Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 590/2020-T
Data da decisão: 2022-03-09  IRC  
Valor do pedido: € 318.798,46
Tema: IRC – Gastos – Despesas não documentadas e requisitos documentais – Encargos Financeiros (empréstimos não remunerados à sociedade-mãe) – Variação patrimonial positiva – Tributação autónoma – RFAI – DLRR
Versão em PDF

 Sumário

I – Em matéria de dedutibilidade dos gastos, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (n.º 1 do artigo 74.º da LGT), o que resulta confirmado pela restrição operada pelo n.º 1 do artigo 75.º da LGT à presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, que opera “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”;

II – A aquisição de vales ou tickets de refeição apenas constitui um meio de pagamento para uma despesa potencial (que se concretizará com a utilização desse meio de pagamento), pelo que, não se demonstrando o destino efetivo dado a esses títulos de refeição, falha o requisito material da sua conexão com a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, exigido pelo n.º 1 do art. 23.º do mesmo diploma. Sendo a aquisição dos vales titulada por faturas da entidade emitente, não deve ser considerada como indocumentada ou confidencial, sujeita a tributação autónoma, pois não tem enquadramento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC;

III. O ato tributário enferma de erro de direito se o único fundamento para a não aceitação da dedução dos gastos com a aquisição de vales de refeição respeita à qualificação como despesas não documentadas e estas estão documentadas por faturas dos fornecedores/prestadores;

IV – A prova do destino dado a vales de refeição impende sobre o sujeito passivo para efeitos da demonstração da relação causal que estas despesas tiveram com a atividade comercial deste pelo que as comissões devidas à entidade emitente não são dedutíveis se essa prova não foi produzida e o ato tributário, neste segmento (comissões), apela expressamente ao n.º 1 do artigo 23.º do CIRC);

V – O disposto no artigo 389.º do CSC impede a prestação de serviços de apoio técnico por um trabalhador de uma empresa que é simultaneamente administrador da empresa a quem o serviço é prestado, se ambas as empresas estiverem numa relação de domínio ou de grupo. Não tendo sido invocado nem demonstrada tal circunstância como fundamento do ajustamento da matéria coletável e provando-se a efetiva prestação de alguns serviços e a sua necessidade pela empresa adquirente, subsiste, pelo menos, uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário o que impõe a anulação do ato impugnado (n.º 1 do artigo 100.º da LGT);

VI – No mesmo sentido, tendo sido prestados serviços de agenciamento num ano e pagos no ano seguinte, subsiste uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário o que impõe a anulação do ato impugnado (n.º 1 do artigo 100.º da LGT), mesmo que no ano de pagamento o contrato tenha caducado;

VII – Não é admissível a dedução na matéria coletável dos juros e Imposto do Selo associados aos financiamentos contraídos por uma sociedade junto de uma instituição de crédito, na medida em que os correspondentes fundos foram canalizados para uma sociedade-mãe por via de empréstimos não remunerados, se não tiver sido demonstrada a relação causal entre os gastos e a atividade globalmente considerada;

VIII – Os serviços titulados por documentos que não se dirigem à sociedade que os reconheceu como gastos são alheios à mesma, devendo, por isso, ser desconsiderados para efeitos fiscais na esfera desta;

IX - Os requisitos formais dos documentos de suporte têm por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais e desempenham uma função instrumental de comprovação e controlo (ad probationem), pelo que a sua insuficiência deve poder ser suprida pela comprovação dos requisitos substantivos das operações (ad substantiam). Nestes termos, a insuficiência de elementos formais – em especial, tratando-se de documentos emitidos por entidades estrangeiras – não impede a sua dedução, conquanto esteja demonstrada a realização da despesa e a sua necessidade e os documentos disponíveis sejam suficientemente precisos na demonstração dos pressupostos materiais das despesas;

X – O recebimento de um crédito da Segurança Social por pagamento de contribuições em excesso em anos anteriores constitui uma variação patrimonial positiva. Tendo o crédito sido contabilizado numa conta de resultados transitados, e, portanto, não refletido no resultado líquido do período de tributação concorre para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 21.º do Código do IRC, não sendo enquadrável em alguma das exceções previstas nas alíneas a) a e) do seu n.º 1;

XI – Os postos de trabalho cuja criação é condição de acessibilidade ao benefício fiscal do RFAI (artigos 22.º e seguintes do CFI) não têm de ser duradouros, podendo ser preenchidos por contratos a termo;

XII – Cabe ao sujeito passivo demonstrar que os equipamentos adquiridos no âmbito de projetos beneficiários do RFAI constituem aplicações conexas com o investimento projetado, aumentando a capacidade produtiva ou dando resposta ao acréscimo de solicitações de clientes.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana e Pedro Galego, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 25 de janeiro de 2021, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A… – SGPS, S.A., adiante designada por “Requerente”, com o número de identificação de pessoa coletiva … e sede na Rua …, …, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redação vigente, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referentes aos períodos de tributação de 2016 e 2017, emitidos sob os n.ºs 2020 … e 2020 …, incluindo os juros compensatórios inerentes, no valor global de € 318.798,46, e, bem assim, o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 4 de novembro de 2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes, notificadas dessa designação em 24 de dezembro de 2020, não manifestaram vontade de a recusar (v. artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico).

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 25 de janeiro de 2021.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

Em 28 de abril de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto, na mesma data, o processo administrativo (“PA”).

 

Em 17 de junho de 2021, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com inquirição de seis testemunhas arroladas pela Requerente (tendo sido prescindida uma testemunha). As Partes foram notificadas para apresentarem alegações no prazo de 15 dias. Fixou-se, ainda, o prazo para prolação da decisão, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente por parte da Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 5 de julho de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações e a Requerida contra-alegou em 2 de setembro de 2021, tendo ambas as Partes reafirmado, no essencial, as posições assumidas nos articulados iniciais.

 

Por despachos de 8 de setembro de 2021, 12 de novembro de 2021 e 1 de fevereiro de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

A Requerente contesta as correções que lhe foram promovidas pela Requerida, enquanto sociedade dominante do grupo fiscal A… , com origem na ação inspetiva efetuada à sociedade dominada B… -, S.A.. Alega, em síntese, o seguinte:

 

a)            A AT incluiu correções de imposto que já tinham sido regularizadas voluntariamente pela Requerente em fase de direito de audição, pelo que, nessa medida, devem ser anuladas;

b)           Em relação aos gastos com a aquisição de vales de refeição, incluindo respetivas comissões de aquisição, os mesmos encontram-se documentados e os destinatários são funcionários identificáveis da Requerente, pelo que não tem aplicação a tributação autónoma preconizada pela Requerida, à taxa de 50%, prevista no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC;

c)            A não aceitação de gastos com serviços faturados por uma sociedade relacionada (C…) não tem fundamento admissível (as mesmas pessoas terem relações profissionais com cada uma das empresas) e é incompreensível, atenta a aceitação de faturação por outra entidade relacionada (a aqui Requerente), violando o princípio da igualdade e a proibição do arbítrio. Acrescenta que foram realizados os serviços faturados;

d)           A não aceitação de comissões sobre o acompanhamento de clientes faturadas pela sociedade relacionada D…, com fundamento na alegada falta de estrutura empresarial desta, não tem suporte, tratando-se de operações efetivas. Esta correção é ainda incongruente, pois apesar de se argumentar a inexistência do serviço (que o mesmo não foi praticado), conclui-se que o custo não é indispensável à atividade da Requerente, o que implica que o serviço tivesse sido praticado;

e)           A Requerida não justifica a razão pela qual considera que os gastos de financiamento incorridos pela B…-  S.A. junto de instituições financeiras para realizar empréstimos à sociedade-mãe, aqui Requerente, a título gratuito, não se destinam ao normal funcionamento da sua atividade e não são, por esse motivo, dedutíveis. Acrescenta que, em qualquer caso, não estamos perante um problema de dedutibilidade de gastos, mas sim de preços de transferência, pelo que o enquadramento correto seria o do artigo 63.º do Código do IRC, cláusula anti-abuso com a finalidade de controlar os negócios jurídicos realizados entre entidades relacionadas. Ao aplicar o artigo 23.º do Código do IRC enquanto cláusula anti-abuso a AT incorreu em erro de direito;

f)            Em relação aos requisitos de documentação dos gastos, deve ser aplicado um conceito lato de documento de suporte, que não tem de cumprir as formalidades exigidas para as faturas em sede de IVA, pelo que os mesmos devem ser considerados devidamente documentados e indispensáveis à atividade da Requerente, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC;

g)            A exclusão de gastos não diretamente afastados pela lei constitui violação do princípio da capacidade contributiva;

h)           Uma vez que os gastos devem ser considerados documentados, não tem cabimento o disposto no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC e a tributação autónoma aí prevista, à taxa de 50%;

i)             Verifica-se um equívoco por parte da AT ao considerar que o valor relativo à Segurança Social, contabilizado como resultados transitados, devia ter sido acrescido à matéria coletável, por consubstanciar uma variação patrimonial positiva não excluída de tributação, nos termos do artigo 21.º do Código do IRC. Trata-se de um valor em crédito da Segurança Social que derivou da restituição, em 2017, de um pagamento em excesso exigido em período anterior (2015) à B… –  S.A. e que havia sido pago para evitar a instauração do processo executivo. Não tendo este pagamento sido um custo (abatido à matéria coletável) em 2015, também não pode ser configurado como uma variação patrimonial positiva e acrescido à matéria coletável de 2017, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do princípio da capacidade contributiva e de tributação das empresas pelo seu lucro real (v. artigos 103.º e 104.º da Constituição);

j)             Relativamente ao benefício fiscal do RFAI, a B… – S.A., ao contrário do alegado pela Requerida, cumpriu o requisito relativo à criação de postos de trabalho, quer em 2016, quer em 2017, tendo-se detetado que o Relatório único entregue não se encontrava corretamente preenchido, o que é feito manualmente, sendo a informação real e verdadeira a que consta dos Mapas de Admissões e Demissões. Também não resulta da lei que a contratação do trabalhador tenha de ser sem termo, não vinculando a Requerente o entendimento da AT em informação vinculativa prestada a outro contribuinte. Quanto à aquisição dos equipamentos – nomeadamente telemóvel e computador Macbook Pro – têm fins administrativos, conexos com a atividade da empresa, e incluem-se no conceito de ativos fixos tangíveis, devendo ser considerados investimentos relevantes para efeitos de RFAI;

k)            De igual modo, com referência aos mesmos equipamentos, a AT desconsiderou o benefício fiscal da DLRR, aplicando-se as considerações antes tecidas em relação ao RFAI;

l)             Em consequência da anulação das correções efetuadas pela AT, o acréscimo de derrama estadual, de € 2.474,21 e de € 1.011,72 para os períodos de 2016 e 2017, respetivamente, deve ser anulado.

POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Segundo a Requerida, não assiste razão à Requerente pelos seguintes fundamentos:

 

i)             Inexiste duplicação de valores nas liquidações, ou seja, não há valores de IRC regularizados voluntariamente que tenham, de novo, sido incluídos nas liquidações;

ii)            Os documentos que titulam os gastos com a aquisição de vales de refeição não comprovam os montantes atribuídos a cada beneficiário, pois nos mesmos não consta qualquer assinatura a confirmar a receção e no recibo de vencimento também não consta a sua atribuição, existindo diversas incongruências relativas à informação prestada pelo sujeito passivo nos mapas apresentados, ficando, assim, por demonstrar a relação do gasto com os rendimentos da Requerente (v. artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b) e artigo 23.º, n.º 1, ambos do Código do IRC);

iii)           A sociedade relacionada (C…) faturou serviços de assistência técnica à B… –S.A., nos valores de € 24.100,00 em 2016 e € 139.600,00 em 2017. No entanto, aquela entidade só tem dois trabalhadores que, em simultâneo, também são administradores desta última, e não possui estrutura económica para prestar tais serviços, nem os subcontratou a terceiros. Não é credível que o administrador da B… –S.A. realizasse o trabalho, segundo alega, essencialmente durante o fim de semana, a uma outra entidade que, por seu turno, o faturaria a esta última de quem é administrador, não o fazendo ao abrigo dessa sua relação contratual (de administrador). Acresce que a correção da dedução dos gastos relativos a outros serviços prestados por sociedades relacionadas não foi efetuada, porque, sendo estas pertencentes ao grupo fiscal, o efeito seria nulo. Circunstância que não sucede com a C…, cujos serviços faturados influenciam negativamente o resultado fiscal do grupo;

iv)           Sobre as comissões de acompanhamento de clientes cobradas pela sociedade D…, ao abrigo de um “Acordo de Agenciamento”, constata-se que o senhor E… renunciou à gerência em 16 de agosto de 2016 e que esta entidade até abril de 2017 não tinha contabilizados quaisquer gastos com pessoal. A partir de maio de 2017 foram registados gastos com a remuneração do gerente e a partir de setembro de 2017 com uma trabalhadora com a categoria de auxiliar de serviços. Acresce não terem sido adquiridos nos anos em causa serviços de agenciamento a terceiros. Neste quadro, esta entidade não dispunha de estrutura ou de meios para prestar os serviços que faturou, concluindo que não foram efetivamente realizados e, portanto, que não foram suportados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a imposto (v. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC). Considera “falsa questão” a levantada pela Requerente sobre o argumento da fundamentação radicar na não prestação do serviço e a correção apoiar-se, diversamente, na indispensabilidade do gasto. Afirma que a correção fiscal tem por base que aqueles gastos não concorreram para a formação do rendimento, a forma como esse facto se consuma só faz diferença para efeitos de punição da conduta;

v)            Os encargos com financiamentos obtidos não são aceites fiscalmente porque foram incorridos com empréstimos canalizados para a sociedade-mãe, ora Requerente, a título gratuito, sem qualquer remuneração, não se destinando assim à obtenção de rendimentos do sujeito passivo, mas de entidades terceiras, pelo que não preenchem o requisito de dedutibilidade (nexo de causalidade) consagrado no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC;

vi)           Os gastos titulados por documentos emitidos em nome de terceiros, ou que não contêm os requisitos das faturas, ou com a aquisição de bilhetes de um espetáculo que não tem relação com a atividade do sujeito passivo, não podem considerar-se devidamente documentados, nem reúnem os requisitos para que sejam fiscalmente dedutíveis (v. artigo 23.º, n.ºs 4 e 6 do Código do IRC);

vii)          O lançamento a crédito na conta 561 – Resultados transitados do valor em crédito da Segurança Social consubstancia uma variação patrimonial positiva não excluída de tributação (v. artigo 21.º do Código do IRC). A Requerente não apresentou os registos contabilísticos do exercício em que alega ter procedido ao pagamento dos processos executivos (2015), que permitiriam comprovar que o dito valor não foi, à data, registado em qualquer conta de gastos do período, pelo que a correção se deve manter;

viii)         Não foi cumprido o requisito de criação e manutenção de postos de trabalho, essencial para a admissibilidade do benefício fiscal do RFAI, pois apesar de ter sido contratada uma trabalhadora em 2016, ocorreu a saída de outro trabalhador em setembro de 2016, com resultado nulo, sendo as entradas constantes do mapa apresentado relativas a contratos de trabalho com termo certo. Verificaram-se idênticas circunstâncias em 2017, com a entrada de um trabalhador e saída de uma trabalhadora, sendo as demais entradas respeitantes a contratos de trabalho a termo certo. Os mapas juntos com a ação arbitral não acrescentam informação relevante, pois não referem o vínculo laboral existente e a informação analisada pelos serviços de inspeção corresponde aos mapas apresentados junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social;

ix)           Por outro lado, as aquisições de um telemóvel, computador e máquina de louça não são elegíveis, quer para o benefício fiscal do RFAI, quer para o da DLRR, por não respeitarem à capacidade produtiva da empresa (v. artigos 22.º, n.º 2, alínea a), 30.º e 34.º, n.º 1 do Código Fiscal do Investimento (“CFI”) e artigos 11.º e 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

x)            Os acréscimos à Derrama Estadual devem manter-se e não são devidos juros indemnizatórios, por não estarem reunidos os respetivos pressupostos (v. artigo 43.º da LGT).

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a liquidações de IRC e juros compensatórios inerentes, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), i.e., até ao decurso de 90 dias sobre o termo do prazo para pagamento voluntário dos atos tributários impugnados na presente ação.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar ou nulidades processuais.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           A A… – S.G.P.S., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade que tem por objeto, e exerce, a atividade principal de gestão de participações sociais. Integra, desde 2005, o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), sendo a sociedade dominante do Grupo A… – cf. RIT junto pela Requerente como Documento 2.

B.            Para efeitos de tributação em IRC, o grupo é composto pelas seguintes sociedades:

 

C.            Em 2016, o Conselho de Administração da Requerente era composto por dois membros, H…, Presidente, e I…, tendo este renunciado em 12 de setembro de 2016. A partir de 15 de setembro de 2016, foi nomeada administradora J…, cônjuge do primeiro. Em 2017, mantiveram-se os administradores H… e J… – cf. RIT.

D.           A estrutura de trabalhadores da Requerente, nos anos 2016 e 2017, limitava-se a uma única colaboradora, J…, a partir de novembro de 2016, que era, em simultâneo, vogal do seu Conselho de Administração – cf. RIT.

E.            J… era ainda administradora da L… IMOBILIÁRIA, S.A. e da B…, S.A., neste último caso, desde setembro de 2016, auferindo rendimentos de trabalho dependente declarados por estas sociedades – cf. RIT.

F.            Nos anos 2016 e 2017, a sociedade B…, S.A, contabilizou vales de refeições como gasto, por lançamentos a débito na conta “#6382 – Outros gastos com o pessoal – Pessoal da produção”, com base em faturas emitidas pela … Restaurant Portugal Soc. Emissora Títulos Refeição, S.A., relativas à aquisição mensal de “tickets restaurant”. O valor destas faturas, líquido de IVA, foi de € 67.100,00 no ano 2016 e de € 62.900,00 em 2017 – cf. RIT.

G.           Nos anos 2016 e 2017, a sociedade B…, S.A., contabilizou, por lançamentos a débito na conta “#69881 – Outros gastos e perdas”, faturas referentes às comissões debitadas pela Ticket Restaurant Portugal Soc. Emissora Títulos Refeição, S.A. pela emissão dos títulos de refeição mencionados no ponto antecedente. O valor das comissões cifrou-se em € 2.895,40 no ano 2016 e em € 2.787,75 em 2017 – cf. RIT.

H.           Foram adquiridos vales de refeições com valor de € 5,00 e de € 1,00. Em 2016, foram adquiridos 1.600 vales de valor unitário de € 1,00, sendo os remanescentes de € 5,00. Em 2017, a Requerente adquiriu 1.350 vales de valor unitário de € 1,00, sendo os remanescentes de € 5,00 – cf. RIT.

I.             Em relação ao subsídio de refeição/alimentação, nos anos em referência [2016 e 2017], este foi pago pela B…, S.A. aos trabalhadores em dinheiro, não tendo sido declarados quaisquer valores de “tickets restaurant” nos recibos de vencimento dos trabalhadores, nem nas Declarações Mensais de Remuneração (“DMR”) – cf. RIT.

J.             A B…, S.A. contabilizou, em 2016, a título de subsídio de alimentação (parte não sujeita) o valor de € 52.845,78, distribuído pelas contas “6315 – Remuneração dos órgãos sociais – Subsídio de Alimentação” – € 1.067,50; “63213 – Pessoal da produção – Subs. Alimentação” – € 46.333,86; e “63223 – Pessoal de outros setores – Subs. Alimentação” – € 5.444,42. Em 2017, o valor de subsídio de alimentação contabilizado totalizou € 69.773,71, distribuído pelas contas acima referidas (6315; 63213; 63223). Estes valores têm correspondência com os declarados nas DMR’s  e não estão relacionados com os vales de refeição contabilizados na conta “6382 – Outros gastos com o Pessoal – Pessoal da produção” – cf. RIT.

K.            A partir de outubro de 2016 a Requerente passou a faturar mensalmente à B…, S.A. serviços de apoio à gestão ao abrigo de um contrato datado de 2 de janeiro de 2017, cujo âmbito abrange a “definição estratégica, gestão e administração e a prestação de outros serviços […], tais como serviços de gestão e administração e consultoria para negócios, captação e retenção de clientes, análise e operacionalidade de operações de novos financiamentos e reestruturação de existentes, aquisições e outros serviços de consultoria nas áreas de contabilidade e fiscal”. Em 2016, a faturação perfez o valor total de € 30.000,00. Em 2017, a Requerente continuou a faturar serviços mensais em montantes crescentes, perfazendo o total de € 300.000,00 – cf. RIT.

L.            A B…, S.A. registava as faturas da Requerente na conta corrente de fornecedor respetiva (#221113795 – A…SGPS, SA), que era saldada por contrapartida de uma conta de empréstimos à mesma (# 26601 – A… SGPS) – cf. RIT.

M.          A B…, S.A. celebrou com a L…. um contrato de assistência técnica e gestão, datado de 2 de janeiro de 2015, e, nos períodos de 2016 e 2017, registou na sua contabilidade diversas faturas emitidas por esta sociedade relativos a serviços de assistência técnica e de apoio à gestão, perfazendo o total de € 223.780,00 (líquido de IVA) em 2016  e de € 139.600,00 (líquido de IVA) em 2017 – cf. RIT.

N.           Nos anos 2016 e 2017, a L…, S.A. apenas tinha ao seu serviço, além da sua administradora única, J…, o seu marido, na qualidade de trabalhador, H…, em relação aos quais declarou o pagamento de rendimentos da categoria A – trabalho dependente – cf. RIT.

O.           Nos anos 2016 e 2017, a L…, S.A. não adquiriu (subcontratou) a terceiras entidades serviços de assistência técnica e de gestão a benefício da B…, S.A. – cf. RIT.

P.            Era frequente H… ser chamado pelos diretores de produção e funcionários da B…, S.A, S.A. para resolver problemas técnicos diversificados relativos a vidração, laboratório, cores, ajustes, fornos, afinações e, em geral, em situações novas e ensaios relacionados com a produção – cf. depoimento das 1.ª e 2.ª testemunhas.

Q.           A sociedade D…, LDA. era detida em 60% pela B…, S.A. e em 40% por H…. Estas percentagens de participação derivaram de alterações na titularidade do capital social desta sociedade em 2016 – cf. RIT.

R.            Em 2016, ocorreram também alterações na gerência da D…, LDA., tendo cessado funções os gerentes I… e E…, por renúncia datada de 16 de agosto de 2016 – cf. RIT.

S.            Em 2017, a B…, S.A. contabilizou como gasto diversas faturas emitidas pela sociedade D…, LDA. no valor global de € 78.368,29 (líquido de IVA), ao abrigo de um “Acordo de Agenciamento” celebrado entre estas sociedades, em 15 de março de 2016, consistindo na consolidação de oportunidades de negócios existentes e na identificação de novas oportunidades, funções essencialmente desenvolvidas por E… – cf. RIT e depoimento da 4.ª testemunha. 

T.            Segundo aquele Acordo “o agente tem na sua atividade de representações e procurement de clientes e fornecedores e produtos, intermediação de negócios em mercados internacionais, concretamente por via da atividade do seu sócio gerente, Senhor E… natural e residente no Reino Unido (...) a empresa está interessada na contratação do Agente para serviços de procurement de clientes, fornecedores e identificação de oportunidades de negócios existentes e potenciais e que o Agente deseja prestar esse agenciamento de acordo com os requisitos da empresa” – cf. RIT.

U.           O pagamento dos serviços de agenciamento prestados era apenas efetuado quando os negócios se tivessem concretizado e fossem cobrados os correspondentes valores, podendo existir uma distância temporal considerável entre os dois momentos – cf. depoimento da 4.ª testemunha.

V.           Durante o ano de 2016 e até abril de 2017 a D…, LDA. não contabilizou quaisquer gastos com pessoal. Em maio de 2017 passou a registar gastos com remunerações dos órgãos sociais e, a partir de setembro de 2017, gastos com o salário da trabalhadora M…, com a categoria de auxiliar de serviços “outros afinadores – operadores” – cf. RIT.

W.          Em 2017, a D…, LDA. não adquiriu serviços de agenciamento de negócios que pudessem ser subcontratados a entidades terceiras para serem fornecidos à B…, S.A. – cf. RIT.

