Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 164/2020-T
Data da decisão: 2020-12-03  IRS  
Valor do pedido: € 11.281,48
Tema: IRS – tributação de Mais Valias.
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DECISÃO ARBITRAL   

 

I – RELATÓRIO

 

1 – A... NIF ..., com domicílio na Rua ... nº..., ..., ...-...– Portela, Lisboa, área do ... serviço de finanças de Loures, veio apresentar, em 12/03/2020, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT , sendo requerida a ATA , contra o despacho de indeferimento do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa do recurso hierárquico que deduziu contra indeferimento parcial, proferido pelo chefe do ... serviço de finanças de Loures referente à reclamação graciosa nº....2019..., apresentada contra a liquidação de IRS  nº 2019..., respeitante ao ano de 2017, no valor de € 11 281,48 que considera ilegal, solicitando a sua anulação com todas as consequências legais daí advindas incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.

2 – O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD  e automaticamente notificado à ATA em 12/03/2020.

3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado o árbitro singular Arlindo José Francisco, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.                                                          

4- As partes foram notificadas dessa designação não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 05/08/2020, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5 – Com o seu pedido, visa a requerente, a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, referente ao recurso hierárquico que deduziu contra indeferimento parcial, proferido pelo chefe do ...º serviço de finanças de Loures referente à reclamação graciosa nº...2019..., apresentada contra a liquidação de IRS nº 2019..., respeitante ao ano de 2017, no valor de € 11 281,48, liquidação que pretende, em consequência, ver anulada com a devolução do IRS indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT .

6 – Suporta o seu pedido, em síntese, no facto de na apreciação e decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e na decisão de indeferimento do recurso hierárquico tal como na liquidação aqui posta em crise, no apuramento da mais-valia ter sido desconsiderado o montante utilizado pela Requerente na amortização do empréstimo contraído para adquirir o imóvel situado na freguesia de ... .

7 – E sustenta que, para a aquisição do imóvel a Requerente e o seu ex-cônjuge fizeram-no através de crédito hipotecário, em Junho de 2004, para habitação própria e permanente, junto do B..., no montante de €212 459,05, que saldaram ao transferirem em dezembro de 2007, este crédito para habitação para o C... (Portugal) SA, por oferecer melhores condições e na mesma linha de oferta de melhores condições, em Agosto de 2009, celebraram novo contrato de crédito à habitação com o D... (Portugal) SA, saldando o seu crédito no C... .

 

8 – Ocorrido o divórcio dos adquirentes em Julho de 2017, o imóvel foi vendido em Novembro de 2017, pelo valor de € 430 000,00, tendo sido saldado o empréstimo no montante de € 291 113,30, contraído junto do D... (Portugal) SA, e o restante repartido em partes iguais, cabendo à Requerente € 31 700,10, valor que utilizou para a aquisição da sua nova habitação própria e permanente.

9 – Considera que os três empréstimos referidos tiveram subjacente o único propósito de suportar financeiramente a aquisição do imóvel que serviu durante 13 anos de habitação permanente do seu então agregado familiar, há por isso um nexo de causalidade entre o último empréstimo obtido para aquisição do imóvel em causa e a mais-valia obtida na sua alienação.

10 – Em reforço do seu ponto de vista, traz aos autos jurisprudência do CAAD e do STA , bem como doutrina e das instruções ao preenchimento do anexo G da declaração modelo 3, conforme consta da petição e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, das quais não resulta qualquer limitação à amortização de eventual empréstimo para a aquisição do imóvel.

11 - Concluindo que os atos administrativos praticados pela Requerida padecem de erro sobre os pressupostos de facto, sendo, por isso, manifestamente ilegais, o que deverá levar à anulação da liquidação de IRS nº 2019... no montante de € 11 281,48, com todas as consequências daí advindas incluindo o pagamento de juros indemnizatórios atendendo a que o imposto se encontra pago.

12 – Por sua vez a ATA considera não assistir qualquer razão à Requerente tal como resulta do processo de divergências, da reclamação graciosa e recurso hierárquico, para os quais remete, estando neles, devidamente fundamentadas, as razões que levaram à liquidação aqui posta em crise.

