Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 191/2022-T
Data da decisão: 2022-11-01  IRS  
Valor do pedido: € 189.226,72
Tema: IRS - Determinação de valor de aquisição em IRS numa permuta de imóveis.
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SUMÁRIO: I- O Código do IRS tributa, nos termos do artigo 10º, nº 1”as alienações onerosas sobre bens imóveis”, isto é, tratando-se de uma permuta de bens imóveis, tributa os eventuais ganhos obtidos com a alienação onerosa de cada um dos imóveis permutados, pelo que tributa ambos os permutantes.

II- O valor de aquisição na permuta, para efeitos de alienação onerosa dos imóveis permutados em IRS, deve ser encontrado pela aplicação da regra geral de determinação do valor sobre que incide o IMT no caso de uma compra e venda (artigo, nº 1 do CIMT), solução a que não se opõem nem a letra nem o espírito do legislador, mormente no artigo 46º, nº’ 1 e 2 do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO
  1. Marcha do processo e fundamentação do pedido de PPA e da resposta da AT

1- A..., solteira, maior, NIF ..., residente na Rua ..., N.º ..., ...-... ..., Portimão, doravante designado por “Requerente”, vem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º e do n.º 1 do art.º 2.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante “RJAT” - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do Código do Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral singular com vista à pronúncia de decisão arbitral de anulação da decisão de indeferimento expresso parcial da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de IRS nº 2021..., de 2021, relativa ao ano de 2017, no valor de € 189.226,72, incluindo a liquidação de juros compensatórios 2021..., cuja anulação igualmente se pretende.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 2022-03-22.
  2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico constituiu o Tribunal presidido pela Senhora Presidente Conselheira Fernanda Maçãs, e pelos vogais Professor Doutor Vasco Valdez (relator) e Dr. António Alberto Franco, que comunicaram a aceitação atempadamente.
  3. Em 2022-05-13, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
  4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 2022-05-31.
  5. Nestes termos, o Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o processo.
  6. A fundamentar o pedido a Requerente apresentou os fundamentos que a seguir se indicam.
  7. A ora Requerente foi notificada da Demonstração de liquidação de IRS nº 2021..., de 2021, relativa ao ano de 2017, no valor de € 189.226,72, incluindo a liquidação de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 13 de abril de 2021.
  8. Em 8 de Outubro de 2021, a Requerente pagou na íntegra o valor de € 189.226,72, que correspondia ao “valor a pagar” constante da liquidação contestada, acrescido de juros de mora já em processo de execução, num total de € 195.456,19.
  9. A Requerente apresentou, em 30 de agosto de 2021, e dentro do prazo legal, reclamação graciosa contra o ato de liquidação supra mencionado visando a sua declaração de ilegalidade e anulação, a devolução do imposto pago em excesso e o pagamento de juros indemnizatórios.
  10. Por ofício nº..., datado de 21-12-2021, enviado por carta registada, a Requerente foi notificada pela AT da decisão de “deferimento parcial” da reclamação graciosa por ela apresentada, onde constam todos os fundamentos do indeferimento parcial,
  11. À data dos factos (factos geradores da mais-valia) a Requerente estava inscrita no cadastro como não residente em território português, sendo que atualmente já está inscrita como residente desde 1 de março de 2021.
  12. No ano de 2017, a aqui Requerente obteve rendimentos em Portugal provenientes de mais-valias resultantes da alienação onerosa de um imóvel, destinado a habitação, sito na ..., Lote ..., ..., concelho de Portimão, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo matricial ..., da freguesia da ..., concelho de Portimão.
  13. O valor de realização do imóvel acima identificado foi de € 700.000,00 (Setecentos mil euros), conforme ‘escritura’ (Casa Pronta) de alienação de 9 de junho de 2017 (vide o doc. 2 da petição de reclamação graciosa junta como doc. nº 3).
  14. O imóvel foi adquirido no ano de 2012 pelo valor de € 380.000,00 (Trezentos e oitenta mil euros), conforme escritura de permuta de alienação de 20 de julho de 2012, onde consta expressamente o valor atribuído acima referido (vide o doc. 3 da petição de reclamação graciosa junta como doc. nº 3).
  15. A petição de reclamação graciosa abordou TRÊS PONTOS essenciais, a saber, erro na não consideração de apenas 50% do valor da mais-valia, erro na não consideração de deduções específicas e erro na aquisição do valor de aquisição do imóvel.
  16.  Em relação aos dois primeiros argumentos, foi dada razão pela AT à Requerente no âmbito da reclamação graciosa, pelo que será sobre o último (cálculo do valor de aquisição do imóvel para efeitos de determinação da mais-valia) que centraremos a nossa atenção.
  17. A mais-valia realizada pela ora Requerente na venda do imóvel corresponde à diferença entre o referido valor da alienação e o da aquisição (por escritura de permuta), acrescido das despesas e encargos com o imóvel.
  18. Contudo, a Administração Tributária (adiante AT) procedeu à liquidação oficiosa, onde erradamente considerou o valor de aquisição do prédio adquirido pela Requerente como sendo de apenas € 89.141,80 (um valor de tornas além do valor atribuído ao bem que cedeu aos outros permutantes) e não o valor atribuído ao imóvel que recebeu na escritura de permuta (de € 380.000,00), valor esse sempre a ser considerado para efeitos de IMT e de Imposto Selo, por ser superior ao VPT do prédio adquirido de € 168.490,00
  19.  Ora, de acordo com os nºs 1 e 2 do artº 46.º do CIRS, sob a epígrafe “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, diz-se:

