Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 402/2021-T
Data da decisão: 2022-03-07  IRS  
Valor do pedido: € 18.668,44
Tema: IRS – Mais Valias Imobiliárias – Artigo 10.º n.º 5 do Código do IRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

O Requerente, A..., casado, contribuinte fiscal n.º..., residente em ..., ..., ..., no Luxemburgo, não se conformando com a liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, pedindo a declaração da ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS acima mencionada, com fundamento em vício de violação de lei, bem como a condenação da AT a praticar todos os atos necessários ao restabelecimento da situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados. É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 5 de julho de 2021. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

No dia 23 de agosto de 2021, as partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído no dia 10 de setembro de 2021.

Por despacho do dia 10 de setembro de 2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou AT, foi notificada nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional, bem como para remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Mais tarde, no dia 21 de setembro de 2021, a AT apresentou um requerimento ao Tribunal, informando que “A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, Requerida nos autos supra identificados, por despacho de 13 de setembro de 2021, da

Subdiretora Geral do Rendimento, revogou o ato objeto de impugnação, conforme consta da Informação que se anexa.”

No mesmo dia, o Tribunal determinou a notificação do Requerente no sentido de se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 1 alínea b) do RJAT.

O Requerente, por requerimento apresentado no dia 4 de outubro de 2021, veio sustentar a manutenção do pedido de pronúncia arbitral, por entender que o ato de liquidação deve ser integralmente anulado, tendo em conta que houve reinvestimento num imóvel destinado a habitação própria e permanente.

No dia 7 de outubro de 2021, a AT respondeu, sustentando que a parte restante da liquidação não deve ser anulada, tendo em conta que o Requerente vivia, à data da aquisição, no Luxemburgo, não podendo, por essa razão, afetar o imóvel à sua habitação própria e permanente.

 

2. Objeto

A matéria controvertida prende-se com o preenchimento dos requisitos referentes à exclusão da tributação das mais valias, em função do reinvestimento efetuado por um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, na aquisição de um imóvel destinado a habitação própria e permanente.

 

2.1 Posição do Requerente

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:

  1. O Requerente é casado com B... .
  2. No dia 15 de setembro de 1997, ainda no estado de solteiros, o Requerente e o cônjuge adquiriram, para sua habitação própria e permanente, por € 63.846,13 (sessenta e três mil, oitocentos e quarenta e seis euros e treze cêntimos), a fração autónoma inscrita na matriz predial urbana sob a letra “A” do artigo ... da Freguesia de ... e ..., correspondente ao Rés-do-Chão esquerdo do prédio sito no n.º ... da ..., em ....
  3. A fração autónoma anteriormente mencionada foi vendida, livre de ónus e encargos, no dia

23 de abril de 2019, pelo preço de € 289.000,00 (duzentos e oitenta e nove mil euros).

  1. Como consequência da venda referida, o Requerente e o seu cônjuge amortizaram o remanescente do crédito habitação contratado com vista à respetiva aquisição, no montante de € 15.473,70 (quinze mil, quatrocentos e setenta e três euros e setenta cêntimos).
  2. O Requerente e o cônjuge suportaram com a aquisição e alienação da fração e, bem assim, com a respetiva valorização, despesas e encargos, o montante de € 13.711,62 (treze mil, setecentos e onze euros e sessenta e dois cêntimos).
  3. No dia 24 de maio de 2019, o Requerente e o cônjuge reinvestiram uma parte do valor de realização obtido com a venda da fração supra identificada, na aquisição da atual habitação própria e permanente do agregado familiar, ou seja, na aquisição da fração identificada pela letra “G” do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ..., ... e ... sob o artigo ..., correspondente ao 1.º andar direito da casa n.º..., na ..., n.º ...  e Rua ... n.º ... e ... .
  4. A aquisição da fração anteriormente mencionada foi efetuada pelo preço de € 420.000,00 (quatrocentos e vinte mil euros), tendo o Requerente e o respetivo cônjuge contraído um empréstimo bancário no montante de € 310.000,00 (trezentos e dez mil euros), pelo que os capitais próprios reinvestidos foram no montante de € 110.000,00.
  5. O Requerente encontra-se atualmente a exercer a sua atividade profissional no Luxemburgo, mantendo, no entanto, o seu agregado familiar a respetiva residência em Portugal.
  6. Tendo presente que o agregado familiar do sujeito passivo é constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e pelos respetivos dependentes, dúvidas não existem de que as duas frações acima descritas foram adquiridas e afetas a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar.
  7. De igual modo, sustenta ainda o Requerente, que não há também quaisquer dúvidas que uma parte do valor de realização da fração autónoma adquirida quando ambos eram solteiros, no montante de € 110 000, foi reinvestido na aquisição da fração autónoma que agora constitui a habitação própria e permanente do agregado familiar.
  8. Não tendo o Requerente declarado em Portugal, no ano de 2019, outros rendimentos, que não a mais-valia predial que resultou da alienação da fração supra mencionada, resulta evidente que, pelo ato de liquidação n.º 2020..., a AT desconsiderou o reinvestimento parcial do valor de realização e aplicou à totalidade da mais valia obtida a taxa de 28%, aplicável a pessoa singulares não residentes em território nacional.
  9. Se a AT, relativamente à contribuinte B..., cônjuge do Requerente, não teve dúvida que apenas a parte do valor de realização que não foi reinvestido estaria sujeito a tributação, igual tratamento deveria ter dado ao Requerente 