13 – Suporta o seu ponto de vista, em síntese, que a Requerente, erradamente, pretende que, para efeitos da determinação do valor da realização seja considerado o montante de amortização do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, deverá ser o valor em dívida e liquidado à data da alienação junto do Banco D... (Portugal) SA, no montante de €291.113,30.

 

14 – Ora verifica-se desde logo que o montante que a requerente pretende que seja amortizado ao valor de realização é, desde logo, superior ao valor de aquisição do imóvel (€ 225 760,00), considerando que pretende amortizar o montante de €291 113,30, bem como ao valor do empréstimo bancário inicial no montante de €212 459,05, e que à data da transferência do empréstimo para o C... era de €202.385,76.

15 – Que na escritura de Mútuo com Hipoteca outorgada em 2009-08-19, cuja cópia juntou em sede de Recurso Hierárquico, verifica-se que a Requerente transferiu para o D... o empréstimo bancário no valor de €200.780,00, destinando-se o mesma à liquidação do capital em dívida do empréstimo no C... e na mesma data, a Requerente outorgou escritura de Mútuo com Hipoteca e Mandato relativo a um Crédito Pessoal, no montante de € 96.646,00, com destino à aquisição de bens de consumo, verificando-se, portanto, que o valor amortizado constante na declaração emitida pelo Banco D... (Portugal) SA, não corresponde apenas ao montante do empréstimo transferido respeitante à liquidação de empréstimo do C..., e portanto, relativo à aquisição do imóvel, mas inclui outros empréstimos, nomeadamente, um crédito ao consumo, que não pode ser aceite para efeitos de amortização.

 16- Assim, embora se encontre comprovado que parte do montante amortizado junto do Banco D... (Portugal) SA, é respeitante à amortização do empréstimo para aquisição do imóvel, o mesmo não comprova nem discrimina o montante em dívida e liquidado relativamente a este empréstimo, que deverá corresponder ao montante de € 200.780,00, deduzidas as amortizações decorrentes do pagamento das respetivas prestações.

17 – Cabe, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT e do artigo 128.º do CIRS , à Requerente o ónus e a obrigação de comprovar os factos alegados e os elementos que pretende ver considerados na declaração, nomeadamente, o valor efetivamente amortizado respeitante ao imóvel alienado, o que até ao momento não fez.

18 – Apoia o seu ponto de vista em jurisprudência e doutrina já firmada sobre este tema e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.

 

19 – Concluindo que também não são devidos juros indemnizatórios por não se verificar a condição prevista no nº 1 do artigo 43º da LGT e que, no caso concreto, a liquidação contestada teve por base a declaração elaborada oficiosamente na sequência do deferimento parcial do pedido de acordo com os valores comprovados, pelo que não estamos perante um erro imputável aos serviços, devendo o presente pedido de pronúncia arbitral, ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários aqui em questão.

 

II - SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Em 01/10/2020, apresentada a resposta da ATA, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Após a junção da resposta da ATA e análise dos autos, verifica-se:

Que  não há exceções a apreciar, e apesar do arrolamento de uma testemunha por parte da requerente, o Tribunal considera desnecessária a sua audição para proferir decisão, ao mesmo tempo que, a situação de pandemia obriga a um agendamento das reuniões no CAAD, com vista a serem observadas as medidas de segurança aplicáveis, o que dificultaria a obtenção da decisão em prazo razoável, deste modo, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais (artigos 19º nº.2 e 29º nº.2 do RJAT) fica dispensada não só a audição da testemunha arrolada bem como a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. 

Assim os autos prosseguem com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, iniciando-se, com a notificação do presente despacho, o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente, o prazo para alegações da Requerida.

Indica-se o dia 03/12/2020 para prolação da decisão arbitral. Até essa data, a Requerente deverá fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente.

Notifique”

A Requerente produziu alegações escritas, nas quais, no essencial, manteve as posições assumidas na petição inicial e aproveitou para rebater a resposta da Requerida, que não produziu alegações.

 O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa, estando reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir são as seguintes:

a)            Apreciar e decidir se o despacho de indeferimento do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa do recurso hierárquico que a Requerente deduziu contra indeferimento parcial, proferido pelo chefe do ... serviço de finanças de Loures referente à reclamação graciosa nº.... 2019..., apresentada contra a liquidação de IRS nº 2019..., respeitante ao ano de 2017, no valor de € 11 281,48 são ou não ilegais e, em caso de ilegalidade, serem anulados, com todas as consequências legais daí advindas, ou, em caso contrário, serem mantidas na ordem jurídica.

b)           Em caso de declarada a ilegalidade e a restituição do imposto indevidamente pago, esta deverá ou não ser acompanhada de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT.

 

2 – Matéria de Facto

 

A matéria de facto considerada relevante e provada para a decisão da causa, com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

 

a)            A Requerente e o seu ex-cônjuge adquiriram o imóvel em questão através de crédito hipotecário, em Junho de 2004, para habitação própria e permanente, junto do B..., no montante de €212 459,05.

b)           Em dezembro de 2007, transferiram este crédito para habitação para o C... (Portugal) SA, por, segundo a requerente, oferecer melhores condições através de empréstimo no montante € 202 385,00.

c)            Na mesma linha de oferta de melhores condições, em 19 de Agosto de 2009, celebraram novo contrato de crédito à habitação, no montante de € 200 780,00 com o Banco D.. (Portugal) SA, saldando o seu crédito no C... .

d)           Na mesma data contraíram com o mesmo Banco D... (Portugal) SA um crédito pessoal no montante de € 96 646,00, conforme escritura lavrada no Cartório Notarial de E..., que foi depositado na sua conta nº .../...do referido Banco.

e)           Por escritura de 27 de Agosto de 2015, foi contraído novo empréstimo junto do Banco D... (Portugal) SA, no montante € 301 200,00, tendo sido dado como garantia o imóvel em questão e constando na mesma que o mesmo já se encontrava onerado com duas hipotecas de 19 de Agosto de 2009 e uma penhora a favor do mesmo banco, cujos cancelamentos estavam assegurados, transformando os dois créditos anteriores celebrados em Agosto de 2009, num só crédito.

f)            De acordo com o documento complementar anexo à escritura referida na línea anterior, este valor de 301 200,00, serviu para saldar o crédito à habitação própria e permanente que então se cifrava em € 211 169,90, o crédito ao consumo então com o valor de € 87 309,08 e o montante de € 2 720,58 destinado às despesas de formalização deste empréstimo.

g)            Em Julho de 2017 a Requerente divorciou-se e em Novembro do mesmo ano, os ex-cônjuges procederam à venda do imóvel em questão pelo valor de € 430 0000,00 e procederam ao pagamento do empréstimo junto do Banco D... (Portugal).

h)           A Requerente submeteu em 2018-05-28, conjuntamente com F..., NIF..., no estado civil de casada, a declaração de rendimentos modelo 3 acompanhada dos anexos A, B, F, G e H, com a identificação ..., relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2017, tendo optado pela tributação conjunta de rendimentos;

i)             O Anexo G da referida liquidação evidenciava a alienação da fração autónoma designada pela letra "E'', do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia do ..., concelho e distrito de Lisboa, constando, para cada um dos sujeitos passivos (correspondente a 50% dos valores globais), o seguinte: Quadro 4 - Alienação Onerosa de Direitos Reais Sobre Bens Imóveis: Data de realização: novembro de 2017; Valor de realização: € 215 000,00; Data de aquisição junho de 2004; Valor de aquisição: € 106.229,52; Despesas e Encargos: € 21.824,53; Quadro 5 - Reinvestimento do Valor de Realização de Imóvel Destinado a Habitação Própria e Permanente: Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem (campo 505): € 291.113,30; - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito (campo 506): € 57.600,00; Valor de realização reinvestido no ano da declaração apôs a data da alienação (sem recurso ao crédito (campo 5008): € 57.600,00; Identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento:1. Freguesia:...;2. Tipo: U; ... Artigo: ...;4. Fração:..; desta declaração resultou a liquidação nº 2018..., no montante de imposto a pagar de € 6.770,19.

j)             Foi aberto processo de divergências e no âmbito desse processo, conforme resulta do sistema de gestão de divergências, o sujeito passivo foi notificado pelo ofício Gl-..., de 17/12/2018, de que deveria entregar declaração de substituição e remover do quadro 5 do anexo G, em virtude de não preencher os requisitos do nº 6 alínea a) do artigo 10º do CIRS.

