Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 235/2019-T
Data da decisão: 2019-12-19  IRC  
Valor do pedido: € 180.426,73
Tema: IRC – Tributação Autónoma – Bónus pagos a Gestores.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs, António Alberto Franco e Fernando Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:

 

A – RELATÓRIO

 

1. A...– Sucursal em Portugal, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., Lisboa, apresentou, em 01-04-2019, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou AT).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, n.º 2018... de 2015, relativa ao ano de 2015, no valor total de 180.426,73 €, correspondendo 163.820,31 € a imposto e 16.606,44 € a juros compensatórios, com a consequente restituição do montante pago e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-04-2019.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, o quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 24-05-2019 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-06-2019.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral Colectivo encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

                Ser um estabelecimento estável em Portugal de uma instituição de crédito com sede no Luxemburgo.

                Em 2015 o Requerente pagou aos representantes do estabelecimento estável, bónus perfazendo um montante total global de 468.058,03€, tendo reconhecido o valor total como gasto no mesmo período de tributação

                Os bónus pagos em 2015 eram referentes a 2014 (49% do bónus de 2014), 2013 (17% do bónus de 2013), 2012 (17% do bónus de 2012) e 2011 (17% do bónus de 2011).

                No que se refere ao diferimento de pelo menos 50% por um período mínimo de três anos no pagamento daqueles bónus,-a AT, quando procede à subsunção da factualidade concreta à norma jurídica no sentido de determinar se os bónus e remunerações variáveis pagos estão ou não sujeitos a tributação autónoma, incorre num erro de interpretação.

                Na tese da AT e embora sem apresentar argumentos que fundamentem tal interpretação, a expressão “diferimento (…) por um período mínimo de três anos”, tem o sentido de o pagamento da parte diferida apenas poder ocorrer após o decurso de um período mínimo de 3 anos.

                A AT refere-se aos bónus e outras remunerações variáveis que foram pagas aos “gestores do A... SP”, pretendendo fazer crer que os conceitos de “gestor” e de “representantes do estabelecimento estável” são equivalentes. Tal interpretação viola o princípio da legalidade fiscal constitucionalmente consagrado, pelo que será de concluir que os bónus e outras remunerações variáveis pagas aos representantes do estabelecimento estável do Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma por inexistência de norma de incidência que expressamente preveja a sujeição.

                A expressão diferimento deve ser interpretada no sentido de o pagamento dever ser efetuado de forma faseada (repartida), ao longo de um período mínimo de 3 anos.

                A norma fiscal aqui em debate, incide sobre uma realidade disciplinada por normas de natureza não fiscal, mais concretamente normas de direito bancário e, de modo particular, da Diretiva nº 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 designada de Capital Requirements Directive (“CRD IV”), a qual contém normas relativas aos requisitos em matéria de governo societário.

                Ao adotar um sistema de pagamento diferido dos bónus e outras remunerações variáveis ao longo de um período mínimo de tempo (no caso em análise de 3 anos), como fez, o Requerente limitou-se a implementar as normas sobre governo societário, em particular as normas sobre remunerações variáveis dos trabalhadores, que sobre ele impendem enquanto instituição de crédito, por força na norma de direito bancário, em particular da “CRD IV” e RGISCSF.

                Tendo em conta a unidade sistemática do ordenamento jurídico e em homenagem ao princípio da certeza e segurança jurídica, independentemente do ramo do direito de que dimane determinado conceito ou expressão jurídica, este deverá ser interpretado com um sentido idêntico em todos os ramos do direito, não estando assim sujeito a discricionariedade interpretativa. Neste mesmo sentido, o artigo 11º nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”.

                A criação da tributação autónoma visou atingir, principalmente, os administradores dos bancos, a tal ponto que foi estabelecida uma taxa de tributação agravada (50%) para o sector bancário e financeiro.

                Conclui, por isso, a Requerente pela ilegalidade da liquidação objecto do pedido arbitral.