 

2.2        Posição da Requerida

1. A AT veio informar que foi efetuada a revogação parcial do ato de liquidação de IRS e juntou aos autos a informação com o respetivo despacho, que tem o seguinte conteúdo: “Quanto a esta matéria controvertida (aplicação do disposto no artigo 43º n.º 2 do Código do IRS a não residentes), a decisão deverá ser alterada.

Essa mudança não se deve a uma aplicação da legislação ao caso concreto diferente do que se estaria a fazer aos restantes contribuintes na mesma situação, mas sim a uma alteração do entendimento da Autoridade Tributária, por força do teor do Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 09.12.2020, proferido no âmbito do processo n.º 75/20.6BALSB bem como da Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18.03.2021, proferida no âmbito do processo C-388/19 (Caso “MK”).

Face a essas decisões judiciais, e por as mesmas virem contrariar o entendimento da Autoridade Tributária, o Senhor Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais (SEAAF) emitiu o Despacho n.º 177/2021 – XXII, de 2021JUN04, pelo qual foi determinado que nos procedimentos administrativos e nos processos judiciais pendentes é aplicável aos sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime geral a regra de limitação de tributação a Informação 50% do saldo das mais-valias imobiliárias, mantendo a respetiva tributação pelo regime regra previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72º do Código do IRS, ou seja, a tributação autónoma à taxa específica de 28%.

Quer isto dizer que se aplicam simultaneamente, no caso aqui em análise, e face a este novo entendimento, os artigos 43º n.º 2 e 72º n.º 1 al. a) do Código do IRS.

Pelo exposto, e quanto a esta matéria, deverá ser dado provimento ao pedido”.

  1. Em relação ao restante, deve ser mantido o ato de liquidação, tendo em conta que o Requerente não afetou o imóvel a habitação própria e permanente.
  2. Na verdade, sustenta a AT, que no caso presente, o requerente, quando alienou o imóvel em 2019, já era residente no estrangeiro, mais concretamente, no Luxemburgo.
  3. Não tendo cumprido o determinado na lei não pode obter essa vantagem de natureza fiscal (exclusão de tributação).
  4. Não estão, como tal, reunidos os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, não podendo os ganhos obtidos com a transmissão estar excluídos de tributação (não pode considerar-se ter existido reinvestimento na compra do segundo imóvel).
  5. Não estando a situação aqui em análise excluída de tributação, então caímos no âmbito da regra geral prevista no Código do IRS, ou seja, a tributação dos ganhos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
  6. Ainda que o Requerente alegue que o seu agregado familiar (mulher) tinha a habitação própria e permanente no imóvel alienado, o que é verdade é que a norma legal acima referida exige expressamente a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
  7. O Código do IRS não contém uma definição de “agregado familiar”, sendo, no entanto, de uma forma geral, considerados elementos do agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum e que tenham entre si laços familiares.
  8. O conceito de agregado familiar refere-se assim às pessoas que vivem na mesma casa e com alguma relação de parentesco, considerando-se, por sua vez, em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos.
  9. À data da alienação do imóvel, os números 2 e 4 do art.º 13º do CIRS determinavam que:

2 - Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta.