 1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

  1. De acordo com o 4.ª ao artigo 12º do CIMT, “Nas permutas de bens imóveis, toma-se para base da liquidação a diferença declarada de valores, quando superior à diferença entre os valores patrimoniais tributários”.
  2. Sendo que o valor declarado/atribuído pela ora Requerente para efeitos da sua aquisição – que é o que releva para o IRS, foi manifestamente de € 380.000,00 (Trezentos e oitenta mil euros).
  3. Portanto, o imóvel foi adquirido, por permuta, pelo valor declarado de € 380.000,00 (Trezentos e oitenta mil euros), conforme escritura de permuta junta como doc. 3 da petição da reclamação graciosa, e como igualmente deveria constar dos documentos de liquidação do IMT, pelo que é este o valor de aquisição a considerar e não o eventual e erradamente considerado na liquidação, que é inclusivamente muito inferior ao do próprio VPT do prédio adquirido – na liquidação “olhou-se” a um valor de tornas em dinheiro sem atentar ao real valor declarado/atribuído aos prédios.
  4. Nunca o valor de aquisição do prédio da reclamante (artº ..., da freguesia da ..., concelho de Portimão) poderia ter um valor de aquisição para efeitos de IRS que fosse sequer inferior ao valor patrimonial tributário € 168.490,00 (cento e sessenta e oito mil quatrocentos e noventa euros)!
  5. Agora, mesmo que, com tal argumento, a AT entenda que não poderia considerar o valor declarado, na escritura, o que só para efeitos de discussão se aceita, o certo é o valor de aquisição nunca poderia ser inferior ao VPT.
  6. De tal sorte, que a AT acabou por considerar que o valor de aquisição não pode ser inferior ao VPT, in casu, de € 168.490,00, sendo certo que, como a Requerente menciona nas suas alegações, a AT veio efetuar nova liquidação, não com base nas tornas pagas, mas com base no VPT DO IMÓVEL ADQUIRIDO.
  7. Por outro lado, não se podem confundir a os impostos – IMT e IRS.
  8. Os números 1 e 2 do artº 46º do CIRS remetem para os valores que tiverem servido ou que serviriam para efeitos de liquidação de IMT.
  9. Mas isso não significa que os valores de aquisição, para efeitos de IRS, sejam valores de liquidação de IMT numa permuta (uma qualquer diferença de valores, tornas ou qualquer outra que não seja o valor declarado ou o VPT).
  10. Desde logo uma vez que, numa permuta, estamos verdadeiramente perante duas compras e vendas.
  11. O valor de aquisição na permuta, para efeitos de tributação da alienação onerosa dos imóveis permutados em IRS, deve ser encontrado por aplicação da regra geral de determinação do valor sobre que incide o IMT no caso de um contrato de compra e venda (artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT).
  12. E é isso que tem sido decidido pelos Tribunais, apesar de a AT entender que tais decisões não a vinculam!
  13. Com efeito, numa recente decisão do CAAD (Processo n.º: 379/2020-T Tema: IRS - Valor de aquisição de imóveis adquiridos por permuta para efeitos de determinação de mais-valias ou de menos-valias na sua posterior alienação onerosa, foi decidido:

 I. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei (artigo 11.º, n.º 2, da LGT).

II. O contrato de permuta ou troca é, atualmente, um contrato, se não inominado, pelo menos atípico, uma vez que o seu regime específico não consta do Livro do Direito das Obrigações no Código Civil Português.

III. É entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência civis que ao contrato de permuta ou troca se devem aplicar as regras do contrato de compra e venda, nos termos do disposto no artigo 939.º do Código Civil, isto é, considerar que tal contrato se traduz em duas compras e duas vendas recíprocas.

IV. O Código do IMT utiliza um conceito de permuta muito específico, uma vez que partindo da unificação contratual e do pressuposto de que a permuta de bens imóveis, aqui em caus, é um contrato que visa a mera substituição de um imóvel por outro, apenas tributa o contraente que receber os bens de maior valor, e pela diferença de valores, havendo-a. Na tributação em IMT da permuta apenas há um sujeito passivo, ou pode mesmo inexistir sujeito passivo.

V. O Código do IRS tributa, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, "as alienações onerosas de direitos reais sobre bens imóveis", isto é, e referindo-nos à permuta, tributa os eventuais ganhos obtidos com a alienação onerosa de cada um dos imóveis permutados, pelo que tributa ambos os permutantes. Na tributação da permuta em IRS há sempre dois sujeitos passivos, exceto se algum beneficiar da delimitação negativa da incidência consagrada no artigo 5.º do Decreto-Lei que aprova o Código.

VI. O valor de aquisição na permuta, para efeitos de tributação da alienação onerosa dos imóveis permutados em IRS, deve ser encontrado por aplicação da regra geral de determinação do valor sobre que incide o IMT no caso de um contrato de compra e venda (artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT), solução a que não só se não opõem nem a letra nem o espírito do legislador nos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º do Código do IRS, como, pelo contrário, a contemplam expressamente.

  1. E também no Acórdão do STA, Processo 0284/09.9BECTB 0517/17, de 21-11-2019)

I - De acordo com o artº 10º, nº 1, alínea a) do CIRS “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.

II - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar; (…) f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação (artº 44º do mesmo diploma).

III - Por sua vez, o valor de aquisição, de acordo com os artºs 45º e 46º, ainda do CIRS, no caso de bens ou direitos adquiridos a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa.

IV - No caso dos autos, tratando-se de permuta, existe uma regra bem distinta da que vigora para efeitos de tributação em sede de IMT, em que o valor tributável é dado pela diferença declarada de valores (do imóvel adquirido e do imóvel alienado) ou a diferença entre os valores patrimoniais tributários (desses imóveis) quando superior, não havendo que confundir a tributação do rendimento com a tributação do património.

  1. Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituída a quantia paga indevidamente, em excesso, pela Requerente.
  2. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do ato de liquidação (e da decisão de indeferimento expresso parcial da reclamação graciosa), cuja quantia o Requerente pagou em 8 de Outubro de 2021, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
  3. Consequentemente, a Requerente tem, ainda, direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
  4. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data do pagamento efetuado (8 de Outubro de 2021), e calculados com base no respetivo valor do excesso de imposto liquidado e pago, até à sua integral devolução ao Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, para além, evidentemente, da restituição do imposto pago a mais.
  5. Por seu turno, a AT, na sua resposta, veio considerar que nos termos do artigo 10º, nº 1 do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
  6. Sendo que, nos termos do estatuído no nº 1 do artigo 46º do CIRS, se o bem imóvel tiver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido  para efeitos de liquidação do IMT, dispondo o CIMT que este imposto incidirá sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o VPT se superior, acrescentando-se no nº 4 que nas permutas de bens imóveis toma-se por base da liquidação a diferença de valores declarados quando superior às diferenças de VPT’s, concluindo que o valor que serviu para efeito do apuramento da referida matéria coletável de IMT foi o VPT do imóvel e não o valor atribuído no contrato.
  7. Finalmente, considera que o ato de liquidação após a revogação do primitivo foi legal, pelo que não são de imputar erros aos serviços e, consequentemente, não haverá lugar a juros indemnizatórios.

 

II- SANEAMENTO

  1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigo 4º e 10º, nº 2 do RJAT e artigo 1º da portaria nº 112-A/2011, de 22 de março)
  3. O pedido é tempestivo e o processo não enferma de nulidades.

 

III- MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

III.1.- MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental  junta aos autos, tendo presente que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e a não provada (artigos 123º, nº 2 do CPPT e 607, n.os 3 e 4 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29º, nº1 alíneas a) e e) do RJAT, consideram-se provados , com relevo para a decisão, os seguinte factos:
  2. No ano de 2017, sendo a Requerente residente em França, obteve rendimentos da categoria G de IRS (mais-valias), resultantes da alienação onerosa de um imóvel destinado a habitação, sito na ..., Lote ..., ..., concelho de Portimão, inscrito na respetiva matriz sob o artigo matricial urbano ..., da freguesia da ... .
  3. O valor de realização do imóvel foi de 700.000,00€, conforme escritura de 9 de junho de 2017 da Casa Pronta de alienação, junta aos autos.
  4. O imóvel em apreço havia sido adquirido no ano de 2012 por permuta escriturada em 20 de julho de 2012, tendo sido atribuído um valor de 380.000,00€ ao mencionado imóvel para efeitos A Requerente da permuta em causa.
  5. A Requerente foi notificada da demonstração de IRS relativa a 2017, no valor de 189.226,72€, com data limite de pagamento a 13 de abril de 2021, tendo a mesma pago integralmente tal liquidação acrescida de juros compensatórios, tudo num valor total de 195.456,19€, conforme documento junto aos autos.
  6. Entretanto, a 30 de agosto de 2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra tal ato de liquidação que havia de merecer provimento parcial por despacho do Diretor de Finanças de Faro em 20 de dezembro de 2021, que reconheceu razão à Requerente no que concerne à consideração indevida de 100% da mais-valia (e não de 50%) que deveria ser aplicada a cidadãos residentes e também a não residente dentro da União Europeia (o que era o caso da Requerente à data), a erro na não consideração de deduções específicas, mas não concedendo provimento quanto ao valor de aquisição que a Requerente entendia ser o correto (os 380.0000,00€).
  7. Finalmente, com a interposição da impugnação judicial junto do tribunal arbitral, os serviços da AT oficiosamente analisaram o processo, na parte relativa ao valor de aquisição e deram provimento parcial à Requerente, ao considerarem que o valor de aquisição não era o valor de tornas pagas, mas o VPT do prédio. O despacho da SDG do IR foi comunicado ao CAAD, ao abrigo do artigo 13º, nº 1 do RJAT, em 29 de abril de 2022, tendo, contudo, a Requerente entendido que o processo deveria prosseguir até decisão final do tribunal.

 

III.2. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

  1. A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental, não impugnada, bem como do processo administrativo junto aos autos.
  2. Não se deram como provados, ou não provados, outros factos suscetíveis de interferirem na decisão da causa.

 

III.3- MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Analisemos, então, a questão que subsiste em aberto de todo este processo que foi sofrendo diversas correções por parte da AT, que foi dando provimento aos argumentos do contribuinte. Ora, recordando, a questão sobre a qual o Tribunal terá agora de pronunciar-se é se o valor de aquisição onerosa, para efeitos de mais-valias prediais, é o VPT, como advoga a AT presentemente ou o valor declarado pela parte na escritura de permuta do imóvel em causa. Ou seja, em termos quantitativos, se será de 168.490,00€ (VPT) ou de 380.000,00€ (valor atribuído pela parte na escritura de permuta).
  2. Já quanto ao valor de realização, não há qualquer divergência entre as partes e o mesmo é o que resulta da aplicação do nº 1 e 2 do artigo 44º do CIRS, o que no caso vertente corresponde ao valor declarado pelas partes e que é de 700.000,00€.
  3. Vejamos, então, o que nos diz a lei no que respeita ao chamado valor de aquisição onerosa e à sua forma de cálculo.

Assim, o CIRS diz-nos, no artigo 46º, em especial nos seus nº’s 1 e 2 o seguinte:

 

1-No caso da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2- Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado com as regras próprias daquele imposto.

