Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 238/2020-T
Data da decisão: 2020-10-16  IRS  
Valor do pedido: € 6.610,09
Tema: IRS – Tributação das mais-valias imobiliárias obtidas, em Portugal, por residente em Estado-membro da EU – Princípio da não discriminação.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 6 de Agosto de 2020, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., contribuinte nº..., casado com B..., contribuinte nº..., no regime de comunhão geral de bens, ambos de nacionalidade irlandesa, residentes em ..., ..., ... e com domicílio fiscal em Portugal na sede da sua representante fiscal sita na Rua ..., nº..., ..., em Portimão (adiante designados por “Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 27 de Abril de 2020, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        Os Requerentes, tendo sido notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS nº 2019..., de 2019-07-26, relativa ao ano de 2018, no valor de EUR 13.220,17, pretendem com o pedido de pronúncia arbitral apresentado que o Tribunal Arbitral anule a decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa e, em consequência, determine a “(…) i1egalidade e consequente anulação da liquidação de IRS (…)” acima identificada, bem como determine “a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) no reembolso do valor pago em excesso e no pagamento dos juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago em excesso, dado que a prestação realizada em excesso se ficou a dever a erro imputável aos serviços”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 28 de Abril de 2020 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.        Em 7 de Julho de 2020, dado que os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Em 6 de Agosto de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído (tendo em conta a suspensão de prazos determinada pelo artigo 7º, nº 1, da Lei nº 1-A/2929, de 19 de Março) , tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.        A Requerida apresentou Resposta, em 25 de Agosto de 2020 (notificada a 2 de Setembro de 2020), na qual se defendeu por impugnação, concluindo que “(…) deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, a Requerida absolvida dos pedidos e a liquidação impugnada mantida na ordem jurídica”.

 

1.9.        Adicionalmente, na mesma data, anexou a Requerida aos autos cópia do processo administrativo.

 

1.10.      Por despacho arbitral de 3 de Setembro de 2020 foi decidido, em síntese, pelo Tribunal Arbitral, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º do RJAT, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado nos artigos 19º e 29º, nº 2 do RJAT:

 

I.             Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

II.            Em consequência, determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do referido despacho;

III.          Designar o dia 8 de Outubro de 2020 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.11.      Por último, o Tribunal advertiu os Requerentes que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.12.      As Partes não apresentaram alegações escritas no prazo concedido para o fazerem.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        Os Requerentes começam por referir que “em Julho de 2019, (…) foram notificados da Demonstração de Liquidação de IRS nº 2019..., de 2019-07-26, relativa ao ano de 2018, no valor de € 13.220,17, com data limite de pagamento em 6 de Setembro de 2019 (…)” tendo os Requerentes pago “em 30 de Agosto de 2019, (…) na integra o valor de € 13.220,17, que correspondia ao valor a pagar constante da liquidação contestada (…)”.

 

2.2.        Acrescentam os Requerentes que “na sequência de tal notificação e pagamento, (…) apresentaram, em 3 de Janeiro de 2020 (…) reclamação graciosa contra o ato de liquidação (…) visando a sua declaração de ilegalidade e anulação parcial, a devolução do imposto pago em excesso e o pagamento de juros indemnizatórios (…)”, tendo sido notificados “em 28 de Janeiro de 2020, (…) da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada (…)”.

 

2.3.        Ora, os Requerentes, não se conformando com o indeferimento da reclamação graciosa apresentada, alegam que:

 

2.3.1.     “(…) são residentes na Irlanda e estão registados no cadastro fiscal como não residentes em Portugal, tendo por isso representante fiscal em Portugal (…)”;

2.3.2.     “No ano de 2018, os Requerentes obtiveram rendimentos provenientes de mais­ valias (categoria G) resultantes da alienação onerosa de um imóvel, destinado a habitação” (que identificam no pedido), tendo procedido “no cumprimento das suas obrigações declarativas (…), no dia 28 de Junho de 2019, à submissão da declaração individual de rendimentos Modelo 3 do IRS (…)”;

2.3.3.     “na liquidação de IRS contestada, a AT considerou a totalidade dessa mais-valia na determinação do rendimento colectável para efeitos de aplicação da taxa de 28% dos não-residentes”, posição com a qual os Requerentes não concorram.

 

2.4.        Com efeito, referem os Requerentes que “a mais-valia realizada (…) na venda do (…) imóvel corresponde à diferença entre o (…) valor de realização e o de aquisição acrescido das despesas e encargos com o imóvel”, ascendendo a mesma ao (…) valor de € 47.214,92 (…)”.

