Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 836/2021-T
Data da decisão: 2022-09-26  IRC  
Valor do pedido: € 23.580,75
Tema: IRC - Derrama regional; Região Autónoma dos Açores; e RETGS
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SUMÁRIO:

 

I – A derrama estadual é calculada e apurada individualmente, sendo indiferente para essas tarefas, a circunstância de uma sociedade pertencer, ou não, a um grupo de sociedades. Não é possível, neste âmbito, compensar prejuízos/lucros gerados no seio do grupo de sociedades sujeito ao RETGS.

 

II – Sendo uma sociedade sujeito passivo residente na Região Autónoma dos Açores que exerce, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, ser-lhe-ão aplicáveis as taxas de derrama regional previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, independentemente de a referida sociedade integrar, ou não, um grupo de sociedades, cuja sociedade dominante não tenha sede na Região Autónoma dos Açores.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

1.  A..., S.A., titular do número de identificação fiscal..., veio na qualidade de sociedade designada, no período de tributação de 2018, para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do grupo de sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação do Grupo de Sociedades (“RETGS”), apresentar pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral  (integrando a Requerente um grupo de sociedades ao qual, por opção, é aplicável o RETGS, e fazendo parte do perímetro do dito grupo também a B..., S.A., titular do  número de identificação fiscal..., com sede social em...– Região Autónoma dos Açores e a C..., S.A., titular do número de identificação fiscal ...,  com sede social em Lisboa) relativamente ao ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021... e, mediatamente, o segmento da liquidação de IRC n.º 2019... em que não se aplica a derrama regional a taxas reduzidas, relativamente à pessoa coletiva que tem sede na Região Autónoma dos Açores.

 

2. No dia 22/02/2022 ficou constituído o Tribunal Arbitral.

 

3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi, a Requerida em 22/02/2022, notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

4. A Requerida apresentou, em 28/03/2022, a sua resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa, bem como, mediatamente, da liquidação de IRC no segmento controvertido. 

 

5.  O Tribunal Arbitral, por despacho de 18/04/2022, dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.

 

6. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações finais escritas em 27/04/2022 e 04/05/2022, respetivamente, mantendo integralmente as posições processuais (inicialmente) assumidas.

 

7. Tendo em conta a complexidade do processo e a interposição de períodos de férias judiciais, foi proferido despacho, em 19/08/2022, no qual se prorrogou, por dois meses, o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.           

 

POSIÇÃO DAS PARTES

8. A Requerente sustenta que a liquidação, objeto mediato da reclamação graciosa, é ilegal, pois defende que não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), por via da equiparação da derrama regional à derrama estadual e, desta última, ao IRC, vedar a aplicação do regime previsto no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro à B..., S.A.  (sociedade que faz parte integrante de um grupo de sociedades tributado pelo RETGS), a partir do requisito relativo à sujeição à “[t]axa normal [de IRC] mais elevada”.

Defende, ainda, a Requerente que, para efetuar uma correta interpretação e compreensão da exigência prevista no artigo 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), acerca da necessidade de aplicação do regime geral de IRC à taxa normal mais elevada, deverá ser analisada a ratio legis do preceito em causa.  Isto é, se se compreende a comunicação imediata  de prejuízos fiscais e lucros tributáveis das sociedades que integram  o RETGS, com vista à  coerência para evitar que entidades com diferentes taxas de IRC contribuam com os seus lucros tributáveis e prejuízos fiscais para um lucro tributável apurado pelo grupo em que não existia uma única taxa de IRC aplicável, a questão não se verifica na derrama estadual/regional, na medida em que a derrama apurada no grupo resulta do somatório das derramas individuais.

Propugna, paralelamente, que o legislador insular, “[n]ão só não se esqueceu das sociedades com sede na Região Autónoma dos Açores que integram um RETGS, como se dedicou inclusivamente a compaginá-las com a aplicação da derrama regional” a sociedades que integram o perímetro de um grupo fiscal. A Assembleia Legislativa Regional estabeleceu que “[q]uando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número um [taxas da derrama regional] incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo…”[1]. Ou, dito de outro modo, consagrou a aplicação expressa das taxas de derrama regional, previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, ao lucro das sociedades abrangidas pelo RETGS.

Peticiona o reembolso da quantia de 23 580,75 euros, correspondente à diferença entre o montante inicialmente pago a título de derrama estadual e o montante que efetivamente deveria ter sido pago em virtude da aplicação do regime previsto para a derrama regional, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

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9. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:

Sustenta, em primeiro lugar, que a derrama regional, com a redução de taxas, apenas se aplica a: i) residentes na Região Autónoma dos Açores; e ii) não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores.

Acrescenta, paralelamente, que, a opção pela aplicação do RETGS, somente pode ser formulada quando se verifique um conjunto de requisitos, nos quais se inclui o seguinte: a totalidade dos rendimentos de todas as sociedades pertencentes ao grupo, com sede ou direção efetiva em território português, estar sujeita ao regime geral de IRC à taxa normal mais elevada - artigo 69.º, n.º 3, alínea a), do CIRC. Assim, não podem, no seu juízo, fazer parte do grupo, as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, estejam sujeitas a uma taxa inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação.

Conclui, em síntese, que a incidência da derrama regional se aplica unicamente aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores e aos não residentes com estabelecimento estável na respetiva região autónoma, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. No âmbito do RETGS, nos casos em que a sociedade dominante tenha sede no território continental e o grupo integre sociedades dominadas (com sede) nas Regiões Autónomas, a totalidade dos rendimentos das sociedades (do grupo) está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada, nos termos do artigo 69.º, n.º 3, alínea a), do CIRC. Pelo que,  se as derramas estadual e regional têm a natureza de IRC (para que possam ser integradas no perímetro do grupo tributado pelo RETGS), as sociedades dominadas sediadas na Região Autónoma dos Açores  estão sujeitas a derrama estadual, nos termos do artigo 87.º - A do CIRC.

 

SANEAMENTO

 

 O processo não enferma de nulidades, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

QUESTÕES A DECIDIR

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida, constantes das suas peças processuais acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar [sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]:

  1. Se o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021... e, mediatamente, a liquidação de IRC n.º 2019..., [segmento respeitante à derrama (estadual)], padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, dado que as taxas aplicáveis à B..., S.A.  (com sede na Região Autónoma dos Açores e que integra um grupo de sociedades que optou pelo RETGS) são as fixadas no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro e não as estabelecidas no artigo 87.º-A do CIRC;
  2. Se a Requerente tem direito ao reembolso de 23 580,75 euros, montante da derrama que entende ter sido pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde o pagamento indevido até ao efetivo e integral pagamento.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

1.1. A A..., S.A. é uma sociedade anónima, constituída ao abrigo da lei portuguesa, com sede e direção efetiva em território nacional (continental - Lisboa), que se dedica à prestação de serviços urbanos, manutenção de espaços verdes, serviços industriais, tratamento e gestão de resíduos e infraestruturas e integra um grupo de sociedades ao qual é aplicável, em 2018, o RETGS previsto no CIRC. (PA)

1.2.  A B... é uma sociedade anónima, constituída ao abrigo da lei portuguesa, com sede e direção efetiva em território nacional (insular) – Região Autónoma dos Açores, que tem por objeto social o exercício de atividade pública concessionada de conceção, projeto, construção, alteração de vias, reabilitação ou reformulação, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores de vários lanços de autoestrada. (PA)

1.3. Para efeitos fiscais, as referidas sociedades foram, em 2018, tributadas no âmbito do RETGS, através da opção prevista no artigo 69.º-A do CIRC, tendo no referido exercício a A..., S.A. como sociedade designada para cumprir todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do grupo de sociedades (artigo 69.º, n.º 3, do CIRC). (PA)

1.4. O perímetro do grupo D... era, em 2018, composto por quatro sociedades, nas quais se incluíam a A..., S.A., a C..., S.A. e a B..., S.A. (PA)

1.5.  O montante que a B..., S.A. pretendeu reportar (na sua declaração individual de rendimentos), a título de derrama regional (aquela que considerava devida) foi de 94 323,01 euros e não de 117 903,76 euros, efetivamente reportados a título de derrama estadual. (PA)

1.6. O preenchimento e entrega da declaração de rendimentos individual com a inscrição do montante de 94 323,01 euros, a título de derrama regional, não se revelou eletronicamente possível no campo 373 “Derrama estadual”. (Documento 5 junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral)

1.7. Já no período de tributação de 2017, a B..., S.A. entregou, no dia 18/07/2018, um pedido, via e-balcão, com vista ao esclarecimento quanto ao modo de declarar eletronicamente a derrama regional. (Documento 5 junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral)

1.8. Em resposta ao pedido, a AT esclareceu que:  Deverá corrigir a declaração que está errada com o erro D8L. Nos termos da alínea a) do número 3 do artigo 69.º do CIRC “As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direção efetiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada”. Assim sendo, ainda que se estabeleçam legalmente taxas de IRC inferiores para os sujeitos passivos com sede ou direção efetiva nas Regiões Autónomas, a taxa de IRC aplicável aos sujeitos passivos no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) é a taxa geral prevista no artigo 87.º do CIRC. A derrama estadual enquanto adicional ao IRC, tem a natureza de IRC. Para os sujeitos passivos com sede ou direção efetiva nas Regiões Autónomas que estão enquadrados no RETGS é-lhes aplicável a regra geral, sendo devida derrama estadual nos termos do artigo 87.º-A do CIRC, aplicando as taxas aí previstas. Face ao acima exposto, deverá corrigir a declaração da sociedade dominada que está errada com o erro D8L. Quando a declaração da sociedade dominada estiver certa, deverá entrar na declaração de grupo da sociedade dominante - NIPC ... – A..., S.A. (modo contabilista certificado corrigir) e submetê-la novamente à validação central de modo a ultrapassar os erros D1Y e D8F. (Documento 5 junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral)

1.9. A B..., S.A. procedeu, a 25/06/2019, por referência ao período da tributação de 2018, à entrega da declaração individual de rendimentos modelo 22 de IRC, tendo declarado no campo 373, do quadro 10, relativo à derrama estadual, o montante de 117 903,76 euros. (Documento 2 junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral)

1.10. A A..., S.A. procedeu, na qualidade de responsável pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do grupo de sociedades tributado à luz do RETGS, no dia 28/06/2019, à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do grupo, no qual se apurou um montante a pagar de 154 745,61 euros, a título de derrama estadual. (Documento 3 junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral)

1.11. Em consequência da entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao período de tributação de 2018, foi emitida a nota de liquidação n.º 2019..., com um montante de 154 745,61 euros de derrama estadual. (Documento 4 junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral)

1.12. A Requerente apresentou uma reclamação graciosa no dia 25/06/2021, na qual defende, a final, que para o cálculo da derrama devida pelo RETGS do grupo D..., no período de tributação de 2018, deve o montante apurado pela B..., S.A.,  no campo 373 da declaração modelo 22 de IRC ser corrigido, em conformidade com as regras de cálculo previstas para a derrama regional – números 1 a 3 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A de 17 outubro de 2016. (PA)

1.13. A Requerente foi notificada, por carta remetida a 30/09/2021, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021..., na qual se defende que:

29.       Contudo, as Reclamantes pretendem corrigir o valor inscrito na DRM22 de substituição por entenderem que podem beneficiar das taxas de derrama regional previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 1/2018/A, de 3 de janeiro, devendo o respetivo valor apurado na declaração individual da B... cifrar-se em € 94.323,01, ou seja, menos € 23.580,75, com a correspondente repercussão na declaração do grupo que se fixará em € 131.164,86.

30.       Portanto, a questão aqui em dissídio consiste na determinação de taxas aplicáveis ao cálculo da derrama no caso de uma sociedade que tem a sua sede social nos Açores e que integra um grupo de sociedades que optou pelo RETGS.

Vejamos,

31.       O grupo de sociedades, suplantando as tradicionais formas de empresa individual e da empresa unissocietária, constitui, «uma técnica jurídica alternativa de organização da empresa moderna pela qual um conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais juridicamente independentes é submetido a uma direção económica unitária e comum exercida por uma delas (dita sociedade-mäe) sobre as restantes (sociedades-filhas)».

32.       Esta nova forma organizativa caracteriza-se pela autonomia jurídica das sociedades comerciais que a compõem e na subordinação de todas a uma direção económica unitária.

33.       Por um lado, a independência jurídica reside na manutenção da autonomia patrimonial e organizativa de cada empresa, e por outro, no plano económico, há uma submissão das empresas à estratégia e ao interesse do grupo.

34.       O Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) trouxe alterações significativas ao regime anterior, uma vez que, para efeitos do apuramento do IRC, veio desconsiderar as regras de consolidação de contas, procurando uma maior simplicidade na sua aplicação, passando de um modelo de tributação do lucro consolidado para um sistema que agrega as contas das sociedades, obtendo-se um lucro tributável do grupo.

35.       O RETGS foi, pois, criado para o cálculo e aplicação do IRC, enquanto regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo.

36.       O regime introduzido pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro ("Reforma do IRC"), da Lei n.º \82-C/2014, de 31 de dezembro (transpôs a Diretiva n.º 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de julho) e da Lei n. º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento de Estado para 2016) é hoje regulado nos artigos 69.º a 71.º do CIRC.

37.       É um regime dominado por uma lógica de tributação conjunta, isto é, o grupo de sociedades é tributado em sede de IRC pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, conforme prevê o artigo 70.º, do CIRC, que determina que o lucro tributável do grupo seja calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

38.       Como a soma é efetuada a final do exercício e não é feita parcelarmente em operações segmentadas, a declaração periódica fiscalmente relevante é a apresentada pela sociedade dominante e não as declarações das sociedades dominadas, não obstante cada uma destas estar obrigada à apresentação de uma declaração periódica de rendimentos, a qual, todavia, não é objeto de liquidação (cf. artigo 120.º, n.º 6, do CIRC).

39.       Considerando o disposto no artigo 69.º, «existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo» pode concluir-se que, no essencial, que o RETGS é um regime especial e facultativo de tributação de grupos de sociedades, permitindo aos grupos de sociedades que optem pelo sistema de tributação nele contido, desde que cumpridos os requisitos exigidos.

            40.       Alguns desses requisitos estão previstos no n. º 3, importando destacar os seguintes:

«3 — A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direção efetiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC à taxa normal mais elevada;

(…)

4 — Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:

(…)

d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação.»

41.       Daqui decorre que, para beneficiar do RETGS, as sociedades integrantes do grupo não podem beneficiar de taxas reduzidas previstas noutras disposições legais.

42.       Não obstante as normas citadas não referirem explicitamente a derrama, atendendo à sua natureza jurídico-fiscal, deve entender-se que a mesma está incluída na coleta de IRC, isto é, a derrama constitui um adicional ao imposto, tendo natureza de IRC.

43.       Foi neste sentido que se pronunciou a Direção de Serviços de IRC na Informação n.º 929/2013, da qual consta o parecer n.º 10/2013, do Centro de Estudos Fiscais, cujo teor consiste no seguinte:

«I) A técnica financeira usada pelo legislador para criar a derrama estadual seguiu os instrumentos tradicionais desde há muito usados, fixando uma tributação adicional em IRC numa das duas formas correntes: agravando diretamente a respetiva matéria coletável (adicionamento) em vez de agravar a coleta (adicional, que tomaria por base a liquidação);

II) A derrama estadual incide sobre a proporção do rendimento da empresa superior a um determinado montante de significativa relevância e desconsidera a comunicação de prejuízos fiscais de períodos de tributação anteriores;

(...)

IV)       Numa espécie de apelo à responsabilidade social das empresas lucrativas, ter-se-á pretendido criar uma forma excecional de "contribuição solidária" que é exigida às sociedades que, não obstante a situação económico-financeira do país, continuam a obter resultados bastante favoráveis na atividade que desenvolvem no território nacional;

V)        E, por isso, se criou um tributo de sobreposição, autónomo quanto à base de incidência, ao seu apuramento e aos pagamentos por conta devidos, de modo a garantir uma total separação da taxa nominal e da matéria coletável do IRC;

(...)

VII)     A designação é autónoma, há autonomia da base tributável e há normas subsidiárias de liquidação e determinação da derrama estadual que têm uma relação de especialidade face a normas equivalentes aplicáveis ao IRC. Por isso, a derrama estadual pode ser devida sem que exista coleta de IRC, cumprindo, assim, o objetivo essencial da sua criação;

VIII)    Não deixamos, assim, de reconhecer que o facto da sujeição da derrama estadual não depender da coleta do IRC indicia um intencional grau de autonomização entre estas duas espécies tributárias;

IX)       Todavia, em nosso entender, esta autonomia tem apenas objetivos de carácter financeiro, associados à garantia da cobrança da derrama estadual, e termina onde terminam os procedimentos de apuramento dos montantes devidos em sede de cada um dos tributos;

X)        O apuramento da derrama fica sujeito, exclusivamente, ao regime previsto no artigo 87.º-A do Código do IRC, sem sofrer qualquer interferência do processo de apuramento do IRC (...), mas, aquilo que está para além destes elementos estruturantes da derrama estadual, i. e. nas operações de liquidação e cobrança (...) há que seguir o regime do IRC, só devendo ser considerados desvios a esse regime caso estes estejam especificamente regulados;

XI)       Em suma, nenhum outro elemento do regime legal da derrama estadual nos leva a concluir que este imposto não seja meramente acessório e possa, de algum modo, ser considerado como um imposto autónomo do IRC;

(...)

44.       A conclusão a retirar é que a derrama estadual, como imposto acessório do IRC, segue o mesmo regime do imposto principal ou imposto base em tudo o que não se encontre expressamente excluído, tornando-se forçoso concluir que a coleta de IRC em sentido amplo integra a coleta de derrama estadual.

45.       Assim, ao contrário do que pretende desvalorizar a douta decisão do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 742/2019-T, no qual as Reclamantes foram as requerentes, a determinação da natureza jurídico-fiscal da derrama revela-se essencial para determinar a taxa aplicável ao cálculo da derrama regional.

46.       Para encerrar esta questão, reforçando a ideia patente no parecer do CEF supratranscrito, atente-se no entendimento do Acórdão n.º 603/2020, de 11.11.2020, do Tribunal Constitucional que, apesar do seu objeto se prender com uma questão distinta, dá como confirmada a integração da derrama estadual no cálculo da "fração de IRC" constante da al. b) do n. º 1 do Código do IRC a propósito da dedução por dupla tributação jurídica internacional.

47.       Ora, isto confirma, embora indiretamente, que a derrama é efetivamente meramente acessória do IRC e não autónoma, pelo que, segue o mesmo regime do imposto principal.

48.       Ainda que no caso concreto estejamos perante uma derrama regional, dúvidas não haverá sobre o facto de não estarmos perante o exercício do poder tributário próprio — que se manifesta na possibilidade de estabelecer regime fiscal específico — mas eventualmente no exercício do poder de adaptar o sistema fiscal da República.

49.       Em 2018, o quadro do exercício destes poderes constava da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, na versão resultante da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 02 de setembro, que em especial outorgou aos órgãos regionais o poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, dentro dos limites fixados na lei e nos termos dos artigos seguintes, conforme o disposto na alínea b) do n. º 1 do artigo 55.º.

50.       Por sua vez, o artigo 59.º prevê a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, em termos de imposto sobre o rendimento, tem como fronteiras:

(i)        diminuir as taxas até ao limite de 30%;

(ii)       conceder deduções à coleta relativas aos lucros comerciais, industriais e agrícolas reinvestidos;

(iii)     conceder benefícios fiscais temporários e condicionados relativos a impostos de âmbito nacional e regional, em regime contratual, aplicáveis a projetos de investimentos significativos.

51.       Ora, daqui se retira que as prerrogativas das regiões autónomas nesta matéria encontram-se em qualquer caso subordinadas ao princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais.

52.       Posto isto, e considerando o que foi dito supra sobre os grupos de sociedades e a sua lógica unitária no plano económico, facilmente se compreende a razão pela qual as empresas integrantes do grupo não podem beneficiar das taxas reduzidas previstas no Decreto-Regional n. º 21/2016/A, conforme determinado pelos n.os 3 e 4 do artigo 69.º do CIRC.

(PA)

 

1.14. A Requerente apresentou em 20/12/2021 o pedido de pronúncia arbitral. (Sistema informático do CAAD)

2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos (documentos juntos pela Requerente e PA).  Não há controvérsia quanto à matéria de facto.

 

MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão do erro nos pressupostos de direito

 

A derrama estadual foi criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, que, nesse âmbito aditou três novos artigos ao CIRC: 87.º-A (que instituiu a derrama estadual); 104.º-A (que consagrou as regras de pagamento da derrama estadual); e 105.º-A (que previu a obrigação de se efetuarem três pagamentos adicionais por conta da derrama estadual que venha a ser considerada devida, por referência ao exercício relativo ao momento em que são feitos).

A Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho aprovou uma lista de medidas adicionais de consolidação orçamental, visando reforçar e acelerar a redução do défice excessivo e o controlo da dívida pública, previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento[2].

A derrama estadual – com âmbito geográfico nacional - é devida pelas entidades residentes que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e pelas não residentes com estabelecimento estável em território português, quando apresentem um lucro tributável sujeito e não isento, superior a 1 500 000,00 euros, sendo a sua liquidação efetuada na declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.

            A derrama estadual assume a forma de derrama regional com a adaptação às Regiões Autónomas – Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro (Região Autónoma dos Açores) e Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto (Região Autónoma da Madeira).

A alínea i), do n.º 1, do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) atribui às Regiões Autónomas poderes, a concretizar nos respetivos estatutos, para exercer o poder tributário próprio, como também para adaptar o sistema fiscal nacional às particularidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República.

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de agosto (na redação em vigor), descreve na alínea g) do artigo 3.º, como um dos objetivos da autonomia, a adaptação do sistema fiscal nacional à Região, com respeito pelos princípios da solidariedade, equidade e flexibilidade e da concretização de uma circunscrição fiscal própria.

Já no preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro (diploma que cria a derrama regional a vigorar na Região Autónoma dos Açores e concretiza o seu regime jurídico) se prevê:

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores dota a Assembleia Legislativa Regional da faculdade de legislar em matérias do seu poder tributário próprio e da adaptação do sistema fiscal nacional, designadamente o poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

Estes princípios materializam-se, nomeadamente, na necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de [das] Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, à Região Autónoma dos Açores sob a forma de derrama regional, o que é efetuado nos termos do presente decreto legislativo regional.

Por via da adaptação referida, estabelece-se uma redução de 20 % nas taxas da derrama regional face às atualmente aplicadas em sede da derrama estadual, tendo por fundamento a identidade entre aquelas derramas e o IRC, bem como a redução deste último na Região Autónoma dos Açores ao abrigo do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de janeiro, na sua redação atual.

 

O referido Decreto Legislativo Regional estabelece, assim, uma redução de 20% nas alíquotas da derrama regional perante aquelas aplicadas no domínio da derrama estadual, revestindo, paralelamente, uma natureza de instrumento de política fiscal para promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício da Região Autónoma dos Açores[3].

O artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro prevê o seguinte:

1 — Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte:

 

Lucro tributável (em euros)

 

Taxas

(em percentagem)

 

De mais de € 1.500.000,00 até € 7.500.000,00 . . . . .

 

2,4

De mais de € 7.500.000,00 até € 35.000.000,00 . . . .

4,0

Superior a € 35.000.000,00 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

7,2

 

 

 

 

2 — O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros):

a) Quando superior a € 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) e até € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em duas partes: uma, igual a € 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda € 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %;

 b) Quando superior a € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em três partes: uma, igual a € 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual a € 27.500.000,00 (vinte e sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 7,2 %.

3 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (nosso sublinhado), as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo (nosso sublinhado), incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do artigo 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

 4 — Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

Vejamos, agora, os termos do dissídio.

A Requerente entende que as taxas aplicáveis à B..., S.A.  (com sede na Região Autónoma dos Açores e que integra um grupo de sociedades que optou pelo RETGS) são as fixadas no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, já a Requerida entende que são aplicáveis aquelas (taxas) que se encontram estabelecidas no artigo 87.º-A do CIRC.

A questão coloca-se no domínio da interpretação que deve ser empreendida relativamente ao artigo 2.º, n.º 4  do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, no qual se determina que os sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC, sobretudo quando confrontada com o que determina o n.º 3 do artigo 87-A.º do CIRC, ao dispor que, no caso de aplicação do RETGS, as taxas incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos “individual” de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante.

A Requerida entende que são aplicáveis as taxas que se encontram previstas no artigo 87.º-A do CIRC, na medida em que a alínea d), do n.º 4 do artigo 69.º do mesmo diploma, dispõe que não podem, para esses efeitos, fazer parte do grupo de sociedades, no início ou durante a aplicação do regime, aquelas (sociedades) que estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação. Acrescenta a Requerida: que a norma não refere explicitamente a derrama, contudo, atendendo à sua natureza jurídico-fiscal, deve concluir-se que a mesma está incluída na coleta de IRC, tendo essa natureza (de IRC).

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro consagrou um inovador regime de tributação dos grupos de sociedades, no qual se desconsideraram as regras de consolidação das contas e se consagrou um modelo que agrega as contas das sociedades para o apuramento do lucro tributável do grupo – soma algébrica dos resultados (lucros/prejuízos) fiscais apurados por cada uma das sociedades incluídas no grupo fiscal, nos termos das declarações de rendimentos individuais. Assim, sociedades juridicamente independentes optam por ser tributadas como se de uma única entidade se tratasse, podendo fazer diluir os lucros tributáveis de umas, nos prejuízos fiscais de outras, todas integrantes do grupo de sociedades. Ou, dito de outro modo, pretendeu-se tributar a realidade económica de um determinado grupo de sociedades, através da definição de critérios que evidenciem a existência de uma integração económica ou unidade, e.g., detenção de uma participação social e de direitos de voto[4].

A referida opção exige, nomeadamente, que a totalidade de rendimentos das sociedades integrantes do grupo esteja sujeita ao regime geral de tributação em IRC à taxa geral mais elevada – artigo 69.º, n.º 3, alínea a), do CIRC.

Paralelamente, o legislador, no artigo 69.º, n.º 4, do CIRC, concretizou diversas situações que, a verificarem-se, acarretam o afastamento das sociedades do âmbito do RETGS, nomeadamente, que não estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada ou, estando, renunciem à isenção.

Em resumo, para o RETGS releva o resultado fiscal do grupo, apurado pela sociedade dominante, por intermédio da submissão de uma declaração de rendimentos (do grupo)[5], através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações de rendimentos individuais de cada uma das sociedades que integram o perímetro do grupo.

A questão que agora se coloca é a seguinte: e no que à derrama respeita, a referida unidade subsiste nos mesmos termos?

Importa, antes de mais, apesar de a questão se colocar em relação à derrama estadual, efetuar uma incursão histórica sobre a génese da solução vigente para a derrama municipal.

Assim, a Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (Lei das Finanças Locais), apesar de ter estabelecido o modo de cálculo da derrama municipal, não concretizava (literalmente) a hipótese das sociedades abrangidas pelo RETGS.

A AT, por intermédio do Ofício-Circulado n.º 20132, de 14 de abril de 2008, veio esclarecer que a derrama (municipal) aplicável aos grupos fiscais deveria corresponder à soma algébrica das derramas calculadas individualmente por cada uma das sociedades do grupo, sendo a responsabilidade pelo pagamento da sociedade dominante[6].

            A referida interpretação administrativa foi fonte de litigância, pois, para os grupos económicos, a base de incidência deveria ser o lucro tributável do grupo e não (o lucro tributável) de cada sociedade – o principal argumento para a defesa de tal posição encontrava-se na unidade económica do grupo.

            A verdade é que o legislador, por intermédio da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), sufragou expressamente a posição administrativa da AT (Ofício-Circulado n.º 20132, de 14 de abril de 2008), isto é, segundo a qual, o cálculo da derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, aplicando-se aos períodos de tributação posteriores a 2012.

            É neste contexto que tem sido considerado que a derrama municipal do grupo corresponde à soma algébrica das derramas municipais determinadas a partir do lucro tributável individual de cada uma das sociedades que o compõem.

            Já a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, de modo inovador, criou a derrama estadual e, assim, passaram a estar sujeitos à mesma, as sociedades, em função do lucro tributável obtido. Deste modo, ao IRC devido pelas pessoas coletivas que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, acresce a derrama estadual, calculada em função do montante do lucro tributável.

            No que respeita aos grupos societários, o legislador consagrou solução semelhante à derrama municipal (determinação no âmbito do RETGS), o seu cálculo incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a dominante – artigo 87.º-A, n.º 3, do CIRC. Assim, releva para a derrama estadual o lucro tributável apurado na declaração periódica individual das sociedades integrantes do grupo, incluindo a dominante, ficando esta última responsável por inscrever, na declaração do grupo, o somatório das derramas estaduais isoladamente calculadas e respetivo pagamento.

            A determinação do montante (individual) da derrama estadual é individualmente efetuada, ou seja, a solução normativa afasta-se da unidade económica – o grupo.  Ora se assim o é, não se vê como a taxa de derrama deve ignorar a sociedade a que diz respeito e, pelo contrário, atender ao grupo. Esta posição não obsta à aplicação do requisito presente no artigo 69.º do CIRC de que todas as sociedades do grupo fiquem sujeitas ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada, porquanto o IRC e a derrama não são o mesmo imposto, apesar da natureza acessória desta última.

A doutrina[7] quanto à diferença entre os impostos principais e acessórios observa o seguinte: os impostos “principais” gozam de autonomia, existem por si, não dependem da existência de qualquer relação tributária anterior. Diversamente, os “acessórios” acrescem aos impostos principais, de cuja existência prévia dependem. Os impostos acessórios ou são calculados sobre a coleta do imposto principal (os “adicionais”) ou então calculam-se sobre a matéria coletável (“adicionamento”).  Já os impostos dependentes têm lugar, ainda que não seja devida, em concreto, a prestação tributária principal, de cujo objeto dependem.

A jurisprudência[8] sustenta: “No plano estritamente jurídico, a derrama estadual caracteriza-se como um imposto acessório relativamente ao IRC, e que, não obstante ser definido pela lei como adicional, reveste a modalidade de adicionamento, na medida em que incide sobre a matéria coletável do imposto principal e não sobre a sua coleta”.

Se no IRC a taxa incide sobre a totalidade do lucro tributável do sujeito passivo obtido em determinado exercício, a derrama estadual incide somente sobre um segmento deste (lucro tributável) – aquele que seja superior a 1 500 000,00 euros, parcela já tributada em IRC. A derrama estadual incide sobre o lucro tributável de IRC e não sobre a matéria coletável, pois não toma em conta os prejuízos fiscais das empresas.

Em resumo, a determinação da derrama estadual na esfera jurídica individual não ofende a unidade jurídica subjacente aos grupos de sociedades, pois, constitui uma opção legislativa e, concomitantemente, a derrama e o IRC não constituem o mesmo imposto.

Deste modo, o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021... e, mediatamente, o segmento impugnado da liquidação de IRC n.º 2019... padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e, assim, vão anuladas (a liquidação parcialmente anulada – segmento da derrama estadual). Isto é, deveria na declaração, individual, modelo 22 de IRC da B..., S.A. ser inscrita a derrama regional a ela referente e, paralelamente, na declaração do grupo, o somatório das derramas estaduais individualmente consideradas.

 

ii) Questão do reembolso do imposto pago e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade (parcial) do ato de liquidação de IRC, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), uma vez que procedeu ao pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

Uma vez anulada a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e, mediatamente, parte da liquidação de IRC impugnada, cabe à Requerida, em observância do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, restituir as importâncias de imposto necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário, no aludido fragmento, não tivesse sido praticado – considerando-se, na liquidação, as taxas da derrama regional aplicáveis à Região Autónoma dos Açores.

Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

Na situação vertente, está em causa a errada interpretação dos artigos 69.º, 70.º e 87.º-A do CIRC e do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, tendo ficado demonstrado que a liquidação de IRC em discussão padece, em parte, de erro substantivo imputável à AT, para o qual a Requerente não contribuiu, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços.

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes tribunais para proferir pronúncias condenatórias emergentes do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5, do RJAT, 43.º e 100.º da LGT.

Deste modo, a anulação do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e, mediatamente, a anulação parcial da liquidação de IRC é passível de constituir, na esfera da Requerente, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal privação da quantia indevidamente paga pelo período de tempo que perdurar.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral, com a anulação parcial da liquidação de IRC n.º 20192..., do ano de 2018 e, bem assim, a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021..., com as legais consequências;

 

  1. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor;

 

  1.  Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VALOR DO PROCESSO

 

 

Fixa-se o valor do processo em 23 580,75 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida, no montante de 1 224,00 euros, cfr. artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

Notifique.

 

Lisboa, 26 de setembro de 2022

 

O árbitro,

 

                                                                                 

 

Francisco Nicolau Domingos

 

                                                                                          

 

 

 



[1] Artigo 2.º, n.º 3 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro.

[2] V. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 26/XI/1.ª, suporte da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho.

[3] V., neste sentido, Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro.

 

[4] Luís Miguel Belo/Paulo Alves Rodrigues/Zita Margarida Almeida, A tributação dos grupos de sociedades: um regime em evolução, Revista Eletrónica de Fiscalidade da Associação Fiscal Portuguesa, Ano 1, N.º 1, 2019, pp. 5 – 33.

[5] Artigo 120.º, n.º 6 do CIRC.

[6] Luís Miguel Belo/Paulo Alves Rodrigues/Zita Margarida Almeida, A tributação dos grupos de sociedades: um regime em evolução, Revista Eletrónica de Fiscalidade da Associação Fiscal Portuguesa, Ano 1, N.º 1, 2019, pp. 33 – 35.

 

[7] Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Volume I, 12.ª edição, Editora Rei dos Livros, 2003, pp.135-136.

[8] Decisão arbitral n.º 784/2019-T, de 30 de abril de 2021. V., igualmente, a decisão arbitral n.º 187/2020-T, de 15 de outubro de 2021 quanto à conclusão e a derrama constitui um imposto acessório com a natureza de “adicionamento”.