Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 449/2019-T
Data da decisão: 2019-10-21  IRC  
Valor do pedido: € 1.908.034,44
Tema: IRC - Liquidação da massa insolvente. Inexistência de facto tributário.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 09-09-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO” (doravante apenas identificada por "A..." ou " Requerente") com sede em ..., ..., ...-... ..., pessoa coletiva n.º..., aqui representada pelo seu ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 22 de Janeiro (doravante “RJAT”) requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a «anulação das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, dos anos de 2014 e 2015, bem como no pagamento dos juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 43.º da LGT, se entretanto se vier a verificar o pagamento das liquidações».

As liquidações referidas têm os n.ºs 2019... (a relativa ao ano de 2014) e 2019... (a relativa ao ano de 2015) e os seus valores são de € 1.392.279,43 e € 515.813,65, respectivamente.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-07-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 20-08-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 09-09-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 15-10-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

A.           A A..., S.A. era uma sociedade anónima, inscrita no cadastro desde 01-01-1986, com o CAE 41200- CONSTRUÇAO DE EDIFICIOS (RESIDENCIAIS E NÃO RESIDENCIAIS);

B.            A sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida em 27-04-2012, no Processo n.º .../12...T…, que correu termos no Tribunal Judicial de …;

C.            A sentença referida transitou em julgado em 15-05-2012;

D.           Por deliberação de 19-10-2012, foi vencida a proposta de plano de insolvência e decidido o início da liquidação da sociedade insolvente (acta de Assembleia de Credores que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E.            Na liquidação da massa insolvente, a Requerente celebrou diversas escrituras públicas, denominadas de compra e venda, efectuadas no âmbito das competências do Administrador de Insolvência (documentos 5 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

F.            As vendas foram efectuadas para tendo em vista o pagamento de créditos dos credores da insolvente;

G.           Na declaração modelo 22 da A..., S.A. relativa ao ano de 2011 foi indicado que a sociedade tinha prejuízos fiscais com transmissão autorizada no valor de € 9.959.136,85 (documento n.º 43 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H.           No exercício de 2011 a A..., S.A.  teve um prejuízo fiscal de € 994.046,75 (documento n.º 43);

I.             No exercício de 2012, a A..., S.A. teve prejuízos fiscais no montante de € 839.626,76 (documento n.º 44 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J.             Em 26-09-2018, tiveram início actos de inspeção tributária à Requerente, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2018... e 0I2018..., visando os períodos tributários de 2014 e 2015:

K.            Tratou-se de uma acção inspectiva de caráter externo e âmbito parcial (IRC) com o objetivo de consulta, recolha e cruzamento de dados para controlo de mais-valias;

L.            No processo inspectivo foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

O procedimento de inspeção foi iniciado com o despacho n.º OI2018...com o objetivo de Consulta, recolha e cruzamento de elementos

Através da consulta ao sistema informático da AT, nomeadamente ao sistema do património (Modelo 11), foram detetadas alienações de imóveis nos anos em análise, por parte do sujeito passivo sendo que o mesmo, nas demonstrações de resultados constantes na IES não apresentou quaisquer valores nos Campos "Vendas e Serviços Prestados". Tratando-se de uma empresa coletada para o exercício da atividade de Construção de Edifícios e existindo aparentemente omissão de rendimentos, foram solicitados, em 26-09-2018, ao contabilista certificado, através de mensagem por correio eletrónico, informações sobre as vendas efetivas dos imóveis, e em caso afirmativo, o motivo para a sociedade não ter declarado esses rendimentos.

Desta feita considera-se nessa data, 26-09-2018, iniciado o procedimento inspetivo.

Uma vez que, por sentença transitada em julgado em 15 de maio de 2012, e registada na conservatória do registo predial/comercial de ... em 24 de maio do mesmo ano, trata-se de uma empresa em insolvência, foi o administrador de insolvência, B..., pelo ofício ... de 29/10/2018, recebido em 05/11/2018, notificado da respetiva data de inicie do procedimento inspetivo.

Através do mesmo ofício referido no parágrafo anterior foi o s.p. notificado para exibir, no prazo de cinco dias, alguns documentos como balancetes analíticos dos anos de 2014 e 2015, lançamentos contabilísticos efetuados relativos as vendas dos imóveis no mesmo período e, para as mesmas vendas, documentos comprovativos de consentimento dos credores. Foram ainda solicitadas informações sobre o motivo das alienações não estarem refletidas na rubrica 'vendas' e se os imóveis se encontravam registados em inventários ou ativos fixos tangíveis, assim como os respetivos valores líquidos contabilísticos à data das alienações.

Por documento rececionado nesta Direção de Finanças em 12/11/2018, o s p., na pessoa do administrador judicial, solicitou a prorrogação do prazo referido anteriormente por 15 dias.

Por despacho do Diretor de Finanças de 13/11/2018, o pedido foi deferido, sendo concedido o prazo até 27/11/2018 para o s.p fornecer os elementos e prestar as informações solicitadas.

No dia 27/11/2018, recebemos do s p, através do administrador de insolvência, resposta à notificação, efetuada pelo ofício ... de 29/10/2018, e além de juntar balancetes analíticos de 31/12/2014 e 31/12/2015 e duas atas (n.º 7 de 25/09/2013 e n.º 8 de 24/01/2014) relativas a reuniões de Comissão de Credores da sociedade Insolvente vem informar o seguinte:

Na entrada de Insolvência da Sociedade, não houve uma passagem de informação contabilística que permita a correta mensuração dos registos relativo às alienações dos ativos da sociedade, pelo que não houve tal registo.

Considerando que as alienações já efetuadas estão ao abrigo do CIRE, e que não geram rendimentos tributáveis por se estar a liquidar dívidas da Insolvente, efetuaremos o desreconhecimento dos ativos bem como das dívidas possíveis de liquidar no final da alienação de todos os ativos. Pois não é possível com a informação disponível a mensuração de rendimentos e gastos no período.

Os valores de Imóveis apenas se encontram registados nas contas 32 - Mercadorias e na conta 36- Produtos e trabalhos em curso. Iremos ter em atenção estas informações do s.p., no capítulo seguinte.

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

No decorrer dessa análise identificaram-se as seguintes situações passíveis de correção conforme se discrimina por exercício

 

III.1. IRC

III.1.1. Incorreção na declaração de rendimentos modelo 22

Da análise aos balancetes analíticos fornecidos e ao declarado pelo s.p. nas declarações modelo 22 do IRC, dos anos de 2014 e 2015, verificou-se que os valores do resultado líquido do período, adiante designado RLP, apurado contabilisticamente em ambos os anos, são diferentes dos valores declarados na declaração modelo 22 do IRC.

Desta incorreção declarativa resulta, nos termos do art.º 17.º do CIRC, uma correção de 8.849,13€ e 6.911,34€ em 2014 e 2015 respetivamente, calculada pela diferença dos valores mencionados e que se demonstra de seguida.

 

Quadro 1 - Apuramento da cerração decorrente da divergência entra o RLP da contabilidade e o constante da Mod. 22

 

 

III.1.2. Omissão de Rendimentos decorrentes de alienações efetuadas

Em sede de IRC, o sujeito passivo encontra se abrangido pelo regime geral de tributação.

Através da análise ao sistema informático da AT, nomeadamente ao sistema do património (Modelo11), ficou-se a saber que o s p, em 2014 e 2015, efetuou vendas de imóveis, todos localizados na freguesia de ..., concelho de... .

Foram solicitadas cópias das escrituras aos Cartórios Notariais onde as mesmas foram lavradas tendo-se constatado que o administrador de insolvência, na qualidade de fiel depositário dos bens do s.p., e como representante da massa insolvente, procedeu à alienação onerosa de bens imóveis na mesma integrados procurando sintetizar os dados obtidos construíram-se os seguintes quadros:

 

Salienta-se que, na escritura lavrada em 13-03-2015, todos os imóveis foram vendidos por valores inferiores aos respetivos valores patrimoniais tributários, pelo que, segundo os n.ºs 1 e 2 do art. 64.º do CIRC, os valores a considerar para determinação do lucro tributável serão os valores patrimoniais tributários.

Conforme já referido, o contribuinte não refletiu contabilisticamente as vendas efetuadas tendo o administrador de insolvência considerado que as alienações estão ao abrigo do CIRE, não gerando por isso rendimentos tributáveis.

Atendendo aos anos em questão e segundo a redação do n º 1 do art 268.º do CIRE à data, dada pela Lei n.º 66-B/2012 de 31/12, "as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento (sublinhado nosso) de bens do devedor e da cessão de bens aos credoras estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor".

Diga-se que todas as alienações mencionadas anteriormente foram tituladas por escrituras de compra e venda relembrando que "compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço"(art 874 º do Código Civil).

Não havendo, no nosso entender, qualquer isenção ou exclusão de tributação para esses rendimentos por não estarmos perante dações em cumprimento, ao contrário da resposta do s.p. que refere que esses rendimentos não são tributáveis ao abrigo do CIRE, detetam-se assim rendimentos que não foram declarados e que como tal encontram-se omissos

Dessa forma, há necessidade de se apurar o efetivo resultado tributável dos exercícios de 2014 e 2015.