 

2.5.        Segundo os Requerentes, “à data dos factos (…)”, “(…) o saldo (…) respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), e), d) do nº 1 do artigo 10°, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor (…)” mas, “na liquidação contestada, a AT não considerou apenas 50% do valor do saldo positivo”, “provavelmente porque interpretou o (…) nº 2 como aplicando-se apenas a residentes em Portugal, entendendo que, em relação a cidadãos residentes no estrangeiro, inclusivamente num Estado-Membro da União Europeia, deve ser considerado, para efeito daquela tributação, 100% do saldo referido”.

 

2.6.        Porém, argumentam os Requerentes que o entendimento da Requerida “(…) consubstancia-se num tratamento diferenciado dos cidadãos da União Europeia residentes e não residentes em Portugal (…)” citando para o efeito jurisprudência do TJUE.

 

2.7.        Segundo os Requerentes, a Requerida defende que “o regime inicial do artigo 72.° do CIRS foi considerado incompatível com o Direito da União Europeia pelo (…) (acórdão Hollmann)” mas, “com a Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, os n.os 9 e 10 do artigo 72º do Código do IRS passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não APENAS para os residentes em Portugal, mas TAMBÉM para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu” (maiúsculas dos Requerentes).

 

2.8.        E, prosseguem os Requerentes, referindo que “(…) mesmo posteriormente à alteração legislativa introduzida (…) TODA A JURISPRUDÊNCIA NACIONAL (…) é UNANIME em considerar que o regime de tributação à taxa liberatória previsto no artigo 72º do CIRS, na redacção vigente em 2018, é incompatível (…) com o referido artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia” (maiúsculas dos Requerentes).    

 

2.9.        Em consequência, entendem os Requerentes que “(…) a existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes - o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção com inclusão de rendimentos obtidos no estrangeiro e sujeição às taxas progressivas do art. 68° do CIRS - não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS contestada”.

 

2.10.      Reiteram, assim, os Requerentes que “(…) na sua declaração modelo 3, limitaram-se a indicar que pretendiam ser tributados pelo regime geral dos não residentes” pelo que entendem que “(…) a liquidação contestada afigura-se ilegal, por incompatibilidade do nº 2 do artigo 43.° do CIRS com o artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em  que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal (…)”, peticionando “(…) a sua consequente anulação (…)”.

 

2.11.      Assim, entendem os Requerentes que deve “(…) ser julgado procedente o pedido, anulando-se a liquidação de IRS contestada, o mesmo sucedendo com a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa” e deve ser restituída “(…) a quantia paga indevidamente, em excesso, (…), relativamente ao ato tributário anulado parcialmente (…)”.

 

2.12.      Por último, alegam os Requerentes que dado que “no caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do ato de liquidação (e da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa), (…), é imputável à AT, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal”, têm “(…) ainda, direito a juros indemnizatórios (…)”, os quais serão “(…) devidos (…) e calculados com base no respectivo valor do excesso de imposto liquidado e pago, até a sua integral devolução (…)”, só assim se restabelecendo “(…) a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida, na Resposta apresentada, veio defender-se por impugnação, referindo desde logo, face à jurisprudência do TJUE citada pelos Requerentes, que “(…) o quadro normativo atual e aplicável à situação objeto dos autos é distinto, como, aliás, bem ilustra a decisão proferida pelo CAAD no P. 539/2018- T (…)”.

 

3.2.        Com efeito, segundo a Requerida, “o n.º 8, atual n.º 10, do [artigo 72º do CIRS], (…) prescrevia, à data dos factos, que para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes” sendo que, “por força dessa alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS”.

 

3.3.        Ora, para a Requerida, “compulsada a declaração de IRS entregue pelos Requerentes, como casados optando pela tributação conjunta, verifica-se que no Quadro 8 do Rosto da Mod. 3 do IRS, foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes)”, “pelo que nunca o alegado pelos Requerentes podia obter provimento (…)”.

 

3.4.        Neste âmbito, entende a Requerida que, “(…) para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68.º, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro, opção que os Requerentes, por seu livre arbítrio, não assinalaram, logo não podem, presentemente vir referir que (…) na sua declaração modelo 3, limitaram-se a indicar que pretendiam ser tributados pelo regime geral dos não residentes, uma vez que o preenchimento da declaração de rendimentos obriga a uma manifestação de vontade expressa, e os Requerentes manifestaram a vontade de ser tributados em 2018 em Tributação pelo regime geral”.

