Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 436/2019-T
Data da decisão: 2019-12-16  IRC  
Valor do pedido: € 9.848.432,00
Tema: IRC - Menos-Valias - Participation exemption - Valor da causa.
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Decisão Arbitral  (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Carla Castelo Trindade e Dra. Marisa Isabel Almeida Araújo (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-09-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., LDA (doravante designada por “Requerente”) e B..., S.A. (doravante designada por “Sociedade Dominante”), titulares dos números de identificação fiscal ... e ..., respetivamente, ambas com sede na Rua ..., n.º..., ..., ... (doravante designadas em conjunto como “Requerentes”), vieram nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 22 de Janeiro (doravante “RJAT”) requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC relativa ao período de 2016 (que tem o n.º ...2018...), bem como esta autoliquidação e «proferir decisão a ordenar a correção do prejuízo fiscal individual declarado pela Requerente nesse período de € 101.911,31 para € 9.950.343,31, bem como a correção do resultado fiscal do grupo no qual a Requerente se insere de € 5.290.229,83 para um resultado negativo de € 4.558.202,17».

No artigo 46.º do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente esclarece que pretende «apenas contestar a parte do indeferimento da reclamação graciosa que negou a consideração da menos-valia realizada na venda das quotas remanescentes da C... (i.e. € 35.345.913,00) a uma entidade terceira, em junho de 2016, cuja detenção remontava a dezembro de 2015 e/ou maio e junho de 2016».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-06-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-08-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-09-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade de pedido de anulação parcial do indeferimento tácito da reclamação graciosa e as excepções da Incompetência do Tribunal Arbitral Coletivo em razão do valor e da incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação da Requerida à prática de actos de correcção de resultados fiscais peticionados pela Requerente.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu a improcedência dos pedidos.

As Requerentes pronunciaram-se sobre as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Em 26-11-2019, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

                Importa apreciar prioritariamente as questões de incompetência suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

2. Questão da inadmissibilidade de impugnação parcial do indeferimento tácito da reclamação graciosa

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– a Requerente ficcionou, para efeitos de impugnação judicial do acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2016, o indeferimento tácito apenas parcial da reclamação graciosa contra o mesmo apresentada;

– não tem fundamento legal é a pretensão da Requerente de impugnar apenas uma parte da autoliquidação e de posteriormente «contestar, o indeferimento expresso, da reclamação graciosa apresentada, na parte que concerne ao remanescente da dedução que foi solicitada no cômputo do seu resultado tributável individual relativo ao período de tributação de 2016, correspondente a € 21.567.312,00 (= 31.415.744,00 - € 9.848.432)»;

– «tal pretensão colide com o regime legal e impugnação dos actos tributários de liquidação que consagra, no artigo 111.º, n.ºs 3, 4 e 5, do CPPT, o princípio da preferência do processo de impugnação judicial face ao procedimento administrativo»;

– por força do preceituado no n.º 3 do artigo 111.º do CPPT, «ou se impugna o acto de indeferimento tácito e se submete à apreciação do Tribunal o acto de liquidação que foi objecto da reclamação, ou se aguarda a decisão expressa para efeitos da sua impugnação meramente parcial»;

– «não pode é sustentar-se a existência de uma decisão de indeferimento tácito meramente parcial»;

– «a reclamação graciosa não chegou a ser objecto de apreciação e decisão por parte da Direcção de Finanças de Lisboa, tendo os Serviços cumprido o dever legal imposto pelo nº. 3 do art.º 111º do CPPT, pelo que a reclamação graciosa não voltará a ser apreciada».

 

O entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira tem como pressuposto o regime previsto para o processo de impugnação judicial nos n.ºs 3 e 4 do CPPT, em que se estabelece o seguinte:

 

3 – Caso haja sido apresentada, anteriormente à recepção da petição de impugnação, reclamação graciosa relativamente ao mesmo acto, esta deve ser apensa à impugnação judicial, no estado em que se encontrar, sendo considerada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação.

                4 – Caso, posteriormente à recepção da petição de impugnação, seja apresentada reclamação graciosa relativamente ao mesmo acto e com diverso fundamento, deve esta ser apensa à impugnação judicial, sendo igualmente considerada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação.

 

Como resulta destas normas, quando, relativamente a um mesmo acto, é apresentada impugnação judicial na pendência de reclamação graciosa do mesmo acto ou esta é apresentada na pendência da impugnação judicial, a apreciação da reclamação graciosa é também efectuada no processo de impugnação judicial.

Há, assim, uma preferência absoluta do processo judicial sobre o procedimento administrativo de impugnação de um mesmo acto tributário, impedindo-se que seja apreciada por via administrativa a legalidade de um acto tributário que seja objecto de impugnação judicial. (   )

Porém, estas normas não são aplicáveis ao processo arbitral tributário.

Na verdade, como resulta o teor expresso do n.º 4 do artigo 13.º do RJAT, «a apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação».

Como se infere da restrição da proibição de cumulação de meios impugnatórios «com os mesmos fundamentos», é possível cumular o pedido de pronúncia arbitral com reclamação graciosa (ou impugnação judicial), desde que os fundamentos invocados sejam diferentes.

 

O que tem como corolário que não há obstáculo a que corram termos concomitantemente processo arbitral e reclamação graciosa que tenham por objecto o mesmo acto.

 Por isso, as Requerentes podem impugnar através do processo arbitral apenas parte do acto de fixação da matéria tributável efectuada subjacente à autoliquidação, sem que daí decorra que a apreciação de todas as ilegalidades imputadas ao acto na reclamação graciosa tenha de ser efectuada no processo arbitral.

Na verdade, ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, não está em causa a existência de um indeferimento tácito apenas parcial, mas sim a impugnação parcial de um indeferimento tácito através do processo arbitral, o que é permitido pelo RJAT.

Improcede, assim, a questão prévia suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral Coletivo em Razão do Valor

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende em suma o seguinte:

 

– a presente acção tem como objecto a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa respeitante à autoliquidação de IRC do grupo fiscal relativa ao exercício de 2016;

– na Declaração Modelo 22 do período em causa, junta à petição inicial como Doc. n.º 6, a Requerente declarou matéria colectável no valor de € 4.779.227,67 e uma colecta total de € 1.124.024,11, apurando imposto a recuperar no montante de € 14.107,54;

– pelo que o valor da ação arbitral corresponde ao valor autoliquidado pela Requerente, isto é a quantia de € 14.107,54, de acordo com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT;

– no caso de procedência do pedido, deverão ser anuladas as importâncias constantes da declaração modelo 22 do grupo, única declaração liquidável no âmbito do RETGS, que a Requerente alega terem sido indevidamente apuradas;

– só esse valor pode considerar-se como litigioso, sendo a discussão da legalidade do montante da menos-valia apurada na esfera individual da sociedade A..., LDA., no valor de € 9.848.432,00, unicamente atendível como fundamento a considerar para a aferição da legalidade da liquidação impugnada;

– o valor da acção arbitral corresponde ao valor autoliquidado pela Requerente, constante da declaração modelo 22 objecto da reclamação graciosa, isto é a quantia de € 14.107,54;

– sendo assim, o tribunal arbitral deveria ter sido constituído com árbitro singular e não colectivo, pois o valor do pedido não ultrapassa duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, isto é € 60.000,00, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º do RJAT.

