Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 13/2022-T
Data da decisão: 2022-06-23  IRS  
Valor do pedido: € 2.522,60
Tema: IRS; Tributação Conjunta- Perdas – Artigo 55º do Código do IRS
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SUMÁRIO:

O artigo 55º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, tem um carácter meramente procedimental, não concorrendo para o apuramento da matéria colectável, não vedando a comunicabilidade de ganhos e perdas entre membros do agregado familiar nas situações de união de facto.

 

DECISÃO ARBITRAL

I-RELATÓRIO

1.A..., contribuinte fiscal nº ...e B..., contribuinte fiscal nº ..., unidos de facto e ambos residentes na Rua …, (doravante designados por Requerentes ou Sujeitos Passivos), apresentaram em 2022-01-10,pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 dos artigos 2º, 5º, nº 2, alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2 todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria 112-A/2011, de 2 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de nulidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa nº 150..., e consequente anulação do ato de liquidação de IRS nº 2021 000..., com referência ao ano de 2020.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2022-01-12, e notificado à Requerida nos termos legais, nessa mesma data.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2022-03-02, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugado do artigo 11º, nº3, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5.O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2022-03-22, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2022-03-22 a Requerida apresentou em 2022-05-02 a sua resposta tendo nessa mesma data procedido à junção do processo administrativo (PA).

7.Por despacho proferido em 2022-05-03 devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a, querendo, apresentarem alegações escritas e designada data para a prolação da decisão e sua notificação às partes.

8.Os Requerente apresentaram em 2022-05-24 alegações escritas, onde, fundamentalmente reiteram e reforçam o argumentário constante das suas peças processuais, sendo que a AT não usou dessa faculdade.

9.A fundamentar o seu pedido os Requerentes invocam, em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

 

9.1. (…) com referência ao ano de 2020, aquando do preenchimento da sua declaração Modelo 3 de IRS, optaram novamente pela tributação conjunta de todos os seus rendimentos, nomeadamente, os rendimentos que auferiram do trabalho dependente (categoria A), mas também os rendimentos provenientes da alienação onerosa de valores mobiliários (categoria G). (cfr. artigos 40,41 e 42 do pedido de pronúncia arbitral).

9.2 . No ano de 2020 os Requerentes decidiram conjuntamente proceder à alienação de valores mobiliários de que eram titulares, conforme melhor descrito no quadro 09 anexo G da sua Declaração Modelo 3 de IRS (cfr., artigo 43 do pedido de pronúncia arbitral).

9.3. Da qual resultou um saldo negativo de -16.689,52€, ou seja, o apuramento de uma menos-valia para efeitos do disposto no nº 1 e no nº 3 do artigo 43º do CIRS (cfr., artigo 44 do pedido de pronúncia arbitral).

9.4.A qual deveria, atenta a opção dos Requerentes pela tributação conjunta dos rendimentos declarados, ser tida em consideração como fazendo parte do rendimento global dos Requerentes (cfr., artigo 45 do pedido de pronúncia arbitral).

9.5. Não foi isto que se verificou aquando do processamento da liquidação de IRS efetuada pela AT (cfr., artigo 46 do pedido de pronúncia arbitral).

9.6. Já que no campo 17 da nota de liquidação adicional de IRS acima melhor identificada, mais concretamente quanto ao imposto relativo a tributações autónomas, consta o valor de 2.504,96 €, ou seja a AT sujeitou a uma taxa de 28% de tributação autónoma apenas o saldo positivo no valor de 8.946,28 €, inscrito no campo 9006, do quadro 09 do anexo G. (cfr., artigos 47 e 48 do pedido de pronúncia arbitral).

9.7. Descurando, por completo o saldo negativo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano pelos Requerentes, in casu, de – 16.689,52 €. (cfr., artigo 49 do pedido de pronúncia arbitral).

9.8. No caso de liquidação de IRS referente a 2020 dos Requerentes a AT autonomizou o  de 2020, conforme declaração emitida pelo Banco X. (cfr., artigo 54 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº10 com o mesmo junto).

9.9. Sujeitou apenas esse montante a tributação e não o saldo global das mais e menos-valias realizadas pelos Requerentes no ano de 2020 (cfr., artigo 55 do pedido de pronúncia arbitral).

