Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 796/2019-T
Data da decisão: 2020-07-24  IRS  
Valor do pedido: € 607,34
Tema: IRS de 2018 – Anexo H do Modelo 3 do IRS. Dedução de encargos com imóveis; Artigo 78.º n.º 1 a) do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 26 de Novembro de 2019 o Requerente, A..., NF..., residente na Rua ..., n.º ... ...-... Porto, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo por objecto “a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019... relativa ao exercício de 2018”

b)           Conclui pedindo: (1) “a anulação parcial liquidação de IRS n.º 2019... relativa ao exercício de 2018 na parte em que desconsiderou a dedução à coleta da despesa declarada ... no campo 6C do Anexo H da declaração de rendimentos n.º 2018-...-...; (2) a condenação da Administração Tributária a restituir ... a quantia de €607,34 correspondente ao valor de imposto por ele pago em excesso ao abrigo e por causa da liquidação impugnada; (3) a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia referida ... desde 31-08-2019 e até à data em que tenha lugar a integral e efetiva restituição; (4) a condenação da Administração Tributária no pagamento das custas”.

 

c)            É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 27-11-2019.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 20.01.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 09 de Fevereiro de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, o Requerente alega a seguinte factualidade:

i               Em 11-4-2019, na qualidade de titular único, apresentou à AT, por via eletrónica através do Portal das Finanças, a sua declaração de rendimentos, Modelo 3, referente ao exercício de 2018, tendo no campo 6C do Anexo H da referida declaração de rendimentos declarado, para poder beneficiar da dedução à coleta prevista no artigo 78.º-E, n.º 1, alínea a), do CIRS, código da despesa/encargo 654 (encargos de rendas com imóveis destinados a habitação permanente), titular A, montante de  €6.662,54, relativamente a rendas pagas em 2018, quanto à fracção 1H do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, freguesia ... – artigo ..., sendo locadora a sociedade NIPC...;

ii              A AT não aceitou tal declaração e abriu um procedimento de divergências, no âmbito do qual acabou por notificar o Requerente de um projecto de decisão em que invocava dois motivos: (1) por um lado que a fração 1H se encontraria descrita na matriz predial como destinada a arrecadação e arrumos; (2) por outro lado que o domicílio fiscal do impugnante se localiza na freguesia de ...;

iii             O Requerente exerceu o direito de audição prévia, juntando prova testemunhal, requerendo declarações de parte do Requerente, arrolando 5 testemunhas e requerendo inspecção ocular ao local. O que a AT não atendeu, tendo promovido a liquidação oficiosa, que consistiu em não aceitar a despesa atrás referida, resultando a liquidação aqui impugnada parcialmente com uma coleta líquida de €6.091,37, o que, após a compensação com as retenções na fonte efetuadas durante o exercício de 2018, dá um montante a reembolsar no valor €4.003,63, verificando-se uma diferença, em prejuízo do Requerente, no valor de € 607,34.

 

h)           O Requerente considera que o acto impugnado padece das seguintes desconformidades com a lei:

 

iv            ILEGALIDADE DECORRENTE DE VÍCIO DE INCOMPETÊNCIA QUE AFETA O ATO DE ALTERAÇÃO DOS RENDIMENTOS DO IMPUGNANTE – porque o autor do acto, o Chefe do SF, não tinha competência própria ou delegada do Director de Finanças do Porto para o praticar nos termos do artigo 65º do CIRS, gerando a sua anulabilidade;

v             ILEGALIDADE DECORRENTE DE VÍCIO DE FORMA POR VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL – porque “... no exercício do direito de participação procedimental, o impugnante requereu a realização de um conjunto de diligências probatórias (prova testemunhal, prova  por declarações de parte, prova por inspeção ao local) destinadas a demonstrar que a sua habitação permanente se localizava efetivamente na fração por si declarada e não no endereço em que se encontra registado o seu domicílio fiscal”, mas “a AT porém não se pronunciou acerca das diligências de prova requeridas”, “não as deferiu, nem as indeferiu”, tendo-se limitado “... a concluir ... que: o sujeito passivo no exercício do direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária não comprovou tratar-se de habitação permanente, nem procedeu à substituição da declaração de rendimentos, Modelo 3”;

vi            Concluindo que “... nenhuma das diligências probatórias requeridas foi realizada pela administração tributária”. “Foi assim violado o direito de participação procedimental” como se conclui no Acórdão do TCAS 18-4-2018 – Processo 06559/13.