 

É manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão.

Na verdade, quando é impugnada determinada correcção da matéria tributável, o montante da autoliquidação que é objecto de anulação é o que decorre da aplicação das taxas de imposto aplicáveis a essa matéria tributável e não o montante que, eventualmente, tenha sido apurado que o sujeito passivo tem a receber, que não resulta dessa aplicação, mas sim da subtracção à colecta apurada dos pagamentos que tenham sido efectuados antecipadamente, designadamente através de retenções na fonte e pagamentos por conta.

Assim, como dizem as Requerentes, «o imposto efetivamente devido por referência ao exercício de 2016, objeto da correspondente autoliquidação, decorre da coleta total de imposto apurada, a qual ascendeu a 1.124.024,11 € (um milhão cento e vinte quatro mil e vinte quatro euros e onze cêntimos)» e não ao valor de € 14.107,54 que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere ter sido determinado como sendo aquele que a Requerente ter a receber, por ter pago antecipadamente imposto em valor superior ao da colecta.

Por outro lado, no presente processo nem sequer está em causa apenas a autoliquidação efectuada pela Sociedade Dominante B..., S.A., pois o pedido de pronúncia arbitral é apresentado também pela A..., LDA.

A A..., LDA., sociedade que integrava o grupo, que não efectuou autoliquidação, tendo apresentado apenas declaração individual para apuramento da matéria tributável, e formula um pedido autónomo de «correção do prejuízo fiscal individual declarado pela Requerente nesse período de € 101.911,31 para € 9.950.343,31».

A este pedido individual da A..., LDA., que não está subjacente a qualquer liquidação efectuada a esta sociedade, não é aplicável a regra da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, mas sim a regra da alínea b) do mesmo número, em que se estabelece que o valor atendível é, «quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado», que neste caso é de € 9.848.432,00 (€ 9.950.343,31 - € 101.911,31).

A alçada dos Tribunais Centrais Administrativos é de € 30.000,00, nos termos dos artigos 76.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do artigo 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, republicada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro.

Assim, tem de se concluir que o valor do presente processo, que é de € 9.848.432,00,  é superior ao dobro da alçada dos Tribunais Centrais Administrativos), pelo que a causa deve ser julgada por Tribunal Arbitral Colectivo, de harmonia com o preceituado no artigo 5.º n.º 3, alínea a), do RJAT.

Improcede, assim, a questão da incompetência em razão do valor da causa suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação da Requerida à prática de actos de correcção de resultados fiscais peticionados pela Requerente

 

As Requerentes pedem, além do mais, que «em consequência da anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e da autoliquidação de IRC de 2016, proferir decisão a ordenar a correção do prejuízo fiscal individual declarado pela Requerente nesse período de € 101.911,31 para € 9.950.343,31, bem como a correção do resultado fiscal do grupo no qual a Requerente se insere de € 5.290.229,83 para um resultado negativo de € 4.558.20».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, invocando o artigo 2.º do RJAT, em que se indicam as competências dos tribunais arbitrais, que «não se insere no âmbito destas competências a apreciação dos pedidos de reconhecimento de direitos formulados no petitório dos presentes autos arbitrais (em concreto, de correcção de resultados fiscais para valores pretendidos pela Requerente)» e que «inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade».

As Requerentes nem sequer fazem no seu pedido de pronúncia arbitral qualquer referência a «reconhecimento de direitos» ou a «condenações», pelo que a questão colocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira não se coloca nos termos em que a suscita.

De qualquer forma, convém precisar os limites das competências deste Tribunal Arbitral, designadamente esclarecer se nelas se incluem competências condenatórias.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".

 Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação e declaração de nulidade ou inexistência de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".

 Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de um montante a reembolsar, que é a sua base de cálculo, tem de se concluir que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange a condenação no pagamento de quantias indevidamente pagas na sequência de anulação dos actos de liquidação ou de autoliquidação que foram fundamento do pagamento.

Por isso, insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD proferir decisões condenatórias. (   )

Relativamente à fixação da matéria tributável, que é o que está em causa na «correcção de resultados fiscais para valores pretendidos pela Requerente» de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira, a letra do RJAT não é clara quanto à possibilidade de proferir decisões condenatórias, mas, pelo menos, é seguro que cabe nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD fixar os «exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo», se for caso disso.

Na verdade, o n.º 1 do artigo 24.º refere expressamente que são esses «exactos termos» que devem ser observados pela Autoridade Tributária e Aduaneira na execução de julgado, o que pressupõe que esses termos sejam indicados na decisão arbitral com exactidão, sempre que tal seja possível, inclusivamente quando está em causa a fixação da matéria tributável, que é matéria que manifestamente se inclui nas competências arbitrais, pois está expressamente prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Interpretado com este alcance de declaração na decisão arbitral dos exactos termos em que, se for o caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira fica vinculada a fixar a matéria tributável, o pedido referido insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Improcede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente à alegada «condenação da Requerida à prática de actos de correcção de resultados fiscais peticionados pela Requerente».

 

 

5. Matéria de facto

 

5.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente é uma sociedade portuguesa que se encontra sujeita ao regime geral de IRC, sendo tributada, em sede deste imposto, no contexto do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), do qual a B..., S.A. é Sociedade Dominante;

b)           A Requerente tem como objecto a edição, distribuição e venda de livros e outras publicações, gerais e escolares, periódicas ou não, a edição e produção de audiovisual e multimédia, bem como formação, marketing, publicidade e prestação de serviços na área comercial, a importação e exportação e o exercício de todas as actividades complementares e conexas com as actividades referidas;

c)            A Requerente submeteu, em termos individuais, no dia 29 de Maio de 2017, a declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC relativa ao período de tributação de 2016 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)           Posteriormente, no dia 19 de Outubro de 2017, a Requerente procedeu à substituição desta declaração de rendimentos, mediante a submissão de nova declaração Modelo 22 do IRC relativa ao período de tributação de 2016 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)           Por referência ao período de tributação de 2016, a Requerente apurou, em termos individuais, um prejuízo fiscal de € 101.911,31 (Documento n.º 3);

f)            Ao nível do grupo no qual a Requerente se insere e que é tributado foi submetida no dia 29 de Maio de 2017 pela Sociedade Dominante a declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao período de tributação de 2016 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)            Posteriormente, no dia 30 de Outubro de 2017, a Sociedade Dominante apresentou uma declaração Modelo 22 de IRC, de substituição, do grupo (Documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

h)           A 30 de Julho de 2018, foi ainda submetida pela Sociedade Dominante, uma nova declaração de substituição, em que foi substituído o Anexo D (quadro 073 - SIFIDE) (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)             Conforme resulta das declarações Modelo 22 de IRC do grupo, no período de 2016, o grupo no qual a Requerente se insere apurou um resultado Fiscal de € 5.290.229,83 (documentos n.ºs 5 e 6);

j)             Para o cômputo do prejuízo fiscal a Requerente não concorreu o resultado (menos-valias) apurado nas operações realizadas em 2016 ao nível da participação societária detida pela Requerente na D..., Ltda. (à data da venda designada por E..., Ltda, sociedade de direito brasileiro doravante designada por “C...”);

k)            Tais operações culminaram com a alienação desta sociedade nesse mesmo ano a uma entidade terceira, por 1 real;

l)             O resultado contabilístico (i.e. menos-valia contabilística) destas operações ascendeu a um montante total líquido de € 11.644.685,07;

m)          Este valor (i.e. € 11.644.685,07) foi acrescido nos campos 712 e 752 do quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC de 2016, pelo valor de € 10.925.921,11 e € 718.763,96, respetivamente (Documento n.º 3);

n)           As operações realizadas no decurso de 2016, ao nível da participação societária detida na C... (que culminaram com a sua alienação), inseriram-se num conjunto de medidas, perspetivadas pelos seus sócios, tendo em vista sanear a situação patrimonial da Requerente, que decorria, nomeadamente, do negócio deficitário no Brasil conduzido pela C... (demonstrações financeiras da Requerente relativas ao período de tributação de 2016, que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

o)           Posteriormente, a Requerente foi alertada por auditores para a possibilidade de as menos-valias apuradas relativamente à participação societária da Requerente na C... deverem ter concorrido para a formação do seu resultado tributável de 2016, ao contrário do que foi considerado na declaração Modelo 22 do IRC submetida para este período, por terem subjacente a alineação/extinção de partes de capital detidas por um período inferior a um ano (depoimento das testemunhas F... e G...);

p)           Em 29-11-2018, a Requerente e a Sociedade Dominante apresentaram a reclamação graciosa que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

q)           Nessa reclamação graciosa, a Requerente e a Sociedade Dominante pediram, além do mais, «a correção da declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC por si submetida por referência ao período de tributação de 2016. e, em consequência, a correção oficiosa da autoliquidação do IRC deste período, por forma a considerar a dedução fiscal de Euro 31.415.744 na determinação do seu resultado tributável, decorrente das menos-valias fiscais apuradas nas seguintes operações realizadas em 2016, por referência às partes de capital por si detidas na C... relativamente às quais, não é aplicável o regime de participation exemption (por envolverem a transmissão/anulação de partes de capital, detidas por um período inferior a um ano)», incluindo-se naquele montante o valor de «Euro 9.848.432 resultante cia venda das quotas remanescentes da C... (35.345.913) a uma entidade terceira, em junho de 2036 (cuja detenção remontava igualmente a dezembro de 2015 e/ou maio e junho de 2016)»;

r)            A referida reclamação graciosa não foi decidida até 26-06-2019, data em que as Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo, em que impugnam o indeferimento tácito da reclamação graciosa apenas na parte que se reporta ao referido montante de € 9.848.432;

s)            A sociedade C... foi constituída pelo Grupo B...  com o intuito de expandir o negócio de produção e comercialização de livros escolares e edições gerais no mercado brasileiro, tendo o mercado das edições gerais ficado igualmente a cargo de uma participada da C... à data, a H... Ltda. (doravante designada por “H...");

t)            O contexto económico-social adverso que se tem sentido no Brasil, aliado aos obstáculos/entraves à obtenção de financiamento junto das entidades financeiras brasileiras, nomeadamente por parte de sociedades recentemente criadas e de origem multinacional, foram determinantes na evolução do investimento do grupo C... no Brasil, em concreto, ao nível da C... (depoimento da testemunha I...);

u)           O mercado de livros de edições gerais começou a cair cerca de 8% ao ano, a partir de 2014 (depoimento da testemunha I...);

v)            A maior parte das vendas da C... eram efectuadas ao Estado brasileiro que até 2014/2015 era bom pagador (depoimento da testemunha F...);

w)          Com os problemas políticos no Brasil, houve um congelamento dos pagamentos a partir do final do ano de 2015, o que agravou as dificuldades da Requerente (depoimentos das testemunhas I... e F...);

x)            Na fase de arranque do negócio no Brasil e numa fase posterior de perspetiva de crescimento, os sócios portugueses da C... injectaram fundos nesta sociedade, esperando o retorno a médio prazo deste investimento;

y)            Numa segunda fase, passou a ser inviável conseguir financiamentos bancários no Brasil (depoimento da testemunha F...);

z)            Foi sendo necessária a intervenção dos seus sócios ao longo dos últimos anos, por forma a dotar a C... dos recursos financeiros necessários à subsistência da sua actividade, tendo aqueles realizado diversos aumentos de capital social na sua participada, como sucedeu no caso da Requerente (depoimento da testemunha F...);

aa)         A maior parte da actividade da C... era efectuada através de concursos organizados pelo Estado brasileiro e para poder concorrer não podia apresentar uma situação líquida negativa, pelo que havia necessidade de regularizar as situações negativas, através da conversão de suprimentos em capital, para não ficar impedida de concorrer (depoimento da testemunha F...);

bb)         A maior parte dos financiamentos iniciais foram a título de empréstimos dos accionistas (suprimentos), que mais tarde foram convertidos em aumentos de capital (depoimentos das testemunhas F... e G...);

cc)          Um empréstimo contraído no J... no Brasil, no valor de 12 milhões de reais, foi garantido em Portugal, pois não se conseguiam financiamentos no Brasil (depoimentos das testemunhas F... e G...);

dd)         Os bancos deixaram de financiar a C..., devido ao seu endividamento elevado (depoimento da testemunha F...);

ee)         Com a separação do Banco K... Brasil do Banco em Portugal aquele forçou o pagamento do empréstimo dos 12 milhões de reais tendo o dinheiro de ser enviado o dinheiro de Portugal, tendo sido efectuado um aumento de capital (depoimento da testemunha I...);

ff)           A Requerente estava a contrair financiamentos em Portugal para assegurar o funcionamento da empresa no Brasil (depoimento da testemunha G...);

gg)         Em 2016, em face do elevado nível de endividamento desta sociedade, e da constatação das dificuldades de crescimento no mercado brasileiro, o Grupo decidiu desinvestir no Brasil, alienando a C... e a sociedade H..., a terceiros, em concreto a um grupo editorial brasileiro (depoimento da testemunha F...);

