Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 257/2022-T
Data da decisão: 2022-10-07  IRS  
Valor do pedido: € 36.188,56
Tema: IRS. Não residente. Dupla tributação internacional. Inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

I – A revogação dos atos impugnados após constituição do Tribunal Arbitral, dá satisfação à pretensão formulada pelos Requerentes quanto à anulação dos mesmos, constituindo causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.  RELATÓRIO

Em 11 de abril de 2022, A..., com o NIF ... e mulher, B..., com o NIF..., com domicílio fiscal na ...- ... -..., ..., ...– ...-... NAZARÉ (adiante designados por Requerentes), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

  1. Objeto do pedido:

Os Requerentes pretendem a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de IRS referentes aos rendimentos dos anos de 2015 e de 2016, nos valores de € 7 836,93 e de € 28 351,63, respetivamente, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa daquelas mesmas liquidações de IRS.

 

Mais pedem os Requerentes a condenação da Requerida no reembolso da quantia de € 36 188,56 por si indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios nos termos legais.

 

 

B. Fundamentação do pedido

Os Requerentes fundamentam o pedido nos seguintes termos:

 

Na qualidade de residentes em França, aí apresentaram as suas declarações de rendimentos referentes aos anos de 2015 e de 2016, das quais fizeram constar os rendimentos de trabalho (2015) e de pensões (2015 e 2016) ali auferidos por cada um dos membros do casal.

 

Por terem obtido, nos anos em causa, rendimentos em Portugal, aqui apresentaram as respetivas declarações modelo 3 de IRS, nas quais, por lapso, foi indicado tratar-se de contribuintes residentes em território nacional (Continente), o que não corresponde à verdade, conforme atestado pelas autoridades fiscais francesas.

 

Assim, a AT acresceu aos rendimentos declarados nas declarações modelo 3 de IRS, os rendimentos auferidos pelos Requerentes em França.

No que respeita ao ano de 2016, os rendimentos de trabalho auferidos por qualquer dos sujeitos passivos até ao final do mês de março daquele ano, altura em que passaram à situação de pensionistas, englobam indemnizações por cessação dos respetivos contratos de trabalho que, ainda que os Requerentes pudessem ser considerados residentes, não seriam tributados, por não ultrapassarem o limite previsto no n.º 4 do artigo 2.º, do Código do IRS.

 

 Contudo, a residência dos Requerentes em Portugal seria incompatível com o exercício das suas atividades profissionais em França e, à luz do conceito de residência plasmado quer no artigo 16.º, do Código do IRS, quer da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação Internacional celebrada entre Portugal e a França, era neste último país que se situava o seu centro de interesses vitais, aí devendo ser considerados como residentes.

 

Os Requerentes apresentaram reclamações graciosas contra as liquidações de IRS dos anos de 2015 e de 2016 ora contestadas, que foram indeferidas por extemporaneidade, assim como recurso hierárquico destas decisões de indeferimento, no qual requereram a convolação das reclamações graciosas em pedido de revisão oficiosa das mesmas liquidações, por considerarem que aquelas padecem de injustiça grave ou notória.

 

Embora o recurso hierárquico tivesse sido deferido, o subsequente pedido de revisão oficiosa foi objeto de rejeição liminar, dado que os Requerentes não comunicaram à AT a alteração do seu domicílio fiscal de Portugal para França, o que foi considerado constituir comportamento negligente, para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 78.º, da LGT.

 

No entanto, entendem os Requerentes que o n.º 1 do artigo 19.º, da LGT, contém uma presunção ilidível e que os elementos na posse da Requerida permitem concluir pela sua residência em França, sendo as liquidações ilegais e devendo ser anuladas.

 

Com o PPA os Requerentes juntaram dez documentos comprovativos dos factos que alegam e requereram a produção de prova testemunhal e por declarações de parte.

Na data da constituição do Tribunal Arbitral, os Requerentes fizeram ainda juntar comprovativo da aquisição do estatuto de residente não habitual, que lhes foi conferido pela AT para os anos de 2020 a 2029 e que, em seu entender, confirma não poderem ser considerados como residentes nos anos a que respeitam as liquidações objeto dos autos, conforme disposto no n.º 8 do artigo 16.º, do Código do IRS.

 

 

b. Da Requerida

Notificada por despacho arbitral de 23 de junho de 2022, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT não apresentou Resposta, tendo, em 21 de julho de 2022, remetido aos autos requerimento a que juntou cópia do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento e Relações Internacionais, datado de 14-07-2022, nos termos do qual se determinou a revogação das “Liquidações de IRS n.ºs 2019 ... (ano de 2015) e 2019 ... (ano de 2016), nos montantes de € 12.293,13 e de € 30.309,17, respectivamente”, solicitando ao Tribunal Arbitral que notificasse os Requerentes para estes declararem se pretendiam a extinção da instância “por ver satisfeito o seu pedido”.

 

*

Pelo despacho arbitral de 4 de agosto de 2022, foram os Requerentes notificados para se pronunciarem sobre a eventual extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Por requerimento de 13 de setembro de 2022, vieram os Requerentes comunicar aos autos a desistência do pedido, por terem obtido o que pretendiam através de despacho de revogação de 14-7-2022, da Subdiretora Geral da ATA.

 

 Nos termos do despacho arbitral de 20 de setembro de 2022 e, vistas as posições transmitidas aos autos, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, mais se notificando as Partes de que a decisão arbitral será proferida dentro do prazo a que alude o n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, advertindo-se os Requerentes de que deveriam, até essa data, dar cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 23 de junho de 2022, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem;
  4. Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as
suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral
tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue:

A – Factos provados:

  1. O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 13 de abril de 2022, data em que foi automaticamente notificado à Requerida AT;
  2. O Tribunal Arbitral foi constituído em 23 de junho de 2022;
  3. Por Despacho de 14 de julho de 2022, a Senhora Subdiretora-Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento e Relações Internacionais revogou os atos tributários de liquidação de IRS dos anos de 2015 e de 2016, objeto da presente ação arbitral;
  4. Em 21 de julho de 2022, a AT comunicou aos autos ter sido proferido o despacho de revogação dos atos tributários impugnados;
  5. Em 13 de setembro de 2022 os Requerentes comunicaram a desistência do pedido, por terem obtido o que pretendiam através de despacho de revogação indicado em 3.

 

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos pelas Partes.

 

 

 

III.2 DO DIREITO

  1. Da inutilidade superveniente da lide

O objeto da presente ação arbitral enquadra-se na previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, já que a pretensão dos Requerente era a da “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, da competência dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, iniciando-se então a contagem do prazo para constituição do tribunal arbitral, de acordo com o artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

A revogação dos atos impugnados após constituição do Tribunal Arbitral, dá satisfação à pretensão formulada pelos Requerentes quanto à anulação dos mesmos, constituindo causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, e que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, se verifica quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida[1].

 

O processo arbitral tributário, à semelhança do processo de impugnação judicial de que é meio alternativo, tem a natureza de ação constitutiva, dado ter “como objetivo a modificação ou anulação de um ato administrativo” (…) que “tem sempre como pressuposto um interesse em agir, o que atinge a sua expressão mais nítida sempre que se verifica, por parte da Administração, a produção de um determinado acto tributário considerado pelo contribuinte como estando em desconformidade com a lei[2].

 

A ausência superveniente de interesse processual, por ter sido obtida fora do processo a satisfação da pretensão dos Requerentes, tem por consequência a absolvição da Requerida da instância[3].

 

Tendo a Requerida dado causa à inutilidade superveniente da lide, fica esta responsável pelas custas do processo, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, segmento final, do CPC.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos enunciados supra, decide-se em:

 

  1. Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;
  2. Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente

processo.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 36 188,56 (trinta e seis mil, cento e oitenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos), indicado pelos Requerentes.

 

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de outubro de 2022.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08/06/2022, Processo 02321/17.4BEPRT.

[2] Cfr. SALDANHA SANCHES, “Princípios do Contencioso Tributário”, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1987, págs. 78 e 80.

[3] Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª

edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 189.