 

vii           ILEGALIDADE DECORRENTE DE VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – porque não só da liquidação impugnada não consta qualquer fundamentação que permita, com efeito, compreender a qualificação e a quantificação dos factos tributários, as disposições legais aplicáveis ou as operações seguidas que levaram à determinação da base tributável e do quantitativo de tributo liquidado,  como nela não se remete para a fundamentação constante de qualquer parecer, informação ou proposta que tenha sido proferida no respetivo procedimento e que conste do processo administrativo.

viii          Sendo que a pretensa fundamentação, a saber: “o sujeito passivo no exercício do direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária não comprovou tratar-se de habitação permanente, nem procedeu à substituição da declaração de rendimentos, Modelo 3”, é um verdadeiro nullus.             

ix            ILEGALIDADE DECORRENTE DE VÍCIO DE INCONGRUÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO – porquanto “de um lado não se promove a realização de qualquer uma das diligências probatórias requeridas pelo Impugnante; de outro, conclui-se que o Impugnante não logrou satisfazer o ónus da prova que sobre si impendia”.

x             ILEGALIDADE DECORRENTE DE VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO - porque a AT não pautou a sua actuação com o facto do

(1) “sujeito passivo tem um direito à produção da prova para ilisão da presunção legal prevista no artigo 13.º, n.º 12, do CIRS. E, concomitantemente, é sobre a AT que recai o ónus de demonstrar a falsidade dos meios de prova produzidos pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 13.º, n.º 15, do CIRS”;

(2) “... é falso que a habitação do Impugnante se situe no endereço registado como sendo o seu domicílio fiscal”, uma vez que “... deixou devidamente alegado no procedimento tributário a quo — mas foi ilícita e ilegalmente impedido de demonstrar probatoriamente, em virtude da AT não ter ordenado (nem tão-pouco se pronunciado quanto) a produção dos meios de prova por si requeridos — o Impugnante teve, durante todo o ano de 2018, habitação permanente na fração 1H do prédio inscrito sob o artigo ... da matriz predial urbana da freguesia ...”, pela razão de que “os factos que a AT erigiu em pressupostos do seu agir não se quadram com a realidade e, por consequência, impedem o acionamento da norma presuntiva constante do artigo 13.º, n.º 12, ab initio”.

 

i)             A AT em 26.12.2019, antes da constituição deste TAS, veio juntar um despacho de ratificação, com data de 23.12.2020 com o seguinte teor: “o sujeito passivo A..., NIF ..., no âmbito do pedido de constituição de tribunal arbitral, a que foi atribuído o nº de processo 796/2018-T, suscitou questão sobre competência do Chefe de Serviço de Finanças Porto ... para a prática do ato de alteração dos rendimentos declarados na declaração Modelo 3 de IRS referente a 2018, nos termos dos nºs 4 e 5 do artigo 65º do Código do IRS, em virtude da não publicação em Diário da República do despacho que procede à delegação de poderes da Diretora de Finanças em regime de substituição.

Considerando que no momento presente ainda não se verificou a publicação da delegação de poderes, que inclui a delegação dos poderes previstos no nº 4 do artigo 65º do Código do IRS no Chefe de Serviço de Finanças Porto ..., procedo à ratificação de todos os atos praticados pelo Chefe de Serviço de Finanças Porto ..., no âmbito da alteração dos rendimentos constantes da declaração Modelo 3 de IRS referente a 2018, para efeitos do determinado no nº 1 do artigo 13º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro) e nos termos dos nºs 3 e 5 do artigo 164º , do Código do Procedimento Administrativo, retroagindo os seus efeitos à data dos atos ora ratificados”.