4 - O agregado familiar é constituído por:

a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes.

  1. Na declaração do IRS do ano de 2019, entregue pelo requerente no dia 22 de junho de 2020, verifica-se que o mesmo indicou como estado civil “separado de facto”, não tendo indicado qualquer dos elementos que constituíriam o agregado familiar.
  2. Nas declarações de anos anteriores, verifica-se que apenas entregou declaração com indicação do agregado familiar até ao ano fiscal de 2013 (indicando o estado civil de

“casados” e dois dependentes), sendo que em 2014 já apresentou como “separado de facto”. 13. A partir de 2014 e até 2019 não apresentou declaração de rendimentos.

  1. A contribuinte B..., com o NIF..., desde 2014 e até 2019, ano da alienação do imóvel, apresentou sempre a declaração de rendimentos como “separada de facto”.
  2. Não estão, assim, preenchidas, conclui a AT, as formalidades para a consideração da existência de agregado familiar no presente caso, tendo em conta que desde 2014, inclusive, não está comprovada a existência de economia comum.

 

3. Saneamento

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

A questão da inutilidade superveniente não se coloca, uma vez que a revogação do ato de liquidação é parcial e o Requerente pretende a anulação integral do referido ato tributário.

 

5.         Matéria de facto

5.1       Factos provados 

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é casado com B... .
  2. À data dos factos, o Requerente era residente no Luxemburgo e o respetivo cônjuge era residente em Portugal.
  3. No dia 15 de setembro de 1997, ainda no estado de solteiros, o Requerente e o cônjuge adquiriram, para sua habitação própria e permanente, por € 63.846,13 (sessenta e três mil, oitocentos e quarenta e seis euros e treze cêntimos), a fração autónoma inscrita na matriz predial urbana sob a letra “A” do artigo ... da Freguesia de ... e ..., correspondente ao Rés-do-Chão esquerdo do prédio sito no n.º ... da ..., em ... .
  4. A fração autónoma anteriormente mencionada foi vendida, livre de ónus e encargos, no dia 23 de abril de 2019, pelo preço de € 289.000,00 (duzentos e oitenta e nove mil euros).
  5. O Requerente e o seu cônjuge amortizaram o remanescente do crédito habitação que haviam contratado, no montante de € 15.473,70 (quinze mil, quatrocentos e setenta e três euros e setenta cêntimos).
  6. O Requerente e o cônjuge suportaram com a aquisição e alienação da fração e, bem assim, com a respetiva valorização, despesas e encargos, o montante de € 13.711,62 (treze mil, setecentos e onze euros e sessenta e dois cêntimos).
  7. No dia 24 de maio de 2019, o Requerente e o cônjuge compraram a fração autónoma identificada pela letra “G” do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ..., ... e ... sob o artigo ..., correspondente ao 1.º andar direito da casa n.º..., na ..., n.º ... e Rua ... n.º ... e... .
  8. A aquisição da fração anteriormente mencionada foi efetuada pelo preço de € 420.000,00 (quatrocentos e vinte mil euros), tendo o Requerente e o respetivo cônjuge contraído um empréstimo bancário no montante de € 310.000,00 (trezentos e dez mil euros).
  1. Na declaração Modelo 3 do IRS, apresentada no dia 22 de junho de 2020 o Requerente declarou que era separado de facto no ano de 2019.
  2. No Anexo G da mesma Modelo 3 do ano de 2019, o Requerente declarou o valor de realização de € 144 500,00, o valor de aquisição de € 47 385,60 e despesas e encargos com a alienação no valor total de € 5 800,86.
  3. Na mesma declaração Modelo 3 o Requerente declarou a sua intenção de reinvestimento em outra habitação própria e permanente.
  4. O valor de capital em dívida no empréstimo contraído era, à data da alienação, de € 7.736,85, montante então amortizado.
  5. Na mesma Modelo 3 do ano de 2019, o Requerente declarou a sua condição de Não Residente para efeitos fiscais em Portugal.
  6. Mais tarde, o Requerente e o cônjuge apresentaram uma declaração de substituição, referente ao ano de 2019, na qual declararam ser casados.
  7. Na liquidação a Requerida não aplicou ao Requerente o regime do reinvestimento previsto no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS e aplicou o artigo 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS, apurando o imposto por aplicação de uma taxa de 28% sobre o total do ganho de mais valias.
  8. No dia 22 de setembro de 2020, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa, na qual pediu a anulação do ato de liquidação e a respetiva substituição por outro que contemple a redução em 50% da mais valia apurada, bem como o reinvestimento efetuado na aquisição de um outro imóvel destinado a habitação própria e permanente.
  9. O Requerente, decorrido o prazo legal previsto na Lei Geral Tributária, presumiu o indeferimento da reclamação graciosa e desse indeferimento apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
  10. Por despacho de 13 de setembro de 2021, da Subdiretora Geral do Rendimento, foi parcialmente revogado o ato tributário objeto de impugnação, uma vez que a AT se conformou com o entendimento de que apenas são tributadas em 50% as mais valias provenientes da alienação de imóveis, mesmo nos casos em que os sujeitos passivos não são residentes para efeitos fiscais em Portugal.

