da Resposta e aceite pela Requerente nas suas alegações)

1.7. A Requerente, no dia 04/08/2015, alienou os prédios inscritos na matriz predial urbana  sob os artigos ..., ..., ... e ..., todos da União das Freguesias de ..., ... e ..., por 1 300 000,00 euros, sendo titular das quotas de 12,50%, 8,33%, 12,50% e 12,50%, respetivamente. (PA)

1.8. A freguesia de ..., ... não integra a União das Freguesias de ..., ... e ... . (Facto notório)

1.9. A Requerente, por intermédio do ofício n.º 2019..., de 21 de maio de 2019, foi notificada de que foram efetuadas correções à sua declaração modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2015. (PA)

1.10. As referidas correções alicerçam-se no facto de a Requerente não ter declarado, nomeadamente, na modelo 3 de IRS do ano de 2015, a alienação dos prédios identificados em 1.7 da decisão arbitral. (PA)

1.11. A AT entendeu que os aludidos prédios foram adquiridos em 2010 e, em consequência, corrigiu oficiosamente o anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2015, nos seguintes termos:

A. Valor de aquisição

Artigos matriciais             Valor patrimonial tributário        Data de aquisição            %            Valor patrimonial da quota-parte

...            23 450,00 euros               29/12/2010         12,50% 2 931,5 euros

...            40 960,00 euros               29/12/2010         8,33%    3 413,33 euros

...            254 330,00 euros            29/12/2010         12,50 %                31 791,25 euros

...            171 840,00 euros            17/12/2003         12,50% 21 480,00 euros

Total     490 580,00 euros                                            Total – 59 615,83 euros

 

B. Valor de Realização

 

Artigo matricial Valor patrimonial tributário        Data      %            Valor de Realização

...            85 000,00 euros               04/08/2015         12,50% 10 625,00 euros

...            65 000,00 euros               04/08/2015         8,33%    5 416,67 euros

...            540 000,00 euros            04/08/2015         12,50% 67 500,00 euros

...            610 000,00 euros            04/08/2015         12,50% 76 250,00 euros

Total     1 300 000,00 euros                                        159 791,67 euros

 

(PA)

1.12. A AT liquidou oficiosamente IRS do ano de 2015, no montante de 19 845,40 euros – liquidação n.º 2019... . (PA)

1.13. O montante da liquidação de IRS de 2015 foi voluntariamente pago pela Requerente no dia 26/06/2019. (Documento junto como n.º 4 no pedido de pronúncia arbitral)

1.14. A Requerente apresentou reclamação graciosa, no dia 08/11/2019, na qual alega que à alienação dos imóveis se aplica a exclusão de tributação prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. (Documento junto como n.º 5 no pedido de pronúncia arbitral)

1.15. O Chefe do Serviço de Finanças – Porto ..., por despacho datado de 27/12/2019 indeferiu expressamente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2019..., pois os documentos juntos na impugnação administrativa não permitem efetuar uma correspondência entre os prédios alienados e aqueles que a reclamante alegou ter adquirido em 1985. (PA)

1.16. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 07/07/2020. (Sistema informático do CAAD)

2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

Os factos provados baseiam-se no PA e nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, expressamente aceites  pela Requerida e que se encontram identificados nos factos dados como assentes.  O facto 1.6. [invocado na Resposta] foi aceite pela Requerente nas suas alegações finais escritas.

 

MATÉRIA DE DIREITO

 

A Requerente alega no pedido de pronúncia arbitral que os ganhos emergentes da alienação dos prédios descritos em 1.7 do probatório se encontram excluídos da tributação, sendo esta a primeira questão que está no objeto da impugnação e que assim o tribunal tem de conhecer – apesar da latitude das correções efetuadas à declaração modelo 3 de IRS do ano de 2015.

O artigo 5.º, números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro – que a Requerente estima ser aplicável à hipótese sub judice tem o seguinte teor:

 

1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.

 

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efetuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.

 

Impõe-se agora apurar quais os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias no momento anterior à entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) e que, assim, beneficiam do aludido regime transitório de exclusão de incidência.

O Código do Imposto de Mais-Valias tributava, relativamente a imóveis na titularidade de particulares, unicamente os ganhos emergentes da alienação onerosa de “terrenos para construção”, quando no CIRS a regra geral é a da tributação dos ganhos decorrentes da alienação de direitos reais sobre imóveis, não só dos prédios [urbanos] classificados como “terrenos para construção”, como também dos prédios rústicos e dos prédios urbanos.

Em resumo, os ganhos emergentes da alienação de direitos reais sobre prédios, excluindo os “terrenos para construção”, apenas serão sujeitos a IRS quando a sua aquisição tenha acontecido a partir de 1 de janeiro de 1989, relevando para a tributação o momento da aquisição e o da transmissão. Ou seja, o facto tributário é de formação sucessiva. Assim, os rendimentos emergentes da alineação de prédios urbanos – excluindo os “terrenos para construção” – adquiridos antes de 1 de janeiro de 1989 encontram-se excluídos da tributação.