 

j)             Em 15.01.2020, o Requerente respondeu à aludida junção, concluindo “vem o Requerente proceder à ampliação do pedido e da causa de pedir primitivamente avançados a propósito da concreta causa de ilegalidade imputada à liquidação impugnada ... no requerimento de pronúncia arbitral (artigos 36 a 105) nos seguintes termos: a. Deverá esse douto Tribunal Arbitral declarar a invalidade originária do Ato de Alteração proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto-... em 21-10- 2019 decorrente de vício de incompetência relativa; b. Deverá esse douto Tribunal Arbitral anular os efeitos lesivos produzidos medio tempore pelo Ato de Alteração no período que precedeu a prolação do Despacho de Ratificação, nos termos do art. 164.º, n.º 5, in fine, do CPA;  e consequentemente c. proceder à anulação da Liquidação Impugnada (i) seja porque esta é, em si mesma, um dos efeitos lesivos medio tempore produzidos pelo Ato de Alteração que devem ser anulados por força do artigo 164.º, n.º 5, in fine, do CPA; e (ii) seja porque em consequência da anulação dos efeitos lesivos produzidos medio tempore pelo Ato de Alteração, a Liquidação Impugnada está ferida de vício de violação de lei decorrente erro nos pressupostos de facto, na medida em que teve por base uma circunstância que, na realidade, não se verificava, porquanto à data em que foi proferida a Liquidação Impugnada inexistia um qualquer título juridicamente válido por via do qual se pudesse considerar estabelecida (por alteração ou correção dos rendimentos declarados pelo Requerente) a base tributável sobre a qual incidiu a Liquidação Impugnada, no demais se mantendo o pedido e a causa de pedir relativos às demais causas de ilegalidade assacadas à Liquidação Impugnada no requerimento de pronúncia arbitral”.

 

k)            Notificada a Requerida, respondeu em 03 de Junho de 2020 e juntou o PA, composto unicamente pelo despacho de ratificação atrás referido.

 

l)             Quanto à invocada ilegalidade decorrente de vício de incompetência refere em conclusão que “o despacho de ratificação é juridicamente eficaz, pois foi notificado aos seus diretos interessados, de acordo com os artigos 71º/6, da LGT, artigo 36º/1, do CPPT e artigo 66º/1, do CIRS. A mandatária da Requerente foi notificada do despacho de ratificação através do ofício nº 2019... de 23/12/2019, com o registo nº RF ...PT, da Direcção de Finanças do Porto”.

m)          Quanto à invocada ilegalidade decorrente de violação do princípio de participação procedimental na medida em que a Requerida não considerou os seus pedidos referentes às diligências de prova (testemunhal, declarações de parte, prova por inspecção ao local), refere: “a administração tributária não procedeu às diligências de prova requeridas, porque entendeu que a prova já carreada pelo contribuinte era bastante para sustentar a decisão de alteração e fixação dos rendimentos e as mesmas não eram indispensáveis à descoberta da verdade material” e “além do mais, a AT quando decidiu não proceder a outras diligências complementares, tinha já diligenciado junto de outro organismo público, ao abrigo do principio da colaboração (artigo 49º do CPPT), junto do IRN – Instituto de Registos e Notariado – cartão do cidadão -, tendo apurado que desde 02/06/2015, que o ora Requerente mantém o seu domicilio fiscal na Rua ..., na freguesia de  ...e, diferente da localização do imóvel arrendado”.

n)           Acrescendo que “o procedimento de gestão de divergências, que instruí o procedimento de alteração de rendimentos a que se refere o referido artigo 65º do Código do IRS, à exceção do previsto quanto à decisão e fundamentação, não tem regras especificas quanto à sua tramitação, cabendo o juízo de oportunidade e necessidade dos meios probatórios ao órgão que o instruí e decide”.

o)           E conclui: “o facto de não terem sido realizadas as diligências de prova requeridas pelo sujeito passivo não é passível de consubstanciar a violação do direito de participação, o qual foi assegurado através da audição do contribuinte, e apreciação dos factos e fundamentos por estes apresentados, antes da decisão final”.