X.            A B…, S.A, contraiu empréstimos de médio prazo (não correntes) junto de uma instituição de crédito, no valor de € 1.950.000,00, em relação aos quais incorreu encargos financeiros – juros – e Imposto do Selo nos anos 2016 e 2017. Uma parte dos meios financeiros provenientes dos referidos empréstimos, no valor de € 1.716.256,60, foram cedidos, a título gratuito, à Requerente – cf. RIT.

Y.            Os juros e Imposto do Selo incorridos pela B…, S.A. associados ao valor dos empréstimos cedidos gratuitamente por esta à Requerente ascenderam a € 43.720,94, em 2016, e a € 43.082,94, em 2017 – cf. RIT.

Z.            No período de 2016, a B…, S.A. contabilizou como gasto o montante de € 966,89, respeitante a recibos emitidos pelo Instituto dos Registos e Notariado às seguintes entidades – cf. RIT:

             G… Internacional, Cerâmicas, SA – € 244,38;

             N… – Olaria de Barro, SA – € 244,38;

             O…Cerâmicas, SA – € 244,38; e

             F…, SA – € 233,75.

AA.        Em 2017, a B…, S.A. contabilizou como gasto montantes relativos a – cf. RIT:

a)            € 75,00 – Aquisição de 3 bilhetes de música ..., constantes de fatura emitida à L…, S.A.;

b)           € 211,91 – Comissões DUIL mencionadas em fatura emitida à D…, LDA.;

c)            € 291,26 – transferência “ISUC sobre com. Garantia O…” suportados em documento de transferência bancária;

d)           € 9.708,74 – transferência “com garantias O…” suportados em documento de transferência bancária;

e)           € 1.329,20 – 4 itens (material/peças) faturados à B…, S.A. com NIF da G….

BB.         No período de 2016, a B…, S.A. contabilizou como gasto o valor de € 6.838,37, a débito da conta “#62513 – Deslocações e estadas Isenção Peq. R.”, decompostos em – cf. RIT:

a)            Documento bancário de resumo de despesas com cartão de crédito que identifica vários movimentos;

b)           € 951,18 – constante de documento emitido pelo Hotel Roger New York, com pagamento refletido no extrato bancário (tendo a dedução deste valor sido aceite pela AT, ao contrário dos demais);

c)            € 2.143,74 – suportado numa comunicação remetida por correio eletrónico relativa à alteração do itinerário de viagem, entre Lisboa e Boston em 19 de junho; Boston-Nova lorque em 22 de junho e Newark-Lisboa em 25 de junho, para P….

CC.         Em 2017, a B…, S.A. contabilizou como gasto montantes relativos a – cf. RIT:

a)            € 1.922,00 – suportados em faturas de € 480,50 cada, respeitantes a uma viagem Lisboa-Estocolmo e Copenhaga-Lisboa, dos passageiros H…, J… e os filhos destes, Q… e R…, estes sem vínculo laboral ou de prestação de serviços à Requerente ou às empresas do grupo. O valor relativo a estes últimos cifra-se em € 961,00;

b)           € 220,07 – Viagens entre Estocolmo-Oslo e Oslo Copenhaga de R… e Q…, com suporte em quatro recibos de viagem;

c)            € 1.798,14 – Recibo de hotel em Estocolmo respeitante à estadia de quatro pessoas, sendo o valor atribuível aos filhos dos administradores de 50%;

d)           € 716,60 – assente em documentos intitulados “comprovativos de viagem”: Viagem Lisboa-Frankfurt-Lisboa; Q…; J… e R….

DD.        Q… acompanhava o seu pai, H…, às feiras internacionais apoiando-o nos contactos efetuados em língua inglesa, uma vez que este não tinha o domínio da mesma – cf. depoimento da 6.ª testemunha.

EE.          No período de 2017, a B…, S.A. registou a crédito na conta “#561 – Resultados transitados”, o valor de € 104.892,38, por contrapartida da conta “#24511 – Contribuições para a Segurança Social – Contribuição mensal”, na sequência da comunicação do Centro Distrital da Segurança Social de Leiria, datada de 20 de fevereiro de 2017, que refere um saldo credor no mencionado valor a ser deduzido em próximos pagamentos de contribuições. Esta importância derivou de pagamentos em excesso efetuados em processos de execução fiscal no ano 2015 – cf. RIT e Documentos 10 e 13 juntos pela Requerente.

FF.          A B…, S.A. deduziu à coleta o benefício fiscal do RFAI nos períodos de 2016 e 2017 no valor de € 39.524,75, em 2016, e de € 54.314,49, em 2017, com fundamento no investimento efetuado no concelho da Batalha na tipologia de aumento da capacidade de estabelecimento já existente, com o objetivo de dar resposta a acréscimos de solicitações pelos clientes – cf. RIT.

GG.        Relativamente às aquisições cujos valores concorreram para o apuramento do benefício RFAI e da DLRR em 2017 constam os seguintes elementos que perfazem a quantia de € 2.102,15 – cf. RIT:

             Telemóvel iPhone 7 32G, no valor de € 633,33;

             Macbook Pro 13, no valor de € 1.208,66; e,

             Máquina de lavar louça Beko branca, no valor de € 260,16.

HH.        Em 2016 e 2017, a criação líquida de postos de trabalho, em relação a colaboradores com contratos de trabalho sem termo na B…, S.A. foi nula. Se também se considerarem os contratos celebrados a termo, a criação de postos de trabalho teve um saldo positivo de 3 trabalhadores em 2016 e de 17 trabalhadores em 2017 – cf. Documento 11 junto pela Requerente, conjugado com o depoimento da 4.ª testemunha.

II.            Em 2019, a sociedade B…, S.A. foi alvo de um procedimento inspetivo, ao abrigo das ordens de serviço OI2019… e OI2019…, referentes aos períodos de tributação de 2016 e 2017, tendo sido apuradas diversas correções em IRC, na esfera desta entidade, nos valores globais constantes do quadro seguinte – cf. PA4:

Descrição            2016       2017

Total das correções à matéria coletável 316.760,47          604.873,12

Tributações autónomas 34.266,54            32.780,02

Dedução indevida de RFAI           39.524,75            54.314,49

JJ.           A B…, S.A., notificada para o efeito, exerceu, em 23 de setembro de 2019, o direito de audição, no qual identificou as correções que lhe mereceram concordância e que regularizou voluntariamente, via declarações de substituição para os anos em causa, referindo, em relação às demais, que se pronunciaria em sede de contencioso fiscal. As correções regularizadas, no que à presente ação interessa , totalizaram os valores do quadro abaixo e são essencialmente referentes a depreciações (incluindo gastos não aceites no período, a depreciar pro rata temporis), a uma operação de Leaseback, a algumas despesas não documentadas (2016), a gastos com seguros, a ajudas de custo e despesas de deslocações, a encargos com veículo ligeiro de passageiros e a retenções na fonte – cf. Documentos 5 e 6 juntos pela Requerente:

Descrição            2016       2017

Valor de matéria coletável regularizado pelo SP 171.812,47          154.811,66

Valor de Tributações Autónomas regularizado pelo SP   716,54   1.330,03

Valor de matéria coletável não regularizado pelo SP       144.948,00          450.061,46

Valor de Tributações Autónomas não regularizado pelo SP          33.550,00            31.449,99

KK.         Em simultâneo, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante ao abrigo do RETGS, também submeteu declarações de substituição para os períodos em causa refletindo aquelas regularizações voluntárias – cf. Documentos 5 e 7 juntos pela Requerente.

LL.          Foi emitido o Relatório de Inspeção Tributária à B…, S.A.,  que converteu as correções propostas em definitivas, sobre o qual recaiu despacho favorável do Diretor de Finanças da Direção de Finanças de …, de 14 de janeiro de 2020, que, no ponto IX, acolheu as regularizações que a sociedade fez no direito de audição, tendo corrigido os seguintes valores – cf. PA4:

Lucro Tributável Corrigido do Grupo

Descrição            2016       2017

Lucro tributável inicialmente declarado 1.187.699,41      1.263.594,39

Correções apuradas       316.760,47          604.873,12

Lucro tributável corrigido             1.504.459,88      1.868.467,51

Lucro tributável após regularizações voluntárias               1.359.511,88       1.418.406,05

Correção adicional a efetuar na declaração do grupo      144.948,00          450.061,46

 

Tributação Autónoma

Descrição            2016       2017

Tributação autónoma inicialmente declarada     7.329,67               2.706,49

Correções apuradas       34.266,54            32.780,02

Valor da tributação autónoma corrigida 41.596,21            35.486,51

Tributação autónoma declarada após regularizações voluntárias              8.046,21               4.036,52

Tributação autónoma a corrigir na declaração do grupo 33.550,00             31.449,99

 

RFAI

Descrição            2016       2017

Benefício fiscal inicialmente declarado  39.524,75            54.314,49

Correções apuradas       -39.524,75           -54.314,49

Valor do benefício fiscal corrigido            0,00       0,00

Benefício fiscal declarado após regularizações voluntárias            39.524,75            54.314,49

Benefícios fiscais a corrigir na declaração do grupo         39.524,75             54.314,49

 

Reposição da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos

                Período 2017

Descrição            Rep. Benef. Fiscais (C372)            Juros Comp.

(C366-B)

Valor declarado 29.964,31             11.386,44

Correções apuradas       210,22   79,88

Valor corrigido  30.174,53             11.466,32

Valor declarado após regularizações voluntárias               29.964,31             11.386,44

Valor a corrigir na declaração do grupo 210,22   79,88

 

Derrama Estadual C373

Descrição            2016       2017

Valor inicialmente declarado      0,00       0,00

Correções apuradas       2.474,21               1.011,72

Valor corrigido  2.474,21               1.011,72

Valor declarado após regularizações voluntárias               0,00        0,00

Valor a corrigir na declaração do grupo 2.474,21               1.011,72

 

MM.      Por se tratar de sujeito passivo tributado ao abrigo do RETGS (v. artigos 69.º e seguintes do Código do IRC), as correções originadas na sociedade dominada são efetuadas na esfera da sociedade dominante. Deste modo, para repercussão das correções da B…, S.A. na determinação dos rendimentos e do IRC devido pelo grupo fiscal, em 20 de janeiro de 2020, foi iniciado procedimento inspetivo interno à Requerente (sociedade dominante do grupo fiscal), de âmbito parcial, reportado aos mesmos períodos, ao abrigo das ordens de serviço OI2020… e OI2020…, relativas a 2016 e 2017, respetivamente, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”) – cf. Documento 2 junto pela Requerente.

NN.        O Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) emitido, na sequência do procedimento inspetivo interno à Requerente, reproduz os fundamentos do Relatório da sociedade dominada, atrás referido, de que se retiram os seguintes excertos:

“III.1.4 – Gastos com aquisição de vales de refeição

[…] estabelece o art. 23º-A, n.º 1 al. b) do CIRC, que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, as despesas não documentadas.

Através de notificação concretizada em 26 de julho de 2017, foi o SP notificado para apresentar: “documentos justificativos do destino dado aos vales de refeição adquiridos e contabilizados como gasto na conta 6382 – Pessoal da Produção, nos períodos de 2016 e 2017, nos montantes de €67.100,00 e €62.900,00, respetivamente, (no caso de atribuição aos trabalhadores, solicita-se o comprovativo do seu processamento nos recibos de vencimento).”

Em resposta, o SP apresentou um mapa, referente a cada período (2016 e 2017), onde efetuou o registo mensal dos tickets restaurant, o qual é constituído por seis colunas, destinadas à descrição seguinte:

-              Coluna 1: Número de ordem;

- Coluna 2: Nome do trabalhador;

-              Coluna 3: Valor do ticket atribuído;

-              Coluna 4: Número de tickets atribuídos;

-              Coluna 5: Valor total dos tickets atribuídos

-              Coluna 6: Destina-se à assinatura do titular/trabalhador.

De assinalar que a coluna 6 do referido mapa não se encontra assinada por qualquer trabalhador.

Relativamente à coluna 3 realça-se que da mesma apenas consta a indicação de vales com o valor unitário de €5,00.

De acordo com os esclarecimentos prestados pelo SP e confirmados pelo conteúdo das folhas de vencimento dos trabalhadores apresentadas, o subsídio de alimentação é pago aos trabalhadores em dinheiro. Mais informou o SP, que em regra, os tickets de refeição são entregues aos trabalhadores aquando da realização de trabalho extraordinário.

Verificou-se que os referidos tickets não foram declarados como rendimentos pagos/recebidos nos respetivos recibos de vencimento, nem nas Declarações Mensais de Remunerações (DMR).