 

5.            Por seu turno a Requerida veio em resposta alegar, em síntese:

                O pagamento do bónus a um mero funcionário, melhor dizendo, a um trabalhador que não assuma quaisquer responsabilidades na gestão da sucursal, ser efectuado pela totalidade do valor, a 100%, sem quaisquer fraccionamentos., em contraponto, com os gestores da sucursal, que percebem os bónus de modo  fraccionado, repartidos pelo período mínimo de três anos após a tomada de decisão da atribuição e definição dos bónus.

                O que está aqui fundamentalmente em causa é a interpretação jurídica efectuada à delimitação negativa ínsita na segunda parte da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º, do CIRC.

                Basta atentar na letra da lei para se alcançar a mens legis que subjaz ao teor da alínea b), n.º 13 do art. 88º do CIRC.

                A Requerente não respeitou o requisito exigido, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 13 do art. 88º do CIRC, isto é, o diferimento do dito pagamento pelo período mínimo de 3 anos.

                A intenção da lei (ou a teleologia da norma) foi a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrassem associadas a critérios objectivos de produtividade, defendendo não apenas a moralização e a justa repartição da riqueza e da carga fiscal. Ou seja, procurou-se estabelecer um alinhamento entre oso bjectivos pessoais dos gestores com os interesses das empresas num contexto plurianual - um período mínimo de três anos – tendo em vista a sua sustentabilidade.

                A ratio legis da norma em análise subsume-se à interpretação de que as remunerações devem ser pagas somente após o decurso dos 3 anos, desde que durante esse período sejam registados resultados positivos sucessivos pela empresa pagadora.

                Quanto à alegada falta de norma de incidência de tributação autónoma sobre os bónus pagos aos representantes legais do estabelecimento estável, não assiste razão à Requerente, cabe lembrar que os responsáveis pelos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes em território nacional são qualificáveis como gestores, conforme o ponto 7 b) da Circular n.º 2/2010.

                A figura do gerente é quem assume a responsabilidade pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito que não tenham sede nem direcção efectiva em território nacional.

                Os “responsáveis” das sucursais enquadram-se na norma de incidência da alínea d) n.º 13, do artigo 88.º, do CIRC, enquanto responsáveis pelas actividades das entidades não residentes exercidas em território português por seu intermédio, sendo que, para efeitos fiscais, as sucursais são consideradas como se de uma empresa separada e independente da sede se tratasse.

                Daí que o legislador não tenha sentido necessidade de distinguir, na norma da alínea b), n.º 14 do art. 88º do CIRC, por designação específica os responsáveis pelas sucursais, subsumindo-os, dada a identidade de conteúdo funcional, avaliação de desempenho e de política remuneratória aplicável, na categoria de «gestores, administradores ou gerente».

                Sendo uma entidade não residente com estabelecimento estável em território português, um sujeito passivo de IRC, não se alcança por que razão, como refere a Requerente, os estabelecimentos estáveis se encontram excluídos da incidência das tributações autónomas.

                Conclui a Requerida pela legalidade dos acto tributários em crise, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.

 

6. Por despacho de 12-09-2019 foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT.

 

7. Tendo sido concedido prazo para apresentação de alegações escritas, só a Requerente o veio a fazer reiterando o vertido no pedido inicial.