 

3.5.        E, conclui a Requerida, “não o tendo feito, como evidencia a Mod. 3 e decorre do próprio articulado dos Requerentes, não pode agora vir agora imputar tal responsabilidade à Requerida”.

 

3.6.        Adicionalmente, refere a Requerida que, “ainda que assim não fosse (…), a norma estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º, e cuja aplicação os Requerentes defendem, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem como epígrafe Determinação do rendimento coletável", “ou seja, estamos perante a determinação do rendimento” pelo que, “para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS”.

3.7.        Assim, “(…) conclui a Requerida, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise”, “e não é defensável que o quadro normativo atual, resultante da alteração legislativa ocorrida em 2007 para vigorar a partir de 2008, continua a violar o artigo 63.º do TFUE”.

 

3.8.        Nestes termos, conclui a Requerida que “pugnar por um entendimento diverso do supra consubstanciaria uma discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade, e totalmente inaceitável à luz do direito nacional e comunitário” pelo que entende que deverá improceder o pedido arbitral apresentado, “(…) bem como o pedido de condenação em juros indemnizatórios”, “absolvendo-se a Requerida dos pedidos”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.2.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.3.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando devidamente representadas.

 

4.4.        Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        Os Requerentes são residentes fiscais na Irlanda (desde 10-08-2007) e estavam registados, em 2018, como não residentes fiscais em Portugal, tendo aí nomeado representante fiscal.

 

5.4.        No dia 13 de Março de 2018, os Requerentes alienaram, em Portugal, pelo valor de

EUR 170.000,00, fração autónoma destinada a habitação, em regime de propriedade horizontal, designada pela letra “M”, correspondente ao apartamento nº ... integrado no prédio urbano denominado “Lote...”, localizado no ..., ..., freguesia da ..., concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... da referida freguesia (em conformidade com doc. nº 5 anexado pelos Requerentes).

 

5.5.        A fração autónoma identificada no ponto anterior havia sido adquirida, pelos Requerentes, em 15 de Abril de 2003, pelo valor de EUR 90.000,00 (em conformidade com doc. nº 5 anexado pelos Requerentes).

 

5.6.        Com o imóvel identificado no ponto 5.4., supra, os Requerentes incorreram em despesas no montante total de EUR 12.085,08, como a seguir se detalha:

 

DESPESA             MONTANTE (EUR)           DOC.

SISA (aquisição do imóvel)           1.808,08               7

Escritura de aquisição do imóvel              929,00   8

Comissão da imobiliária por serviços de intermediação 9.348,00               9 e 10

TOTAL   12.085,08            

 

5.7.        No cumprimento das suas obrigações declarativas, os Requerentes entregaram em 28 de Junho de 2019, a respectiva declaração individual de rendimentos Modelo 3 do IRS (...), tendo declarado no Quadro 4 do Anexo G àquela declaração, os montantes relativos aos valores de realização e de aquisição referidos nos pontos 5.4. e 5.5., supra, imputados a cada um dos Requerentes na proporção de cada quota-parte (em conformidade com doc. nº 4 anexado pelos Requerentes).

 

5.8.        Na folha de rosto da declaração de rendimentos referido no ponto anterior, os Requerentes identificaram-se como sujeitos passivos casados (Quadro 4, campo 01) e não residentes (Quadro 8, B, campo 04), tendo assinalado no campo 05 do mesmo quadro o NIF do representante e assinalado no campo 01 do Quadro 5A o “Sim” relativo à tributação conjunta dos rendimentos (em conformidade com doc. nº 4 anexado pelos Requerentes).

 

5.9.        Na cópia da declaração modelo 3 de IRS apresentada pelos Requerentes não foi assinalado o campo 06 do Quadro 8B no que diz respeito a “Residência em país da EU ou EEE”, nem foi assinalada qualquer indicação quanto ao facto de “Se residir na União Europeia ou no Espaço Económico Europeu indique se pretende a tributação pelo regime geral (campo 07) ou opta por um dos regimes abaixo indicados (campo 08)” de “Opção pelas taxas gerais do art.º 68º. do CIRS – Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – artº. 72º, nº 9, do CIRS” (campo 09) ou de “Opção pelas regras dos residentes – art.º 17º-A do CIRS” (campo 10), não tendo sido assinalado qualquer montante no campo 11 (“Total dos rendimentos obtidos no estrangeiro”), em conformidade com doc. nº 4 anexado pelos Requerentes.