k)            A Requerente não foi sensível à notificação e, a ATA promoveu a respetiva liquidação oficiosa, tendo procedido à eliminação dos valores que constavam no Quadro 5 do anexo G com a declaração oficiosa ..., de 22/01/2019;7- De onde resultou a liquidação nº 2019..., no montante de € 23,941,46, de 01/02/2019, sendo € 23.510,36 correspondente a imposto e € 431,10 referente a juros compensatórios, a que corresponde a nota de cobrança nº 2019..., no montante de € 17.171,27 (com a compensação da 1ª liquidação de € 6.770,19) cuja data limite de pagamento voluntário, ocorreu em 18/03/2019;

l)             Posteriormente a Requerente submeteu duas declarações de rendimentos, em 16/04/2019 com a identificação ... e em 24/04/2019 com o n.º ..., com o estado civil de” divorciada de Solteiro, divorciado ou separado judicialmente”, as quais se encontram anuladas no sistema e apresentou a reclamação graciosa contra a liquidação nº 2019..., alegando que no ano de 2017 o seu estado civil já era o de divorciada, juntando para comprovação cópia da ata de conferência de divórcio por mútuo consentimento nº... .

m)          A reclamação graciosa teve deferimento parcial em 13/07/2019, quanto à aceitação da situação do estado civil de divorciada e composição do agregado familiar com os dois dependentes identificados no rosto da declaração, a correção do valor reinvestido de € 57.600,00 para € 53.000,00, e a não aceitação do valor em dívida do empréstimo à data da alienação constante do campo 5005 do anexo G.

n)           A ATA em consequência do deferimento parcial da reclamação graciosa elaborou documento de eliminação n.º ... da declaração vigente no estado do civil de casada (...) e o respetivo documento de correção com o estado civil de divorciada, com a identificação..., para concretização da decisão da reclamação graciosa, procedimento que deu origem à liquidação nula n.º 2019..., e em consequência ao estorno da liquidação n.0 2019 ... no valor de 23.941,46, com as anulações das notas de cobrança dos valores de € 6.770,19 e € 17.171,27, dando origem à liquidação nº 2019..., no montante a pagar de € 11.281,48 cuja data limite de pagamento voluntário, ocorreu em 2019-08-28.

o)           Contra o deferimento parcial da reclamação graciosa a Requerente apresentou recurso hierárquico por não concordar com a desconsideração pela ATA do valor em dívida do empréstimo aquando da alienação do prédio em questão, vindo o recurso a ser indeferido conforme Despacho de 05/12/2019.

p)           Na Resposta a ATA reconhece estar comprovado que parte do montante amortizado junto do D... é respeitante à amortização do empréstimo para aquisição do imóvel só não está é quantificado.

q)           O imposto em causa no montante de € 11.281,48 foi pago em 04 de Novembro de 2019.

Estes são os factos considerados provados pelo Tribunal cuja prova tem por base os documentos juntos aos autos pelas partes, a sua realidade não foi por elas posta em causa e, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que foi por elas alegado, selecionou os factos que entendeu relevantes para a decisão e discrimina a matéria provada da matéria não provada conforme artigo.º 123.º, n.º 2, do CPPT  e artigoº 607.º, n.º 3 do CPC , aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não considerou a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

3 - Matéria de Direito

Tendo em vista as posições das partes e a matéria de facto provada, a questão a dirimir pelo Tribunal, em primeira linha, é decidir se o despacho de indeferimento do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa do recurso hierárquico deduzido contra indeferimento parcial, proferido pelo chefe do ... serviço de finanças de Loures referente à reclamação graciosa nº....2019..., apresentada contra a liquidação de IRS nº 2019..., respeitante ao ano de 2017, no valor de € 11 281,48 são ou não procedimentos que sofrem de ilegalidades e, em caso afirmativo deverão anulados, com todas as consequências legais daí advindas, ou, em caso contrário, deverão ser mantidas na ordem jurídica por não sofrerem de ilegalidade.

A tributação das mais-valias por alienação de direitos reais sobre imóveis, estão, no essencial, reguladas nas normas do CIRS que a seguir se transcrevem:

Artigo 9º Rendimentos da categoria G- nº.1 alínea a)

 1 Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a)            As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte

….

Artigo 10º nº 1 alínea a) c) e d), nº 4, nº5 e nº6

1 -Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

 a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário.

….