p)           Quanto às invocadas ilegalidades decorrente de vício de falta de fundamentação e de vício de incongruência da fundamentação, refere em conclusão: “os factos apurados e o enquadramento jurídico-tributário dos mesmos no projeto de decisão e decisão final permitem ao contribuinte perceber o iter cognoscitivo da administração tributária que levou à correção concretizada pela liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral”, uma vez que “na petição inicial, o contribuinte revela conhecer a fundamentação da alteração efetuada, a qual ataca especificadamente”, pelo que “neste cenário, não podemos deixar de concluir que do procedimento da alteração dos rendimentos, que serve de suporte formal fundamentador do subsequente acto de liquidação, constam, de forma expressa, clara e congruente, as razões que determinaram a desconsideração das despesas com o imóvel por não respeitar a renda para fins de habitação permanente, não sendo assim, suscetível de dedução para efeitos de habitação permanente, pelo que não é possível da dedução prevista no artigo 78º-E do CIRS”.

q)           Quanto às invocadas ilegalidades decorrente de vício de violação de lei emergente de erro nos pressupostos de direito e de vício de violação de lei emergente de erro nos pressupostos de facto, refere que “analisados os elementos apresentados pelo contribuinte (contrato de arrendamento e recibos, comprovativos de refeições "Uber eats" e entrega de compras), não foi efetuada prova suficiente de que era este o local da sua habitação permanente, em 2018, para efeitos de dedução à coleta das rendas pagas neste ano”.

r)            E acrescenta: “o processo de divergências mais não é do que um procedimento tendente a ilidir a presunção, uma vez que os dados que o Requerente declarou no anexo H da declaração modelo 3 de IRS apresentavam divergências relativamente à dedução dos encargos com rendas, em virtude de o imóvel identificado na declaração de rendimentos, não coincidir com o domicilio fiscal do ora Requerente, de acordo com a comunicação do Instituto de Registos e Notariado, no Serviço afeto ao cartão do cidadão”, “por sua vez, de acordo com o nº 4 do artigo 65º do CIRS, a AT procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o nº 2 deste artigo, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergências na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto”.

s)            E conclui: “foi com recurso a esta norma que a AT fundamenta a correção de rendimentos do requerente, uma vez que se verificou a divergências na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto” “a AT, verificando os dados que o Requerente declarou no anexo H da declaração modelo 3 de IRS apresentavam divergências, nomeadamente, a nível de cadastro, instaurou processo de divergência, tendo o Requerente sido legalmente notificado para participar, fê-lo, no entanto, as divergências não foram sanadas, o que culminou com a substituição da declaração apresentada por outra elaborada pela AT, com os elementos que esta detinha”.    

t)            Quanto ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, conclui a AT que “à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que está adstrita constitucionalmente”, pelo que “não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT”.

u)           Termina pedindo que seja julgado improcedente o pedido, absolvendo-se a AT do pedido.

 

v)            O Requerente apresentou alegações escritas em 02.07.2020, mantendo o que já havia referido no PPA e a Requerida não usou dessa faculdade.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 26 de Novembro de 2019. O Requerente impugna a liquidação 2019... de que não resulta qualquer valor a pagar à AT, mas sim uma menor importância a reembolsar. A AT não coloca em causa a tempestividade da apresentação do PPA.

c)            A AT não coloca em causa a tempestividade da apresentação do PPA. A notificação do acto impugnado ocorreu necessariamente em data posterior à data que consta do ofício de notificação. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

III – MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            Em 11/04/2019, o Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS (nº...), referente ao ano de 2018, Anexos A, B e H.

(1)          No Anexo B declarou rendimentos e retenções na fonte referentes a recibos verdes eletrónicos emitidos em 2018 e as contribuições para regimes de Segurança Social, ao abrigo do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

(2)          No Anexo H declarou encargos com um imóvel, referente a rendas com habitação permanente relativas ao imóvel com o artigo matricial nº..., fricção 1H, localizado na União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., no valor de 6 662,54 €uros.