9.10. Na resposta da AT à primeira exposição apresentada pelos Requerente através do Portal das Finança via e-balcão, é referido que o procedimento adotado aquando da liquidação teve por base o disposto no artigo 55º do CIRS (cfr., artigos 56 e 57 do pedido de pronúncia arbitral).

Argumentam ainda os Requerentes que:

9.11. Com a reforma do Código do IRS em 2014, em matéria de regime-regra de tributação dos contribuinte casados ou unidos de facto (passagem do regime-regra de tributação conjunta para regime regra de tributação separada) (cfr., artigo 65 do pedido de pronúncia arbitral);

9.12. Não foi intenção do legislador impossibilitar os contribuintes casados em união de facto, de poderem apurar o ganho sujeito a imposto através da soma da totalidade dos ganhos e da subtração das perdas totais obtidas em conjunto (cfr., artigo 66 do pedido de pronúncia arbitral);

9.13. A alteração legislativa ocorrida a partir de 01/01/2015 em nada alterou a forma de apuramento do ganho sujeito a imposto, que, no caso de valores mobiliários, se continua a fazer nos termos dos artigos 43º e 48º do Código do IRS. (cfr., artigo 68 do pedido de pronúncia arbitral).

Concluindo pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e em consequência pela declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa nº 150..., com consequente anulação da liquidação subjacente, peticionando ainda juros indemnizatórios sobre o valor de 2.522,60 €. 

 10. Como referido, em 2022-05-02, a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à junção da sua resposta, donde se destaca, sinteticamente e como relevância o seguinte (que de igual modo se menciona, maioritariamente por transcrição). 

10.1. O entendimento da AT tem por suporte, desde logo o disposto no artigo 55º do CIRS, em particular o nº 1 (na redação introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31.12) que, relativamente a cada um dos titulares de rendimentos, veda a comunicabilidade de perdas entre rendimentos de categorias distintas, apenas sendo admitido a dedução de perdas relativamente a cada titular de rendimentos (cfr, artigo 10 da resposta).

10.2. Dispõe esta norma que: Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria…” (cfr. artigo11 da resposta).

10.3 Portanto o apuramento dos rendimentos líquidos é sempre efetuado por titular de rendimento não existindo comunicabilidade de rendimento entre titulares, mesmo quando se esteja perante rendimentos da mesma categoria (cfr. artigo 12 da resposta).

10.4. (…) dúvidas não subsistem que o legislador pretendeu, claramente, impossibilitar a comunicabilidade das perdas mesmo que ou sujeitos passivos  tenham manifestado a opção pela tributação conjunta dos rendimentos (cfr., artigo 15 da resposta).

10.5. Culmina a AT a sua resposta afirmando que a liquidação sub judice se mostra correta legal devendo o pedido dos Requerentes ser julgado improcedente.

11.O tribunal arbitral singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1 alínea a), 5º e 6º do RJAT.

12. As partes têm personalidade e capacidade judiciária, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º, e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.

13. A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de noventa dias previsto no artigo10º, nº1, do RJAT, de acordo com a remissão para o artigo102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

14.Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se.

15.O processo não enferma de nulidades.

16. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

Perante os elementos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, e com relevo para a decisão, consideram-se como provados os seguintes factos:

 

a-Os Requerentes vivem sob o regime de união de facto desde 2009 (cfr.documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

b- Com referência ao ano de 2020 no Modelo 3 de IRS os Requerentes procederam ao  preenchimento do quadro 04 optando pela declaração conjunta de rendimentos (cfr. documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

c-No quadro 05, subquadro A, no ponto 1 foi selecionada a opção de que ambos os unidos de facto optam pela tributação conjunta dos rendimentos;

 

d- No quadro 06 subquadro B foram indicados os NIFS dos Requerentes e dos dependentes que constituem o agregado familiar;

 

e- Antes da submissão da declaração de rendimentos, procederam os Requerentes a uma simulação, junto do Portal de Finanças cujo resultado determinou um valor a reembolsar de 4.086,15 € (cfr., documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

d-Foi pela AT desencadeado um procedimento de divergências com origem na falta de indicação no anexo G de informação quanto à alienação de valores mobiliários durante o ano de 2020;

 

e- Os Requerentes procederam ao preenchimento de nova declaração Modelo 3 de IRS, ainda dentro do prazo legal para a sua entrega, tendo aí entregue o anexo G;