 

5.10.      Após a submissão pelos Requerentes da declaração de rendimentos identificada no ponto 5.7., supra, foi criada pela Requerida a divergência nº..., datada de 27-07-2019, para comprovar os valores indicados no anexo G, os quais foram oportunamente comprovados pela exibição de documentos, tendo o procedimento sido declarado “Findo sem correcções” em 16-09-2019 (em conformidade com doc. nº 2 anexado pelos Requerentes e documentação constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.11.      Na cópia da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS incluída no processo administrativo, no Quadro 8B foi assinalado o campo 07 (“Pretende a tributação pelo regime geral”), em conformidade com a documentação constante do processo administrativo anexado pela Requerida.

 

5.12.      Os Requerentes foram notificados da Demonstração de Liquidação de IRS nº 2019..., de 2019-07-26, relativa ao ano de 2018, na qual se apurou um montante de imposto a pagar de EUR 13.220,17 (em conformidade com doc. nº 1 anexado pelos Requerentes).

 

5.13.      Para efeitos de cálculo do IRS a pagar, a Requerida apurou uma mais valia de

EUR 47.214,92 decorrente da alienação da fração autónoma identificada ponto 5.4., supra, e considerou a totalidade da mesma para efeitos de aplicação da taxa de IRS de 28% prevista para sujeitos passivos não-residentes (em conformidade com doc. nº 1 anexado pelos Requerentes).

 

5.14.      A data limite para pagamento do imposto liquidado era 6 de Setembro de 2019, tendo os Requerentes pago integralmente o montante de IRS apurado, nos termos do ponto anterior, em 30 de Agosto de 2019 (em conformidade com doc. nº 1 anexado pelos Requerentes).

 

5.15.      Os Requerentes não concordam com a posição assumida pela Requerida, porquanto entendem que a taxa de IRS aplicável à mais-valia obtida deveria incidir sobre 50% do rendimento apurado (EUR 47.214,92), ou seja, a mais-valia que deveria ter sido considerada para efeitos de incidência da taxa de IRS, deveria ter sido EUR 23.607,46.

 

5.16.      Assim, os Requerentes entendem que o montante de IRS liquidado deveria ter ascendido a EUR 6.610,09 e não a EUR 13.220,17, como consta da nota de liquidação identificada no ponto 5.12., supra.

 

5.17.      Os Requerentes apresentaram, em 3 de Janeiro de 2020, reclamação graciosa (processo nº ...2020...) contra o acto de liquidação identificado no ponto 5.12., supra, nos termos da qual peticionaram a anulação parcial daquele acto de liquidação, bem como a devolução do imposto pago em excesso e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

5.18.      Os Requerentes foram notificados, em 28 de Janeiro de 2020, através do Ofício nº ... da Direção de Finanças de Faro, datado de 27 de Janeiro de 2020, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Faro, ao abrigo de Delegação de competências.

 

5.19.      A decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseou-se no seguinte parecer produzido por técnico da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro - ... (doc. nº 2 anexado pelos Requerentes):

 

5.20.      Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada foi dispensado o direito de audição com fundamento no disposto no nº 3 da Circular 13/99, de 08/07.

 

5.21.      Os Requerentes apresentaram em 27 de Abril de 2020 pedido de pronúncia arbitral peticionando que o Tribunal Arbitral anule a decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa e, em consequência, determine a “(…) i1egalidade e consequente anulação da liquidação de IRS (…)” acima identificada, bem como determine “a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) no reembolso do valor pago em excesso e no pagamento dos juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago em excesso, dado que a prestação realizada em excesso se ficou a dever a erro imputável aos serviços”.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.22.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo o processo administrativo.

 

Dos factos não provados

 

5.23.      Não ficou claro para o Tribunal Arbitral se a discrepância no preenchimento do campo 07 do quadro 8B da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, verificada entre a cópia apresentada pelos Requerentes (doc. nº 4) e a cópia apresentada pela Requerida (incluída no processo administrativo) se ficou ou não a dever a alguma alteração que adveio do processo de divergência nº..., acima referido no ponto 5.10., ainda que na documentação a que a este respeita seja referido “Findo sem correcções”.