- conforme artigos 1º a 4º do PPA, documento 1 em anexo ao PPA e nº 1 da Resposta da AT;

b)           Em 26/04/2019, em resultado da entrega da declaração atrás referida, a AT procedeu à liquidação n.º 2019..., resultando imposto a reembolsar ao Requerente no montante de € 4.610,97, liquidação que nunca foi objeto de notificação, não tendo ocorrido o efectivo reembolso – conforme artigos 5º a 9º do PPA, documentos nºs 2 e 3 em anexo ao PPA e nº 2 da Resposta da AT;

c)            Em 03-09-2019 a AT remeteu ao Requerente o ofício GI-..., através do qual  solicitou a apresentação de documentos comprovativos da despesa declarada no campo 6C do Anexo H da declaração de rendimentos, tendo o Requerente respondido através do Portal das Finanças, em 17.09.2019, juntando o teor do recibos de renda relativos aos meses de 2018– conforme artigos 12º e 13º do PPA, documentos nºs 5 e 6 em anexo ao PPA e nºs 8 e 9 da Resposta da AT;

d)           Com data de 23.09.2019 a AT remeteu à ilustre mandatária do Requerente o ofício 2019.., convidando-o a exercer o direito de audiência prévia, referindo o seguinte: “Da análise de divergências, identificada pela irregularidade nº ... de 26/04/2019, decorrente da declaração de IRS entregue pelo sujeito passivo com a identificação..., foi necessário a verificação dos elementos declarados na Modelo 3 do ano de 2018, tendo resultado a necessidade de confirmação da despesa declarada no anexo H, campo 6C com o código de despesa 654, no montante de €: 6.662,45. Esta despesa corresponde a rendas pagas referentes ao contrato de arrendamento do imóvel localizado na União de freguesias de ..., ..., .., ..., ... e ... (...), artigo..., fração IH, descrito na matriz predial como "arrecadação e arrumos" cujos comprovativos de pagamento (recibos/fatura) foram juntos no Portal das Finanças em justificação da internet, pelo sujeito passivo. Por consulta ao domicílio fiscal do contribuinte comunicado nos termos do artigo 19º da Lei Geral Tributária, conjugado com a Lei no 7/2007, de 5 de fevereiro do Instituto dos Registos e Notariado, é o mesmo situado na freguesia de ..., Rua ..., diferente da localização do imóvel arrendado. Com base no verificado, constata-se que a despesa com imóveis não respeita a renda para fins de habitação permanente, pelo que não é suscetível da dedução prevista no artigo 78º E do Código do IRS” – conforme artigos 14º a 17º do PPA e documento nº 7 em anexo ao PPA;

e)           Em 14.10.2019 respondeu o Requerente juntando (1) a caderneta predial urbana do artigo matricial ...º - União das Freguesias  de..., ..., ..., ..., ... e ... onde consta como afectação “habitação”; (2) o contrato de arrendamento do 1º andar H da Rua ... nº ...- Porto, onde consta “o destino do arrendado é exclusivamente o de habitação”; (3) três certidões emitidas pelo SF de Porto-..., datadas de 10.12.2010, 25.03.2012 e de 04.06.2012, referindo que o domicílio fiscal do Requerente é “R ... N ... Porto ...-... Porto”; (4) 1 declaração de reinício de actividade de advogado de 28.11.2011 onde se expressa o domicílio fiscal em “R ... Nº ... Porto”, e 2 declarações de alterações de actividade com datas de 15-06-2011 e 04-062012 onde se expressa o domicílio fiscal em “R ... Nº ... Porto”, tendo requerido a produção de prova por declarações de parte, arrolado 5 testemunhas e requerido inspecção ocular – conforme artigo 18º a 21º do PPA e documento nº 8 junto com o PPA;

f)            A AT procedeu junto do Instituto dos Registos e Notariado do domicílio fiscal do Requerente, verificando que em 2018, era na freguesia de ..., na Rua ... – conforme nº 5 da Resposta da AT e artigo 20º do PPA;