Na presente hipótese, estamos perante prédios urbanos que pela sua natureza se enquadram no aludido regime transitório [pelo menos, não ressuma dos autos qualquer divergência entre a Requerente e a Requerida quanto à existência de “terrenos para construção”], contudo é imperativo apurar se os imóveis transmitidos foram adquiridos pela Requerente antes de 1 janeiro de 1989.

Se para a Requerente esse dado é insofismável – alega que foram adquiridos por via sucessória em 1985, já a Requerida defende que a entrada na esfera jurídica da Requerente do direito de propriedade sobre os prédios ocorreu em 2010, com a celebração de escritura de partilha.

Importa referir que o ónus da prova de que os prédios foram adquiridos antes do dia 1 de janeiro de 1989 é da Requerente. A este respeito sustenta a doutrina : “ [A]ssim, pelo facto de o impugnante na impugnação judicial surgir processualmente numa posição  em que vem invocar vícios de um ato tributário, não se lhe deve  imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, designadamente  o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário.

Mas, pelas mesmas razões, também será de impor ao contribuinte, no processo judicial, o ónus da prova de factos quando ele lhe é imposto no procedimento tributário,…”.

Ora, se o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque , na presente hipótese tal dever processual é da Requerente.

Revertendo tal enquadramento para o caso concreto é a Requerente que tem de provar que há identidade entre os prédios adquiridos e aqueles que foram transmitidos no ano de 2015, para assim se aferir se pode beneficiar da exclusão de incidência prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Ónus esse que não cumpriu, pois se em 1975 foram doados ao falecido marido da Requerente dois prédios urbanos [artigos ... e ...] e um rústico [artigo ...], o montante auferido com a realização respeita a quatro prédios urbanos ..., ..., ... e ..., localizados na União das Freguesias de ..., ... e ... . Isto é, não é possível concluir que os prédios alienados correspondem àqueles cuja nua propriedade foi doada em 1975 a D... .

Milita ainda nesse sentido a circunstância de na realização dois prédios terem sido descritos como sitos na União das Freguesias de ..., ... e ..., quando na doação da nua propriedade são identificados como sitos na freguesia de ... . Freguesia essa que não foi extinta – Lei n.º 22/2012, de 30 de maio e  Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.

Acrescenta-se que só à Requerente incumbia fazer essa correspondência entre os prédios que originaram a realização e aqueles que alega ter recebido por via sucessória [marido], após este ter adquirido a nua propriedade por doação da sua mãe no ano de 1975. 

Em resumo, não provando a Requerente, como lhe incumbia, a correspondência entre os prédios adquiridos antes de 1 de janeiro de 1989 e aqueles que foram alienados em 2015, a pretensão anulatória da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e da anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019... está votada ao insucesso, mantendo-se assim na ordem jurídica a totalidade da referida liquidação.

Em reforço da decisão supra, verificar-se-ia sempre tributação da mais-valia, caso existisse a identidade entre os prédios. Pois bem, para a Requerente a aquisição do direito de propriedade verificou-se com a doação para o seu falecido marido do direito de propriedade sobre os prédios urbanos, no ano de 1975 [adquiridos por si em 1985]; já a Requerida advoga que a doadora reservou para si o direito de usufruto e, assim, só com a consolidação do direito de propriedade em 1995 – morte da doadora – ocorreu a transmissão.

A jurisprudência defende a este respeito que:

 

I - De acordo com o artigo 5.º, n.º 1 do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro: “ Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código”.

II - De acordo com o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, em vigor à data dos factos:“1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre sucessões e doações.

III - Ainda de acordo com o artigo 3.º, parágrafo 1º do CISISSD –“Só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efetiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, nas doações por morte e nas doações entre casados, enquanto não falecer o doador ou, no último caso, o donatário não alienar os bens, e nas sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada”.

IV - Deste modo, apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais valias se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1990.

Assim, se a nua propriedade tiver sido adquirida antes do dia 1 de janeiro de 1989, mas a consolidação somente ocorreu após a entrada em vigor do CIRS [no caso, em 1995], há lugar à tributação da mais-valia. É esta a linha jurisprudencial que o Supremo Tribunal Administrativo utiliza nos seus arestos .

Em suma, com a fundamentação supra descrita mantém-se na ordem jurídica a liquidação adicional de IRS n.º 2019... .

Fica assim prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso da quantia paga e da condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

                a) Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, bem como da liquidação de IRS n.º 2019..., com as legais consequências.

 

                b) Julgar prejudicado o pedido de reembolso da quantia paga e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 19 845,4o euros, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

Custas a suportar pela Requerente, no montante de 1224,00 euros, cfr. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de fevereiro de 2021

 

O árbitro,

Francisco Nicolau Domingos