 

5.24.      Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

6.2.        Nos autos, o pedido formulado pelos Requerentes é no sentido de o Tribunal Arbitral anular a decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa e, em consequência, determinar a “(…) i1egalidade e consequente anulação da liquidação de IRS (…)” identificada nos autos, bem como determinar “a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) no reembolso do valor pago em excesso e no pagamento dos juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago em excesso, dado que a prestação realizada em excesso se ficou a dever a erro imputável aos serviços”.

 

6.3.        No processo, a questão a decidir diz assim respeito a aferir se o regime de tributação incidente sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português (mas residentes em território de outro Estado-membro da UE - no caso, na Irlanda), interpretando e aplicando o preceituado no nº 2 do artigo 43º do Código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal, está ou não em desconformidade com o direito comunitário, em particular, com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63º do TFUE, constituindo uma situação de descriminação entre residentes em Portugal e residentes em outro Estado-membro da UE.

 

6.4.        Com efeito, a questão coloca-se, naturalmente, para os não residentes em Portugal que residam noutro Estado-membro da EU e que, por força da proibição de discriminação, quer da proibição genérica (tal como resulta do disposto no artigo 18º do Tratado), quer da proibição de qualquer restrição (direta ou indireta) à liberdade de circulação de capitais, não lhes deva ser aplicado um regime de tributação menos favorável quando comparado com o que é aplicável aos residentes em Portugal.

 

6.5.        No caso em apreciação nos presentes autos, ficou provado que, no ano 2018, os Requerentes foram considerados como sendo não residentes em Portugal, em conformidade com o que foi indicado pelos Requerentes no campo 04 do Quadro 8B da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS/2018.

 

6.6.        Já no que diz respeito à tributação dos rendimentos de mais-valias obtidos em território nacional, em 2018, a Requerida considerou para aquele efeito a totalidade da mais-valia realizada com a alienação, pelos Requerentes, do imóvel identificado nos autos, sujeitando-a à taxa de 28%, alegando estes que lhes foi declinada a aplicação do regime preceituado no nº 2, do artigo 43º do Código do IRS, segundo o qual “o saldo (…) respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”.

6.7.        Ou seja, no caso em análise, alegam os Requerentes que “na liquidação contestada, a AT não considerou apenas 50% do valor do saldo positivo obtido”, “provavelmente porque interpretou o (…) nº 2 (…)”do artigo 43º do Código do IRS “(…) como aplicando-se apenas a residentes em Portugal, entendendo (…) que, em relação a cidadãos residentes no estrangeiro, inclusivamente num Estado-Membro da União Europeia, deve ser considerado, para efeitos daquela tributação, 100% do saldo referido”.

 

6.8.        Contudo, defendem os Requerente que aquele “(…) entendimento consubstancia-se num tratamento diferenciado dos cidadãos da União Europeia residentes e não residentes em Portugal, como veio a ser determinado por Acórdão do TJUE de 11-10-2007, processo nº C-443-06, em que se entendeu que o artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional (…) que sujeita as mais-valias da alienação de um bem imóvel situado noutro Estado-Membro (…), quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse imóvel”.

 

6.9.        Neste enquadramento, concluem os Requerentes que “(…) o regime de tributação à taxa liberatória previsto no artigo 72º. do CIRS, na redacção vigente em 2018, é incompatível (…) com o referido artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia” porquanto a existência de um regime opcional, “(…) para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes (…) não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS contestada”

 

6.10.      Por seu turno, neste âmbito, entende a Requerida que não assiste razão aos Requerentes porquanto defende que, por força das alterações introduzidas pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, nos nº 7 e 8 do artigo 72º do IRS (actuais 9 e 10 do mesmo artigo), “(…) as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS”, pelo que “compulsada a declaração de IRS entregue pelos Requerentes, como casados optando pela tributação conjunta, verifica-se que no Quadro 8 do Rosto da Mod. 3 do IRS, foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes)”, “pelo que nunca o alegado pelos Requerentes podia obter provimento (…)”.

 

6.11.      Deste modo, reitera a Requerida que “o n.º 8, atual n.º 10, do artigo 72.º do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro)”, sendo que “(…) para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68.º, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro, opção que os Requerentes, por seu livre arbítrio, não assinalaram (…)”.

 

6.12.      Assim, reitera a Requerida que “(…) não podem (…) vir referir que (…) na sua declaração modelo 3, limitaram-se a indicar que pretendiam ser tributados pelo regime geral dos não residentes, uma vez que o preenchimento da declaração de rendimentos obriga a uma manifestação de vontade expressa (…)”.