 

5.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

5.3. Fundamentação da matéria de facto 

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos com o PPA e no Processo Administrativo (“PA”), todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados.

 

6. Matéria de Direito

Entende o Requerente que o ganho de mais-valias imobiliárias que auferiu em 2019 deve beneficiar do regime do reinvestimento consagrado no CIRS.

A liquidação, segundo o Requerente, está assim ferida de ilegalidade, uma vez que deveria ter sido aplicado o regime do reinvestimento, que exclui de tributação os ganhos provenientes de transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

A Requerida, em síntese, entende que a liquidação não se encontra ferida de ilegalidade pois que o Requerente não é residente em Portugal, o que significa que o imóvel apenas poderia ser sua habitação secundária.

Dispõe o nº 1 do artigo 10º do Código do IRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

  1. O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, (…) exclusivamente com o mesmo destino (…);
  2. O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses

anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

  1. O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação; 

Por outro lado, dispõe o nº 6 do mesmo artigo que não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.

No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.

O nº 1 do artigo 13º do Código do IRS, por seu lado, estabelece que ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

O agregado familiar, de acordo com o nº 4 do referido artigo, é constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e pelos dependentes.

O Requerente vem pedir a anulação da liquidação por ilegal, tendo em conta a rejeição pela AT da intenção de reinvestimento declarada.

De entre estes requisitos, estabelece-se, no corpo do n.º 5, e desde logo, o de que se trate de ganhos “provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

No mais, a norma (art.º 10.º, n.º 5) determina ainda a necessidade de verificação cumulativa de três condições. A primeira e a segunda referentes aos termos da concretização do reinvestimento, que se exige, do ganho obtido, e a terceira, referente à obrigação declarativa de manifestação de intenção do reinvestimento aquando da declaração do rendimento obtido.

A lei não nos faculta diretamente um conceito de habitação própria e permanente para efeitos do artigo 10.º, n.º 5.

A razão de ser da consagração do regime do reinvestimento pelo legislador há-de necessariamente ser convocada para a respetiva interpretação. O legislador visou, através do regime, uma finalidade de natureza extrafiscal, qual seja a de incentivar, diminuir ou eliminar obstáculos à aquisição de habitação própria pelas famílias e, em conformidade com a proteção da família e a ponderação das necessidades e rendimentos do agregado familiar que perpassa a nossa Lei Fundamental e, em especial ao que ora nos ocupa, a tributação em IRS.

O que seja habitação própria decorre sem dificuldade da lei, por força do regime do direito de propriedade.

Os ganhos de mais-valias na transmissão onerosa de bens imóveis hão-de decorrer desde logo da transmissão do direito real de propriedade sobre os mesmos. Será então, o bem imóvel em causa, propriedade do SP.

Já o que seja habitação permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar passará por identificar o local - habitação - onde se vive habitualmente, com carácter de estabilidade, regularidade, permanência, onde, se se quiser, seja possível afirmar que se centra a vida pessoal dos indivíduos ou seus agregados familiares, o que significa que é necessário recorrer à verificação de circunstâncias de facto, caso a caso.

No mais, e quanto ao momento relevante para aferir da efetiva habitação permanente, também ele não diretamente estabelecido pelo legislador para efeitos do artigo 10.º, n.º 5, sempre se refere que, como quer que seja, nos autos, resulta da matéria de facto consolidada que a mulher do Requerente residia com carácter de habitualidade/permanência/estabilidade no imóvel quer à data da venda quer, igualmente, ao longo de período prolongado durante anos até essa mesma data.

Acrescente-se, por fim, que quanto ao conceito de agregado familiar dispõe o legislador, no artigo 13.º, n.º 4, que o mesmo é constituído, desde logo, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os dependentes.

E de tudo quanto antecede, haverá que concluir-se, estava reunido o requisito de o imóvel se destinar à habitação permanente do agregado familiar do Requerente.

Na verdade, na norma, a conjunção “ou” não deixa dúvidas de que se trata de uma alternativa, bastando, pois, que esteja reunida em relação àquele que se considera ser o agregado familiar do sujeito passivo, mesmo que não ao sujeito passivo individualmente.

Assim, por um lado não seria pelo facto de o Requerente não ser residente em Portugal que o requisito se não verificava.

E, por outro, sendo o seu cônjuge ali residente com carácter de habitualidade, não poderá entender-se essa materialidade ser de postergar perante a constatação do registo do domicílio fiscal em outra morada.

E o que antecede não deixa de ser coerente com o que constitui no nosso Direito “domicílio fiscal”. Com efeito, como decorre também do artigo 19.º da LGT, devidamente interpretado e contextualizado, sem prejuízo de o domicílio fiscal do sujeito passivo ser ali referido ser - “salvo disposição em contrário” - para as pessoas singulares, o local da sua residência habitual, o conceito é reconhecidamente de cariz sobretudo formal.

Trata-se, na realidade, de um conceito reportado a comunicações, notificações e formalidades procedimentais ou processuais, bem como a determinação de competências territoriais de entidades, organismos e Tribunais com referência à relação jurídico-tributária. Servindo desde logo o propósito de se darem com facilidade, e organização, as comunicações entre AT e contribuintes. Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, o conceito de domicílio fiscal não pode ser entendido como sinónimo, sem mais, de residência habitual.

Se é certo que as mais das vezes coincidirá com a residência habitual, não poderá deixar de se contextualizar e, em suma, não se deverá permitir o mesmo constituir um obstáculo à aderência no caso à verdade material.

Posto isto, resultando dos autos que a mulher do Requerente, integrante do seu agregado familiar, residia com carácter de permanência, habitualidade e estabilidade no imóvel, pode concluir-se que estão preenchidos os requisitos legais exigidos pelo artigo 10º do Código do IRS.

Assim sendo, a liquidação está ferida de ilegalidade por conter em si a recusa da aplicação do regime do reinvestimento previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código referido.

A manifestada intenção de reinvestimento era de molde a surtir a consequência de suspender a tributação do ganho de mais-valias do Requerente, consequência que, ao não se ter retirado e ao liquidar, inquinou a liquidação de vício de violação de lei.

Antecipando a decisão, conclui-se que a liquidação padece de vício de violação de lei, por erro de Direito acerca dos factos, em concreto por não permitir a exclusão da tributação das mais valias provenientes da alienação efetuada por um sujeito passivo não residente que tenha no território nacional o respetivo agregado familiar.

No que se refere, por sua vez, ao argumento de que o Requerente deverá, na parte do ganho que não fique excluída de tributação, beneficiar do regime do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, fica prejudicada a respetiva análise, tendo em conta a posição entretanto assumida pela AT.

 

7. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA e assim declarar ilegal e consequentemente anular a liquidação de IRS melhor identificada nos autos, sendo a mesma substituída por uma outra que leve em linha de conta o reinvestimento efetuado pelo Requerente na aquisição de um imóvel destinado a habitação própria e permanente.

 

8. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 18.668,44.

 

9. Custas 

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 7 de março de 2022

 

O Árbitro

 

Paulo Lourenço