hh)         Em Junho de 2016, a C... estava a entrar em colapso financeiro e a qualquer momento poderia deixar de pagar salários e corria sérios riscos de ter problemas maiores (depoimentos das testemunhas I... e F...);

ii)            Para o efeito, foram realizadas em 2016 um conjunto de operações com o intuito de reestruturar esta participação financeira, melhorando os seus capitais próprios para permitir realizar a alienação das partes de capital e manter os postos de trabalho (depoimentos das testemunhas F... e G...);

jj)           No âmbito das negociações com os potenciais compradores, esta reestruturação revelou-se condição necessária à concretização das transacções, pois queriam comprar a empresa sem dívidas, mas a venda veio a ser feita a um dos principais credores (depoimentos das testemunhas F... e G...);

kk)         Com estas operações a Requerente pretendeu igualmente solucionar/colmatar os problemas de endividamento da C... e separar a unidade de negócio das edições escolares da unidade de negócio das edições gerais em duas entidades autónomas (a C... e a H..., respetivamente), em face da existência de potenciais compradores distintos para cada uma destas áreas de negócio (depoimento da testemunha G...);

ll)            Foram contratadas entidades para tentarem encontrar compradores para adquirirem o negócio no Brasil, mas não foram encontrados outros interessados para além daqueles com que foram realizadas as transacções (depoimentos das testemunhas F... e G...);

mm)      Não obstante, em face da situação financeira da C..., esta sociedade acabou por ser alineada em 2016 a uma entidade terceira, pelo valor de 1 real (Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

nn)         A evolução do capital social da C... até 31-12-2015 é a seguinte:

 

oo)         Em Dezembro de 2010, a Requerente celebrou um contrato de cessão de quotas com a B..., S.A., nos termos do qual esta última alienou à Requerente 131.535 quotas detidas na C... (com valor nominal de 131.535 reais, ou seja, 1 real por quota) (Documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

pp)         Em face da situação financeira deficitária da C..., esta cessão de quotas foi realizada por € 1,00 e a Requerente comprometeu-se a realizar um aumento de capital nesta sociedade, no montante de € 3.500.000,00, como medida de saneamento da sua situação financeira;

qq)         O referido aumento de capital foi realizado ainda em Dezembro de 2010 e deu origem à emissão de 7.682.500 novas quotas da C... (com o valor nominal de 1 real por quota) (Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

rr)           Deste modo, a 31 de Dezembro de 2010, a Requerente detinha 7.814.0353 quotas da C..., conforme resulta dos registos de 26 de janeiro de 2011 constantes da ficha cadastral do ..., cujo custo de aquisição total ascendeu a € 3.500.001,00 (documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

ss)          Em face da continuada situação deficitária da C..., e por forma a que a mesma pudesse fazer face aos seus compromissos financeiros, os sócios desta sociedade deliberaram as seguintes medidas, com vista a dotar esta sociedade de capital adicional e, paralelamente, equilibrar a sua situação financeira:

 (i) Aumento de capital de € 2.900.000,00 realizado apenas pela Requerente em Outubro de 2013 e que deu origem à emissão de 8.654.709 novas quotas da C... (com o valor nominal de 1 real por quota) [9.ª Alteração e Consolidação do Contrato Social (ACS) da C..., datada de 3 de Outubro de 2013 e chancelada pelo P..., cujas cópias constam dos Documentos n.ºs 13 e 14, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos];

Passou, assim, a Requerente a deter 16.468.744 quotas desta sociedade, com um custo de aquisição total de € 6.400.001,00 (registo no Bacen de 4 de Dezembro de 2013 que consta do documento n.º 10);

 (ii) Aumento de capital realizado pelos dois sócios da C... em dezembro de 2013, no qual a Requerente participou com o total de € 23.471.000,00 e deu origem à emissão de 60.620.389 novas quotas (com o valor nominal de 1 real por quota), passando a Requerente a deter 77.089.133 quotas destas sociedades, com um custo de aquisição total de € 29.871.001,00; e

(iii) Subsequente redução de capital para cobertura de prejuízos, nos termos da qual foram extintas 30.044.518 quotas detidas pela Requerente, tendo esta passado a deter 47.044.617 quotas da C... (registo no Bacen de 11 de Março de 2014, que consta do Documento n.º 10);

tt)           A 31 de dezembro de 2013, a Requerente detinha, assim, 47.044.617 quotas da C..., emitidas em Dezembro de 2013, com um custo de aquisição de € 29.871.001, conforme registo de 28 de fevereiro de 2014 constante da ficha cadastral do P... (Documento n.º 9);

uu)         Em Abril de 2014, foi realizado um novo aumento de capital por parte da Requerente, no valor de € 4.645.999, que deu origem à emissão de 14.990.316 novas quotas da C..., com o valor nominal de 1 real por quota (ACS 11, datado de 30 de abril de 2014 e chancelado pelo P..., cuja cópia consta do documento n.º 15, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

vv)         Deste modo, a 31 de Dezembro de 2014, a Requerente detinha € 62.034.933 quotas da C..., com um custo de aquisição total de € 34.517.000,00 (registo no Bacen de 29 Dezembro de 2015 e registo de 30 de Maio de 2014 constante da ficha cadastral do P... que constam dos documentos n.ºs 9 e 10);

ww)       Foi deliberado no decurso de 2015 um novo aumento de capital por parte dos sócios, seguido de redução de capital para cobertura de prejuízos (ACS 16, datada de 30 de Dezembro de 2015 e chancelada pelo P..., cuja cópia consta do Documento n.º 16, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

xx)         Neste contexto, a Requerente realizou um aumento de capital de € 8.699.400, que deu origem à emissão de 38.007.679 novas quotas da C... (com o valor nominal de 1 real por quota), tendo assim passado a deter 100.042.612 quotas desta sociedade, com um custo de aquisição total de € 43.216.400,00, conforme registo no Bacen de 6 de Fevereiro de 2016 (documento n.º 10);

yy)         Subsequentemente, a redução de capital para cobertura de prejuízos determinou a extinção de 39.683.421 quotas da C..., detidas pela Requerente;

zz)          Deste modo, a 31 de Dezembro de 2015, a Requerente detinha 60.359.191 quotas da C... (registo no Bacen de 6 de Fevereiro de 2016 e registo de 1 de Fevereiro de 2016 constante da ficha cadastral do P..., que constam dos documentos n.ºs 9 e 10), conforme se resume no quadro que segue:

 

aaa)       As operações realizadas no ano de 2016 constam do quadro que segue:

 

bbb)      Estas operações foram realizadas com o intuito de reestruturar a participação societária na C..., nomeadamente ao nível do seu endividamento, com vista ao desinvestimento no negócio do Brasil, sem a qual não teria sido possível concretizar as transações;

ccc)        No dia 27 de Maio de 2016, a Requerente celebrou um contrato de cessão de quotas com a L... SGPS, S.A. (doravante designada por “L... SGPS”), nos termos do qual alienou 45.532.992 quotas detidas na C... (Documento n.º 17, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

ddd)      A deliberação desta operação consta da ACS 17, datada de 27 de Maio de 2016 e chancelada pelo P... (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

eee)      Em face da situação patrimonial da C..., esta cessão de quotas foi realizada por 1 real, valor de mercado da participação societária estimada àquela data e que coincide com o valor acordado com a entidade terceira que posteriormente adquiriu a C...;

fff)         Nesta data, a C... já estava em mora com um conjunto de fornecedores e que havia uma previsível rutura de pagamentos salariais em Julho ou Agosto, não sendo possível realizar negócio em melhores condições (depoimento da testemunha F...);

ggg)       Em resultado desta operação, a Requerente apurou uma menos-valia fiscal de € 33.633.688, considerando o método FIFO na venda das quotas:

 

 

hhh)      Em 27 de Maio de 2016, a Requerente passou a deter apenas 14.826,19823 quotas da C..., ainda resultantes do aumento de capital realizado em Dezembro de 2015, com um custo de aquisição de € 9.582.711,00;

iii)           Em 27 de Maio de 2016, e ainda com o objetivo de sanear a situação financeira da C..., foi realizado um novo aumento de capital por parte da Requerente, no valor de € 6.850.000,00, que deu origem à emissão de 27.363.753 novas quotas da C..., com o valor nominal de 1 real por quota (Documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

jjj)          Em 27- de Maio de 2016, a Requerente passou a deter 42.189.952 quotas da C..., com um custo de aquisição total de € 16.432.711,00 (registo de 11 de Julho de 2016 constante da ficha cadastral do P..., que consta do documento n.º 9);

kkk)       No dia 1 de Junho de 2016, a Requerente adquiriu 3.343.041 quotas da C... à H..., Ltda.”, por 1 real (contrato celebrado entre as partes e deliberado no âmbito da ACS 18, datada de 1 de junho de 2016 e chancelada pelo P..., cujas cópias constam dos documentos n.ºs 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

lll)           Em 1 de Junho de 2016, Requerente passou a deter 45.532.993 quotas da C..., com um custo de aquisição total de € 16.432.712 (registo de 15 de dezembro de 2016 constante da ficha cadastral do P..., na página 10 do Documento n.º 9):

 

 

mmm)  No âmbito da ACS 18, foi deliberada a cisão parcial do património da  C...correspondente à área de negócio das edições gerais, para sua incorporação na esfera da participada desta sociedade — a H...;

nnn)      O objetivo desta operação foi destacar a área de negócio escolar da área de negócio das edições gerais, com vista à sua autonomização em sociedades autónomas (C... e H..., respetivamente) e posterior alineação destas sociedades a entidades terceiras;

ooo)      Na esfera dos sócios da C... (à data, a Requerente e a L... SGPS, com 50% cada do capital social da sociedade), a cisão-fusão determinou a anulação de partes de capital detidas nesta sociedade, na proporção do património transmitido - ou seja, foi reduzido o capital social da C... com cancelamento de 20.374,157 quotas, metade das quais (i.e. 10.187.078) pertencentes à Requerente (com um custo de aquisição associado de Euros 6.584.279);

ppp)      Por contrapartida, os sócios da C... receberam quotas da H... (10.966.211 cada) (ACS 19, datada de 2 de Junho de 2016 e chancelada pelo P..., cuja cópia consta do Documento n.º 21, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

qqq)      As ações da H... estavam valorizadas àquela data por 1 real, em face da sua situação financeira igualmente deficitária

rrr)         Na sequência das operações acima mencionadas, a Requerente passou a deter, no ano de 2016, 35.345.913 quotas da C..., com um custo de aquisição de Euro 9.848.433, conforme se pode comprovar pelo registo a 15 de dezembro de 2016 constante da ficha cadastral do P... (página 10 do Documento n.º 9)

sss)        Tendo surgido um comprador interessado no negócio do Brasil, uma entidade terceira denominada N..., Ltda., o Grupo B... decidiu vender a sociedade C... (ACS 20, datada de 30 de Junho de 2016 e chancelada pelo P..., cuja cópia consta do Documento n.º 22, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

ttt)         Mediante contrato celebrado no dia 30 de Junho de 2016, a Requerente alienou as 35.345.913 acções detidas na C... à referida entidade terceira, por 1 real (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

uuu)      Desta operação resultou o apuramento de uma menos-valia fiscal na esfera da Requerente, no valor de € 9.848.432,00:

 

vvv)       A Requerente nunca perdeu a qualidade de sócia da C..., desde 2010 (depoimento da testemunha F...);

www)   A venda das acções de que resultou a menos-valia realizada que aqui está em causa teve subjacente a constatação da inviabilidade de prosseguimento da actividade da C... por estar impossibilitada de encontrar financiamentos no Brasil e através dos sócios e já estar em mora com fornecedores, estando prestas a entrar em default, havendo uma previsível ruptura de pagamentos salariais em Julho ou Agosto de 2016 (depoimentos das testemunhas F... e G...);

xxx)       A continuação da situação da C... acabaria por ser perniciosa para a Requerente, pois não tinha condições para continuar indefinidamente a fazer transferências frequentes para o Brasil, sem falha os seus compromissos em Portugal (depoimento da testemunha G...).

 

 

 

 

5.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base no processo nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base nos depoimentos das testemunhas inquiridas na reunião.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

Não foi questionada a matéria de facto alegada pelas Requerentes.

 

 

6. Matéria de direito

               

                Resulta da matéria de facto fixada, que a Requerente A..., LDA. sofreu reiteradamente prejuízos com a sua participada C..., que implicaram a necessidade de realização de várias operações com o intuito de reestruturar a sua participação nesta sociedade, nomeadamente para reduzir o seu endividamento, com vista ao desinvestimento no negócio do Brasil.

                As Requerentes, nas declarações modelo 22 que apresentaram relativamente ao exercício de 2016, partiram do pressuposto de que as menos-valias que realizaram com a alienação da totalidade das participações detidas pela A..., LDA em 30 de Junho de 2016 (35.345.913 acções de cuja alienação resultaram menos-valias de € 9.848.432,00), não concorriam para a determinação do lucro tributável, por estarem abrangidas pelo regime previsto no artigo 51.º.C do CIRC (“participation exemption”).

                Posteriormente, as Requerentes entenderam que essas menos-valias se enquadravam naquele regime, pelo que apresentaram uma reclamação graciosa que não foi objecto de decisão no prazo legal, previsto no artigo 57.º, n.º 1, da LGT.

                No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que é aplicável àquelas menos-valias o regime de participation exemption, pelo que não relevam para a determinação do lucro tributável.

                Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que não se verificam os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC, para as menos-valias relevaram negativamente para determinação do lucro tributável.

 

 

6.1. Questão da aplicação do regime de participation exemption

 

                O artigo 51.º-C do CIRC, na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 51.º-C

Mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão

de instrumentos de capital próprio

 

1 - Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável às mais e menos-valias realizadas com a transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais aí referidas, designadamente prestações suplementares.