  1. Ora, como antes já foi sobejamente relatado, no caso vertente a aquisição do imóvel fez-se através de permuta de bens imóveis, sendo certo  que o CIMT, no seu artigo 12º começa por mencionar que o IMT incidirá sobre o valor do ato ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior para, no nº 4 regra 4ª, nos elucidar que havendo permuta de bens imóveis, toma-se para base da liquidação a diferença declarada de valores, quando superior à diferença dos valores patrimoniais.
  2. Simplesmente, a questão que nos parece essencial é a de saber se estas regras de cálculo do IMT devem ser exclusivas desse imposto ou se, pelo contrário, devem ser também trazidas à colação para efeitos de IRS.
  3. Neste particular, devemos dizer que seguiremos de perto a decisão arbitral tomada no processo nº 379/2020-T, de 2021-01-18, pelo que salientamos que o primeiro passo a dar na nossa investigação é a caracterização sob o ponto de vista civilístico do contrato de permuta, sendo que, segundo LUÍS MENEZES LEITÃO, a troca tem por objeto a transferência recíproca de propriedade de coisas ou outros direitos entre os contraentes, com grandes similitudes com o contrato de compra e venda, a que se aplica o artigo o artigo 939º do Código Civil, sendo um contrato atípico  e o seu regime construído por remissão para o referido preceito do CC. (Quanto a esta caracterização como de contrato de compra e venda se tratasse, veja-se ainda o Parecer da PGR nº 20/2019, in DR, II Serie, de 15 de novembro de 2020 ou o Acórdão do STJ de 2007-10-09, processo nº 07ª2761). Por consequência, como se diz na decisão arbitral que vimos seguindo, ”não pode deixar de se concluir que na permuta ou troca, na perspetiva civilista, coexistem ou acomodam-se duas compras e vendas de bens imóveis, independentemente da qualificação que se faça do respetivo contrato”.
  4. Neste sentido e sem outras grandes considerações, diremos que não faria sentido termos regras diferentes em matéria fiscal para determinar o valor de aquisição e o valor de realização dos bens imóveis.
  5. Até porque consideramos que o legislador curou de estabelecer regras mais favoráveis de tributação em IMT para as permutas mas, como não podia deixar de ser, exclusivamente para esse imposto. Quanto ao contrato de troca e à luz do de dissemos anteriormente, para efeitos de IRS. estamos perante duas compras e vendas e como tal, devem valer as regras gerais próprias de um contrato desta natureza, ou seja, os valores são os livremente estabelecidos contratualmente por ambas as partes, sendo certo que só não podem ser inferiores ao VPT, conforme resulta do artigo 44º do CIRS e também do artigo 12º, nº’ 1 do próprio CIMT. Aliás e para finalizar, veja-se o absurdo que seria aplicar diretamente a regra excecional da tributação das permutas em IMT para efeitos de consideração do valor de aquisição de IRS. No caso de um adquirente que nada pagasse de IMT, o seu valor de aquisição para efeitos de IRS seria 0 (e aqui no caso da permuta ela é onerosa porque o ativo trocado tem um valor subjacente), o que faria que numa venda futura o valor das mais-valias poderia ser assaz elevado, sem qualquer correspondência com a realidade e violando o princípio da capacidade contributiva.
  6. Pelas razões expostas, considera-se que a Requerente tem razão no pedido formulado.
  7. A procedência do pedido com fundamento na ilegalidade da Requerida implica a restituição do imposto indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legais.
  8. Constitui jurisprudência pacífica que apesar de se ter verificado revogação parcial da lide, nos termos do artigo 13.º do RJAT, como em lado nenhum do preceito é feita qualquer referência no sentido de revogação total ou parcial do ato tributário ter qualquer reflexo em termos de custas processuais, estas devem, por isso, ser fixadas em conformidade com o valor do processo identificado no Pedido Arbitral pela Requerente e o decaimento das partes, nos termos gerais (cfr. entre outros, a Decisão Arbitra proferida no Processo n.º 214/2019-T).

 

 

IV- DECISÃO

 

Nestes termos decide este Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral de indeferimento expresso da reclamação formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2017, na parte ora impugnada, sendo de considerar como valor de aquisição do prédio identificado sob o artigo matricial ... da freguesia da ..., concelho de Portimão o valor declarado de 380.000,00€ constante da escritura de permuta;
  2. Condenar a AT a reembolsar a importância que se mostre devida e correspondente ao imposto indevidamente liquidado, acrescido de juros indemnizatórios a favor da Requerente;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V- VALOR DO PROCESSO 

 

Fixa-se o valor do processo em 189.226,72€, nos termos do artigo 97-A, nº1 a) do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento das Custas nos processos de arbitragem tributária.

 

VI- CUSTAS

 

Fixa-se o valor das custas de arbitragem em 3.672,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12º, nº 2 e 22º, nº 4, ambos do RJAT e artigo 4º, nº 4 do citado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 1 de novembro de 2022

 

 

A Presidente do Tribunal

 

                    

(Fernanda Maçãs)

 

Os vogais

 

 

(António Alberto Franco), com declaração de voto

 

 

(Vasco Valdez- relator)

 

 

 

Declaração de voto:

Pese embora tenha tido entendimento diferente em decisão anterior, afigura-se-me hoje como consentâneo com o espírito da lei o que a presente decisão espelha

 

(António A. Franco)