 

f- Do preenchimento do quadro 09 do anexo G relativamente à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, resultou um apuramento de saldo global negativo de -16.599,26 €;

 

g-Da simulação de liquidação tendo em conta a nova declaração Modelo 3 IRS, resultou para os Requerentes um valor a receber, a título de reembolso, de 1.581,19 € (cfr. documento nº 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

h- Da submissão da declaração supra referida, veio a AT proceder à liquidação de IRS constante da respetiva demonstração 2021... (cfr., documento nº 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

i-Não tendo havido concordância dos Requerentes quanto ao valor a reembolsar, foram efectuadas várias exposições destes junto da AT e subsequentes respostas desta, que acabaram por ser “convoladas” em reclamação graciosa, a que veio a caber o nº ...2021...;

 

 

j- Sobre a qual se formou indeferimento tácito, de acordo com a previsão do artigo 57º, nº 1 e nº 5 da Lei Geral Tributária.

                                                                                                                                                       

k-Em 10 de Janeiro de 2022, os Requerentes apresentaram junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2.Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do  o

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito. (cfr. artº 596º do CPCivil, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de visa e conhecimentos das pessoas (cfr. artº 670º, nº 3 do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (vg., força probatória dos documentos autêntico) (cfr. artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados, tendo em consideração como se escreveu no Acórdão do TCA-SUL de 26/06/2014, proferido no âmbito do processo 07148/12, “o valor probatório da inspecção tributária (…) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provados nem como não provados as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B.DO DIREITO

A questão que é objecto do presente processo versa sobre a comunicabilidade de perdas em IRS, nos casos em que o agregado familiar é composto por unidos de facto que optaram pelo regime de tributação conjunta de todos os seus rendimentos, tendo como pano de fundo a redação do artigo 55º do Código do IRS introduzida pela Lei nº 82-E/2014 de 31 de Dezembro.

 

A análise dos argumentos das partes em defesa das respectivas posições, (sumariamente transcritas supra sob os pontos 9 e 10 do Relatório) , leva-nos a concluir que o dissenso entre as partes se reconduz, na sua essencialidade,  à interpretação a conferir ao artigo 55º do Código do IRS, após a reforma de 2015.

A própria AT no seu articulado, (cfr. artigo 10 da resposta) claramente identifica que “O entendimento da AT tem por suporte, desde logo o disposto no artigo 55º do CIRS, em particular o nº 1 (na redação introduzida pela Lei nº 82º-E/2014,de 3.12) que relativamente a cada titular de rendimentos, veda a comunicabilidade de perdas entre rendimentos de categorias distintas apenas sendo admitido a dedução de perdas relativamente a cada titular de rendimentos”.

 

Em sentido oposto, os Requerentes defendem, em suma, que o artigo 55º do Código do IRS é uma norma de carácter meramente procedimental e não uma norma de incidência tributária como acontece, nomeadamente com os artigos 10º e 43º do CIRS.

 

Antecipando-se que este tribunal arbitral singular não perfilha da interpretação da Autoridade Tributária, revelar-se-á pertinente um breve incurso ao quadro normativo subjacente, para o que aqui releva, tendo por assente (matéria não controversa) que os Requerentes são unidos de facto procederam  e optarem pela declaração conjunta dos seus rendimentos globais no que concerne a exercício fiscal de 2020.

*****

A Lei nº 7/2011, de 11 de Maio, determina na alínea d) do artigo seu artigo 3º que as pessoas que vivam um união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a “d) aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens”.

Artigo 10º do CIRS

Mais valias

1.Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais, de capitais ou prediais, resultem de (…) alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários (…)”

 

Artigo 13º

Sujeito Passivo

“3. No caso de opção por tributação conjunta, o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direção”.

 

Artigo 43º

Mais-valias

“1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”

Artigo 48º

Valor de aquisição a título oneroso de partes sociais e de outros valores mobiliários

 

No caso da alínea b) do nº 1 do artigo 10º, o valor de aquisição, quando esta haja sido efetuada a título oneroso, é o seguinte:

 

a)    Tratando-se de partes sociais, warrants autónomos, certificados referidos na alínea g) do nº 1 do artigo 10º ou de outros valores mobiliários cotados em mercado regulamentado, o custo documentalmente provado ou, na sua falta o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado.

b)    Tratando-se de quotas, outras partes sociais, warrants autónomos, certificados referidos na alínea g) do nº 1 do artigo 10º ou de outros valores mobiliários não cotados em mercado regulamentado, o custo documentalmente provado, ou, na sua falta, o respetivo valor nominal.