 

                Não é objecto de controvérsia que a situação da Requerente é susceptível de enquadramento neste regime, havendo apenas discordância, quanto a este ponto, relativamente à quantidade das acções que deve entender-se que eram detidas há menos de um ano. (   )

                Na verdade, o regime de participation exemption apenas é aplicável a mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano e as Requerentes entendem ele não pode ser aplicado às menos-valias realizadas com as acções alienadas em 30 de Junho de 2016, por elas terem sido adquiridas há menos de um ano, considerando que nas anteriores operações haviam sido extintas ou alienadas as acções adquiridas há mais tempo, aplicando o método FIFO (“First-In, First-Out”). (   )

                Aplicando este método FIFO, as 35.345.913 alienadas em 30 de Junho de 2016 terão sido adquiridas há menos de um ano (4.639.119 adquiridas em Dezembro de 2015, 27.363.753 adquiridas em Maio de 2016 e 3.343.041 adquiridas em Junho de 2016), pelo que não se aplica o regime de participation exemption e as menos-valias realizadas concorrerão para a determinação do lucro tributável do exercício de 2016.

                Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que aquele método FIFO não é aplicável, invocando que ele está previsto no n.º 11 do artigo 46.º do CIRC apenas para «transmissão onerosa de partes de capital da mesma natureza» e a alínea g) do n.º 5, do mesmo artigo 46.º apenas considera como transmissões onerosas “a anulação das partes de capital por redução de capital social destinada à cobertura de prejuízos de uma sociedade quando o respectivo sócio, em consequência da anulação, deixe de nela ter participação.”

                A ser assim, segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira, como «nas sucessivas reduções de capital realizadas nos anos de 2013, 2015 e 2016, a Requerente não perde a qualidade de sócio da C... (...), tais operações não são consideradas «transmissões onerosas» de partes sociais, para efeitos do art.º 46.º e concomitantemente não se encontram subordinadas à aplicação da regra definida no seu n.º 11».

                Defende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, em suma, o seguinte:

– as operações de redução do capital social da C..., diferentemente das chamadas «operações harmónio», em que a redução do capital para cobertura dos prejuízos acumulados processa-se primeiro, sendo seguida de um aumento do capital social, neste caso, as reduções do capital são precedidas de operações de aumentos do capital, sendo, aliás, aprovadas no âmbito da mesma deliberação social;

– o objectivo das operações em apreço, de aumentos do capital social realizados pela Requerente (e pelo outro sócio minoritário), com entradas em dinheiro ou mediante a conversão de suprimentos, esgotava-se na cobertura de prejuízos por via das reduções do capital, podendo assim estabelecer-se um paralelo entre esta modalidade de entradas adicionais dos sócios com as entregas adicionais de capital por parte dos sócios visando idêntica finalidade mas sem o recurso às figuras jurídicas do aumentos e da redução do capital social;

– nas duas modalidades, uma vez efectuada a cobertura dos prejuízos, os efeitos na esfera dos sócios manifestam-se da mesma maneira, ou seja, ao valor do investimento inicial na aquisição das partes de capital é adicionado o montante das entregas dos sócios para cobertura de prejuízos, o qual é imputado proporcionalmente a cada uma das partes de capital detidas (cfr., alínea a), n.º 8, art.º 46.º do Código do IRC);

– na esfera da sociedade beneficiária, o efeito final materializa-se na eliminação total ou parcial dos prejuízos acumulados, sendo que, nos casos com uma configuração similar à que está sob análise, assistir-se-á ainda a um incremento do capital social, se o valor do aumento previamente realizado não foi consumido integralmente nessa finalidade, ou, como nos casos a que se refere a norma acima indicada, o montante do capital social fica igual ao que existia;

– em suma, expendidas estas considerações importa concluir que, na chamada «operação harmónio», a redução do capital social sob a forma de extinção de partes sociais, afecta inevitavelmente as partes sociais antigas, ao passo que na situação em presença a redução do capital social com extinção de partes sociais afecta as mais recentes, i.e., na exacta medida em que o aumento do capital social foi efectuado com a finalidade de cobertura dos prejuízos.

 

As Requerentes defendem, em suma, o seguinte:

– na ausência de critério de saída expresso para as operações concretamente realizadas, deverá utilizar-se o critério (FIFO) que melhor se coaduna com a natureza da operação e que foi inclusivamente previsto pelo legislador para uma operação e semelhante, no número 11 do artigo 46.º do Código do IRC;

– nunca poderia aplicar-se o critério LIFO, conforme pretendido pela Autoridade Tributária - ou seja, considerando-se extintas as quotas mais recentes nas operações de redução de capital realizadas -, uma vez que o mesmo não tem aderência à natureza das operações realizadas - aliás tendo a Autoridade Tributária sido incapaz de comprovar o contrário, face à realidade dos factos;

– nem tão pouco o LIFO é utilizado em qualquer disposição do Código do IRC, sendo inclusivamente proibido como critério de valorimetria dos inventários, nos termos da normalização contabilística em vigor.

 

                               A divergência entre as Partes incide, assim, sobre a aplicação à alienação das acções que ocorreu em Junho de 2016 do método FIFO (“First In, First Out”) ou do método LIFO (“Last In, First Out").

                É clara a falta de suporte normativo para a posição defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não indica qualquer norma legal que preveja a adopção do método LIFO, a que se reconduz a tese que preconiza.

                Na verdade, há vários métodos contabilisticamente admissíveis para valorimetria de activos, inclusivamente participações sociais, dependendo de opção legislativa, e não da natureza das operações, a imposição da adopção de algum deles ou a proibição de qualquer outro, para cálculo das mais-valias e menos-valias relevantes para efeitos fiscais.

                Para se concluir que a imposição da aplicação de um ou outro dos métodos constitui uma mera opção legislativa, formulada no exercício da discricionariedade legislativa, sem necessária relação com a natureza das operações, basta constatar a evolução normativa em matéria de cálculo de mais-valias e menos-valias para efeitos de IRS, no que concerne à utilização dos métodos FIFO ou LIFO:

– na redacção inicial do CIRS impunha-se a utilização do método FIFO, no n.º 3 do artigo 45.º (   );

– com a Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, foi alterado o n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, continuando a aplicar-se o método FIFO ao cálculo da generalidade dos mais-valias, mas abriu-se uma excepção para a alienação de acções, a que passou a ser aplicável o método LIFO (   );

– com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, voltou a impor-se generalizadamente a adopção do método FIFO, na nova redacção dada à alínea b) do n.º 4 do artigo 41.º (correspondente ao anterior artigo 45.º, n.º 3) (   ) (   ).