No cálculo do Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) temos em consideração o mencionado pelo s.p na resposta à notificação de 29-10-2018, que refere que os valores dos imóveis encontram-se registados nas contas SNC "32 - Mercadorias" e SNC "36 - Produtos e trabalhos em curso", verificando-se pelos balancetes analíticos remetidos que as referidas contas não discriminam os imóveis alienados, não sendo possível aferir diretamente o CMVMC correspondente a cada um dos imóveis.

Tendo essa Informação em atenção e sabendo que o valor registado nas contas SNC atrás mencionadas consta no campo A5113 da IES como sendo o valor total de inventários, conclui-se que o valor contabilístico total dos imóveis do s.p. em 2014 e 2015 era de 9.292.783,90€.

 

Saliente-se que o valor contabilístico dos imóveis da empresa e idêntico nos anos de 2014 e 2015, dado que não houve desreconhecimento contabilístico dos prédios alienados.

Sabemos que o sujeito passivo possuía, em termos de artigos matriciais, mais de 50 prédios, e contabilisticamente, não existe qualquer correspondência entre esses artigos e as várias descrições que constam nas contas de inventários. Assim, para efeitos de cálculo do CMVMC de cada imóvel, iremos considerar como custo, tendo como base o valor contabilístico total de inventários, um valor proporcional ao valor patrimonial total dos imóveis do s.p, o qual, no início de 2014, se cifrava em 7.506181,416. O cálculo dessas proporções (percentagens) e do CMVMC apurada para cada imóvel encontra-se efetuado no Anexo 1.

Neste sentido, tomando em consideração o valor de venda dos imóveis e o CMVMC proporcional constante do Anexo 1, apuramos o seguinte rendimento:

 

Como, relativamente ao exercício de 2014, o sujeito passivo não declarou qualquer valor de Vendas e Serviços Prestados, então o valor de 5.649.708.03€ será o valor da correção a efetuar à matéria tributável, decorrente das alienações efetuadas no mesmo período, nos termos do art.º 20.º do CIRC.

No que diz respeito ao exercício de 2015, à semelhança do que se passava no ano de 2014. contabilisticamente. não existe qualquer correspondência entre os artigos matriciais do s.p. e as várias descrições que constam nas contas de inventários, para efeitos de calculo do CMVMC de cada imóvel, iremos considerar como custo, tendo como base o valor contabilístico total de inventários, um valor proporcional ao valor patrimonial total dos imóveis do s.p, conforme Anexo 1.

 

 

Como, também no exercício de 2015, o sujeito passivo não declarou qualquer valor de Vendas e Serviços Prestados, então o valor de 2 213 548.83€ será o valor da correção a efetuar à matéria tributável, decorrente das alienações efetuadas no mesmo período, nos termos do art. 20.º do CIRC.

As alienações e respetivos apuramentos do CMVMC, evidenciadas nos quadros anteriores, provocaram as seguintes alterações em sede dos valores de inventários do s.p. nos exercidos de 2014 e 2015.

 

III.1.3 RESUMO DAS CORREÇÕES A APURAMENTO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL CORRIGIDO

Atendendo ao demonstrado nos pontos anteriores, conclui-se que o valor da cerração a efetuar à matéria tributável é de 5.658.557,18€ e 2.220 460 17€ para 2014 e 2015, respetivamente. Desta feita calcula-se de seguida os novos resultados tributáveis.

 

O Lucro tributável ascende aos montantes de 5 590.470.63€ para o exercício de 2014 e de 2.129.415,156 para o exercício de 2015.

 

M.          Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IRC n.ºs 2019... (a relativa ao ano de 2014) e 2019... (a relativa ao ano de 2015) com os valores de € 1.392.279,43 e € 515.813,65, respectivamente;

N.           No ano de 2011, a A..., S.A. estava integrada num grupo de sociedades (documento n.º 43 cujo teor se dá como reproduzido);

O.           Em 24-06-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não se provou que a Requerente nos anos de 2014 e 2015 a A..., S.A tivesse efectuado qualquer actividade de construção de edifícios residências e não residenciais, que era a sua única actividade referida no Relatório da Inspecção Tributária, nem que nesses anos tivesse obtido quaisquer rendimentos dessa actividade.

Não se provou que a Requerente tivesse efectuado o pagamento das liquidações impugnadas.

Os factos foram dados como provados com base no processo administrativo e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

3. Matéria de direito

               

Na sequência da declaração de insolvência e da não aprovação do plano de insolvência, a sociedade A..., S.A. entrou em liquidação.

No âmbito da liquidação, o Administrador da Insolvência procedeu a venda de vários imóveis integrados na massa insolvente, para o produto das vendas ser utilizado aos pagamentos aos credores da insolvente.

A Requerente defende, em suma:

– em primeira linha, que a venda de imóveis da massa insolvente para pagamento das dívidas aos credores não constitui facto tributário sujeito a IRC, porque não visam a obtenção de lucro, mas apenas satisfazer os interesses dos credores;

– subsidiariamente, a Requerente defende que as vendas efectuadas, apesar da denominação dos contratos consubstanciam dações em pagamento, pelo que sempre estariam isentas, por força do artigo 268.º, n.º 1, do CIRE;

– para além disso, não foram considerados nas liquidações prejuízos fiscais de anos anteriores.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo o seguinte, em suma:

– não foi deliberado o encerramento da actividade;

– a cessação da atividade ocorre apenas na data do encerramento da liquidação;

– mesmo que na massa insolvente se compreenda um estabelecimento inativo ou não explorado, tal não importa, forçosamente, a impossibilidade de ocorrência de factos tributários posteriores, os quais não podem ser excluídos da tributação;

– artigo 268.º do CIRE não prevê isenção para vendas;

– o entendimento de que o artigo 268.º do CIRE se aplica a vendas é incompaginável com o princípio constitucional da legalidade;

– os prejuízos fiscais, relativos aos anos de 2012 e 2013 foram considerados na liquidação de 2014 e os de 2011 não podiam ser considerados por a A..., S.A. estar integrada num grupo e os prejuízos fiscais do grupo só poderem ser deduzidos aos lucros tributáveis do próprio grupo nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 71.º do Código do IRC.

 

Apreciar-se-ão as questões pela ordem indicada pela Requerente, sem prejuízo de o conhecimento de alguma ou algumas poder ficar prejudicado pela solução dada a outras.

 

3.1. Questão da inexistência de facto tributário

 

A primeira questão colocada pela Requerente é a da inexistência de facto tributário, por a venda de imóveis que integram massa insolvente no âmbito de liquidação em processo de insolvência não constituir qualquer actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, geradora de rendimento, visando apenas satisfazer os créditos da insolvente.

Este entendimento da Requerente tem reiterado apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que invoca.

Na verdade, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2017, proferido no processo n.º 0876/15, (   ) entendeu-se o seguinte:

– «(...) a venda que tem lugar na fase de liquidação do activo de empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens de um património autónomo (massa falida) que visa a satisfação dos credores em concurso universal. E o incumprimento de obrigações declarativas, ainda que permita à Administração Tributária averiguar, através de acção inspectiva (como aconteceu no caso) se a empresa tinha ou não continuado a exercer actividade económica e, no caso afirmativo, proceder à determinação do lucro tributável em sede de IRC, não integra fundamento para a tributação em imposto sobre o rendimento».

– «Na verdade, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro tributável».

– «Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC. Pelo que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.

– «Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC».

– «Todavia, se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC, como bem se deixou explicitado no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03».

– «Com efeito, a venda que tem lugar nos autos de liquidação do activo da empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens da massa falida com vista à satisfação dos credores, em concurso universal, e que não integra o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no art.º 43º do Código do IRC».

– «Como se deixou frisado naquele acórdão proferido no recurso nº 01079/03, com a declaração de falência não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”, que constitui um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos.

 

Como incisivamente se refere no citado acórdão proferido no processo n.º 01079/03, «só através de uma ficção jurídica se poderia considerar lucro tributável o produto da alienação de património afectado ao pagamento de dívidas que já não consegue cobrir».

                Esta jurisprudência tem perfeita aplicação no caso em apreço, pois está-se perante uma situação em que não há qualquer indício de que a Requerente tenha realizado qualquer actividade de construção de edifícios nos anos de 2014 ou 2015, nem que nesses anos tivesse obtido quaisquer rendimentos dessa actividade.

                Assim, aderindo a esta jurisprudência, entende-se que o produto das vendas referidas não constitui rendimento tributável em sede de IRC.

                Pelo exposto, tem de se concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                Consequentemente, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à primeira questão colocada.

               

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento e vício de violação de lei, a assegura eficaz tutela dos interesses da requerimento, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Juros indemnizatórios

               

                A Requerente formula pedido de juros indemnizatórios para o caso de se «verificar o pagamento das liquidações».

                Há lugar a juros indemnizatórios quando houver um pagamento indevido de tributo, com resulta do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

                Não se tendo provado que a Requerente tivesse efectuado o pagamento de qualquer quantia, tem de ser julgado improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

 5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular as liquidações de IRC n.ºs 2019... e 2019...;

c)            Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.908.034,44.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 25.092,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 21-10-2019

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Nuno Cunha Rodrigues)

(Pedro Miguel Bastos Rosado)