Artigo 55º

Deduções de perdas (redação anterior à Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro)

 

“Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é dedutível ao conjunto de rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos”.

 

Artigo 55º (redação actual)

Dedução de perdas

“1. Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos”. (…)

 

Aqui chegados, e

Como resulta do probatório, os Requerentes, com referência ao exercício de 2020, aquando do preenchimento da declaração Modelo 3 de IRS optaram pela tributação conjunta de todos os seus rendimentos, nomeadamente os provindos de trabalho dependente (categoria A) e de rendimentos provenientes da alienação onerosa de valores mobiliários (categoria G) da qual resultou um saldo negativo de -16.689,52 €.

Na perspectiva dos Requerentes tal saldo negativo, constituindo uma menos-valias para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 43º do CIRS, deveria ter sido considerado como parte do seu rendimento global.

 

Por seu turno, a AT como já evidenciado, sustenta a sua posição no facto de ; “o disposto no artigo 55º do CIRS, em particular o nº 1 (na redação introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31.12) que, relativamente a cada titular de rendimentos, veda a comunicabilidade de perdas entre rendimentos de categorias distintas, apenas sendo admitido a dedução de perdas relativamente a cada titular de rendimentos”

*****

 A questão subjacente foi já objecto de apreciação e de eloquente decisão no âmbito do processo nº 739/2016-T de 12 de Novembro de 2017, secundada pela decisão proferida no processo nº 528/2020-T de 03 de Abril de 2021, proferidas sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

Em ambos os supra referidos processos a questão aí decidida é análoga à aqui subjacente, e à semelhança do verificado no processo nº 528/2020-T do CAAD, subscreve este tribunal data vénia o que na primeira das decisões vem sublinhado expressivamente, quanto ao tema subjacente, que subscrevemos sem quaisquer reservas, quer quanto à motivação quer quanto ao sentido decisório.

 

Assim, e deste modo,

 

“… releva também para a presente análise o disposto na alínea b), do nº 1, do  artigo 10º do Código do IRS, norma que prevê a sujeição da tributação das mais-valias consubstanciada nos ganhos que, não sendo rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de “partes sociais e outros valores mobiliários”. É esta norma de incidência dos ganhos com a venda de valores mobiliários, tais como os que os Requerentes transacionaram no ano de 2015.

 

Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos, isto é in casu, no momento da alienação (conforme nº 3 do artigo 10º do Código do IRS). E, segundo resulta do nº 4 do artigo 10º do Código do IRS, o ganho sujeito a IRS é constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição”.

Acresce também referir a norma constante do nº 1 do artigo 43º, do mesmo Código do IRS, segundo a qual “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”.

Para efeitos do apuramento do valor de aquisição a título oneroso dos valores mobiliários, determina, no que ora releva, a alínea a) do artigo 48º do Código do IRS que correspondem ao “custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado.”

Por fim, uma referência ao nº 1 do artigo 55º do Código do IRS, norma que sob epígrafe “Dedução de Perdas”, e na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, estabelece o seguinte: “ Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos dessa mesma categoria, nos seguintes termos (…).

Esta norma dispunha, na sua redação anterior a 2015, que “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é dedutível ao conjunto de rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos”.

 

No projeto de Reforma do IRS, elaborado em setembro de 2014 e que esteve na base das declarações legislativas, produzidas pela Lei nº 82-E/2014 no artigo 55º do Código do IRS, pode ler-se, no ponto 5.3.4., o seguinte, quanto ao regime de comunicabilidade de perdas entre cônjuges”:

“o Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe também de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absortivo nos rendimentos da mesma categoria do outro, no casode tributação conjunta”.

 

Ora, identificado que foi o núcleo do quadro legal em que o pedido arbitral deverá ser analisado, cumpre agora decidir.

 

É verdade que o legislador pretendeu, aquando da Reforma do IRS efetuada em 2014, alterar de certa forma o paradigma fiscal, sobretudo no que respeita ao regime regra da tributação das famílias, fazendo com que a tributação separada seja a regra.

A partir desse momento, à semelhança do que as pessoas em união de facto já podiam fazer, os casados passaram a poder optar pela tributação conjunta (que deixou de constituir o regime -regra), na tentativa de combater a discriminação negativa de as pessoas casadas eram alvo, ao não terem essa mesma opção.