 

                Por outro lado, como diz a Requerente, a utilização do método LIFO foi afastada na determinação do custo dos inventários de itens intermutáveis (§§ 23 e 25 da IAS 2 e §§ 23 e 25 da NCRF 18), em que se estabelece que «o custo dos inventários, que não sejam os referidos no parágrafo 23, deve ser apurado pelo uso da fórmula “primeira entrada, primeira saída” (FIFO) ou da fórmula do custo médio ponderado. Uma entidade deve usar a mesma fórmula de custeio para todos os inventários que tenham uma natureza e um uso semelhantes para a entidade».

                Assim, também não se encontra nas regras contabilísticas suporte normativo para a imposição do método LIFO, antes pelo contrário, conclui-se pela inadmissibilidade da sua utilização.

                Por isso, desde logo, tem de ser rejeitada a interpretação preconizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois não encontra na lei o mínimo de correspondência verbal, mesmo insuficientemente expresso, exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil para poder ser considerado pelo intérprete um hipotético pensamento legislativo.

                Na verdade, esse mínimo de suporte textual para aplicação do método LIFO não se encontra no n.º 11 do artigo 46.º, que diz precisamente o contrário, nem pode ser encontrado, mesmo implicitamente,  na alínea g) do n.º 5 do mesmo artigo, pois nas situações de «anulação das partes de capital por redução de capital social destinada à cobertura de prejuízos de uma sociedade quando o respetivo sócio, em consequência da anulação, deixe de nela deter qualquer participação» todas as acções do sócio são transmitidas, não se colocando, por isso, a questão de saber se foram transmitidas as adquiridas há mais tempo ou há menos tempo.

                Neste contexto, não havendo qualquer manifestação legislativa no sentido da aplicação do método LIFO e havendo reiteradas manifestações no sentido da opção legislativa pela aplicação do método FIFO ao cálculo de mais-valias e menos-valias, quer em matéria de IRS quer em IRC, há que concluir que esse método é aplicável à determinação das acções que foram objecto das operações de redução de capital realizadas nos anos de 2013, 2015 e 2016, pelo que as 35.345.913 que restavam e foram vendidas em 30 de Junho de 2016 são as que foram adquiridas em Dezembro de 2015 (4.639.119), Maio de 2016 (27.363.753) e Junho de 2016 (3.343.041).

                De resto, se é certo que da alínea g) do n.º 5 do artigo 46.º do CIRC se conclui que não se consideram transmissões onerosas a anulação das partes de capital por redução de capital social destinada à cobertura de prejuízos de uma sociedade quando o respetivo sócio, em consequência da anulação, continua a deter participações, daí apenas de conclui que essas operações não são relevantes para a determinação do lucro tributável, por não se enquadrarem no n.º 1 do mesmo artigo.

                Mas, as operações de redução de capital da C..., com extinção de quotas, para a cobertura dos seus prejuízos, mantendo o sócio a titularidade de outras participações são substancialmente idênticas, em termos económicos e jurídicos, àquelas em que o sócio em consequência da anulação, deixe de nela deter qualquer participação.

                Como dizem as Requerentes, «ambas consubstanciam, do ponto de vista jurídico, uma operação semelhante, traduzida numa redução de capital, com extinção de ações, para a cobertura de prejuízos de uma determinada sociedade», apenas divergindo nas consequências a nível da posição do accionista, o que não altera a natureza da operação, apenas tendo efeitos, em última análise, a nível da tributação imediata ou não das mais-valias ou menos-valias realizadas pelo accionista.

                Por isso, tanto nos casos em que, para efeitos fiscais, a extinção de acções constitui «transmissão onerosa», como nos casos em não é como tal legislativamente qualificada, se justifica que se considerem extintas as partes de capital adquiridas há mais tempo.

                Para além disso, é a esta solução que conduz não só a analogia com as situações reguladas no n.º 11 do artigo 46.º do CIRC e na alínea d) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS, mas também a gera do artigo 11.º, n.º 3, da LGT que impõe que, em caso de dúvida, se atenda «à substância económica dos factos tributários».

                Pelo exposto, não tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à primeira objecção à pretensão das Requerentes.

 

 

6.2. Questão da dedutibilidade das menos-valias, à face do artigo 23.º do CIRC

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a dedutibilidade das menos-valias em causa não é permitida à luz das condições gerais de aceitação dos gastos e perdas enunciados no art.º 23.º do Código do IRC.

                Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira o seguinte, em suma:

 

– a formulação da redacção do n.º 1 do art.º 23.º, dada pela Lei n.º 2/2014, teve em vista aproximar o texto legal da interpretação da jurisprudência e da doutrina quanto ao requisito da indispensabilidade mas, como a versão aprovada é diferente da que foi proposta pela Comissão de Reforma do IRC, passou a ficar mais claro que deve existir uma conexão entre os gastos ou perdas suportados e a obtenção ou a garantia dos rendimentos sujeitos a imposto, o que vale por dizer que a avaliação do «interesse empresarial» da entidade que os suporta requer algum tipo de concretização;

– porém, o «interesse empresarial» a que a jurisprudência tem feito apelo, no confronto dos gastos e perdas suportados com a atual redação do n.º 1 do art.º 23.º, comporta não só a exigência de os gastos e perdas não serem estranhos às atividades exercidas no quadro do objeto social, o que pressupõe alguma forma, direta ou indireta, de conexão com as atividades e com a obtenção ou garantia dos rendimentos ou ganhos tributáveis;

– as operações de aumento do capital social, realizadas para sanear a situação financeira da C..., que ascenderam a um total € 50.065.400, dos quais €39.716.400, entre Dezembro de 2013 e Dezembro de 2015 – aparentemente não alcançaram os objetivos pretendidos, dado que a Requerente começou por um investimento inicial de 1 Real e após ter injetado, no total, € 50.065.400 – entre Dezembro de 2010 e Maio de 2016 - e culminou com menos-valias declaradas, no exercício de 2016, de € 31.415.744,00, que incluem as menos-valias, de € 9.848.432,00 sob análise;

– se as perdas, cuja dedutibilidade é objeto do presente processo, se inscrevem num quadro factual que parece ter sido ruinoso, não pode a AT alhear-se de saber dos fatores que conduziram a tal desfecho, sempre caberia à Requerente, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, fornecer uma explicação e juntar documentos (e.g. relatórios e contas) que habilitem à compreensão das concretas causas da magnitude dos prejuízos acumulados que conduziram às menos-valias apuradas;

– as menos-valias apuradas na alienação das quotas da C..., a que não seja aplicável o regime do art.º 51.º-C do Código do IRC, por terem sido detidas por período inferior a um ano, não são dedutíveis por não se descortinar, dos elementos fornecidos, as suas concretas causas em ordem ser possível estabelecer um mínimo de conexão com a atividade da Requerente, bem como, averiguar se houve algum retorno do investimento financeiro, i.e., se as perdas foram suportadas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (cfr., n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC).