             Período 2016

[…]

Conforme já explicitado, o SP procedeu à contabilização de gastos no período, com base em documentos que suportam a aquisição de títulos/vales de refeição. A este respeito importa salientar que a mera aquisição dos tickets restaurante não configura a ocorrência de um gasto, pois o gasto apenas se verifica aquando da sua atribuição/consumo.

Observadas as folhas de vencimento dos trabalhadores apresentadas, não consta menção de que o subsídio de alimentação seja pago por meio de vale de refeição, sendo o mesmo pago em numerário.

Por outro lado, o mapa apresentado pelo SP, constituído por 53 páginas, não constitui nem comprova os montantes atribuídos, pois dos mesmos não consta qualquer assinatura dos beneficiários e no recibo de vencimento também não consta a sua atribuição, pelo que, desconhecem-se os titulares efetivos dos mesmos.

Conforme já referido, salienta-se o facto do mapa apresentado, na coluna indicativa do valor unitário do vale atribuído, apenas consta a indicação de vales com valor unitário de €5.00, sendo que. conforme descrito no Quadro XIV, o SP adquiriu no período, 1600 vales com valor unitário de €1,00.

Por conseguinte, não se comprovando a afetação dos identificados vales/títulos de refeição, e respetivos beneficiários, não se comprova o destino que lhes foi dado, pelo que, em cumprimento do disposto no art. 126º, n.º 5 do CIRS, tais gastos ficam sujeitos ao regime das despesas não documentadas.

De acordo com o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 23º-A do CIRC, as despesas não documentadas não são dedutíveis para determinação do lucro tributável.

Em face do exposto, será de acrescer ao lucro tributável do período 2016, o montante de 67.100,00, nos termos dos art.s 126º, n.º 5 do CIRS e 23º-A, n.º 1, al. b) do CIRC.

[…]

Atendendo à factualidade acima descrita, não se comprovando o destino que foi dado aos vales de refeição adquiridos, por conseguinte, o montante do gasto suportado a título de comissões com a sua aquisição, também não assume relevância fiscal, por não se comprovar que este gasto está relacionado com os rendimentos do SP, nos termos do art. 23º, n.º 1 do CIRC.

Deste modo, será de acrescer ao lucro tributável do período, o montante de 2.895,40, referente às comissões com a aquisição de vales de refeição, cujo destino não foi comprovado, e por isso subsumível ao regime das despesas não documentadas.

             Período 2017

[…]

De salientar, que também relativamente aos tickets restaurant deste período, o SP apresentou um mapa constituído por 49 páginas, mas que não se mostra assinado por nenhum trabalhador nele mencionado. Também este mapa refere na coluna 3, relativa ao valor dos vales, única e exclusivamente o valor unitário de €5.00, sendo que, neste período o SP adquiriu 1.350 vales de valor unitário de €1,00.

Verificando-se a ausência de prova de atribuição individualizada dos mencionados vales de refeição e dos respetivos montantes, tais valores contabilizados ficam sujeitos, para efeitos fiscais, ao regime das despesas não documentadas, previsto nos art.s 23º-A, n.º 1 al. b) e 88º, n.º 1 do CIRC.

Em consequência, será de acrescer ao lucro tributável do período o montante de 62.900,00 nos termos das disposições conjugadas dos art.s 126º, n.º 5 do CIRS e 23º-A, n.º 1, al. b) do CIRC.

[…]

Conforme acima referido, não se comprovando o destino dado aos vales de refeição adquiridos, o gasto suportado relativo à comissão devida com a sua aquisição, não assume relevância fiscal, por não se comprovar a relação do gasto com os rendimentos obtidos pelo SP sujeitos a IRC (Cfr. art. 23º, n.º 1 do CIRC).

Por conseguinte, será de acrescer ao lucro tributável do período de 2017, o montante de 2.787,75, nos termos do disposto no art. 23º, n.º 1 do CIRC.

III.1.5 – Gastos com serviços faturados por entidades relacionadas

III.1.5.1 – Serviços faturados pela A… SGPS, SA […]

[…] considerando que a única trabalhadora da A… SGPS é a Administradora do SP (B…, SA), no período em que foram faturados os serviços, não havendo aquisição de serviços externos pela A… SGPS, não é credível que tais serviços de apoio à gestão, tenham sido efetivamente prestados, nos referidos montantes, pela A… SGPS, a partir de julho de 2017, inclusive, momento a partir do qual o SP B…, SA, paga também remuneração pelo trabalho dependente da sua administradora.

Ademais, constata-se que a B…, SA, tem a estrutura e trabalhadores (e os mesmos administradores) para essa mesma gestão.

De facto o que passa a existir é uma transferência de 5% do volume de negócios para a A… SGPS, com o limite anual de 300.000,00, sendo esta a forma de remunerar e não em função do serviço prestado.

Face ao exposto, apenas se admite a referida faturação por existência de relações especiais, pelo que, para efeitos de IRC e atendendo à aplicação do regime de preços de transferência (art. 63ºdo CIRC) e do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, não será efetuada correção, ainda que, nos termos do disposto no art. 23º, n.º 1 do CIRC, existam indícios claros, que tais encargos não tenham como suporte serviços efetivos prestados pela SGPS, a partir de julho de 2017.

III.1.5.2 – Serviços de assistência técnica e gestão (C… […])

[…]

Recorda-se que, conforme referido no ponto II.3.1.5. o Sr. H… e a Sr.ª J…, são membros do Conselho de Administração do SP (B…, SA) com as funções de Presidente e Vice-Presidente, respetivamente (a Vice-Presidente foi designada em 15 de setembro de 2016, cfr inscrição registada pela AP. …/2016… da Certidão Permanente da Sociedade).

No que respeita ao Sr. H…, sendo o mesmo Administrador da A…, SA, e auferindo salário nessa qualidade pago por esta entidade, todo o trabalho prestado à mesma será ao abrigo desta relação contratual, não fazendo sentido, este Órgão Social (Presidente do Conselho de Administração), prestar serviço a uma entidade terceira para esta faturar este serviço à entidade da qual é administrador e remunerado nessa qualidade.

Relativamente à Sr.ª J…, Administradora da C…, SA, importa referir que, a mesma é simultaneamente, Vice-Presidente do Conselho de Administração do SP (B…, SA) a partir de setembro de 2016, apesar de, apenas auferir rendimento do trabalho dependente pago por esta sociedade, a partir de julho de 2017, inclusive.

Contudo, conforme já referido supra no ponto III.1.5.1, a Sr.ª J…, é também membro do Conselho de Administração da A… SGPS, da qual auferiu rendimentos de categoria A – trabalho dependente, a partir de novembro de 2016 inclusive, e durante todo o período de 2017, (Cfr. informação constante das Declarações Mensais de Remunerações - DMR submetidas pela A… SGPS, SA). Também de acordo com estas declarações (DMR), esta era a única trabalhadora ao serviço desta empresa (SGPS). Por conseguinte, verificando-se que a A… SGPS, SA, faturou à B…, SA, serviços e apoio à gestão, no montante total de 330.000,00 nestes períodos, forçoso se torna concluir, que estes serviços de apoio à gestão a serem realizados, seriam pela única trabalhadora da empresa, a Sr.ª J….

Admitindo-se como efetivamente realizados até junho de 2017, os serviços de apoio à gestão faturados pela A… SGPS, SA, que tem como único trabalhador a Srª J… (data a partir da qual passou a exercer as funções enquanto trabalhadora dependente remunerada da B…, SA), não faz sentido a aquisição de serviços adicionais de apoio à gestão a outra entidade relacionada, neste caso a C…, SA, até porque os serviços apenas poderiam ser realizados pela mesma trabalhadora.

Acresce que, não é credível que os Administradores da B…, SA prestem serviço ou trabalhem para outra entidade, para essa mesma entidade faturar esse trabalho/serviço à B…, SA, sendo certo que, é a B…, administrada pelos mesmos, a suportar os encargos com a sua prestação de trabalho e com a faturação de outras empresas por essa mesma prestação de trabalho.

De acordo com os usos e costumes, é aceitável que a atividade desenvolvida pelos Administradores numa empresa, seja realizada ao abrigo dessa relação, e não através da prestação de trabalho a entidades terceiras para refaturação à entidade que administram.

Assim, tendo em conta que o Sr. H… é Administrador do SP e trabalhador comum da C…, SA e do SP, durante os dois períodos em análise, não é aceitável nem credível que trabalhe/preste serviço à C… para que esta refature ao SP (B…, SA).

Considerando que a Sr.ª J… (Administradora da C…, SA nos períodos em causa), apenas passou a ser Administradora do SP e da A… SGPS, a partir de 15 de setembro de 2016, auferindo rendimentos de trabalho dependente da A… SGPS desde novembro de 2016, no limite, apenas se considera aceitável e credível os referidos serviços, quando prestados no período anterior à prestação de serviços já faturada, por via da A… SGPS, ou seja, em data anterior a novembro de 2016.

Assim como, também não serão aceitáveis ou credíveis os referidos serviços a partir de julho de 2017 inclusive, data a partir da qual ambos os trabalhadores da C…, em simultâneo, são administradores e trabalhadores dependentes remunerados da própria B…, SA.

Em face do exposto, não assumem relevância fiscal, os gastos contabilizados com serviços de assistência técnica e de apoio à gestão faturados pela entidade relacionada L… – Imobiliária, SA, nos montantes a seguir descritos:

             Período 2016

[…] Soma 24.100,00 […]

No sentido do que foi dito, não serão de aceitar os identificados gastos contabilizados a partir de novembro de 2016 inclusive, por não se demonstrarem efetivos à obtenção dos rendimentos do SP, nos termos do disposto no art. 23º, n.º 1 do CIRC.

             Período 2017

[…] Soma 139.600,00 […]

De acordo com a fundamentação supra exposta neste ponto, relativa ao período 2016, para a qual se remete e se dá por integralmente reproduzida quanto a este período, não é credível a necessidade/efetividade dos serviços faturados.

Efetivamente, também neste período 2017, os administradores do SP B…, SA, eram os únicos trabalhadores da C…, SA, pelo que, não se verificando a subcontratação de serviços a entidades terceiras por esta entidade, não se justifica a faturação de serviços de assistência técnica ao SP, que só podiam ser realizados pelos seus próprios administradores.

Por conseguinte, será de acrescer ao lucro tributável do período de 2017, o montante de 139.600,00, nos termos do disposto no art. 23º, n.º 1 do CIRC.

[…]

III.1.5.3 – Comissões sobre acompanhamento de clientes (D… […])

[…] o Acordo de Agenciamento de serviços apresentado, menciona que a D…, Lda tem a sua atividade de representações e procuremet de clientes fornecedores e produtos e intermediação de negócios em mercados internacionais, concretamente por via da atividade do seu sócio gerente, senhor E…, natural e residente no Reino Unido.

Contudo, e conforme já referido, de acordo com a Certidão Permanente da D…, Lda, o Sr. E… integrou a gerência da sociedade, entre 13-10-2014 e 16-08-2016, data em que renunciou à gerência [Cfr. registo concretizado através da AP…/20… – Cessação de Funções de Membros dos Órgãos Sociais (online)].

Dos dois trabalhadores que a empresa tinha ao seu serviço em 2017, apenas o gerente, Sr. H…, estaria eventualmente em condições de prestar o serviço de agenciamento ao SP. No entanto, tal não é crível pois o mesmo é Administrador e aufere vencimento pago mensalmente pelo SP, pelo que, o trabalho que lhe presta, será ao abrigo dessa relação contratual.

Em face da factualidade descrita, facilmente se conclui que a D…, Lda não tinha estrutura empresarial, à data, para prestar os serviços que faturou à B… SA, tendo-se verificado também que a primeira não procedeu a qualquer subcontratação de serviços a terceiros, o que nos leva a concluir, que estamos perante faturação que não corresponde a serviços efetivamente realizados, não sendo necessários, porquanto o Sr. H… é Administrador e aufere rendimentos para prestação de trabalho no SP, evidenciando serem destinados a incrementar gastos na esfera da B…, SA, cujos rendimentos na D… seriam absorvidos pelo benefício fiscal da remuneração convencional do capital.

Conforme já mencionado supra, em obediência ao art. 23º n.º 1 do CIRC, são dedutíveis para determinação do lucro tributável, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo SP, para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, elencando este preceito os gastos aceites fiscalmente.

Em face do exposto, constatando-se que o SP registou na sua contabilidade gastos, que não têm subjacente a aquisição efetiva de serviços, tais gastos não assumem relevância fiscal, pelo que, será de acrescer ao lucro tributável do período de 2017, o montante de 78.368,20, nos termos do art. 23º, n.º 1 do CIRC.

[…]

III.1.5.6 – Encargos com financiamentos obtidos

[…] os gastos associados à dívida assumida pelo SP (1.400.000,00) e ao financiamento obtido pelo mesmo (550.000,00), este na parte destinada à A… SGPS cuja proporção é de 57,50% (316.256, 60/550.000,00) do total do empréstimo, não foram suportados pelo SP, para obtenção dos seus rendimentos sujeitos a IRC. Estamos perante gastos que o SP suporta, no interesse de outra sociedade, a A… SGPS, à qual o SP não repercute qualquer montante destes gastos suportados, pois nos períodos em análise, não se verificou qualquer faturação a esta entidade.

[…]

III.1.7 – Outros gastos não aceites fiscalmente

[…]

III.1.7.1 – Gastos de terceiros/não devidamente documentados

             Período 2016

[…] dado que os referidos documentos foram emitidos a sociedades diversas da B…, SA, e titulam serviços prestados a essas mesmas entidades, o referido montante de gasto [966,89] não foi incorrido no interesse do SP, nem contribuiu para a obtenção dos seus rendimentos, pelo que não poderá assumir relevância fiscal.

Por conseguinte, será de acrescer ao lucro tributável do período 2016, o montante de 966,89, nos termos do disposto no art. 23º, n.º 1 do CIRC.

             Período 2017

[…]

Quanto a estes gastos compete referir que, relativamente aos bilhetes de música, os mesmos não se enquadram no conceito de gasto incorrido para obtenção dos rendimentos do SP, pelo que não assumem relevância fiscal nos temos do art. 23, n.º 1 do CIRC. Acresce que tais gastos não se encontram documentados em nome do SP.

Relativamente aos registos identificados na segunda e última linha do Quadro XXXV, os mesmos são suportados por faturas emitidas a entidades do Grupo (D…, Lda e G…Internacional) e não ao SP, pelo que não são documentos aptos a documentar gastos na esfera deste.

Relativamente aos documentos que mencionam o pagamento de comissões com garantias, o SP informou tratarem-se de despesas incorridas com o cancelamento de avales prestados pelo ex-acionista, à empresa. Estes dois documentos além de não constituírem documento válido para efeitos dos n.ºs 4 e 6 do art. 23º do CIRC (não são faturas), referem a sociedade O… e não o SP.

Assim, os gastos contabilizados […] não assumem relevância fiscal, por não terem sido incorridos para obtenção dos rendimentos do SP e por não estarem devidamente documentados, pelo que, será de acrescer ao lucro tributável do período 2017, o montante de 11.616,11, conforme previsto nos n.ºs 1, 3, 4 e 6 do art. 23º e alínea c) do n.º 1 do art. 23º-A, ambos do CIRC.

III.1.7.2 – Gastos com deslocações e estadas

             Período 2016

No que respeita a gastos com deslocações e estadas, verificou-se que no período 2016, o SP contabilizou como gasto do período, o montante de 6.838,37 […].

Relativamente ao documento de detalhe dos movimentos através de cartão de crédito e ao documento que menciona a viagem da trabalhadora P…, no montante de 2.143,74, os mesmos não reúnem os requisitos legalmente exigidos para documentar gastos, nos termos do art. 23º, n.ºs 3, 4 e 6 do CIRC.

Apesar de terem sido solicitados ao SP, não foram apresentados outros documentos de suporte ao gasto contabilizado através do referido lançamento.

Deste modo, tendo o SP registado como gasto, o montante de 6.838,37, e dado que, no limite, apenas se pode considerar como devidamente documentado o montante de 951,18, resulta o montante de gasto não aceite fiscalmente, de 5.887,19 (6.838,37 – 951,18).

Pelo exposto, será de acrescer o lucro tributável do período 2016, o montante de 5.887,19, nos termos do disposto no art. 23º, n.s 1, 3, 4 e 6 e no art. 23º-A, n.º 1 al. c), ambos do CIRC.

             Período 2017

[…] parte dos gastos identificados neste subponto, foram suportados pelo SP com viagens/estadia para Q… e R…, que não eram trabalhadores da empresa no período em análise (de acordo com a consulta às declarações de rendimentos, os mesmos são descendentes dos administradores da sociedade), pelo que, os gastos incorridos com estes, não poderão ser aceites fiscalmente, nos termos do já citado n.º 1 do art. 23º do CIRC.

Por conseguinte, será de acrescer ao lucro tributável do período 2017, o montante de 2.796,74 (961,00 + 220,07 + 1.798,14*50% + 716,60), nos termos do art. 23º, n.ºs 1, 3, 4 e 6 do CIRC.

[…]

III.1.10 – Variação patrimonial positiva

[…]

Ora, o identificado lançamento a crédito na conta 561 – Resultados transitados, consubstancia uma variação patrimonial positiva, não excluída de tributação nos termos do artigo 21.º do CIRC.

Conforme já referido […], o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no período e não refletidas naquele resultado (vd. art. 17º do CIRC).

Por sua vez o art. 21º do mesmo diploma legal determina que, concorrem para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido período, exceto as elencadas nesta norma.

Destarte, a variação patrimonial positiva registada na contabilidade pelo SP, não consta no elenco das exceções previstas no n.º 1 do art. 21º do CIRC, pelo que, não se encontra excluída de tributação.

Pelo exposto, será de acrescer ao lucro tributável do período 2017, o montante de 104.892,38, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 17º, n.º 1 e 21º, ambos do CIRC.

[…]

III.2 – IMPOSTO EM FALTA – TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA

III.2.1  Despesas não documentadas

Preceitua o n.º 1 do art. 88º do CIRC que: “1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A”

De acordo com a factualidade expressa no ponto III.1.4 deste relatório, para a qual aqui se remete, nos períodos em análise, o SP procedeu à aquisição de vales de refeição, tendo procedido à contabilização como gasto nos respetivos períodos, não fazendo a necessária prova de atribuição, dos mesmos e dos respetivos beneficiários, pelo que, os valores em causa ficam sujeitos ao regime das despesas não documentadas.

Também no ponto III.1.8 deste relatório, cuja fundamentação aqui se dá por integralmente reproduzida, foi apurada despesa não documentada, no montante de 1.433,07.

Deste modo, dado que as despesas não documentadas são sujeitas a tributação autónoma em sede de IRC, à taxa de 50%, apura-se imposto em falta, nos seguintes montantes:

             Período 2016

Quadro XLIII

Período Montante despesa não documentada   Taxa      Imposto em falta

2016      67.100,00             50,00% 33.550,00

2016      1.433,07               50,00% 716,54

Soma    34.266,54

 

             Período 2017

Quadro XLIV

Período Montante despesa não documentada   Taxa      Imposto em falta

2017      62.900,00             50,00% 31.450,00

[…]

III.4 – BENEFÍCIOS FISCAIS À COLETA

III.4.1  Regime Fiscal de Apoio Ao Investimento – RFAI

[…]

             Período 2016

[…]

A análise efetuada, não revelou o incumprimento de outros requisitos por parte do SP, para poder beneficiar do RFAI, além do requisito relativo à criação de postos de trabalho.

Efetivamente, de entre as condições exigidas para o benefício do RFAI, consta, relativamente à criação de emprego, que os sujeitos passivos têm que efetuar investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho diretos (relativos ao quadro de pessoal da empresa), e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento.

Refira-se que, de acordo com o entendimento plasmado no Processo n.º 2010 …, relativo ao Pedido de Informação Vinculativa n.º 1212, sancionado pelo Diretor Geral da Autoridade Tributária, por Despacho de 27-10-20104: “Apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa mas ao abrigo de um contrato com termo.”

A este respeito importa salientar que após solicitado ao SP a comprovação da criação líquida de postos de trabalho relativamente a este período, o SP apresentou:

                1)            Cópia do contrato de trabalho sem termo, celebrado com a trabalhadora S…, em 04 de janeiro de 2016;

                2)            Mapa de entradas e saídas de trabalhadores relativo ao período 2016, relativamente ao qual referiu que as saídas ali mencionadas respeitam a trabalhadores contratados através de contrato de trabalho a termo.

Complementarmente, foi solicitado ao SP a apresentação de cópia do Relatório Único entregue junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Da análise a este relatório, nomeadamente do seu Anexo B – Fluxo de Entrada ou Saída de Trabalhadores, que entre outros elementos, fornece informação sobre o tipo de contrato (coluna 5 do Quadro II) bem como sobre o mês da entrada e saída dos trabalhadores, que entraram e/ou saíram no respetivo ano, constatou-se que o trabalhador T…, saiu da empresa em setembro de 2016, sendo até esta data contratado com contrato de trabalho sem termo (Cfr. coluna 5 relativa ao tipo de contrato, o qual consta com o código 10 – Contrato de trabalho sem termo).

Relativamente aos restantes trabalhadores que saíram no ano, os mesmos são indicados com o código 20 – Contrato de trabalho com termo certo ou, código 21 – Contrato de trabalho para prestação subordinada de teletrabalho com termo certo. Quanto às entradas mencionadas neste mapa, as mesmas constam todas identificadas com o código 20 – Contrato de trabalho com termo certo.

[…]

Por conseguinte, não se mostra preenchido o requisito da criação de postos de trabalho diretos, uma vez que no período 2016, o SP contratou um único trabalhador por contrato sem termo (S…), mas verificou-se a saída de um trabalhador com o mesmo tipo de relação laboral (T…), pelo que, a criação de postos de trabalho é nula neste período.

Note-se que o legislador faz depender a usufruição do RFAI, da criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento e ainda, da sua manutenção durante um certo período de tempo.

Face ao exposto, o SP não demonstrou reunir no período 2016, as condições exigíveis para poder beneficiar do incentivo fiscal do RFAI, designadamente por não cumprir a condição da criação de postos de trabalho, prevista na alínea f) do n.º 4 do art. 22º do CFI, não sendo dedutível o montante apurado e deduzido à coleta no período, de 39.524,75.

             Período 2017

Idêntica análise foi efetuada relativamente ao período 2017, tendo-se concluído, que também neste período o SP não cumpriu o requisito da criação de emprego, para poder beneficiar do RFAI […]

Relativamente ao pressuposto exigido da criação de postos de trabalho, o SP apresentou cópia do contrato de trabalho sem termo, pelo qual foi contratado nesta modalidade, o trabalhador U…, em 17 de maio de 2017.

O SP referiu que o identificado trabalhador U… foi o único contratado neste período, mediante contrato sem termo e que as restantes entradas e saídas de trabalhadores ocorridas neste período, foram referentes a trabalhadores contratados a termo.

Analisado o já referido Relatório Único, deste ano, designadamente o Anexo B - Fluxo de Entrada ou Saída de Trabalhadores, constata-se que do mesmo consta a saída de uma trabalhadora com contrato sem termo, a V…, que consta na coluna 5 do Quadro 11, Trabalhadores, como código 10 - contrato de trabalho sem termo. As restantes saídas de trabalhadores constam como código 20 - contrato de trabalho com termo certo, e código 80 - Outra situação.

[…]

Do exposto, constata-se que, no período 2017, o SP admitiu nos seus Quadros de pessoal apenas um trabalhador com contrato de trabalho sem termo (U…), contudo, ocorreu a saída de uma trabalhadora na mesma situação (V…), ou seja, trabalhadora com contrato sem termo, pelo que, também não existe criação líquida de emprego neste período.

De assinalar ainda, relativamente às aquisições cujos valores concorreram para o apuramento do benefício RFAI, os seguintes elementos:

- Telemóvel iPhone 7 32G, no valor de 633,33;

-              Macbook Pro 13", no valor de 1.208,66 e,

-              Máquina louça Beko branca, no valor de 260, 16, que perfazem o montante de 2.102, 15.

Constata-se que, tendo o SP enquadrado o investimento na tipologia de investimento inicial de aumento da capacidade produtiva de estabelecimento, no apuramento do montante do benefício do RFAI, incluiu valores relativos a investimentos que não se restringem à atividade produtiva da empresa, pois não se afigura que os identificados elementos, designadamente o telemóvel e o Macbook, possam estar agregados à atividade produtiva da empresa (Vd. art. 22º, n.º 2, al. a), vi) do CFI).

No que respeita à aquisição da máquina de louça Beko, a mesma constitui um equipamento social, e como tal, excluída das aplicações relevantes para o referido benefício, nos termos do art. 22º, n.º 2, al a), v) do CFI.

Nestes termos, as identificadas aquisições, que perfazem o montante de 2.102,15, não constituem aplicações relevantes para aplicação do RFAI, pelo que, não relevava o montante de benefício calculado sobre este investimento (2.102, 15*25%).

Destarte, o SP também não demonstrou reunir no período 2017, os pressupostos exigíveis para poder beneficiar do incentivo fiscal do RFAI, quer quanto à inclusão de investimento no montante de 2.102,15, que não constituem aplicações elegíveis, quer por não cumprir a condição da criação de postos de trabalho, prevista na alínea f) do n.º 4 do art. 22º do CFI, não sendo dedutível o montante apurado e deduzido pelo SP, no período, de 54.314,49.

[…]

III.4.2 – Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos

[…]

De acordo com a informação fornecida pelo SP, os investimentos concretizados nos períodos de 2016 e 2017, para efeitos do benefício da DLRR deduzido em 2015, são os mesmos que foram considerados para o benefício RFAI […] o investimento relevante foi realizado no concelho da Batalha e enquadra-se na tipologia de aumento da capacidade de estabelecimento já existente, tendo por objetivo dar resposta a acréscimos de solicitações pelos clientes.

[…]

Por conseguinte, as referidas aquisições, no montante de 2.102,15, não poderão ser consideradas aplicações relevantes para efeitos de DLRR, nos termos estabelecidos pelos art.s 30º, do CFI e 11º da Portaria n.º 297/2015 de 21 de setembro.

Em consequência, o referido montante de 2.102,15 considera-se investimento não concretizado para efeitos de DLRR, havendo lugar à aplicação da al. a) do n.º 1 do art. 34º do CFI que determina que a não concretização do investimento até ao termo do prazo de 2 anos, implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais.

Assim, há lugar à reposição em 2017, do benefício relativo ao investimento não relevante, no montante de 210,22 (2.102,15*10,00%), acrescido de juros compensatórios, majorados em 15 pontos percentuais, no montante de 79,88 [(2.102,15*10,00%)*(4,00%+15,00%)*2], perfazendo o montante de 290,10, nos termos do disposto no art. 34º, n.º 1 al. a) do CFI.”

OO.        Foram emitidas à Requerente as liquidações adicionais de IRC n.º 2020 …, para 2016, no valor a pagar de € 119.447,53, e n.º 2020 …, para 2017, no valor a pagar de € 199.350,93, ambas com data limite de pagamento de 10 de agosto de 2020, perfazendo o total de € 318.798,46, incluindo juros compensatórios e de mora  – cf. Documento 1 junto pela Requerente.

PP.         O valor de € 318.798,46 foi pago pela Requerente em 10 de agosto de 2020 – cf. Documento 3 junto pela Requerente.

QQ.        Inconformada com as liquidações de IRC (incluindo tributação autónoma e derrama estadual) e de juros compensatórios acima identificadas, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 3 de novembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provou o alegado nos artigos 20.º e 21.º do pedido de pronúncia arbitral, demonstrando-se, aliás, o contrário, pois as correções materializadas no Relatório de Inspeção Tributária refletem as regularizações voluntárias efetuadas pelo sujeito passivo, que foram subtraídas aos valores iniciais propostos. Com efeito, os documentos de correção (DC) que corrigiram a matéria coletável e o imposto deduziram as importâncias regularizadas o que resulta evidente do próprio Relatório que começa por enunciar todos os ajustamentos propostos, mas termina apenas com a correção daqueles que não foram aceites e retificados pela Requerente.

 

Também não se provou que o destino dado aos tickets restaurante esteja perfeitamente documentado nos mapas de entidades emitentes e utilizadoras dos vales de refeição elaborados pela B…, S.A. e que tais vales foram atribuídos aos funcionários aí identificados (v. artigos 39.º a 48.º do ppa). Os referidos mapas são meros documentos internos elaborados e impressos por esta sociedade sem qualquer correspondência com as declarações formais por esta apresentadas às autoridades, nomeadamente as DMR, ou com recibos de vencimento ou com qualquer outro documento (por exemplo, assinado pelos beneficiários) que permita confirmar a sua atribuição especificada.

 

Ficou ainda por demonstrar: i) que os gastos contabilizados e deduzidos fiscalmente constantes de faturas em nome de outras entidades só foram incorridos pela B…, S.A. porque aquelas tinham sido dissolvidas e não dispunham de contas bancárias (v. artigos 202.º e 293.º do ppa); ii) que os 3 bilhetes adquiridos para um concerto dos ... tenham sido oferecidos a clientes (v. artigo 209.º do ppa); ii) e que a quantia paga em excesso à Segurança Social não foi abatida à matéria coletável de IRC de 2015 (v. artigos 259.º do ppa).

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos. Acresce referir que os depoimentos das testemunhas permitiram complementar a prova de factos essenciais ou instrumentais alegados:

a)            em relação à efetividade do apoio técnico prestado por H… à B…, S.A. (primeira e segunda testemunhas, respetivamente X… e Y…, responsáveis da produção desta entidade);

b)           das condições dos serviços de agenciamento de negócios prestados por E… (quarta testemunha, I…, antigo sócio da B…, S.A. e administrador até setembro de 2016 );

c)            da matéria relativa à criação líquida de postos de trabalho (depoimentos da quarta testemunha em conjunto com a sexta testemunha, Z…, técnico de informática desta sociedade que preparou o relatório único com informação divergente dos mapas de admissões e saídas juntos pela Requerente em fase contenciosa. Neste ponto, o depoimento das testemunhas foi relevante para clarificar, face à divergência dos dados do relatório único e dos mapas de admissões/saídas posteriormente elaborados, o aumento líquido efetivo de postos de trabalho tendo em consideração os trabalhadores admitidos por contrato a termo.

 

As testemunhas demonstraram, em geral, conhecimento pessoal e direto dos factos relatados, não tendo sido consideradas as afirmações conclusivas destas ou juízos opinativos.

 

IV.          DO DIREITO

 

São diversas as ilegalidades invocadas pela Requerente, todas reconduzíveis a erro nos pressupostos de facto e de direito que se analisam de seguida.

1.            Não abatimento das regularizações voluntárias da Requerente

 

Contrariamente ao que a Requerente alega, o RIT, os documentos de correção e o imposto liquidado não contêm qualquer duplicação de valores. Com efeito, apesar de os quadros das folhas 3, 4, 5 e 6 do RIT incluírem as correções inicialmente propostas na sua integralidade, ou seja, compreendendo também aquelas já regularizadas pela Requerente, as correções efetivas, propostas a final, após o exercício do direito de audição, encontram-se líquidas dessa regularização efetuada por via de declarações de substituição. Esta asserção é facilmente alcançada pela análise dos quadros constantes dos pontos II, JJ e LL da matéria de facto, extraídos do RIT, sendo patente que o total das correções inicialmente propostas à matéria coletável, de € 316.760,47 (2016) e de € 604.873,12 (2017), acabaram por se reduzir para € 144.948,00 (2016) e € 450.061,46 (2017), tendo sido abatidas das regularizações efetuadas pela Requerente de € 171.812,47 e € 154.811,66. A mesma conclusão se retira relativamente à tributação autónoma, em que ficou explícita a tomada em consideração dos valores regularizados pela Requerente de € 716,54 (2016) e de € 1.330,03 (2017) que impactaram nas importâncias corrigidas que passaram de € 34.266,54 para € 33.550,00, em 2016, e de € 32.780,02 para € 31.449,00, em 2017.

 

Improcede neste ponto a arguição da Requerente.

 

2.            Indedutibilidade de gastos – ónus probandi

 

                Interessa começar por notar que, em relação à generalidade das correções de gastos não aceites, a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, não é aplicável, como se infere do segmento final da norma, de seguida transcrita (realce nosso): “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Assim, no domínio da dedutibilidade de gastos, tem aplicação a regra geral de distribuição do ónus da prova prescrita pelo artigo 74.º, n.º 1, da LGT , segundo a qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, ou seja, é sobre a Requerente, que pretende ver deduzidos os gastos, que impende este encargo, “pelo que a falta da prova exigida por lei deve, em princípio, ser valorada contra o contribuinte, afastando a dedutibilidade dos gastos não provados nos termos previstos na lei. Diz-se, «em princípio» porque esta regra geral do ónus da prova é temperada pela do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que impõe a anulação dos actos impugnados, nos casos de «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário». É a esta luz que há que apreciar as correcções efectuadas em matéria de dedutibilidade de gastos.”  (v. decisão arbitral n.º 604/2020-T, de 24 de novembro de 2021).

 

3.            Gastos não dedutíveis com a aquisição de vales de refeição e comissões

 

                Na situação em análise estão sob apreciação vales ou tickets de refeição, configurados, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de abril de 2010, processo n.º 0619/09, como “títulos de pagamento de refeições, isto é, são títulos que se destinam a ser utilizados na aquisição e pagamento de refeições ou de outros produtos disponibilizados pelos estabelecimentos de restauração aderentes a esse sistema de pagamento. Através de tal sistema possibilita-se ao titular do ticket a escolha do estabelecimento onde pretende fazer a refeição ou comprar determinados produtos alimentares, utilizando o vale como meio de pagamento, de modo que a refeição ou produto comprado seja pago por aquele que concedeu ou facultou o título.

Pelo que a aquisição destes vales consiste na mera troca de meios de pagamento (dinheiro por vales), só havendo despesa no momento em que a refeição é consumida e paga com a entrega do título ao estabelecimento fornecedor. O custo é, não a aquisição dos vales, mas a sua utilização junto do estabelecimento aderente a este sistema de pagamento.

Isto é, os vales ou títulos de refeição são “dinheiro” e a sua mera detenção não implica a verificação de qualquer encargo ou custo, o qual só ocorre quando eles são utilizados.

Deste modo, a aquisição e posse pela Impugnante de tais vales não implica, por si só, qualquer despesa. O custo só se concretizará quando o vale for utilizado. A despesa só existirá nesse momento. Aliás, a Impugnante sempre poderia voltar a convertê-los em meios monetários, pelo que enquanto não os usar no pagamento de refeições ou de outros produtos não se pode considerar que tenha incorrido em custo algum.

Nesta perspectiva, somos levados a concluir que o ticket ou vale de refeição, em si, não documenta qualquer despesa, constituindo um mero meio de pagamento para uma despesa potencial que se concretizará com a utilização desse meio de pagamento. E que a comprovação da despesa passa, necessariamente, pela existência de documentação capaz de revelar o consumo e o pagamento de refeições (ou de outros produtos) com esse título ao estabelecimento fornecedor.

Assim, e diversamente do afirmado pela Recorrente, os vales de refeição não documentam qualquer despesa. O que está em causa é a comprovação do custo (aquisição da refeição ou outro produto) através desses vales, a fim de se saber se a despesa foi realmente efectuada, qual a sua natureza e montante e quem foi o seu beneficiário.”

 

                No aresto em referência chega-se à conclusão de que “não dispondo a empresa de quaisquer documentos/elementos comprovativos do destino que foi dado aos aludidos títulos de refeição […], ignorando-se com quem e onde foram utilizados, que pessoas ou entidades receberam esses vales e quais os estabelecimentos que os arrecadaram como meio de pagamento, nem existindo documentos comprovativos de que tenha sido d[e]spendido o montante de […] com a respectiva utilização, deve tal quantia ser considerada como não especificada nem identificada, isto é, como totalmente indocumentada ou confidencial, sujeita a tributação autónoma nos termos do Decreto Lei n.º 192/90, de 9 de Junho [cujo regime corresponde ao do atual artigo 88.º n.º 1 do Código do IRC]”. (argumentação acompanhada, neste ponto, pela decisão arbitral no processo n.º 285/2020-T, de 10 de novembro de 2021).