Nunca esteve subjacente a esta Reforma a penalização dos contribuintes casados, seja por efeitos da alteração de normas de incidência ou de normas de apuramento do imposto. Pelo contrário, o legislador procurou garantir que os casados poderiam, caso assim pretendessem, optar pela tributação de rendimentos não agregada.

 

Uma das alterações promovidas pelo legislador, nesse âmbito, reportou-se ao regime de perdas estabelecido no artigo 55º do Código do IRS, o qual passou também a refletir a tendência para que o regime de tributação separada constituísse a regra nesta cédula.

Deste modo, determinou-se que, com efeitos a partir de janeiro de 2015 e por referência a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado nas diferentes categorias de rendimentos apenas poderia ser deduzido aos resultados líquidos aos resultados líquidos da mesma categoria, do seguinte modo:

  1. Em sede de categoria B de IRS, o resultado líquido negativo aí apurado apenas poderia ser reportado de acordo com as regras de dedução dos prejuízos fiscais previstos no Código do IRC, isto é, nos 12 anos seguintes;
  2. As perdas apuradas quanto aos rendimentos prediais apenas poderão ser deduzidas aos ganhos da mesma categoria, fixando-se agora um prazo de reporte de seis anos, ao invés do anterior prazo de cinco anos;
  3. Na categoria G, o saldo negativo, resultante de operações com instrumentos financeiros, poderia ser reportado nos cinco anos seguintes, quando anteriormente este prazo era de dois anos.

Sucede que esta norma – na qual aparentemente a AT se fundamentou para proceder à emissão do ato de liquidação de IRS em crise- não é uma norma de incidência, nem tão pouco interfere com o apuramento dos saldos e dos ganhos sujeitos a imposto, sendo ao invés uma mera norma de reporte de perdas, à semelhança da que se encontra precisamente prevista no artigo 52º do Código do IRC.

Isto é, trata-se de uma mera norma procedimental, que visa definir os termos do reporte de perdas nos anos posteriores ao do apuramento dessas mesmas perdas.

Pelo que nunca poderia ser com base nesta norma que a AT poderia justificar a eventual incomunicabilidade entre os saldos das mais e das menos-valias apuradas pelos Requerentes no ano de 2015, quando os mesmos optaram pelo tributação conjunta.

De facto o apuramento do saldo que irá estar sujeito a imposto é feito, como acima se constatou, em função da regra consagrada no artigo 43º do Código de IRS, segundo o qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias corresponde ao saldo apurado entre as mais e as menos-valias realizadas no mesmo ano, cujo valor de aquisição, no caso de valores mobiliários, é determinado nos termos do artigo 48º do Código do IRS. Não nos termos do artigo 55º, como parece pretender a AT.

A norma constante daquele artigo 55º do Código do IRS consubstancia, tal como acima se constatou, um mecanismo de reporte de perdas (ou de prejuízos, se quisermos) não podendo servir de base ao apuramento do saldo final apurado num determinado ano: se um saldo positivo ou negativo. Este último é apurado em função das regras e do regime pelo qual os contribuintes optaram, se de tributação conjunta ou separada.

Tendo os contribuintes optado por um regime de tributação agregada- seja por via do casamento ou da união de facto – nenhuma outra hipótese se coloca, que não seja a tributação conjunta dos rendimentos apurados pelo casal e isso pressupõe a comunicação dos saldos, negativos e positivos, apurados num determinado ano por qualquer um por ambos os membros do agregado familiar.

Veja-se a título exemplificativo, e a propósito da natureza da norma constante do artigo 55º do Código do IRS, o que considerou o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de24/02/2010, proferido no processo nº 1085/99, ao referir o seguinte:

“Ou seja, embora os rendimentos desta categoria B, se forem positivos, sejam, em princípio, comunicáveis aos rendimentos das outras categorias, já não são comunicáveis se forem negativos, devendo, antes, a perda sofrida ser reportada, para efeitos de respectiva dedução, aos eventuais rendimentos positivos apurados nesta categoria nos anos posteriores.