 

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC estabelece o seguinte:

 

Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

                Na redacção anterior deste n.º 1 do artigo 23.º estabelecia-se que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

                À face desta anterior redacção do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, foi-se estabilizando o entendimento doutrinal e jurisprudencial no sentido de para ser permitida a dedutibilidade de gastos e sua indispensabilidade para obtenção de rendimentos sujeitos a imposto não era necessária uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles fossem suportados no interesse da empresa, como foi reconhecido nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21-09-2016, processo n.º 0571/13 e de 15-11-2017, processo n.º 0372/16:

I – No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.

II – No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.

 

                À face desta jurisprudência, a exigir-se na nova redacção uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, tratar-se-á de uma inovação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pois ela não era exigida pela redacção anterior.

                No entanto, no Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – 2013 não se alude a qualquer intenção de alterar o regime anteriormente previsto no artigo 23.º do CIRC quanto à desnecessidade de uma relação de causalidade entre gastos e rendimentos, antes se refere expressamente esclarecer essa desnecessidade:

 

Ora, na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos.

A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.

Neste contexto, entendeu a Comissão propor uma evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos. Tal proposta acolhe a linha que a doutrina e a jurisprudência vêm sustentando, e pode revelar-se um meio para incrementar o grau de certeza na aplicação concreta do princípio basilar relativo à dedutibilidade. Adicionalmente, pode ainda constituir uma via para o decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa.

Assim, o artigo 23.º do Código do IRC passa a consagrar como princípio geral de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados.

 

                É certo, no entanto, que a formulação proposta pela Comissão para o n.º 1 do artigo 23.º e a que veio a ser adoptada são diferentes.

                A Comissão propôs a seguinte redacção:

 

«Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados».

 

A redacção que veio a ser adoptada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, é:

 

«Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».

 

                A restrição da relevância fiscal dos gastos, afastando a dedutibilidade dos que não estão relacionados com a obtenção de rendimentos tributados é uma possível solução legislativa, que foi mesmo explicitamente aventada no âmbito da discussão pública do projecto da Reforma do IRC de 2014, designadamente, pelo Prof. Doutor FREITAS PEREIRA, em «Aumento da competitividade fiscal, com efeitos no investimento e emprego, ou simples erosão das receitas fiscais? - Reforma do IRC» (   ): «Neste domínio, seria até coerente, face designadamente à introdução de um regime alargado de "participation exemption", restringir a aceitação fiscal dos gastos, não permitindo a dedução daqueles que estão correlacionados com a obtenção de rendimentos isentos de tributação. Mas sobre isso, nada de especial se prevê, remetendo-se quanto a gastos financeiros ligados aos mesmos para a limitação geral prevista no artº 67º do CIRC».

No entanto, se é certo que a nova redacção do artigo 23.º inclui uma referência à relação entre os gastos e os rendimentos sujeitos a IRC que não constava da proposta de Comissão, também o é que a nova fórmula não é, neste ponto, substancialmente diferente da utilizada na redacção anterior do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, pois nela já se incluía uma referência ao referir que a realização de gastos «para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», que era generalizadamente interpretada, inclusivamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, como não exigindo uma relação de causalidade entre gastos e rendimentos.

De qualquer forma, é seguro que se existisse, em geral, uma hipotética exigência de conexão entre gastos e perdas e a realização dos rendimentos sujeitos a IRC, ela seria aplicável no específico caso das menos-valias realizadas, pois, como se nota no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2017, proferido no processo n.º 0627/16, se tal exigência fosse feita «nunca uma menos-valia realizada poderia relevar negativamente na determinação do lucro tributável, pois é da sua natureza a falta de relação directa com proveitos» e «é absurdo pretender estabelecer uma ligação directa entre uma menos-valia e quaisquer proveitos ou ganhos, não fazendo sentido a indagação sobre «o nexo de causalidade entre a menos valia realizada e os proveitos a alcançar pela Impugnante».

Por outro lado, a realização de aumentos de capital destinados a assegurar o funcionamento de uma empresa participada que constituía um investimento estratégico da Requerente no sector editorial brasileiro tinha evidente objectivo de obtenção de lucros pela Requerente, pelo que se trata de actos que se enquadram no âmbito do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

Da mesma forma, a realização de reduções de capital para cobertura de prejuízos, num contexto em que não era viável obter financiamento bancário (como resulta da prova testemunhal produzida), constituem actos praticados no interesse da Requerente, visando a «garantir os rendimentos sujeitos a IRC» (como também se refere no n.º 1 do artigo 23.º), através da manutenção da fonte produtora de rendimentos sujeitos a IRC que essa participada constituía.

Na verdade, como resulta da matéria de facto fixada, a maior parte da actividade da C... era efectuada através de concursos organizados pelo Estado brasileiro e para poder concorrer não podia apresentar uma situação líquida negativa, pelo que havia necessidade de regularizar as situações negativas, através da conversão de suprimentos em capital, para não ficar impedida de concorrer.

De resto, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira aceita (   ) que «a redução de capital pode ser indispensável para a sociedade conseguir meios destinados à prossecução da sua actividade, nomeadamente quando for conjugada com um aumento de capital por novas entradas».

O mesmo sucede com a venda das acções de que resultou a menos-valia realizada que aqui está em causa que teve subjacente a constatação da inviabilidade de prosseguimento da actividade da C... por estar impossibilitada de encontrar financiamentos e já estar em mora com fornecedores havendo uma previsível ruptura de pagamentos salariais em Julho ou Agosto de 2016. A venda visou evitar a continuação do agravamento da situação numa situação em era inviável prosseguir a actividade da C... e, por isso, é um também acto de gestão empresarial praticado no interesse da Requerente.

Nestes termos, não há fundamento para recusar a relevância fiscal da menos-valia realizada com a venda das acções da C... .

               

               

                7. Decisão

 

Improcedem, assim os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para justificar o indeferimento tácito da reclamação graciosa.

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a decisão da reclamação graciosa n.º ...2018..., na parte em que é impugnada no presente processo, relativa à menos-valia de € 9.848.432, gerada com a vendas das acções 35.345.913 acções da C...;

c)            Anular a determinação do lucro tributável relativa ao exercício de 2016 efectuada pela A..., LDA, na declaração modelo 22 que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, na parte em que apurou um prejuízo fiscal de € 101.911,31 em vez de € 9.950.343,31, não considerando a referida menos-valia de € 9.848.432,00;

d)           Anular parcialmente a autoliquidação efectuada pela B..., S.A. na declaração modelo 22 do grupo de sociedades que consta do documento n.º 5 do junto com o pedido de pronúncia arbitral na parte em que apurou um lucro tributável no montante de € 5.290.229,83, em vez de um resultado negativo de 4.558.202,17, não considerando a referida menos-valia de € 9.848.432,00.

 

 

8. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 9.848.432,00.

 

9. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 122.094,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 16-12-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Carla Castelo Trindade)

 

(Marisa Isabel Almeida Araújo