g)            Por ofício de 21.10.2019 a AT notificou a ilustre mandatária do Requerente referindo que “da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da divergência identificada na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2018 com a identificação ..., não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2019-10-21 foi determinada a efetivação da correção ao anexo H, dedução dos encargos com imóveis” e juntou uma informação onde se escreveu: “na declaração de IRS de 2018 o sujeito passivo indicou o valor de € 6.662,45 como despesa de rendas com habitação permanente, nos termos do artigo 78ºE, nº 1, alínea a) do Código do IRS. Da divergência na liquidação de IRS para confirmação da despesa, verificou-se que a mesma resultou de rendas pagas, referentes ao contrato de arrendamento do imóvel localizado na União de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... (...), artigo ...º, fração IH. Com efeito a fração IH é parte integrante do prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, identificado pelo artigo ...º da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... . Na notificação para o direito de audição foi erroneamente qualificada como "arrecadação e arrumos" erro material que não tem relevância para a análise em causa. O contribuinte mantém desde 02 de Junho de 2015, por comunicação com o IRN (Instituto dos Registos e Notariados — Cartão de Cidadão) o domicílio fiscal, nos termos do artigo 19º da Lei Geral Tributária (LGT) na Rua..., situada na freguesia de ..., diferente da localização do imóvel arrendado. Com base no verificado, confirma-se que a despesa com imóveis não respeita a renda para fins de habitação permanente, pelo que não é suscetível da dedução prevista no artigo 78ºE do Código do IRS. O sujeito passivo no exercício do direito de audição prévia, nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária não comprovou tratar-se de habitação permanente, nem procedeu à substituição da declaração de rendimentos, Modelo 3”.

- conforme artigos 22º a 26º do PPA e documento nº 9 junto com o PPA;

h)           Na sequência da decisão atrás referida, a AT promoveu a submissão no sistema informático de uma declaração oficiosa e emitiu a liquidação oficiosa n.º 2019..., de 26.10.2019, resultando uma coleta líquida de IRS de €6.091,37, pelo que, após a compensação com as retenções na fonte efetuadas durante o exercício de 2018, verifica-se um montante a reembolsar de €4.003,63, ocorrendo entre a liquidação impugnada e a 1.ª liquidação IRS-2018, uma diferença no valor de € 607,34 – conforme artigos 27º a 34º do PPA e documentos nºs 3, 10 e 11 juntos com o PPA;

i)             Com início em 1 de Dezembro de 2010 o Requerente tomou de arrendamento, para fins de habitação, o 1º andar – apartamento H, sito Rua ..., n.º ..., no Porto correspondente à fração 1H do artigo ...º da matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... do município do Porto, aí realizando habitual e regularmente as suas refeições e recebendo entregas de supermercado e mercearia, tendo este local como o centro dos seus interesses e da sua vida pessoal, promovendo, inclusivamente  a alteração do seu domicílio fiscal para aquele endereço, após o arrendamento – conforme artigos 248º a 259º do PPA e documentos 3 a 8 e 14 a 16 juntos com o PPA;

j)             Quando o Requerente obteve o cartão de cidadão (em substituição do antigo bilhete de identidade) o seu domicílio fiscal foi transferido para o endereço correspondente à habitação permanente dos seus pais, onde o Requerente residiu no passado, sem que tivesse suscitado e pretendido essa alteração – conforme artigo 260º do PPA e falta de impugnação especificada da AT de que a residência sita na Rua ..., situada na freguesia de ..., Porto, é dos pais do Requerente, apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT ;

k)            Em 26 de Novembro de 2019 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

Neste caso o TAS, considerou verosímil o que é referido no artigo 260º do PPA, levando essa factualidade à matéria assente. Na verdade,

 

É público e notório – e por isso consentâneo com as regras da experiência comum – que quando se substitui o antigo bilhete de identidade, pelo novo cartão de cidadão, muitos os cidadãos, inadvertidamente, não reparam que a morada constante dos ficheiros do Registo Civil, não corresponde à morada actual que é a sua residência habitual e o seu domicílio fiscal.

 

Ocorre ainda que alguns cidadãos não actualizam (ou não alteram) a morada habitual, por exemplo, por razões de locais de exercício do direito de voto em eleições ou outras (o caso em que trabalham nos centros das grandes cidades e para obterem estacionamento de viaturas mais em conta), mantendo a morada habitual anterior, sem se aperceberem que a morada assim expressa, vai ser a que releva para efeitos fiscais (artigo 19º da LGT) em detrimento de outros registos anteriores que tenham feito (ou que deviam fazer) junto da Autoridade Tributária.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

A)           O texto da lei cuja aplicação está aqui em causa.