(…)

É que, conforme resulta do artigo 55º que acima se deixou transcrito, nomeadamente do seu nº 1 e das alíneas a) e c) do seu nº 3, tal resultado líquido negativo apurado no no âmbito da categoria B, além de apenas poder ser objecto de reporte nos anos seguintes (e não no ano em que o prejuízo é declarado), também apenas pode operar em relação a resultados líquido positivos daquela mesma categoria B, com excepção dos resultados líquidos positivos gerados pelo exercício de actividade agrícola, silvícola ou pecuniária”.

Com efeito, foi quando essas situações em que o legislador pretendeu estabelecer um regime de não comunicabilidade horizontal de perdas entre os membros do agregado familiar, por forma a dar cobertura ao agora regime-regra da tributação separada, até porque, se assim não fosse tornava-se quase impossível o controlo por parte da AT do impacto das eventuais alterações do regime promovias pelos contribuintes de um(uns) determinado (s) ano (s) para o(s) seguinte (s).

Em momento algum, o legislador teve a intenção de privar os contribuintes casados, ou em união de facto, de poderem apurar o ganho sujeito a imposto através da soma da totalidade dos ganhos e da subtração das perdas totais obtidas em conjunto.

Esta operação meramente aritmética, sempre se fez, e continua a fazer, tendo em consideração que os membros do agregado familiar declararam a intenção de ser tributados em conjunto, sendo os ganhos e as perdas considerados como obtidos por ambos. 

Se assim não se entender, então teremos que concluir que o legislador da Reforma do IRS teve a intenção de prejudicar os contribuintes casados, ou unidos de facto, impossibilitando que os mesmos pudessem usufruir da efetiva tributação conjunta dos seus rendimentos e das decisões de gestão da economia familiar tomadas pelos membros do agregado num determinado ano. O que não é o caso.

A vingar a tese da AT, teremos efetivamente concretizada uma violação do princípio da segurança e da proteção da confiança, corolário do disposto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

Isto porque os Requerentes tinham a legítima expectativa de que as decisões por si tomadas, no que se refere à gestão  de bens e da economia familiar do agregado, pudessem ser relevadas de forma agregada, respeitando a sua opção pela tributação conjunta, o que não pode deixar de ser acolhido em resultado da aplicação do princípio da segurança e da proteção da confiança na vertente de “princípio classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da  comunidade na ordem jurídica  e na actuação do Estado [Acórdão do STA de 13.11.2007 – Processo 0164/04]”.

 

Face ao que vem de expor-se e citar, não se vislumbram quaisquer razões de facto ou de direito para deixar de se concluir, também aqui, em sentido diverso, do que vai expresso; 

 

“Em face do exposto, o ato de liquidação de IRS em crise é ilegal, por violação do disposto nos artigos 10º, 43º, 48º e 55º, todos do Código do IRS, e do próprio princípio da segurança e da proteção da confiança, por estar subjacente a esse ato o entendimento de que aquele artigo 55º impossibilita o apuramento, em conjunto, do saldo final- positivo ou negativo – referente à alienação de valores mobiliários pelos membros de um agregado familiar”.

 

Procedendo, consequentemente, o pedido dos Requerentes.

 

III-JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado  no artigo 100º da LGT, ex vi alínea a) do nº1 do artigo 29º do RJTA, que prevê;

Artigo 100º

Efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto de litígio, compreendendo o pagamentos de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) utiliza a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competência, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovas o RJAT em que se proclama, como primeira directriz, que, “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”unça

 

O nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa, já sinalizado, decide este tribunal em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV-DECISÃO

 

Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

i. julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência declarar a nulidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa nº 150...,

ii. declarar ilegal a liquidação de IRS nº 2021 ..., devendo a mesma ser substituída por outra que tenha em consideração a inexistência de mais-valias, com os fundamentos acima invocadas,

iii. condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento do montante de 2.522,60 €, em resultado da diferença entre o reembolso constante da nota de liquidação anulada (1.563,55 €) e valor da liquidação de IRS que tenha em consideração a tributação conjunta do saldo negativo, provindo das mais-valias (4.086,15€), a que acrescem juros indemnizatórios até efectivo e integral pagamento,

iv .condenar a Requerida ao pagamento das custas do processo

 

V-VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovada pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 2.522,60 € (dois mil quinhentos e vinte e dois euros e sessenta cêntimos).

 

VI-CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em  612.00 €. (seiscentos e doze euros).

 

NOTIFIQUE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

 

Vinte e três de Junho de dois mil e vinte e dois

 

O árbitro

 

j. coutinho pires