 

                Contudo, mostrando-se a aquisição dos vales de refeição pela B…, S.A. titulada por faturas da entidade emitente, não se trata, em rigor de uma situação que convoque ou se enquadre no regime das despesas não documentadas. Neste contexto, mesmo concluindo-se, como parece ser de concluir, que a atribuição e utilização dos vales não está documentada, não resultando provado o destino dos mesmos – a entrega aos beneficiários dos tickets refeição – nem a sua concreta utilização , essa “indocumentação” não se reporta à aquisição dos vales, em relação à qual foi incorrido o gasto, e situa-se noutro plano, o da afetação aos fins da atividade do sujeito passivo.

 

                Nestes termos, o que está verdadeiramente em causa não é, como consta do RIT, o caráter não documentado das despesas ao abrigo do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b) do Código do IRC (norma que determina a indedutibilidade das “despesas não documentadas”), pois é inequívoco estas terem suporte em faturas corretamente emitidas pelo prestador de serviços, mas o requisito material da sua conexão com a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, reclamado pelo artigo 23.º, n.º 1 do mesmo diploma para que a dedução fiscal seja admissível.

 

                Como declara o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de fevereiro de 2022, processo n.º 02421/15.5BEPRT, a respeito do regime das despesas não documentadas:

 

                “O que se deve entender por despesas não documentadas não é questão nova neste Tribunal, que tem vindo a afirmar que despesa não documentada é aquela a que falta em absoluto o comprovativo documental (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/04/2017, proferido no processo 01320/16). A despesa é contabilizada pelo sujeito passivo sem suporte documental. Ora, esta não é manifestamente a situação dos autos em que as despesas foram registadas na contabilidade com apoio em documentos (vendas a dinheiro e faturas), o que é, aliás, reconhecido pela Recorrente, que acaba, em defesa da sua tese, por sustentar que a documentação se deve reportar à saída dos bens da empresa, designadamente quanto ao destinatário, e que se assim não acontecer, a despesa documentada deve ter-se por não documentada. Ora, falando a lei em despesa não documentada, está a reportar-se à documentação do ato pelo qual o sujeito passivo suporta a despesa que é suscetível de afetar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, não relevando nesse âmbito a documentação do destino da despesa, ou da identificação do seu beneficiário. Despesa não documentada é uma despesa sem documento e só estas o legislador sujeitou a tributação autónoma.

                Naturalmente que apesar de a despesa estar documentada e, por isso, não estar sujeita à tributação autónoma, tal não significa que passe o crivo da “indispensabilidade”, ao ponderar-se a atividade do sujeito passivo, a natureza e valor dos bens adquiridos para “oferta”, e a não identificação dos beneficiários desses bens, e seja aceite como gasto ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC (cf. o n.º 1 do citado artigo 88.º do Código do IRC) […]”.

 

                Decorre do RIT que único fundamento jurídico para a não aceitação da dedução dos gastos incorridos com a aquisição dos vales de refeição respeita à sua qualificação a título de despesas não documentadas, enquadráveis no disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b) do Código do IRC. O que, atento o acima exposto, consubstancia erro de direito.

 

Neste âmbito, interessa recordar que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este último, um meio processual de mera legalidade, que visa a declaração de ilegalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e a eliminação dos efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os, através de uma pronúncia constitutiva e cassatória, ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º daquele diploma].

 

Por isso, sendo o objeto de apreciação do Tribunal Arbitral o ato praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada à face do seu teor, não podendo o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação se poderia basear noutros fundamentos .

Em síntese, não sendo as aquisições de vales de refeição enquadráveis como despesas não documentadas e não constando do RIT outro fundamento para a correção efetuada, o ato de liquidação enferma de erro de direito, impondo-se a sua anulação, na parte correspondente de € 67.100,00 (2016) e € 62.900,00 (2017).

 

Conclusão distinta se alcança, todavia, em relação às comissões devidas à entidade emitente dos vales, cuja base jurídica expressa no RIT é o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Neste caso, o fundamento da indedutibilidade do gasto e o consequente acréscimo à matéria coletável da Requerente reporta-se à não comprovação do destino que foi dado aos vales de refeição e, portanto, de que o gasto está relacionado com os rendimentos da B…, S.A., ónus que, como atrás mencionado, impende sobre a Requerente.

 

                A Requerente não logrou provar a atribuição e utilização dos vales, nem o destino dos mesmos , que permanece desconhecido, pelo que não satisfez o ónus de demonstração da relação causal que tem de existir com a sua atividade, improcedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

                De notar, por fim, que aos colaboradores e administradores da B…, S.A. era atribuído e pago subsídio de alimentação, contabilizado nas contas de gastos apropriadas e reportado nas DMR, sem qualquer relação com os vales de refeição sob escrutínio (contabilizados em contas distintas).

 

                Devem, desta forma, manter-se as correções efetuadas à matéria coletável de IRC da Requerente, relativas às comissões cobradas pelas entidades emitentes dos vales, nas importâncias de € 2.895,40 (2016) e € 2.787,75 (2017).

 

4.            Gastos não dedutíveis em prestações de serviços entre entidades relacionadas (C… e D…)

 

                A Requerida desconsiderou os gastos relativos às entidades relacionadas C… e D… por entender que estas entidades não dispunham de estrutura económica (meios técnicos e humanos) para prestar os serviços em causa.

 

                Convém, desde logo, notar que a argumentação desenvolvida pela AT para suportar as correções, assenta no caráter fictício/simulado dos serviços, para, depois, concluir pela falta de preenchimento dos pressupostos de dedutibilidade contemplados no artigo 23.º do Código do IRC (i.e., falta de nexo causal entre os gastos e a atividade geradora de rendimentos sujeitos a este imposto). Neste âmbito, é irrelevante que as sociedades prestadora e adquirente dos serviços sejam relacionadas, pois não foi aplicado o regime de relações especiais (preços de transferência) previsto nos artigos 63.º e seguintes do mencionado Código.

 

                A Requerente reputa de insuficientes os fundamentos substantivos da Requerida para proceder a estas correções e aponta a inconsistência de o argumento essencial ser o de estarmos perante serviços inexistentes (operações simuladas), mas a conclusão apontar no sentido de os serviços não serem indispensáveis à obtenção dos rendimentos – chumbando o teste do artigo 23.º do CIRC – que, contraditoriamente, segundo a Requerente, pressupõe que as operações sejam efetivas. Divergimos desta interpretação do artigo 23.º, que, a nosso ver, tanto pode impedir a dedução de gastos relativos a serviços efetivos como a serviços simulados.

 

                De facto, o artigo 23.º não se refere a serviços ou operações efetivas, mas a “gastos e perdas” e é indiscutível que a B…, S.A. registou gastos com as faturas da C… (e a seguir também da D…), que podem respeitar quer a serviços efetivamente prestados, quer a serviços simulados, no que a lei não distingue. Ponto é que, nos termos da hipótese normativa do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, se não se verificar a necessária relação causal entre os gastos (respeitando estes a serviços reais ou a serviços fictícios) e a atividade tributável do sujeito passivo, aqueles não reúnem as condições para serem fiscalmente dedutíveis/relevantes. Acresce assinalar que uma correção pode ter mais do que um fundamento e cada um ser suficiente para, por si só, justificar a decisão e a sua manutenção na ordem jurídica.

 

                A primeira situação prende-se com a prestação de apoio técnico à B…, S.A. pela C…, sociedade que apenas tinha dois trabalhadores, H… e J…. A Requerente veio alegar que se tratava de serviços de apoio técnico realizados pelo primeiro. A AT julga não ser credível que tenham sido prestados os serviços em questão, pois o trabalhador da C…, sociedade prestadora dos serviços, é, a um tempo, administrador da sociedade destinatária dos serviços. Segundo a Requerida, não faz sentido que um administrador estivesse dedicado aos fins de semana a trabalhar para uma sociedade que prestava tais serviços à B…, S.A., quando, como administrador desta última, lhos poderia prestar diretamente (na qualidade de administrador).

 

                Interessa notar que se se comprovasse que as sociedades em causa estavam em relação de domínio ou de grupo, o procedimento descrito seria legalmente vedado, atento o disposto no artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais. Este regime deixa transparecer que o legislador comercial não foi indiferente, valorando negativamente, uma certa promiscuidade associada ao exercício do cargo de administração com a prestação contemporânea de funções ao abrigo de relações contratuais de outra natureza, quando uma entidade pode exercer uma influência determinante sobre outra.

 

                No entanto, tais circunstâncias não foram alegadas como fundamento dos ajustamentos operados à matéria coletável do sujeito passivo, nem comprovadas . O que ficou efetivamente demonstrado nos autos foi que H… era solicitado de forma recorrente pelos responsáveis da produção da B…, S.A. para prestar assistência, solucionar problemas técnicos e esclarecer dúvidas sobre materiais, afinamentos, novas encomendas, entre outros, que se suscitavam àqueles responsáveis.

 

                Sem prejuízo de poder existir algum nível de artificialidade na forma como foi estruturada a prestação dos serviços de assistência técnica, realizada pelo administrador da sociedade B…, S.A., mas na qualidade de trabalhador de outra entidade, a C…, com a qual tinha vínculo laboral e que cobrou esses serviços, é certo, todavia, que H… prestou efetivamente apoio técnico à B…, S.A.. À face do exposto, estamos perante uma situação em que se suscita fundada dúvida de aquele o poder ter feito no âmbito da relação laboral com a C… que, por sua vez, prestou os serviços à B…, e não como administrador desta última.

 

                Quanto à pressuposta conexão desses serviços de assistência técnica à produção com a atividade (produtiva) da B…, S.A., não subsistem dúvidas de que a mesma se verifica, nem a AT levanta o ponto. Assim, de acordo com o disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, implica a anulação dos atos impugnados, na parte correspondente, pelo que se conclui pela invalidade das correções à matéria coletável da Requerente, associadas aos serviços de assistência técnica faturados pela C…, nos montantes de € 24.100,00, em 2016, e de € 139.600,00, em 2017.

 

                Nestes termos, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento da violação do princípio da igualdade e da proibição do arbítrio suscitada pela Requerente.

 

                Em relação aos serviços da D… a questão prende-se, de igual modo, com o entendimento da Requerida de que esta sociedade não estava dotada de estrutura empresarial para prestar os serviços de agenciamento (angariação e desenvolvimento de negócios) em 2017, período em que o responsável por essas funções, E…, já não estava na sociedade, por ter renunciado à gerência em 16 de agosto de 2016.

 

                Tendo ficado processualmente adquirido que foram prestados serviços de agenciamento pela D… à B…, S.A. em 2016, em resultado do trabalho e contactos efetuados por E… (como acima dito, gerente da D… até agosto de 2016), e que estava acordado que o pagamento da respetiva remuneração dependia da concretização das oportunidades de negócio (incluindo a respetiva cobrança), o que constitui prática usual, pois se assim não fosse, não existiria responsabilização do agente pela consecução efetiva e remunerada dos negócios, não é desrazoável, sendo até expectável, que em 2017 ainda se constituísse o direito ao recebimento de comissões por agenciamento de clientes efetuado em 2016.

 

                Considerando o que foi acima dito, e à semelhança do sucedido com a correção da C…, verifica-se uma situação de fundada dúvida, com a consequente invalidade das correções à matéria coletável na quantia de € 78.368,29 e a anulação do ato de liquidação de IRC de 2017 na parte correspondente.

 

5.            Encargos não dedutíveis com financiamentos obtidos

 

                Coloca-se a questão de saber se podem ser considerados conexos com a atividade sujeita a IRC da B…, S.A. e, portanto, fiscalmente relevantes, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, os gastos (juros e Imposto do Selo) associados aos financiamentos por esta contraídos junto de uma instituição de crédito, na medida em que os correspondentes fundos foram canalizados para a sociedade-mãe [aqui Requerente] por via de empréstimos não remunerados.

 

                A Requerente começa por se opor a esta correção, invocando que a Requerida não justificou o motivo pela qual os gastos não se destinam ao normal funcionamento da atividade da B…, S.A. e não são dedutíveis, no que não tem razão. Com efeito, o RIT explicita que os empréstimos que geraram encargos nesta sociedade se destinaram a “concessão de crédito à sociedade dominante”, ou, noutro passo, “ao financiamento da SGPS”, pelo que “não foram suportados pelo SP, para obtenção dos seus rendimentos sujeitos a IRC. Estamos perante gastos que o SP suporta, no interesse de outra sociedade, a A… SGPS, à qual o SP não repercute qualquer montante destes gastos suportados, pois nos períodos em análise, não se verificou qualquer faturação a esta entidade.”

