Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 326/2019-T
Data da decisão: 2020-01-31  IVA  
Valor do pedido: € 51.102,39
Tema: IVA – artigo 7.º n.º 1 alínea b) do CIVA; reconhecimento de réditos e realização da prestação de serviços.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra do Tribunal Singular Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral,

constituído em 17.07.2019 decide o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A..., S.A., doravante denominada por “Requerente”, número de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... com sede na Rua ... n.º..., ...-... ..., tendo sido notificada do ato liquidação adicional de IVA com o n.º 2018... (período de tributação 2014.12T) no valor de € 44.330,20 e da correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 6.772,19, liquidações no valor total de € 51.102,39, referentes ao período de tributação de 2014, apresentou, em 07.05.2019 pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5.º, n.º 2 e 10.º n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (“RJAT”) aprovado pelo Decreto-lei n.º10/2011, de 20 de janeiro, conjugados com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

2.            A Requerente pretende a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios em referência e ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

3.            Alega, em termos de direito substantivo, que a liquidação adicional de IVA é ilegal por equiparar o registo contabilístico de um rédito de serviços à “realização” dos serviços em sede de IVA, não distinguindo o conceito de “realização de serviços” para efeitos contabilísticos e para efeitos fiscais.

 

4.            De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitra singular do Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 17.07.2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

6.            Notificada para o efeito, em 30.09.2019, a Requerida apresentou resposta e juntou o respetivo processo administrativo (“PA”) tendo-se defendido por impugnação.

 

7.            Notificada para informar se, face às posições das partes assumidas nos articulados, a Requerente mantinha interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas ou se prescindia da mesma, a Requerente prescindiu da inquirição.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.

 

9.            Foi concedido prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas, tendo apenas a Requerente apresentado as mesmas, mantendo a respetiva posição jurídica.

 

10.          Notificada para o efeito, a Requerente apresentou, em 15.01.2020, comprovativo de existência de plano prestacional do pagamento da dívida em causa, com 24 prestações, das quais, à data da apresentação do respetivo comprovativo, haviam sido pagas 8 prestações.

 

11.          Foi prorrogado o prazo de decisão arbitral ao abrigo da faculdade concedida pelo n.º 2 do artigo 21.º do RJAT para assegurar o contraditório pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao comprovativo de pagamento apresentado pela Requerente, nada tendo sido oposto ou requerido quanto ao mesmo.

 

II.            SANEAMENTO

 

12.          O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 e 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT.

 

13.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

14.          O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre apreciar o mérito da causa.

 

III.          DECISÃO

 

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1.        Factos provados

 

15.          A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem por objeto social “a elaboração de estudos e projectos financeiros, a prestação de serviços de apoio administrativo, contabilístico, auditoria e consultoria e de gestão a empresas e a prestação dos serviços conexos com as actividades por si prosseguidas”,  com o CAE 69200-R3 (cfr. pág. 2, ponto II.3. do Relatório de Inspeção Tributária, junto no PA).

16.          A Requerente encontra-se enquadrada para IVA no regime normal trimestral (cfr. pág. 2, ponto II.3. do Relatório de Inspeção Tributária).

17.          Em data não determinada de 2014, a Requerente registou, a débito, na conta “272112 – Devedores por acréscimos de rendimentos » Outros Acréscimos de Rendimentos” um valor de € 200.000,00, por contrapartida da conta “7219 – Rendimentos » Prestações de serviços » Outras regularizações” (pontos III.2 e III.4.1 do Relatório de Inspeção).

18.          Estes registos contabilísticos (tudo cfr. ponto III.4.1 do Relatório de Inspeção):

(i)           mantiveram-se nas contas da sociedade a 31.12.2014;

(ii)          têm por base uma nota de lançamento interna;

(iii)         têm subjacente, no valor de € 80.000, serviços de um projeto desenvolvido pela Requerente para a B..., SA.  – tendo em vista a aquisição, por esta empresa, da sociedade C..., S.A. –  que envolvem:

a.            Elaboração e discussão do business plan da C...;

b.            Acompanhamento das contas mensais da C... e sua comparação com os valores previsionais;

c.            Apresentação de dossier da C... a diversas entidades financeiras e a potenciais investidores;

d.            Acompanhamento em reuniões diversas com a Comissão de Trabalhadores e com ex-trabalhadores da C...;

e.            Reestruturação financeira e operacional da C... .