3             -O ganho sujeito a IRS é constituído:

a)            Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

5 -São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação

6 -Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

Artigo 43 – Mais-Valias nº1 e 2

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor

….

Artigo 51.ºDespesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem

 

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

b)           As despesas inerentes à aquisição necessárias e efetivamente praticadas, e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º.

A divergência das partes não se encontra verdadeiramente na legislação aplicável mas sim no montante de amortização a considerar referente ao empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, ou seja, a Requerente entende que deverá ser o valor em dívida à data da alienação do imóvel no montante de € 291 113,30 valor que considera interligado à aquisição do imóvel que produziu a mais-valia.

Porém a ATA, não aceita o valor declarado pela Requerente, dado que o mesmo incorpora, para além de crédito para habitação própria e permanente, também um crédito ao consumo, não sendo este aceite para efeitos de amortização, sendo a Requerente que tem o ónus de comprovar os factos alegados e considerados na respetiva declaração, de harmonia com as disposições contidas no nº 1 do artigo 74º da LGT e artigo 128º do CIRS.

Da matéria de facto dada como provada verifica-se que a Requerente e o seu ex-cônjuge em 2015 unificaram os dois créditos que tinham no Banco D... (Portugal) SA num só, no montante de € 301 200,00 que, serviu para saldar o crédito à habitação própria e permanente que então se cifrava em € 211 169,90, o crédito ao consumo então com o valor de € 87 309,08 e o montante de € 2 720,58 destinado às despesas originadas por esta contrato.

A determinação do ganho sujeito a tributação foi feita pela conjugação das normas constantes na alínea a) do n º 4 e alínea a) do nº 5 ambos do artigo 10º do CIRS que não teve em conta, o valor da amortização do empréstimo que a requerente considera interligado à aquisição do imóvel e à realização da mais-valia, como já se disse.

 A ATA reconhece no artigo 36 da resposta, que se transcreve “embora se encontre comprovado que parte do montante amortizado junto do D... é respeitante à amortização do empréstimo para aquisição do imóvel, o mesmo não comprova nem discrimina o montante em dívida e liquidado relativamente a este empréstimo, que deverá corresponder ao montante de € 200.780,00, deduzidas as amortizações decorrentes do pagamento das respetivas prestações”.

Entende o Tribunal que face a esta conclusão da ATA e ao não aceitar o valor da amortização de € 291 113,30, declarado pela Requerente, lhe caberia fazer a correção do valor declarado, justificando o motivo da correção e quantificando, por exemplo, por proporção, o valor que considerava correto e provado.

Na verdade, ao considerar os elementos apresentados pela Requerente, capazes de comprovarem que parte do montante amortizado junto do Banco D... (Portugal) SA respeitava à amortização do empréstimo para aquisição do imóvel, deveria ter retirado as consequências dessa constatação, corrigindo o valor declarado face aos elementos apresentados pela Requerente.

Assim não procedeu, desconsiderando, na decisão do recurso hierárquico e consequentemente na liquidação aqui posta em crise, a prova que aceitou, conformando-se com a manutenção na ordem jurídica de uma liquidação que bem sabe estar incorreta, com a justificação que o ónus da prova cabia à Requerente.

Os meios de prova que a Requerente detinha foram apresentados e com eles fez a declaração com o valor que entendeu correto e levaram a ATA a considerar que comprovam que parte do montante pago respeita à amortização do empréstimo para a aquisição do imóvel para habitação própria.

Face a esta constatação não se pode aceitar que se mantenham na ordem jurídica os atos administrativos, que a própria autora reconhece e bem sabe não corresponderem à realidade tributária que verificou e comprovou.

Pelo exposto o Tribunal entende que os atos administrativos referidos enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163º do CPA .

 

4- Juros indemnizatórios

 

                A Requerente pede ainda a condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto indevidamente pago, até ao reembolso integral da quantia devida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a ATA, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT artigo 43.º, n.º 1 e no CPPT artigo 61.º, n.º 5, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:

 

a)            Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da liquidação de IRS nº 2019..., respeitante ao ano de 2017, no valor de € 11 281,48.

b)           Fixar o valor do processo € 11 281,48 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC, artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT .

c)            Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respetivo montante em € 918,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 03 de dezembro de 2020

 

texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

O árbitro singular,

Arlindo Francisco