 

* * *

 

SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é um estabelecimento estável em Portugal de uma instituição de crédito com sede no Luxemburgo.

b)           Para efeitos fiscais, a Requerente é sujeito passivo de IRC, enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável, estando obrigada a possuir contabilidade organizada.

c)            Entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 (IRC), relativamente ao ano de 2015 em causa.

d)           Foi objecto, ao abrigo das Ordens de Serviço nºs. OI2017... e OI2018..., de acção inspetiva externa e de âmbito parcial, incidindo sobre IRC e IVA dos exercícios de 2014, 2015 e 2016.

e)           Relativamente ao exercício de 2015, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), onde se concluiu estar em falta IRC por ser devida a tributação autónoma prevista na alínea b) do nº 13 do artº 88º do CIRC, sobre os valores de remunerações varáveis pagas aos seus gestores nesse exercício.

f)            Na sequência do RIT, a Requerente foi notificada da liquidação nº 2018..., no montante total de € 180.426,73, sendo € 163.820,31 de imposto, acrescido de juros compensatórios no valor de € 16.606,44

g)            No ano de 2015, a Requerente pagou aos representantes do estabelecimento estável bónus, perfazendo um montante total global de 468.058,03 €.

h)           Os pagamentos foram reconhecidos enquanto encargos fiscais.

i)             Os bónus pagos em 2015 eram referentes a 2014 (49% do bónus de 2014), 2013 (17% do bónus de 2013), 2012 (17% do bónus de 2012) e 2011 (17% do bónus de 2011).

j)             Só o pagamento de bónus aos representantes do estabelecimento estável é feito de forma fraccionada, o mesmo não ocorrendo com os bónus atribuídos aos demais trabalhadores do estabelecimento.

k)            A Requerente procedeu ao pagamento do imposto a que respeitam os presentes autos.

 

Os factos foram dados como provados tendo por base a posição assumida pelas partes e os documentos juntos ao processo.

 

1.2          FACTOS NÃO PROVADOS

               

                Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

1.3          O DIREITO

 

A questão de fundo a apreciar no presente processo reside na interpretação a dar à 2ª parte da alínea b) do nº 13, do artigo 88º do CIRC, no sentido de se determinar se é aplicável a exclusão de tributação autónoma aí prevista aos bónus atribuídos aos representantes ou gestores do estabelecimento estável do Requerente.

Nos termos do disposto no art. 124º do CPPT, o julgador deve conhecer dos vícios cuja procedência determine mais eficaz tutela dos interesses defendidos.

Ora, tendo a Requerente invocado a inexistência de norma de incidência que permita a sujeição a tributação autónoma dos bónus e outras remunerações variáveis atribuídas aos representantes legais de estabelecimento estável, afigura-se-nos ser essa a primeira questão a apreciar.

A este propósito, e estribando-se na proibição do recurso à integração analógica nas normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República, entende a Requerente que o n.º 13 do art. 88º do CIRC não é aplicável aos «representantes de estabelecimento estável».

Entende, a esse propósito, ser inadmissível a equiparação que o RIT faz entre «gestor» e «representante de estabelecimento estável».

Não olvidando que, de facto, é vedado o recurso à analogia na integração de lacunas das normas de incidência, há, do mesmo modo, que ter presente que, de acordo com o disposto no art. 11º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.

Daí que, antes de se considerar se existe ou não lacuna legislativa, há que interpretar devidamente o que estabelece o n.º 13 do art. 88º do CIRC que dispõe do seguinte modo:

- «São tributados autonomamente, à taxa de 35%:

a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;

b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a €27.500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período».

Da leitura do preceito é indiscutível que apenas se faz referência a «gestores, administradores ou gerentes» não sendo feita qualquer menção expressa a «representante de estabelecimento estável», à semelhança do que ocorre, designadamente, com o n.º 4 do art. 2º do CIRS quando refere que “quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação”.

É, contudo, em tudo semelhante o espírito subjacente aos dois preceitos tendo-se em vista os rendimentos obtidos por gestores, administradores, gerentes ou representantes de estabelecimentos estáveis de entidades não residentes. O que está em causa é, em suma, nos dois casos, a obtenção de ganhos resultantes das relações estabelecidas entre comissários e comitentes.