 

6.13.      E, acrescenta a Requerida, “não o tendo feito, como evidencia a Mod. 3 e decorre do próprio articulado dos Requerentes, não pode agora vir agora imputar tal responsabilidade à Requerida”.

 

6.14.      Contudo, para a Requerida, “ainda que assim não fosse (…), a norma estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º, e cuja aplicação os Requerentes defendem, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem como epígrafe Determinação do rendimento coletável”, “ou seja, estamos perante a determinação do rendimento” pelo que “para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS”, concluindo a Requerida que “(…) o disposto no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise”.

 

6.15.      Aqui chegados, importará aferir se, com a alteração introduzida pela Lei nº 67-A/2007 de 31 de Dezembro, em sede do regime previsto no artigo 72º do Código do IRS, estará ou não dirimida a alegada incompatibilidade do que aí se dispõe com o Direito da União Europeia e, em consequência, aferir se está ou não afastado o alegado tratamento discriminatório entre o regime tributário aplicável aos sujeitos passivos residentes e aos sujeitos passivos não residentes, em Portugal, quando estes últimos sejam residentes em algum Estado-membro da UE ou do EEE e realizem mais-valias imobiliárias em território nacional.

 

Do regime de tributação das mais-valias no Código do IRS

 

6.16.      Preliminarmente, torna-se necessário analisar o regime fiscal previsto no Código do IRS, na redação à data a que se reporta a liquidação de imposto objecto do pedido (2018), no que diz respeito à tributação das mais-valias imobiliárias, obtidas em Portugal, por sujeitos passivos não residentes em Portugal e residentes noutro Estado-Membro da UE (no caso, Irlanda).

 

6.17.      Para o efeito, será seguido de muito perto, nesta decisão, o teor da Decisão Arbitral proferida em 6 de Março de 2020, no âmbito do processo nº 654/2020-T, também prolatada pela signatária.

 

6.18.      Em termos gerais, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” sendo que, nos termos do nº 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição (que é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária), acrescido dos encargos e despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel (artigos 50º e 51º do Código do IRS).

 

6.19.      No que respeita à tributação de não residentes em território português, o artigo 13º, nº 1 do Código do IRS dispõe que “ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”, acrescentando o artigo 15º, nº 2 do mesmo diploma legal que, quanto aos sujeitos passivos não residentes, aquele imposto “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.

 

6.20.      De acordo com o disposto no artigo 18º, nº 1, alínea h) do Código do IRS, as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis nele situados constituem rendimentos obtidos em território português.

 

6.21.      Para efeitos de tributação, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43º, nº 1, do Código do IRS) mas, no caso de transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 10º, efectuadas por sujeitos passivos residentes, o saldo positivo ou negativo é apenas considerado em 50 % do seu valor (cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS).

 

6.22.      No que diz respeito aos sujeitos passivos residentes, sobre o valor de rendimento apurado nos termos do ponto anterior, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do Código do IRS sendo que, relativamente aos sujeitos passivos não residentes em território português, o artigo 72º, nº 1, alínea a), do Código do IRS prevê a aplicação, à totalidade das mais-valias apuradas, de uma taxa especial de 28%.

 

6.23.      Não obstante, os residentes noutro Estado-membro da UE ou do EEE (desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal), podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 72º do Código do IRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º daquele Código seria aplicável no caso de tais rendimentos serem auferidos por residentes em território português, em conformidade com o estatuído no nº 9 do artigo 72º do Código do IRS (na redacção dada pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, em vigor no ano a que respeitam os rendimentos subjacentes à liquidação de IRS em crise, ou seja, em 2018).

 

6.24.      Adicionalmente, de harmonia com o nº 10 do referido artigo 72º do Código do IRS, “para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

 

O artigo 63º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e a jurisprudência do TJUE

 

6.25.      Apresentado o regime fiscal nacional vigente em 2018, analisemos o invocado artigo 63º do TFUE, a jurisprudência do TJUE a ele associada e a compatibilidade entre o regime previsto no normativo nacional e o comunitário.

 

6.26.      O artigo 63º do TFUE estabelece que “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” (sublinhado nosso).

 

6.27.      Com efeito, o princípio da não discriminação, previsto no Tratado, é um princípio fundamental na construção da UE, imperativo desde a constituição do projeto europeu, e deve ser lido como imposição de tratamento igual entre cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade ou residência sendo que o mesmo está, aliás, bem sedimentado na jurisprudência do Tribunal de Justiça que, ao longo das últimas décadas, o vem afirmando com clareza e determinação, bem como na jurisprudência, quer do STA (que tem vindo a ser firme nas decisões proferidas nesta matéria), quer na generalidade da jurisprudência arbitral já proferida nesta matéria.