(iv)         têm subjacente, no valor de € 120.000, serviços de um projeto desenvolvido pela Requerente para a D..., Lda. – tendo por objetivo a implementação em Angola de uma rede de oficinas rápidas de venda de pneus para viaturas ligeiras – que envolvem:

a.            Acompanhamento e tratamento do projecto em Angola;

b.            Desempenho de todas as funções administrativas e operacionais;

c.            Desenvolvimento e implementação do projecto;

d.            Prospecção, controlo e monitorização do dossier de clientes;

e.            Aconselhamento e suporte contabilístico;

f.             Acompanhamento e execução de obrigações legais, fiscais e laborais.

19.          Não foi liquidado IVA pela Requerente quanto ao valor de € 200.000,00 identificado em 17 acima (cfr. ponto III.2 e III.4.1 do Relatório de Inspeção).

20.          Não foram anulados os acréscimos de rendimentos identificados em 17 acima (cfr. ponto IX do Relatório de Inspeção).

21.          A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa, de âmbito geral, em sede de IRC e IVA, com referência ao período de tributação de 2014, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018... (cfr. pág. 1, ponto 1.4 do Relatório de Inspeção Tributária).

22.          Nesta inspeção foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária junto no PA (fls. 38 e seguintes), cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

“III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

 

 (…)

       

 III.2- Análise à contabilidade da  sociedade

 

Conforme acima referido a A... declarou, no período em análise, um lucro fiscal de € 22.773,96, tendo apurado na sua contabilidade um resultado liquido de € 22.019,62.

Rendimentos:

O sujeito passivo reconheceu nas contas SNC 72113 e 7219, os montantes de

€ 106.336,59 e € 200.000,00, relativos a serviços prestados aos seus clientes e a um acréscimo de rendimentos, respetivamente.

Aquele acréscimo de rendimentos registado a débito da conta 272112 por contrapartida da 7219, encontra-se relacionado com os projetos desenvolvidos para os clientes D..., Lda e B..., SA.

(…)

III.4- Correções Meramente Aritméticas – Imposto

III.4.1 -Acréscimo de rendimento reconhecido na conta 7219- Outras Regularizações

Conforme acima referido, a sociedade reconheceu no período em análise, o rendimento de € 200.000,00 na conta SNC 7219 - Outras Regularizações, por contrapartida da conta 272112 - Outros Acréscimos de Rendimentos.

Analisando o documento de suporte verifica-se que se trata de uma nota de lançamento interna, na qual se encontra evidenciado o lançamento contabilístico efetuado com a seguinte descrição:

"Ajustes Financeiros - Acréscimos de Rendimentos:

1 - Rendimentos relacionados com o projeto Angola da D...- Estudos de Mercado/Implantação de Negócio/Parcerias/despesas, montante de € 120.000,00; e

2 - Rendimentos relacionados com o projeto P.A. da B...- Due Diligence/Expansão de negócio/Parceiros internacionais, montante de € 80.000,00".

No decurso do presente procedimento inspetivo, foram solicitados à sociedade os seguintes elementos e esclarecimentos:

"1 - Fotocópia dos extratos contabilísticos dos clientes D..., Lda (cliente 2111110020) e B... (cliente 211110026) e da conta SNC 272112 para os períodos de 2015, 2016 e 2017, assim como dos documentos comerciais subjacentes;

2 - Informação sobre se o rendimento reconhecido no período de 2014 no montante de € 200.000,00 foi revertido nos períodos de 2015, 2016, 2017 ou 2018 e

3 - Informação pormenorizada sobre quais os serviços subjacentes aos projetos da D... e da B...".

O sujeito passivo, juntou fotocópia dos extratos contabilísticos das contas de clientes 2111110020 e 211110026, assim como da 272112, assim como os documentos de suporte. No que se refere aos serviços subjacentes aos projetos das associadas D... e B..., esclareceu que respeitavam a:

"-B..., S.A. :

A Sociedade B... S.A., com o NIF..., que tem como um dos accionistas a sociedade A..., foi constituída para a aquisição da sociedade C... S.A., com o NIF..., e mensalmente debitava um conjunto de serviços técnicos de administração e gestão, serviços esses que eram prestados pelos seus accionistas, pelo que na parte da sociedade A..., esta efetuava serviços que incluíam:

  .  Elaboração e discussão do business plan da C...;

 . Acompanhamento das contas mensais da C... e sua comparação com os valores previsionais;

 . Apresentação de dossier da C... a diversas entidades financeiras e a potenciais investidores;

 . Acompanhamento em reuniões diversas com a Comissão de Trabalhadores e com ex-trabalhadores da C...;

. Reestruturação financeira e operacional da C... .