 

Artigo 19.º da LGT

Domicílio fiscal

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

 ...

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária. (anterior n.º 2 - Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária. (Anterior n.º 3 - Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária. (Redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)

...

 

Artigo 78.º-E do CIRS

Dedução de encargos com imóveis

 1 - À coleta do IRS devido pelos sujeitos passivos é dedutível um montante correspondente a 15 % do valor suportado por qualquer membro do agregado familiar:

a)            Com as importâncias, líquidas de subsídios ou comparticipações oficiais, suportadas a título de renda pelo arrendatário de prédio urbano ou da sua fração autónoma para fins de habitação permanente, quando referentes a contratos de arrendamento celebrados ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, ou do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, até ao limite de (euro) 502;

...

Artigo 13.º do CIRS

Sujeito passivo

...

12 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário. (anterior n.º 11, redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)

...

 

B)           A ilegalidade decorrente do vício de incompetência

 

O TAS considera que o regime do artigo 13º - 1 do RJAT é mais abrangente que o regime do artigo 164º do CPA, na medida em que prevê a revogação dos actos imediata e mediatamente impugnados num pedido de pronúncia arbitral.

 

A AT poderia no prazo de 30 dias, após a entrega do PPA no CAAD, em 26.11.2019, v.g. revogar o acto impugnado (decisão adoptada no procedimento de divergências e/ou a própria liquidação), por entender, em reapreciação, que a prova produzida pelo Requerente no procedimento de divergências que abriu, era suficiente para considerar ilidida a presunção do nº 12 do artigo 13º do CIRS. E se o podia revogar, também deve entender-se que o podia v.g. ratificar. Levou a AT a efeito a sua ratificação, em 23.12.2019, logo no prazo do artigo 13º-1 do RJAT.

 

É que, sendo certo que o Requerente se insurge contra a liquidação, na verdade, do que verdadeiramente não concorda é com a decisão que foi adoptada no procedimento de divergências aberto ao abrigo do artigo 65º do CIRS, dando especial relevo ao facto da AT não ter promovido as diligências de prova que suscitou nesse procedimento.

 

Nesta medida, configura-se que o despacho de 23.12.2019 da Directora de Finanças do Porto ratificou a alteração/fixação de rendimentos em causa neste processo e todo o procedimento levado a cabo pela Requerida, retroagindo os seus efeitos à data de todos os actos em causa, nos termos dos nºs 3 e 5 do art.º 164° do CPA, tal como propugna a AT.

 

Nesta conformidade, não procede a invocada desconformidade com a lei.

 

C)           Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.

 

Face ao princípio da livre apreciação da prova, não se exige do julgador uma convicção de absoluta certeza, sendo suficiente que a sua convicção assente num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.

 

A questão de fundo em discussão neste processo tem a ver com a ponderação geral da prova documental produzida pelos Requerentes, quer em sede do procedimento de divergências, quer agora em sede de PPA.

 

No fundo, o único fundamento que a AT considera para a não aceitação da prova documental que lhe foi apresentada, no sentido de não considerar que o Requerente tinha a sua habitação própria e permanente, em 2018, na Rua ..., ... no Porto, é de que tinha como domicílio fiscal, um imóvel sito na Rua ..., no Porto.

 

O TAS entendeu ser credível, por verosímil, o motivo pelo qual o seu domicílio surgiu alterado, após ter trocado o bilhete de identidade pelo cartão de cidadão.

 

De facto, não seria compreensível que o Requerente estivesse a pagar uma renda de casa anual significativa, de € 6.662,45, podendo viver em casa dos pais a pouca distância do local arrendado, onde certamente não pagaria qualquer renda.

 

O Requerente apresentou um conjunto de provas documentais que apontam no sentido de que tinha a sua habitação própria e permanente na Rua ..., ... no Porto, sendo de relevar os documentos que serviram para formar a convicção do TAS, quanto aos factos provados na alínea j) da matéria assente.

 

Ambos os locais (o sito Rua ... e o sito na Rua ...) distam escassos 7 KM (12 minutos de viatura automóvel) segundo uma mera pesquisa no motor de busca do google.

 

A AT não contestou a alegação do Requerente de que o bem imóvel sito na Rua ... (artigo 260º do PPA) é a habitação permanente de seus pais, facto que poderia infirmar ou confirmar com relativa facilidade, por simples acesso ou à caderneta predial do imóvel ou verificação do domicílio fiscal dos pais do Requerente, obtendo a sua identificação completa  junto IRN – cartão de cidadão, tal como obteve o domicílio aferido ao cartão de cidadão do Requerente.

 

No caso concreto aqui em julgamento, este TAS, face à ponderação global da prova, formou a sua convicção, sem dúvida razoável, no sentido de que o Requerente tinha a sua habitação própria e permanente, em 2018, na Rua ..., n.º..., no Porto.

 

***

 

Será de concluir que o pedido de pronúncia arbitral merece acolhimento e nessa medida terá que proceder, uma vez que a decisão adoptada no procedimento de divergências está em desconformidade com a parte final do nº 12 do artigo 13º do CIRS, o que acarreta a anulação parcial da liquidação de IRS referida em h) da matéria assente.

 

***

Julgado procedente o PPA, pela verificação de uma das desconformidades com a lei invocadas pelo Requerente, fica prejudicada a apreciação das outras, uma vez que decisão adoptada cumpre, plenamente, o objectivos do pedido feito ao TAS.

 

D) Direito ao reembolso de IRS

 

Na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação controvertido, na parte de IRS recebido a menos de € 607,34, há lugar ao seu reembolso, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia de € 607,34.

 

E) Pedidos de juros indemnizatórios

 

O Requerente pede a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.

 

Provou-se que o Requerente recebeu a menos, por via da liquidação aqui impugnada de € 607,34. (alínea h) dos factos provados).

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que refere «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011.

 

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade parcial da liquidação de IRS, provou-se que AT levou a afeito a liquidação aqui impugnada pela razão de que “o contribuinte mantem desde 02 de Junho de 2015, por comunicação com o IRN (Instituto dos Registos e Notariados — Cartão de Cidadão) o domicilio fiscal, nos termos do artigo 19º da Lei Geral Tributária (LGT) na Rua ..., situada na freguesia de ..., diferente da localização do imóvel arrendado” (alínea g) da matéria de facto provada).

 

Independentemente da verosimilhança da justificação apresentada pelo Requerente, quanto à alteração +do domicílio fiscal (correndo o risco de não conseguir ilidir a presunção do nº 12 do artigo 13º do CIRS), a verdade é que  incumpriu o dever de manter o seu domicílio fiscal no local da residência habitual (alínea a) do nº 1 do artigo 19º da LGT) e ao manter alterado, mesmo inadvertidamente, o registo da sua residência habitual relevante para efeitos fiscais, para local onde não tinha habitação própria e permanente, levou a que a Requerida, com base na presunção do nº 12 do artigo 13º do CIRS, considerasse que não tinha o domicílio fiscal na Rua ... nº..., no Porto, procedendo à liquidação aqui impugnada.

 

Ou seja, não pode ser apontado à AT, para efeitos de aplicação do artigo 43º da LGT, qualquer erro que lhe seja imputável.

 

Improcede, pois, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

 

•             Anula-se parcialmente a liquidação de IRS n.º 2019... relativa ao exercício de 2018 na parte em que desconsiderou a dedução à coleta da despesa declarada pelo Impugnante no campo 6C do Anexo H da declaração de rendimentos n.º 2018...;

•             Condena-se a AT a restituir ao Requerente a quantia de € 607,34;

•             Julga-se improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, absolvendo-se deste pedido.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 607,34, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 306,00, na proporção de 85% a suportar pela Requerida (€ 260,10) e 15% a suportar pelo Requerente (€ 45,90), em função dos decaimentos, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de Julho de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular,

Augusto Vieira