 

6.28.      Neste âmbito, o TJUE veio considerar incompatível com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63º do TFUE (anterior artigo 56º), o regime previsto no artigo 72º, nº 1, do Código do IRS (na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro), ao tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2018, de 28 %), enquanto os residentes estavam sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento, incidindo a respectiva taxa sobre 50% do rendimento.

 

6.29.      No referido Acórdão Hollmann entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais um regime que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro (no caso, em Portugal), quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado-membro onde está situado esse bem imóvel.

 

6.30.      A este propósito (e como citado na Decisão Arbitral nº 520/2017-T, de 4 de Junho de 2018), em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 16-01-2008 (proferido no âmbito do processo nº 0439/06), veio igualmente a decidir-se pela incompatibilidade da aplicação do nº 2, do artigo 43º do Código do IRS e, consequentemente, pela violação do preceituado no [então] artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (actual artigo 63º do TFUE), em obediência ao primado do direito comunitário estipulado no nosso ordenamento jurídico [no artigo 8º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP)], ao referir que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (sublinhado nosso).

 

6.31.      Neste âmbito, e conforme se escreve na Decisão Arbitral nº 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, “(…) apesar de só os Estados Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado (…) que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente (…) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE) (…). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades (…, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (…). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais” (sublinhado nosso).

 

6.32.      E, prossegue a mesma decisão referindo que “os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n. os 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar” (sublinhado nosso).

 

6.33.      “Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa” (sublinhado nosso).

 

6.34.      Neste mesmo sentido se pronunciaram diversas decisões arbitrais, nomeadamente a prolatada no âmbito do processo nº 45/2012-T, de 05-07-2012, nos termos da qual, seguindo a doutrina emanada pelo TJUE, refere que “na jurisprudência Hollmann, o TJUE conclui que a norma nacional vertente [n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS] viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros. Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais: (a) Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais; (b) No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos; (c) Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%; (d) Este regime torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado; (e) A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objectivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25%, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento colectável do residente, não existindo, objectivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos” (sublinhado nosso).

 

6.35.      Assim, conclui aquela decisão que “(…) deparamo-nos (…) com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia” (sublinhado nosso).

 

6.36.      Ora, na sequência da prolação do citado Acórdão Hollman, e com o alegado propósito de afastar a incompatibilidade da norma interna com o direito comunitário, veio o legislador nacional estabelecer um regime opcional de equiparação dos não residentes com os residentes, desde que aqueles sejam residentes noutro Estado-membro da UE ou do EEE.

 

6.37.      Para efeitos do exposto no ponto anterior, a Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008), aditou um nº 7 e um nº 8 ao artigo 72º do Código do IRS (actualmente, nº 9 e nº 10) que, na redacção ao tempo dos factos em análise (2018), previam, respectivamente, que:

 

- “Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português” (sublinhado nosso);

- “Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

 

6.38.      Ora, como vimos, os Requerentes entendem que a existência do regime exposto no ponto anterior não afasta a invalidade do regime discriminatório que foi aplicado à liquidação de IRS do ano 2018 (ora impugnada) porquanto, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território (mas residentes noutro Estado membro da UE ou do EEE), resulta que (de acordo com o disposto no nº 1 e nº 8 do artigo 72º do Código do IRS) coexistem para os sujeitos passivos não residentes em Portugal dois regimes fiscais, (i) um nos termos do qual aqueles rendimentos são sujeitos a uma taxa especial de 28% e (ii) um outro regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43º do Código do IRS.

 

6.39.      Esta questão, quanto à aplicação aos sujeitos passivos não residentes do regime fiscal equiparado ao dos sujeitos passivos residentes em Portugal, já foi objecto de tratamento por este Tribunal Arbitral, no âmbito de diversas decisões arbitrais, nomeadamente, a proferida no âmbito do acima já citado processo nº 45/2012-T, de 05-07-2012, nos termos da qual se refere que “para além de (…) a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa. Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Salienta aquele órgão jurisdicional que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. (…). Conclui o TJUE que o Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes” (sublinhado nosso).

 

6.40.      Com efeito, e de acordo com o referido na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 127/2012-T, de 14-05-2013, “a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia (…) entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes”, concluindo que, “ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário” (sublinhado nosso).