- D..., Lda:

A sociedade D..., Lda, tinha como objectivo a execução de uma área de negócio em Angola que visava a implementação de uma rede de oficinas rápidas de Venda de Pneus para viaturas ligeiras. Para prosseguir e implementar esse negócio teve de contratar uma colaboradora em exclusivo bem como recorreu a outros recursos para efectuar os respectivos serviços que eram os seguintes:

          . Acompanhamento e tratamento do projecto em Angola;

          . Desempenho de todas as funções administrativas e operacionais;

          . Desenvolvimento e implementação do projecto;

         . Prospecção, controlo e monitorização do dossier de clientes;

. Aconselhamento e suporte contabilístico;

. Acompanhamento e execução de obrigações legais, fiscais e laborais."

 (…)

A conta SNC 272112 - Outros Acréscimos de Rendimentos, tinha no início do período saldo inicial devedor no montante de € 95.300,00, no período foi reforçado em € 200.000,00, conforme acima referido, apresentando a 31/12/2014 um saldo devedor de € 295.300,00.

Nos períodos de 2015 e 2016 esta conta foi creditada nos montantes de € 32.500,00 e € 37.700,00, respetivamente, por contrapartida do débito da 72 (sem movimentação da conta SNC 2433 - IVA Liquidado).

Analisando os documentos de suporte, verifica-se que se trata de documentos internos, nos quais se encontra evidenciado o registo contabilístico efetuado com as descrições:

- "Anulação de acréscimo de proveitos, em acréscimo de proveitos em curso a 31/12/2014, E... (€ 18.000,00), F... (€ 2.500,00), G... (€ 5.500,00r, B... (por recalculo do já faturado, € 6.500,00)" e

- "Anulação de acréscimo de proveitos, em acréscimo de proveitos em curso no período anterior,

...".

Tendo em conta o regime de acréscimo e o conceito de rédito patentes no parágrafo 22 da Estrutura conceptual do SNC e na NCRF 20 - Rédito, verifica-se que, ao reconhecer como rédito, ou seja ao considerar que se encontram reunidos os requisitos para a sua consideração  como rédito no período  de 2014, a sociedade, considerou que o serviço subjacente se encontra concluído.

O regime do acréscimo, pressuposto subjacente à elaboração das demonstrações financeiras é definido no parágrafo 22 da estrutura conceptual do SNC - Sistema de Normalização Contabilística, como se transcreve:

"22. A fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas."

A NCRF 20 - Rédito, nos seus parágrafos 2°, 4° e 20°, define rédito, prestações de serviço e esclarece o momento do seu reconhecimento.

Nos termos dos parágrafos 2° e 4° dessa NCRF, esta deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente de prestações de serviços, consistindo estes "no desempenho por uma entidade de uma tarefa contratualmente acordada durante um período de tempo acordado. Os serviços podem ser prestados dentro de um período único ou durante mais do que um período."

Quanto ao momento do reconhecimento do rédito, prescreve o parágrafo 20 da mesma NCRF, que "quando o desfecho de uma transação que envolva a prestação de serviços possa ser fiavelmente estimado, o rédito associado com a transação deve ser reconhecido com referência à fase de acabamento da transação à data do balanço. O desfecho de uma transação pode ser fiavelmente estimado quando todas as condições seguintes forem satisfeitas:

(a)          a quantia de rédito possa ser fiavelmente mensurada;

(b)          seja provável que os benefícios económicos associados à transação fluam para a entidade;

(c)          a fase de acabamento da transação à data do balanço possa ser fiavelmente mensurada; e

(d)          os custos incorridos com a transação e os custos para concluir a transação possam ser fiavelmente mensurados."

Ora, no caso em apreço, a sociedade ao reconhecer o rendimento no período de 2014, significa que todas as condições para o reconhecimento e mensuração daquele rédito, enunciadas no parágrafo 20.º da NCRF 20, se encontram satisfeitas.

E assim sendo, encontram-se preenchidos os pressupostos de incidência do IVA.

Nos termos do art° 1° do CIVA, "estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:  a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal."

A A... é um sujeito passivo de IVA, agindo como tal, conforme referido no ponto 11.3 do presente relatório, conforme acima evidenciado.

De acordo com o artigo 4.0 do CIVA "são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens".

Nos termos do artº 7° e 8°, "o imposto é devido e torna-se exigível: ...  b) Nas prestações de serviços, no momento da sua realização, e não obstante o disposto no artigo anterior, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar á obrigação de emitir uma fatura nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível: a) Se o prazo previsto para a emissão da fatura for respeitado, no momento da sua emissão; b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina;

Nos termos do artº 36° do CIVA "a fatura referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.ºdeve ser emitida:

O mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º".

Analisando os elementos facultados pelo sujeito passivo relativos aos períodos de 2015, 2016 e 2017 e ainda os elementos por ele comunicados no Efatura, verifica-se a emissão das faturas, relacionadas no quadro abaixo, relacionadas com os projetos dos seus clientes D... e B... .

Número da Fatura

               

Data     

   Cliente

               

              Descrição            Base tributável

IVA

 

F 1/2015             

28-01-2015        

B…          Serviços de apoio profissional de apoio à

gestão da C..., SA            

3.630,00              

834,90

 

F 6/2015             

27-02-2015        

B…          Serviços de apoio profissional de apoio à

gestão da C..., SA            

3.630,00              

834,90

 

Total     

7.260,00              

1.669,80

 

Assim, verifica-se que do montante total acrescido aos rendimentos do período em análise, somente o montante de € 7.260,00 foi objeto de faturação com liquidação de IVA até à presente data, pelo que se encontra IVA em falta no montante de € 192.739,77, conforme evidenciado no quadro abaixo, devido e exigível à data do reconhecimento do rendimento em 31/12/2014:

Acréscimo de Rendimentos

                200.000,00

Base tributável faturada no período de 2015

                7.260,00

Diferença            192,740,00

Taxa de IVA

                23%

IVA em falta

                192.739,77

 

 

 (…)

“IX – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

 

De acordo com o preceituado nos artº 60.º da LGT e artº 60° do RCPITA, o sujeito passivo A..., SA, NIPC ..., foi notificado, através do oficio n.º 2018... de 16/11/2018, para no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (adiante designado projeto).

O sujeito passivo exerceu tempestivamente, de forma escrita, o direito de audição, conforme petição remetida no dia 04/12/2018, que deu entrada na Direção de Finanças do Porto no dia 05/12/2018, à qual foi atribuída a entrada nº 2018...3.

Na referida petição o sujeito passivo apresenta o contraditório apenas quanto às correções propostas, no ponto III.4.1 do projeto, o qual merece a seguinte apreciação:

Nos pontos 1 a 6 da petição, o sujeito passivo não concorda com a fundamentação da AT, segundo a qual, o acréscimo de rendimentos evidenciado na sua contabilidade, corresponderia a prestações de serviços concluídos e efetuados a favor de dois clientes, e como tal sujeitos à disciplina do IVA, alegando:

1                - Não ser pelo facto de ter registado contabilisticamente um acréscimo de proveitos, que os serviços subjacentes se consideram concluídos;

2             - Que a fase de acabamento e conclusão dos serviços não são a mesma coisa, e que os serviços subjacentes ao acréscimo de proveitos, não estariam concluídos;

3             - Que a não anulação do acréscimo de proveito, não pode ser considerada como facto gerador do imposto.

Primeiramente importa referir que a AT não invocou a falta de anulação do acréscimo de proveitos como facto gerador do IVA, mas somente solicitou informação sobre se o rendimento reconhecido no período de 2014 no montante de € 200.000,00 teria sido revertido nos períodos seguintes, com objetivo de aferir se teria sido emitida alguma nota de crédito relativa àquele rendimento.

Do mesmo modo a AT não  pretendeu  fazer  equivaler  os  conceitos  de  "fase  de  acabamento  e "conclusão dos serviços", antes constatou que ao reconhecer um determinando montante como rendimento do período, a sociedade, inevitavelmente considerou satisfeitas todas as condições previstas no parágrafo 20.º da NCRF 20, para o seu reconhecimento.

O sujeito passivo, na sua argumentação, alega que os serviços, apesar de acrescidos aos proveitos do período, não estariam concluídos e como tal não estariam sujeitos a IVA, no  entanto  não esclarece  e não acrescenta novos argumentos quanto à caracterização efetuada no decurso da ação dos serviços subjacentes ao acréscimo de proveitos, não descreve em concreto qual a natureza dos serviços prestados, por forma a se concluir que o seu grau de acabamento não terminou na data do seu reconhecimento (em 31/12/2014). Alega que os serviços não se encontram concluídos "por razões comerciais", mas não explica que razões são essas e qual o motivo dos serviços não estarem concluídos. Por outro lado, e sem apresentar qualquer prova documental, alega que grau de acabamento é diferente de conclusão de serviços, mas sem esclarecer qual o efetivo grau de acabamento daqueles serviços prestados, na hipótese desse grau de acabamento ser inferior a 100%. Em suma não apresenta prova de que os serviços não foram concluídos e que o seu acréscimo aos ganhos do período seja indevido.

No ponto 7 da petição o sujeito passivo adverte que o montante do imposto resulta da multiplicação da base tributável pela taxa de imposto (23%), e que tal resultará de mero lapso.

Na verdade, embora no texto do projeto de relatório, toda a argumentação relativa ao IVA não liquidado e em falta determinado corresponda ao montante de€ 44.330,20 (€44.330,20 = € 192.740,00 x 23%), o valor inscrito na última linha do quadro da página 11, assim como no segundo quadro da página 1, corresponde ao valor da base tributável, e não ao imposto em falta, o que se deve, efetivamente a erro na transcrição do valor.

Conclusão da apreciação do direito de audição

Analisados os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, no âmbito do direito de audição,

conclui- se, em conformidade com o explanado atrás, não atender ao pretendido pelo sujeito passivo no que se refere aos pontos 1 a 6 da petição e atender ao pretendido pelo sujeito passivo, no que se refere ao ponto 7 da petição, alterando as correções propostas nos seguintes termos:

 

Acréscimo de Rendimentos        200.000,00.

 Base tributável faturada no período de 2015      7.260,00

Diferença            192.740,00

Taxa de IVA        23 %

IVA em falta       44.330,20 ,

 

(…)”

23.          Na sequência da inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu correções meramente aritméticas que deram origem à liquidação adicional de IVA n.º 2018 ... relativa ao período de tributação 2014.12T, no valor de € 44.330,20, e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 6.772,19.

24.          Em 07.05.2019 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

25.          Foi emitido o plano de pagamento em prestações n.º ... relativo à liquidação de IVA em apreço, com 24 prestações mensais a ser pagas até ao final de cada mês civil. O início de pagamento pela Requerente ocorreu a 29.05.2019.

26.          Até 15.01.2020 haviam sido pagas, pela Requerente, dentro do prazo limite de pagamento, 8 prestações, no total de € 17.343,78.

 

A.2.  Factos não provados

27.          Não se provou que os serviços em causa foram concluídos.

 

A.3.  Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

28.          Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

29.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

30.          Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, os documentos que constam do PA junto aos autos, e tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

31.          Relativamente aos factos não provados, o Tribunal teve em consideração: (i) a impugnação pela Requerente de que os serviços em causa tenham sido concluídos (sendo indicado no direito de audição que os rendimentos foram acrescidos pelo respetivo grau de acabamento mas que não estariam concluídos, o que não foi contradito nem contraprovado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cfr. ponto IX do no Relatório Final de Inspeção) e (ii) não ter sido demonstrada(o), sendo mesmo os autos omissos quanto a: duração dos serviços acordada entre as partes, qual o período de execução e/ou calendarização dos serviços, existência de calendário de implementação dos serviços, ordem e/ou execução dos serviços e tarefas inerentes, qual a data de início e/ou de fim dos serviços, qual o modelo, condições e/ou periodicidade de pagamentos acordados, a verificação de pagamentos ou recebimentos pela Requerente quanto ao montante de € 200.000,00, ou quaisquer outros elementos que permitam concluir, sem dúvidas, que os serviços em causa foram concluídos no último trimestre de 2014, designadamente declarações ou comportamentos (expressos ou tácitos) por parte dos respetivos adquirentes que revelassem a respetiva aceitação/conclusão.

 

B.            DO DIREITO

 

B.1    Delimitação da questão essencial decidenda

 

32.          Na presente ação, as correções têm por base, no essencial, o seguinte entendimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. últimos parágrafos das páginas 9 e 10 do Relatório Final de Inspeção):

 

“Tendo em conta o regime de acréscimo e o conceito de rédito patentes no parágrafo 22 da Estrutura conceptual do SNC e na NCRF 20 - Rédito, verifica-se que, ao reconhecer como rédito, ou seja ao considerar que se encontram reunidos os requisitos para a sua consideração como rédito no período  de 2014, a sociedade considerou que o serviço subjacente se encontra concluído.

(…)

no caso em apreço, a sociedade ao reconhecer o rendimento no período de 2014, significa que todas as condições para o reconhecimento e mensuração daquele rédito, enunciadas no parágrafo 20.º da NCRF 20, se encontram satisfeitas.

 E assim sendo, encontram-se preenchidos os pressupostos de incidência do IVA.”

 Nos termos do artº 7° e 8°, "o imposto é devido e torna-se exigível: ...  b) Nas prestações de serviços, no momento da sua realização, e não obstante o disposto no artigo anterior, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar á obrigação de emitir uma fatura nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível: a) Se o prazo previsto para a emissão da fatura for respeitado, no momento da sua emissão; b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina;

Nos termos do artº 36° do CIVA "a fatura referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.ºdeve ser emitida:

O mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º".

 

33.          A Requerente imputa às liquidações impugnadas o vício de violação de lei invocando:

(a)          que a Autoridade Tributária considera, sem o demonstrar, que o termo “realização” de serviços tem o mesmo significado em sede contabilística e em sede de IVA, quando, na verdade, esta expressão tem conceitos e campos de aplicação distintos em sede contabilística e em sede de IVA;

(b)          que não existe normal legal que determine que o registo contabilístico de um grau de acabamento de um serviço tem a virtualidade de constituir facto gerador do IVA desse serviço.

 

34.          Considerando o acima exposto, importa apurar se a liquidação adicional aqui em causa é legal.

 

***

B.2.   Da legalidade da liquidação adicional de IVA

 

35.          Estão em causa, no essencial, as seguintes normas que fundamentam a liquidação adicional de IVA emitida:

 

A.           Aviso n.º 15652/2009, Diário da República, II Série, Nº 173, 2009-09-07

 

“Sistema de Normalização Contabilística Estrutura Conceptual (EC)

 

Este documento tem por base a Estrutura Conceptual do IASB, constante do Anexo 5 das “Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho”, publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003.

 

       (…)

 

      Pressupostos subjacentes (parágrafos 22 e 23)

 

      Regime de acréscimo (periodização económica) (parágrafo 22)

 

22 — A fim de satisfazerem os seus objectivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transacções passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transacções passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas.”

(redação em vigor desde 2009.12.09)

 

B.            Aviso Nº 15655/2009, Diário da República, II Série, Nº 173, 2009-09-072

 

“Norma contabilística e de relato financeiro 20

 

Rédito

(…)

 

Objectivo (parágrafo 1) 1 —

O objectivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento contabilístico de réditos, entendidos como os rendimentos que surgem no decurso das actividades ordinárias de uma entidade, como, por exemplo, vendas, honorários, juros, dividendos e royalties. A questão primordial na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo. O rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados. Esta Norma identifica as circunstâncias em que estes critérios serão satisfeitos e, por isso, o rédito será reconhecido. Ela também proporciona orientação prática na aplicação destes critérios.

Âmbito (parágrafos 2 a 6)

2 — Esta Norma deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transacções e acontecimentos seguintes: (a) Venda de bens; (b) Prestação de serviços; e (c) Uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos.

(…)

4 — A prestação de serviços envolve tipicamente o desempenho por uma entidade de uma tarefa contratualmente acordada durante um período de tempo acordado. Os serviços podem ser prestados dentro de um período único ou durante mais do que um período. Alguns contratos para a prestação de serviços estão directamente relacionados com contratos de construção, como por exemplo, os contratos para os serviços de gestão de projectos e de arquitectura. O rédito proveniente destes contratos não é tratado nesta Norma mas é tratado de acordo com os requisitos para os contratos de construção como especificado na NCRF 19 — Contratos de Construção.

Prestação de serviços (parágrafos 20 a 28)

20 — Quando o desfecho de uma transacção que envolva a prestação de serviços possa ser fiavelmente estimado, o rédito associado com a transacção deve ser reconhecido com referência à fase de acabamento da transacção à data do balanço. O desfecho de uma transacção pode ser fiavelmente estimado quando todas as condições seguintes forem satisfeitas: (a) A quantia de rédito possa ser fiavelmente mensurada; (b) Seja provável que os benefícios económicos associados à transacção fluam para a entidade; (c) A fase de acabamento da transacção à data do balanço possa ser fiavelmente mensurada; e (d) Os custos incorridos com a transacção e os custos.”

(redação em vigor desde 2009.12.09)

 

C.            Código do IVA, Decreto-Lei no. 394-B/84, de 26 de Dezembro

 

Artigo 1.º

Incidência objetiva

 

1 – Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

 

(…)

 

Artigo 4.º

Conceito de prestação de serviços

 

1 – São consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

(…)

 

Artigo 7.º ( )

Facto gerador e exigibilidade do imposto

 

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o imposto é devido e torna-se exigível:

(...)

b) Nas prestações de serviços, no momento da sua realização;

(Redacção inicial do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro)

 

Artigo 8.º

Exigibilidade do imposto em caso de obrigação de emitir factura

 

1 - Não obstante o disposto no artigo anterior e sem prejuízo do previsto no artigo 2.º do regime do IVA de caixa, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma factura nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível:

(Redacção, com natureza interpretativa, dada pela Lei 83-C/2013)

 

a) Se o prazo previsto para a emissão da fatura for respeitado, no momento da sua emissão;

(Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto)

 

b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina;

(Redacção inicial do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro)

 

36.          Para a Autoridade Tributária e Aduaneira, o reconhecimento, pela Requerente, em 2014, de um rédito na conta SNC 7219 - Outras Regularizações por contrapartida da conta 272112 - Outros Acréscimos de Rendimentos, sendo este registo mantido a 31.12.2014 sem que sejam anulados posteriormente os  acréscimos de rendimento, determina que os serviços subjacentes a tal rédito se encontram concluídos no último período de 2014, sendo exigível, em consequência, o IVA que se mostre devido pelos serviços registados.

 

37.          Ora resulta da leitura sistemática das regras acima descritas e da sua ratio legis que o entendimento veiculado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para emissão da liquidação adicional em apreço não tem fundamento legal.

 

38.          Em primeiro lugar, não resulta da letra das normas que  fundamentam a correção (ou de qualquer outra norma legal) que o registo contabilístico de um rédito de serviços por contrapartida de um acréscimo de rendimentos determina ou faça presumir, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, que os serviços subjacentes se encontram concluídos.

 

39.          Nesse sentido:

 

(i)           as normas contabilísticas em que se apoiam as correções efetuadas  delimitam o seu âmbito de aplicação somente ao tratamento contabilístico dos réditos, não vinculando sobre a conclusão ou realização dos serviços inerentes: (i) no caso do invocado parágrafo 22 da Estrutura Conceptual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística, esta regra visa determinar que nas demonstrações financeiras seja utilizado o regime do acréscimo de rendimento e (ii) no caso da invocada norma de relato financeiro 20, esta regra visa prescrever o tratamento contabilístico de réditos de serviços;

(ii)          o parágrafo 22 da EC prescreve que os registos contabilísticos abrangem tanto “transacções passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa” como “obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro”, incluindo assim operações cuja conclusão apenas ocorrerá em momento futuro, i.e. serviços não concluídos;

(iii)         a norma de relato financeiro 20 admite, no seu parágrafo 20, o registo contabilístico com referência à fase de acabamento da transacção à data do balanço “Quando o desfecho de uma transacção que envolva a prestação de serviços possa ser fiavelmente estimado, o rédito associado com a transacção deve ser reconhecido com referência à fase de acabamento da transacção à data do balanço”, o que, a contrario e por maioria de razão significa que esta norma admite registos contabilísticos de serviços que ainda não tiveram “desfecho”, i.e. que ainda não foram concluídos.

 

40.          Em consequência, decorre das normas legais em referência que o registo contabilístico de um rendimento respeitante a serviços (por contrapartida da conta de devedores por acréscimos de rendimentos) não faz presumir, nem determina, – ao contrário do que invoca a Autoridade Tributária e Aduaneira – que os serviços subjacentes se encontram concluídos.

 

41.          Conclusão que, por si só, inquina a liquidação adicional de IVA de violação de lei por erro nos pressupostos de direito em que a mesma se apoia.

 

42.          Em segundo lugar, importa lembrar que o artigo 7.º n.º 1 alínea b) do Código do IVA invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem a sua ratio legis não em normas contabilísticas mas sim nas normas do sistema harmonizado do IVA comunitário assentes na Diretiva IVA .

 

43.          Pelo que a aferição do facto gerador de IVA de uma operação apenas pode ser admitida com recurso aos critérios de aferição do facto gerador próprios deste imposto e não com recurso aos critérios das normas contabilísticas.

 

44.          Nesta sede, apesar de não existir na legislação do IVA uma definição do momento em que uma prestação de serviço se considera “efetuada” (termo para aferir o facto gerador utilizado na Diretiva IVA) ou em que se dá a “realização” de um serviço (termo para aferir o facto gerador utilizado pelo Código do IVA português aquando da transposição da Diretiva IVA), decorre da jurisprudência comunitária emitida nesta matéria que um serviço se deve considerar efetuado (i.e. realizado), e, em consequência, verificado o seu facto gerador em IVA, quando as circunstâncias ou elementos que o rodeiam revelem, em sede material, a sua completude .

 

45.          Para tal aferição deve ser tomada em conta a realidade económica e comercial em que decorrem as operações, as prestações recíprocas acordadas entre prestador e destinatário, as condições contratuais para a aceitação e conclusão dos trabalhos, os acordos de pagamentos entre as partes e existência de recebimentos antecipados, entre outros. 

 

46.          Nos termos do artigo 74.º da LGT o “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

 

47.          Pelo que recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira – na ausência de norma legal que determine ou presuma que um serviço se encontra concluído em sede de IVA pelo registo contabilístico do seu rédito em contrapartida de acréscimo de rendimentos –  o ónus da prova dos factos que demonstram a completude material, i.e. a “realização” dos serviços aqui em causa .

 

48.          Prova essa que não se verificou. Com efeito, como resulta da matéria de facto, apenas estão identificados os clientes, os projetos e as tarefas incluídas nos serviços em discussão, não existindo elementos que contraponham a afirmação da Requerente de que os serviços em causa não foram concluídos.

 

49.          A falta de prova da conclusão dos serviços no último trimestre de 2014 equivale processualmente a não se terem verificado tais factos, pois as dúvidas têm que ser valoradas contra a Parte sobre que recai o ónus de prova (cfr. artigo 100.º n.º 1 do CPPT).

 

50.          O IVA está balizado pelo princípio da legalidade tributária (cfr. artigo 8.º n.º 2 da LGT e artigo 103.º n.º 3 da CRP), não podendo ser cobrados impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

 

51.          Pelo exposto, a correção de IVA aqui em causa enferma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto em que assenta, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

C.            Do pagamento de juros indemnizatórios

 

52.          A Requerente requer a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

53.          Nos termos do artigo 24.º, n.º 1 e respetiva alínea b) do RJAT (em linha com o artigo 100.º da LGT), a decisão arbitral a favor da pretensão do sujeito passivo, tem por efeito restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

54.          O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT ao dispor que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, permite, em caso de procedência da pretensão do sujeito passivo, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT.

 

55.          Dispõe o artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT) que: "São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

56.          No caso em apreço, o ato de liquidação adicional de IVA é ilegal, porque praticado com erro sobre os pressupostos de direito e de facto em que assenta, sendo que tal erro não emerge da conduta do Requerente, sendo imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

57.          A Requerente encontra-se a proceder ao pagamento da dívida tributária de acordo com o plano prestacional de pagamento n.º..., com 24 prestações, do qual foram pagas, até 15.01.2020, 8 prestações.

 

58.          Em face do exposto, procede o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, calculados, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, sobre o valor da dívida tributária (vencida e vincenda) indevidamente paga até ao processamento da respetiva nota de crédito, a liquidar em execução da presente decisão.

 

D.           DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação adicional n.º 2018..., no montante de € 44.330,20;

c)            Anular a liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de

€ 6.772,19;

d)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios devidos sobre a dívida tributária paga ao abrigo do plano prestacional n.º ..., contados até ao processamento da respetiva nota de crédito, calculados nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Tudo com as devidas consequências legais, designadamente restituição das quantias de imposto indevidamente pagas.

 

* * *

 

I.             VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 51.102,39, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

II.            CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 142.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira atento o decaimento. 

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de janeiro de 2020

 

(Catarina Belim)