Aliás, os conceitos de gestor, administrador ou gerente não são de natureza fiscal, sendo certo que se para estes dois últimos encontramos a sua definição no Código das Sociedades Comerciais, para o de gestor - com excepção do gestor público (previsto no DL 71/2007, de 27 de Março) - não existe qualquer definição legal. Deverá ser entendido, por isso, como gestor, o comissário ou mandatário de administração de bens ou direitos, em nome próprio ou do mandante.

Ora, é manifesto que tais poderes são atribuídos aos representantes dos estabelecimentos estáveis enquanto únicos agentes com poderes de representação e vinculação dos mesmos. E nessa medida a sua designação e cessação de funções é levada a registo (art. 10º, c) do Código do Registo Comercial), à semelhança do que ocorre com os administradores e gerentes.

No sentido da equiparação entre “gerentes” e “responsáveis” de sucursal vai o regime jurídico relativo ao estabelecimento de sucursais em Portugal de instituições de crédito autorizadas noutros Estados- membros da União Europeia ou em Estados pertencentes ao Espaço Económico Europeu, nos termos do disposto no artigo 49.º do RGICSF. Nos termos do n.º 1 deste preceito entre os requisitos do estabelecimento da sucursal está a “identificação dos responsáveis pela sucursal” [alínea c)], sendo que, logo no n.º 2, se acrescenta que “A gerência da sucursal deve ser confiada a uma direção com um mínimo de dois de dois gerentes com poderes bastantes para tratar e resolver definitivamente, no país, todos os assuntos que respeitem à sua atividade.”   

Acresce que a norma em causa não constitui qualquer norma de incidência para os gestores ou administradores, mas de tributação específica do sujeito passivo de IRC. E não se perceberia que sendo um estabelecimento estável um normal sujeito passivo de IRC, estivesse excluído da incidência das tributações autónomas, em oposição aos demais sujeitos passivos.

Entendemos, pois, que o n.º 13º do art. 88º do CIRC é de aplicação directa e expressa aos ganhos atribuídos aos representantes de estabelecimento estável, o que resulta de uma normal e adequada interpretação da norma, sem necessidade de recurso a qualquer outra técnica legislativa.

 

Tributação autónoma (art. 88º, n.º 13, b) do CIRC)

Como nota prévia, uma referência para a decisão arbitral proferida no Proc. 491/2017-T que a Requerente invoca em defesa da sua tese. Diz a esse propósito: “…Requerente já havia sido sujeito a uma inspecção relativa ao IRC de 2013 na sequência da qual a AT veio a liquidar adicionalmente IRC, por entender que seria devida tributação autónoma sobre provisões para bónus e representantes da sucursal. A liquidação adicional de 2013 supra referida, foi objecto de impugnação neste tribunal arbitral, tendo dado origem ao Processo n.º 491/2017-T que veio a ser decidido a favor do Requerente, tendo a liquidação adicional em consequência sido anulada”.

Sucede que, contrariamente ao que se quer fazer crer, naquele processo arbitral não foi apreciada a questão que a Requerente agora submete a apreciação pelo presente pedido arbitral. Com efeito, o que estava em causa no processo arbitral n.º 491/2017-T foi o “facto tributário associado às gratificações por aplicação de resultados, sobre que incide a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 13, al. b) do CIRC, ocorre no momento em que a mesma é reconhecida para efeitos de IRC. Sendo a mesma relevada para efeitos de formação/determinação do resultado económico e fiscal apurado nesse período e não quando os benefícios são pagos”.

Nenhuma relevância tendo, pois, a decisão ali proferida para o caso em apreço, pois o que está aqui em causa é apreciar as eventuais causas de exclusão de tributação autónoma previstas no aludido art. 88º do CIRC.

É consensual entre as partes que os bónus em causa representam uma parcela superior a 25% da remuneração anual de cada um dos respetivos beneficiários. E, por isso, a tributação autónoma apenas será afastada se verificados cumulativamente os dois requisitos constantes da segunda parte da alínea b) do nº 13, do artigo 88º, do CIRC. A saber:

a)            O pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos;

b)           O pagamento estar condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

Não estando também em discussão o desempenho positivo da sociedade como elemento limitador da exclusão da tributação autónoma, o diferendo reside no entendimento a dar ao termo «diferimento» adoptado na alínea a) do n.º 13 do art. 88º.

Entende a Requerente que a AT incorre num erro de interpretação quanto ao diferimento de pelo menos 50% por um período mínimo de três anos, quando procede à subsunção da factualidade concreta à norma jurídica no sentido de determinar se os bónus e remunerações variáveis pagos estão ou não sujeitos a tributação autónoma. Para tal conclusão considera que há um equívoco subjacente à interpretação da AT, baseado numa enviesada leitura da letra da lei que altera o seu sentido, pelo que tal interpretação é ilegal, quando interpreta a expressão “diferimento (…) por um período mínimo de três anos”, com o sentido de o pagamento da parte diferida apenas poder ocorrer após o decurso de um período mínimo de 3 anos.

Tenha-se desde já presente que o requisito do «diferimento» não pode dissociar-se do do desempenho positivo da sociedade nesse período.

Esta questão já foi objecto de apreciação na decisão arbitral n.º 545/2016-T cujo sentido acompanhamos e que, por isso, transcreveremos:

- “O Tribunal entende que os dois requisitos cumulativos para exclusão da tributação autónoma em análise devem ser analisados tendo em conta a relação que estabelecem entre si.

A norma sub judice contém uma condição material primeira para a atribuição de bónus aos administradores: «o desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos». Sem a verificação desta condição não haverá qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que o respectivo pagamento se efectue. É só, portanto, no final do período de três anos que se pode concluir se está verificada a condição de exclusão de tributação autónoma traduzida naquele desempenho positivo, como diz a lei: «ao longo desse período» de três anos.

Deve, pois, concluir-se que a exclusão tributária – esta delimitação negativa face à regra que é a da tributação autónoma - está dependente da verificação futura de um facto de formação sucessiva que se vai formando ao longo de um período mínimo de três anos.

A menos que a lei expressamente o dissesse, não se pode entender que a lei conceda um desagravamento fiscal condicionado antes de cumprida a condição desse desagravamento. O diferimento a que a norma se refere impõe, ao invés, que não exista qualquer pagamento de bónus até que a condição da exclusão tributária esteja cumprida.

(…)

Só verificado o desempenho positivo da sociedade ao longo do período mínimo de três anos está cumprido um dos requisitos que permite a exclusão daquela tributação. Logicamente, os bónus atribuídos antes do final desse período mínimo não poderão usufruir do citado desagravamento, porque o mesmo depende da verificação cumulativa dos dois requisitos já indicados.

Nos termos da lei, o pagamento – entenda-se, qualquer pagamento - está subordinado ao diferimento por um mínimo de três anos”.

No caso em apreço é manifesto que a Requerente não diferiu o pagamento dos bónus por um período mínimo de três anos, como exigido na lei.

Pelo contrário, deferiu 49% num ano e os restantes 51% em três parcelas iguais de 17% repartidas por três anos.

Todavia, como se refere no mesmo acórdão arbitral: “A norma sub judice exige, porém, que o pagamento seja diferido por um período mínimo de três anos e não que sejam diferidas prestações desse pagamento.

Por outro lado, defende, ainda, a Requerente que o n.º 13 do art. 88º do CIRC incide sobre uma realidade disciplinada por normas de natureza não fiscal, mais concretamente normas de direito bancário a que se teria de recorrer para a correcta interpretação do sentido da expressão «diferimento”. Em abono da sua tese, sustenta que a criação da tributação autónoma em causa visou atingir principalmente os administradores dos bancos e que aquela norma deve ser interpretada à luz da Diretiva nº 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 designada de Capital Requirements Directive (“CRD IV”).

Directiva essa que contém normas relativas aos requisitos em matéria de governo societário e, de modo particular, no que concerne ao tema “remunerações variáveis” um sistema de pagamento diferido dos bónus e outras remunerações variáveis ao longo de um período mínimo de tempo e não com o alcance que se pretende dar ao termo «diferimento» inserido no art. 88º.

Sustenta a Requerente que só com uma interpretação daquela norma fiscal com o mesmo alcance do definido na “CRD-IV”, se alcança a necessária unidade sistemática do ordenamento jurídico e em homenagem ao princípio da certeza e segurança jurídica, independentemente do ramo do direito de que dimane determinado conceito ou expressão jurídica, este deverá ser interpretado com um sentido idêntico em todos os ramos do direito, não estando assim sujeito a discricionariedade interpretativa.

Não podemos, contudo, acompanhar esse entendimento.

Veja-se, aliás, que quando o Orçamento de Estado de 2010 (Lei 3-B/2010, de 28 de Abril) introduziu, através do seu art. 90º, a designada “tributação autónoma excepcional do sistema financeiro”, pretendeu que a tributação autónoma aplicável àquele sector não fosse a prevista no n.º 1 do art. 88º do CIRC, mas antes a uma taxa agravada e excepcional de 50%. Se assim não fosse, naquele ano de 2010, as remunerações variáveis pagas por instituições de crédito e sociedades financeiras a administradores ou gerentes estariam sujeitas à taxa de tributação autónoma de 35% aplicada de modo generalizado às demais sociedades e não àquela de 50%.

Como se diz no Acórdão Arbitral n.º 545/2016-T: “Sendo certo que a norma em análise tem como destinatários as sociedades em geral e não apenas as instituições de crédito, cabe citar no sentido que vimos apontando, ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA . Diz a autora que «a Recomendação da Comissão Europeia de 30.4.2009 ao dispor que "uma grande parte da componente variável (da remuneração) não deve ser paga antes de decorrido um lapso de tempo mínimo", terá influenciado a redacção da Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM: Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a 3 anos e o direito ao seu recebimento (qualquer parte do recebimento) deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período"» (parênteses nossos).

Nesta matéria, para efeitos de compreensão da ratio legis sobre a regra do diferimento, deve igualmente relevar-se o disposto no nº 2 e no nº. 3 do art. 8º do aviso nº 10/2011 do Banco de Portugal e nas Recomendações III.6 e III.7 do Código de Governo da CMVM. Nos termos destas disposições, quando as remunerações variáveis forem pagas pela entrega de acções, devem os administradores mantê-las «até ao termo do seu mandato». Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, «o início do período de exercício (da opção) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos» (parênteses nossos).

(…) Entende o Tribunal que é o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido”.

Em suma, a ressalva final da alínea b) do n.º 13 do art. 88º do CIRC reclama uma leitura conjunta: mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por mais de 3 anos, por estar "condicionado" (o termo é da norma) à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade.

O que significa também que, fora do contexto da norma tributária, só se admite a ressalva por se presumir que se trata de remunerações que incentivam gestores, administradores ou gerentes, estabelecendo essa "condição" que acaba por resultar numa componente variável da remuneração que é excepcionada porque, ultrapassando a fasquia dos 50%, é muito apreciável e idónea como mecanismo de alinhamento da conduta dos agentes (os comissários) com os interesses do principal (o comitente, a sociedade).

Resulta do exposto que não pode deixar de improceder o pedido formulado pela Requerente.

Fica, desse modo, prejudicado o pedido de devolução da quantia paga e respectivos juros indemnizatórios.

 

3. DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

 

                a)            julgar totalmente improcedente o pedido formulado dele absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira;

                b)           condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

VALOR DO PROCESSO:   De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 180.426,73 €.

 

 

CUSTAS:              Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 3.672,00 € (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Dezembro de 2019

 

Os Árbitros,

 

(Maria Fernanda Maçãs)

 

(António Alberto Franco)

 

(Fernando Araújo)