 

6.41.      Na verdade, o entendimento referido no ponto anterior é, desde 2011, sufragado pelo STA, como se extrai da jurisprudência emanada do Acórdão de 22-03-2011 (proferida no processo nº 1031/10), nos termos do qual se anulou um acto de liquidação emitido pela Requerida que, “perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS) à taxa prevista para os não residentes (…) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (…), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do TFUE) sujeitando, deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário”.

 

6.42.      Mais recentemente, no âmbito do Acórdão do STA de 20-02-2019 (proferido no processo 0901/11.0BEALM 0692/17), foi também decidida questão em tudo idêntica à dos autos (naquele caso, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, ou seja, já na vigência da redação dada pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro), tendo aquele Tribunal decidido no sentido que “tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE. (…) em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (…)” (sublinhado nosso).

 

6.43.      Ou seja, conclui aquele Tribunal que se aplica aos não residentes, [mesmo] não sendo feita a opção prevista no nº 9 do artigo 72º do Código do IRS, as regras de tributação aplicáveis aos residentes em Portugal, concluindo pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43º, nº 2, com o artigo 72º do Código do IRS.

 

6.44.      Ora, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, em particular, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (artigo 8, nº 3 do Código Civil) sendo que, neste enquadramento, não oferece dúvidas que o disposto no nº 2, do artigo 43º do Código do IRS constitui, objectivamente, uma discriminação de tratamento entre sujeitos passivos residentes e sujeitos passivos não residentes (desde que residentes num Estado-membro da UE ou EEE).

 

6.45.      Nestes termos, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, é seguro afirmar que o regime de tributação previsto no artigo 72º do Código do IRS (na redacção vigente à data da liquidação em crise, ou seja, em 2018), é incompatível com o disposto no artigo 63º do TFUE, ao não afastar a questão da discriminação de tratamento entre sujeitos passivos residentes e sujeitos passivos não residentes, constituindo uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

 

6.46.      Ora, tendo sido este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado na liquidação de IRS aqui impugnada e, não obstante o mesmo poder ser afastado pelos sujeitos passivos não residentes, através de opção, tal possibilidade não afasta, como acima foi referido, a discriminação negativa de que são objecto os contribuintes não residentes (no caso, os Requerentes) porquanto é imposta ao sujeito passivo não residente uma obrigação (de opção de regime de tributação) que não é extensiva aos sujeitos passivos residentes.

 

6.47.      Assim, face ao acima exposto, não assiste razão à Requerida quando refere que pugnar por um entendimento diverso do por si adoptado (na liquidação de IRS em crise) “(…) consubstanciaria uma discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade, e totalmente inaceitável à luz do direito nacional e comunitário”.  

 

6.48.      Assim, sendo afirmativa a resposta a dar à questão decidenda enunciada no artigo 6.3., supra, de que o regime de tributação incidente sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português (mas residentes em território de outro Estado-membro da EU), interpretando e aplicando assim o preceituado no nº 2 do artigo 43º do Código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal, está em desconformidade com o direito comunitário, em particular, com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63º do TFUE, constituindo uma situação de descriminação entre residentes em Portugal e residentes em outro Estado-membro da EU, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado pelos Requerentes:

 

6.48.1.  Quanto à ilegalidade do acto tributário de liquidação de IRS, do ano de 2018, devendo o mesmo ser parcialmente anulado, com a devolução aos Requerentes do excesso de IRS por eles pago;

6.48.2.  Quanto á ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada contra a referida liquidação, devendo o mesmo ser anulado.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.49.      De acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário porquanto, como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, (…), a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).  

 

6.50.      Assim, nos processos arbitrais tributários haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 da Lei Geral Tributária (LGT), “(…) quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.  

 

6.51.      Adicionalmente, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT, de que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de (…) processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).

 

6.52.      Nestes termos, no caso em análise, tendo em consideração as conclusões acima apresentadas no ponto 6.48., entende este Tribunal Arbitral que são devidos juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago em excesso pelos Requerentes

(EUR 6.610,09), a incidir e calcular nos termos legalmente previstos.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.53.      De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.54.      Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa sendo que, o nº 2 daquele artigo, concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.55.      Ora, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, condenando-se a Requerida a restituir aos Requerentes o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, a calcular nos termos legais, bem como a anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS objecto deste pedido;

7.1.2.     Em consequência, condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 6.610,09.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de Outubro de 2020

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira