Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 785/2019-T
Data da decisão: 2020-05-11  IRS  
Valor do pedido: € 13.886,02
Tema: IRS – Mais – valias; Não residentes.
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DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

Em 22 de novembro de 2019, A..., com o NIF ... e residente em ..., ... ..., ..., França (doravante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com o disposto nos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

  1. Objeto do pedido:

O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019 ..., referente ao ano de 2018, da quantia de € 28 222,99 e data limite de pagamento em 04.09.2019, na medida em que tal liquidação incidiu, em parte, sobre a totalidade das mais-valias realizadas com a alienação de um imóvel situado em território nacional.

 

Atribuindo ao pedido o valor económico de € 13 886,02, correspondente ao valor da pretendida anulação parcial da liquidação de IRS identificada, vem o Requerente pedir a restituição daquele valor, por si pago em excesso, em 10.08.2019.

 

  1. Síntese da posição das Partes
    1. Do Requerente:

Como fundamentos do pedido, invoca a Requerente, em suma, o seguinte:

  1. O Requerente é residente em França, Estado Membro da União Europeia, tendo no ano de 2018 obtido rendimentos em Portugal, entre os quais os decorrentes da alienação onerosa do direito de propriedade sobre um imóvel sito em território nacional;
  2. Entende o Requerente que a liquidação de IRS do ano de 2018, efetuada pela AT com base na declaração por si apresentada, está incorreta e padece de vício de violação da lei, por aplicação de fator discriminatório entre residentes e não residentes;
  3. Porquanto resulta o apuramento de parte do imposto liquidado (€ 27 772,05) da aplicação da taxa de 28% à totalidade das mais-valias imobiliárias realizadas, e não sobre 50% do respetivo saldo, como o deveria ter sido, traduzindo-se o imposto devido a título de mais-valias imobiliárias, em apenas € 13 886,02;
  4. Não obstante ter o Estado Português, com a Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, instituído um regime opcional com vista à equiparação dos contribuintes não residentes aos residentes em território português, ao permitir aos primeiros a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais valias-imobiliárias, mantém-se o regime geral discriminatório, não sendo o novo regime passível de sanar a incompatibilidade entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º, do CIRS e o artigo 56.º (atual artigo 63.º), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;
  5. No que concerne ao regime de tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de bens imóveis, estão os residentes em território nacional sujeitos às taxas gerais progressivas a que se refere o artigo 68.º, do Código do IRS, encontrando-se os sujeitos passivos não residentes em território português sujeitos a tributação à taxa de 28%, conforme disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º, CIRS;
  6. O valor qualificado como mais-valias, no caso das transmissões onerosas de bens imóveis efetuadas por cidadãos residentes em Portugal, é apenas considerado em 50% do seu valor, nos termos do disposto no artigo 43.º n.º 2, CIRS;
  7. De acordo com a jurisprudência conjugada do TJCE, TJUE, STA e pronúncias do CAAD, não podem os cidadãos residentes num Estado-Membro da União Europeia, como é o caso do ora Requerente, e os cidadãos residentes em território nacional, ser alvo de tratamento diferenciado;
  8. Embora possa, nos termos do artigo 65.º do TJUE, ocorrer discriminação entre os residentes e não residentes, a mesma não poderá ser arbitrária ou constituir uma restrição dissimulada aos movimentos de capitais, sendo apenas admitida a referida distinção quando a mesma respeita a situações não objetivamente comparáveis;
  9. No entendimento do Requerente, no caso em apreço, não se afigura que se encontrem os cidadãos residentes e os cidadãos não residentes em situações não comparáveis;
  10. Resultando a matéria coletável, nos presentes autos, da soma dos rendimentos prediais com a mais-valia imobiliária, a que é aplicável a taxa fixa de 28%, entende o Requerente ser justificável a anulação parcial da liquidação em análise, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

 

b. Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), em que veio defender a legalidade e a manutenção do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

  1. Entende o Requerente que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, se aplica aos não residentes em Portugal (tanto residentes num Estado Membro da União Europeia como residentes de Estados terceiros);
  2. Tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9), no qual se estabelece que os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, possam optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português;
  3. Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, na redação à data dos factos, que para efeitos de determinação da referida taxa progressiva, fossem tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições aplicáveis aos residentes;
  4. O Requerente, na declaração modelo 3 de IRS, indicou ser residente em outro Estado Membro da União Europeia e pretender ser tributado pelo regime aplicável aos não residentes;
  5. O atual n.º 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, à semelhança do n.º 1 do artigo 15º do Código do IRS, exige que, para efeitos de tributação pelas taxas do artigo 68.º, devam ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro) e assinalados os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro);
  6. O artigo que o Requerente pretende que lhe seja aplicado (43.º n.º 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe “Determinação do rendimento coletável”, não consubstanciando uma norma de incidência;
  7. Assim, a alteração introduzida ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão Hollmann;
  8. Esta alteração operada por via da introdução dos atuais n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território, situação que no caso concreto não ocorreu;
  9. A alteração legislativa introduzida ao do artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º, TFUE.

 

Considerando que o quadro legal em vigor no ano a que respeitam os rendimentos auferidos pelo Requerente já não é aquele que existia à data das situações analisadas pelo TJUE no Acórdão C-443/06, de 11/10/2007 (IRS de 2003) e no C-184/18, de 6/09/2018 (IRS de 2007), vem a AT pedir que, por subsistirem dúvidas sobre a compatibilidade do regime de tributação das mais-valias em que se baseou a liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral com o direito da União Europeia, se proceda ao reenvio prejudicial da questão ao TJUE, nos termos do artigo 267.º, do TFUE.

 

* * *

Pelo despacho arbitral 17.03.2020 foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT e, atendendo ao teor das “RECOMENDAÇÕES” do Tribunal de Justiça da União Europeia relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01)”, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 338/1, de 06.11.2012, considerado não justificado o reenvio prejudicial para o TJUE.

 

Mais se determinou que o processo prosseguisse com alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, nos termos do artigo 91.º-A, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, sendo fixada a data de 15 de maio de 2020 para prolação da decisão arbitral e advertido o Requerente de que deveria, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Ambas as Partes apresentaram alegações escritas no prazo designado, nas quais vieram reiterar as respetivas posições iniciais.

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 17 de fevereiro de 2020, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem;
  4. Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e ao processo administrativo (PA), fixa-se como segue:           

 

A – Factos provados:

  1. O Requerente procedeu, em 29.06.2019, à entrega da declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2018, registada sob o n.º..., constituída pelo respetivo rosto, um anexo F e um anexo G (cfr. declaração com cópia junta ao PPA, que se dá como reproduzida);
  2. No rosto da declaração, o Requerente indicou o estado civil de casado; a não opção pela tributação conjunta; a qualidade de não residente, com residência em outro Estado Membro da União Europeia (código 250) e a opção pelo regime geral de tributação (cfr. declaração com cópia junta ao PPA);
  3. No anexo F à declaração de rendimentos, foram declarados rendimentos no valor de € 2 160,00 e gastos no valor global de € 549,50 (cfr. declaração com cópia junta ao PPA);
  4. No anexo G à referida declaração de rendimentos, o Requerente declarou (cfr. declaração com cópia junta ao PPA):
    1. A alienação, em outubro e em agosto do ano a que respeitam os rendimentos, pelo valor de € 100 000,00 cada, de 50% das frações autónomas designadas pelas letras E e F do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia com o código...;
    2. A aquisição de 50% das referidas frações autónomas, pelo valor de € 39 903,83 cada, em junho de 2003;
    3. Despesas e encargos das quantias de € 1587,43 e de € 1 063,24, respetivamente;
  5. Em 26.07.2019, a Requerida emitiu a liquidação n.º 2019..., no montante de € 28 222,99, com data limite de pagamento em 04.09.2019 (cópia junta ao PPA, que se dá como reproduzida);
  6. A liquidação n.º 2019... incidiu sobre o rendimento coletável de € 100 796,40, resultante da dedução das deduções específicas da categoria F (€ 549,50) ao rendimento global de € 101 349,90 (cfr. demonstração junta ao PPA, que se dá como reproduzida);
  7. O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação n.º 2019... em 10.08.2019 (comprovativo com cópia junta ao PPA, que se dá como reproduzido).

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, do processo administrativo e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

 

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda:

A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a norma do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, na qual se determinava, à data dos factos, que “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor”, é aplicável na determinação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por não residentes.

 

As questões colocadas pelo regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes e por sujeitos passivos não residentes em território nacional foram inicialmente tratadas, da perspetiva do direito comunitário, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão Hollmann (processo C-443/06, de 11/10/2007), que versou sobre uma situação ocorrida em data anterior à das alterações introduzidas ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, e no qual se decidiu que “O artigo 56.° CE  [atual artigo 63.º, TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado‑Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado‑Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais‑valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.” (disponível em https://eurlex. europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62006CJ0443&from=PT).

 

Defende a Requerida que com o novo regime aplicável à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pelos sujeitos passivos não residentes, decorrente do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 14 e 15) ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, ficou sanada a desconformidade entre a legislação nacional e o direito comunitário.

 

Alega ainda a Requerida que, tendo o Requerente assinalado na declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018 o campo 4 do quadro 8 B (não residente), o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (opção pelo regime geral de tributação aplicável aos não residentes), as suas alegações são destituídas de fundamento, tanto mais que o n.º 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação à data dos factos, “é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro) ”.

 

Por sua vez, argumenta o Requerente que a possibilidade de opção pelo regime de tributação aplicável aos residentes não é, por si só, suficiente para afastar o tratamento discriminatório dos sujeitos passivos não residentes, no que respeita à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias, citando, a título exemplificativo, a decisão proferida pelo TJUE no processo C-440/08 (Acórdão Gielen, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62008CJ0440&from=PT).

 

Se bem que no Acórdão Gielen estivesse em causa a liberdade de estabelecimento (artigo 49.º, do TFUE), não deixa de ali ser abordada a questão da possibilidade de a opção por um regime de equiparação a residentes ser ainda incompatível com o direito da UE, tendo o TJUE decidido que tal incompatibilidade “(…) não é posta em causa pelo argumento de que a opção de equiparação é suscetível de excluir a discriminação em causa (…) [se] essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º  TFUE em razão do seu carácter discriminatório (…)”.

 

*

No ano a que respeitam os rendimentos que originaram a liquidação ora impugnada, era a seguinte a redação dos n.ºs 1, alínea a), 9 e 10, do artigo 72.º, do Código do IRS:

 

Artigo 72.º - Taxas especiais

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(…)”.

 

É sobre o regime decorrente da conjugação das normas transcritas com as contidas nos artigos 9.º, n.º 1, alínea b), 10.º, n.º 1, alínea a), 43.º, n.º 2 e 68.º, todos do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, que a AT pretende a apreciação do TJUE, uma vez que este Tribunal da UE ainda se não pronunciou sobre o mesmo, no atual quadro legislativo.

 

Contudo, tendo em consideração as “RECOMENDAÇÕES” do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01)”, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 338/1, de 06.11.2012, de que “(…) um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial em direito interno é obrigado a submeter esse pedido ao Tribunal, exceto quando já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto) ou quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco”, entendeu o tribunal arbitral não se encontrarem reunidos, no caso concreto, os pressupostos de obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE.

 

Efetivamente, atendendo à jurisprudência produzida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e pelo CAAD relativamente a situações ocorridas em momento posterior ao das alterações introduzidas ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, está-se em crer que o novo quadro legislativo não impedirá a aplicação ao caso concreto da jurisprudência ditada pelo já citado Acórdão Hollmann.

 

A tal propósito cabe citar, em primeiro lugar, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, disponível em http://www.dgsi.pt/.

 

Versou o referido Acórdão sobre recurso interposto pela AT da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial de uma liquidação de IRS do ano de 2010, determinando a sua anulação em 50%.

 

Consta do respetivo sumário:

            “I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”.

 

Cabe igualmente referir, entre outras, a decisão arbitral proferida em 08.04.2019, no processo n.º 600/2018-T, referente a mais-valias imobiliárias auferidas por não residente, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes, em cuja fundamentação, para além do mais, se lê o seguinte:

Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado. O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo. (…) Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado. (…) O facto de actualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.”.

 

Face à jurisprudência citada, com a qual se concorda, haverá de concluir-se pela ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, ainda que o Requerente não tenha optado pelo regime de tributação a que se referem os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, na medida em que tal opção não seria suscetível de afastar o efeito discriminatório decorrente da tributação da totalidade da mais-valia apurada no ano em causa, e não de apenas de 50% do seu valor, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º, do referido Código.

 

Questão diversa é a de saber se tal ilegalidade determina a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019..., conforme peticionado, ou se a mesma deve ser anulada na sua totalidade.

 

Quer a doutrina quer a jurisprudência apontam no sentido de que o ato tributário é um ato divisível, quer por natureza, dado que impõe a obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária, quer por determinação legal (cfr. o artigo 100.º, da LGT), podendo ser parcialmente anulado, se o tipo de ilegalidade de que padece o afetar apenas em parte.

 

No caso dos autos, a ilegalidade da liquidação impugnada resulta, em exclusivo, da não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, que determinaria a tributação de apenas 50% das mais-valias realizadas pelo Requerente.

 

Estando em causa a mera redução da base de incidência do imposto e sendo a taxa aplicável uma taxa fixa (28%), justifica-se, face ao princípio da economia processual, a sua anulação parcial (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 12.07.2017, no processo 0636/17, disponível em http://www.dgsi.pt/).

 

Procedendo a pretensão anulatória do Requerente, procede igualmente o pedido de restituição do imposto pago em excesso, da quantia de € 13 886,02, nos termos dos artigos 100.º, da LGT e 24.º, do RJAT.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

  1. Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, determinando a sua anulação parcial, pela quantia de € 13 886,02;
  2. Condenar a AT na restituição ao Requerente do imposto pago em excesso.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 13 886,02 (treze mil, oitocentos e oitenta e seis euros e dois cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 11 de maio de 2020.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.