 

                Perceciona-se sem dificuldade que é o facto de os fundos serem destinados a, e utilizados por, outra entidade (a sociedade-mãe), aliado à ausência de remuneração (via cobrança de juros) por essa cedência, que induz à inferência de que os correspondentes gastos não estão conexos com a obtenção de rendimentos da B…, S.A.. O que se compreende, pois esta vê-se privada dos meios financeiros, não podendo, por essa circunstância, utilizá-los na sua atividade, nem estes geram quaisquer rendimentos na sua esfera, dado que não debita juros pela sua cedência. Assim, suporta encargos com meios financeiros que não contribuem para a sua atividade, mas para a de terceiros.

 

                A Requerente argumenta também que a cedência gratuita de financiamento de que foi beneficiária é um problema de preços de transferência (v. artigo 63.º do Código do IRC) e não de dedutibilidade de gastos e que o artigo 23.º, n.º 1 foi erradamente aplicado como cláusula-anti abuso.

 

                Entende este Tribunal não ser de sufragar tal posição. Efetivamente, a regra basilar de dedutibilidade dos gastos está vertida no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, que, na sua hipótese normativa, contém os respetivos pressupostos constitutivos, de natureza substantiva, exigindo uma conexão entre os gastos e a atividade geradora de rendimentos sujeitos a IRC.

 

Note-se que não se trata da exigência de uma relação de causalidade direta entre gastos e rendimentos (v. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de setembro de 2014, processo n.º 0779/12; de 15 de novembro de 2017, processo n.º 372/16; e de 28 de junho de 2017, processo n.º 0627/16, n.º 0627/16, de 28 de junho de 2017 ).  Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.

 

A relação causal deve ser feita entre os gastos e a atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento), não podendo a Administração avaliar o acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos. Como salienta o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de setembro de 2016, processo n.º 0571/13 “[o] conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário”.

 

Por outro lado, esta construção reclama um nexo de imputação subjetiva que está implícito na relação exigida entre o gasto e a atividade. É que essa ligação tem de ser feita com a atividade específica do sujeito passivo e não com outra atividade qualquer, designadamente dos seus sócios ou de terceiros.

 

É neste enquadramento que se fundam as correções em análise e não no regime de preços de transferência (v. artigo 63.º do Código do IRC), ou de “anti-abuso”, pelo que não cabe aqui a apreciação destes últimos. O Tribunal está circunscrito ao conhecimento das razões externadas na fundamentação contemporânea do ato tributário e se uma correção tiver diversos fundamentos válidos, apenas podem ser apreciadas aquelas que tenham sido invocadas como motivação do ato impugnado.

 

No caso, o único fundamento do acréscimo à matéria coletável dos encargos financeiros deduzidos respeita ao não preenchimento dos pressupostos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Não se encontrando reunidas as condições que integram a hipótese normativa, não pode deixar de concluir-se validamente, com a Requerida, que não é admissível a dedução. Isto, sem prejuízo de a situação fáctica poder ser eventualmente passível de enquadramento concorrente noutras normas, que, como se disse, não cabe apreciar se não fazem parte dos fundamentos dos atos tributários. Ponto é que o regime jurídico-tributário efetivamente aplicado assente em corretos pressupostos de facto e de direito.

 

                Salienta a este respeito, a ilustrativa declaração de voto no processo arbitral n.º 70/2018-T, de 16 de novembro de 2018:

 

                               “[…] É, pois, sobre o ato tributário praticado e sua sustentação que recai o julgamento do tribunal, e não sobre a sustentação que no entender dos sujeitos passivos, deveria ter sido utilizada.

                               No caso, a AT optou por sustentar a correção fiscal em causa no artigo 23º, nº 1 do CIRC, submetendo a situação de facto – obtenção de financiamento com gastos, seguida da cedência dos capitais obtidos à empresa mãe, sem ressarcimento da parte dos encargos relativa a imposto do selo e outros gastos de financiamento - ao crivo da comprovada indispensabilidade dos gastos, para efeitos da sua dedutibilidade fiscal […].

                               Concluiu, porém, o Acórdão que a AT deveria ter sustentado o seu ato tributário no artigo 63º do CIRC e não no artigo 23º, nº1 e alínea c) do CIRC, tese à qual, com o devido respeito, não adiro.

                Tendo em conta que o mecanismo do artigo 23º do CIRC é de âmbito geral, prévio e aplicável a todas as entidades, com ou sem relações especiais entre si, como resulta da respetiva inserção sistemática no CIRC – «Regras Gerais do capítulo de Determinação da Matéria Coletável» – não vejo que a escolha deste suporte jurídico para o ato de liquidação adicional, seja, por si só, causa de ilegalidade.

                Por outro lado, o artigo 63º não é uma norma que afaste a norma geral do artigo 23º, nº 1, do CIRC, de tal modo que na presença dos requisitos daquele preceito seja apartada a aplicação deste. O âmbito do referido artigo 63º do CIRC não é igual ao do artigo 23º, nº1, nem com ele concêntrico. O artigo 63º do CIRC opera em face da divergência entre as condições contratuais praticadas entre sujeitos relacionados, por comparação com as que seriam praticadas entre entidades não relacionadas, em operações comparáveis. Mas, no que respeita aos gastos contabilizados, operará quando estes já passaram pelo crivo da indispensabilidade fiscal do artigo 23º do CIRC. E, nos autos, é por este crivo inicial e geral que os encargos com o imposto do selo e outros gastos de financiamento (como comissões) não passa. Não sendo, em minha opinião, necessário mais para suportar legalmente o ato de liquidação corretiva sub judice. […]”.

 

                Na situação em análise, entende-se, em linha com a Requerida e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que são fiscalmente irrelevantes, i.e., não dedutíveis, os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras da sociedade-mãe, que não sejam debitados à entidade beneficiária (abrindo-se uma exceção, que não se verifica neste caso, quando estejam em causa empréstimos de SGPS às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico – v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de fevereiro de 2018, processo n.º 1206/17).

 

                Preconiza a jurisprudência que “[à] luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas” – v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de novembro de 2011, processo n.º 107/11 (no mesmo sentido, v. Acórdãos n.º 171/11, de 30.05.2012; n.º 1077/08, de 20.05.2009, e n.º 1046/05, de 07.02.2007).

 

                Assim, os gastos previstos no artigo 23.º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade contribuinte e a atividade respetiva tem de ser por esta desenvolvida, que não por outras sociedades. Esta conceção deve ser mitigada por um conceito lato de “atividade produtiva” nos termos preconizados na decisão arbitral de 18 de maio de 2016, processo n.º 695/2015-T , que aqui se subscreve. Assim, a concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da “atividade produtiva”, interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, na medida em que seja enquadrável como gestão do ativo financeiro em causa (instrumento de capital próprio ou parte de capital), do qual se estima que fluam benefícios, na forma de rendimentos sujeitos a IRC, como, por exemplo, dividendos e mais-valias. Constitui condição para que se considere verificado o interesse da participante (aqui Requerente) no investimento na participada, a influência significativa na gestão desta, i.e., em regra quando aquela detenha pelo menos 20% do capital social.

 

                O que significa que quando os empréstimos não remunerados sejam efetuados por uma sociedade a outra, por si participada, na qual detenha uma percentagem de capital de, pelo menos, 20%, ou sobre a qual possa exercer, atendendo a outros critérios, uma influência significativa nos processos de tomada de decisão, os gastos financeiros associados devem ser considerados dedutíveis. A operação de financiamento da participada é encarada, nestas circunstâncias como um ato de gestão da sociedade detentora da participação financeira, consubstanciado no reforço do ativo financeiro, e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo. Dito de outro modo, tanto será “atividade produtiva” ou “exploração” a gestão de um ativo físico, como a de um ativo financeiro ou outro intangível. Ponto é que se esteja no âmbito da gestão do ativo.

 

                Tendo em conta o critério descrito, a concessão de empréstimos gratuitos pela B…, S.A.  à sociedade-mãe [a Requerente] não se afigura suscetível de ser encarada como atividade de gestão de um ativo financeiro pela primeira, pois não é ela que detém participações na sociedade-mãe, mas o inverso. Com efeito, não existe qualquer ativo de que a B…, S.A. seja titular que esteja subjacente a essa operação de financiamento à sociedade-mãe. Também não é convocável nestas circunstâncias o argumento relativo ao exercício de uma influência significativa na gestão, usualmente aferido (na relação com sociedades participadas) por uma percentagem de participação de, pelo menos, 20%, para se julgar verificado o interesse no investimento. É que aqui a influência significativa exerce-se no sentido oposto, sendo a sociedade-mãe titular de 92% do capital da Requerente.

                O interesse social que está implícito na disponibilização gratuita dos meios financeiros em questão é de forma manifesta o da sociedade-mãe. Ainda que eventualmente se invocasse o interesse, difuso, do Grupo económico em que ambas as sociedades se inserem, não se afigura que tal fosse passível de ser encarado como atividade da B…, S.A., porquanto essa é uma responsabilidade da sociedade dominante [a Requerente], no âmbito da gestão dos seus ativos financeiros, e não da primeira, sujeito passivo autónomo de IRC dotado de personalidade jurídico tributária própria.

 

                Diferentemente do que sucede com a gestão de ativos financeiros, relativamente aos quais se esperam benefícios económicos, i.e., rendimentos que caiam no âmbito de sujeição do imposto, como sejam dividendos e mais-valias, e que, por essa razão, podem ancorar uma conexão válida e relevante entre os encargos financeiros incorridos e a atividade do sujeito passivo, mesmo quando os capitais sejam cedidos de forma gratuita a sociedades participadas, no caso particular de empréstimos à sociedade-mãe inexiste a suscetibilidade de a B…, S.A. daí gerar rendimentos, como sejam os ditos dividendos e mais-valias, ou o incremento de ganhos tributáveis.

 

                Deste modo, conclui-se que os financiamentos não remunerados concedidos pela B…, S.A. à Requerente não são realizados no âmbito da atividade da primeira e em ordem ao seu interesse social, pelo que, em sintonia com a Requerida, os encargos financeiros com aqueles incorridos não passam o crivo da necessária relação causal entre os gastos incorridos e a atividade da Requerente, prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC e, em consequência, não devem ser deduzidos para efeitos de IRC. Mantém-se válido, portanto, o acréscimo à matéria coletável de encargos financeiros nos valores de € 43.720,94 (2016) e de € 43.082,94 (2017).

 

6.            Gastos (não dedutíveis) de terceiros/não devidamente documentados

               

                Este ajustamento respeita a um conjunto de gastos deduzidos pela A… Requerente e constantes de documentos emitidos em nome de terceiras entidades. Nalguns casos, além de serem mencionadas outras sociedades, o único documento de suporte é a transferência bancária, como sucede com “garantias O…” (factos Z e AA).

 

                A Requerida sustenta que estes gastos não foram incorridos no interesse da B…, S.A., nem contribuíram para a obtenção dos seus rendimentos, dado que os correspondentes documentos se referem a serviços prestados a outras sociedades, não passando o teste do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Em relação aos gastos que, além de mencionarem entidades terceiras, não têm associada qualquer fatura, a indedutibilidade é também alicerçada por respeitarem a encargos cuja documentação não cumpre o disposto nos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º do mesmo Código, conforme estatui o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC.

 

                A Requerente justifica a impossibilidade de algumas das entidades suportarem esses gastos, por terem sido dissolvidas e não disporem de conta bancária. Porém, não junta qualquer meio de prova que substancie estas alegações, a que acresce o facto de que, extinta uma sociedade, a responsabilidade do pagamento do passivo superveniente recai sobre os antigos sócios, ou seja, sobre aqueles que tinham essa qualidade, no momento da extinção da sociedade, não tendo sido invocado nem demonstrado que a B…, S.A. era sócia das sociedades dissolvidas. De igual modo, não apresenta prova de que os 3 bilhetes de espetáculo dos ... foram oferecidos a clientes no âmbito da sua atividade.

 

                Efetivamente, estamos perante serviços adquiridos, titulados por documentos que não se dirigem à sociedade que os reconheceu como gastos, a B…, S.A., pelo que são alheios à mesma, nada havendo a censurar em relação à sua desconsideração para efeitos fiscais na esfera desta, pois não lhe foram destinados. É, neste âmbito, irrelevante aferir se os gastos estão devidamente documentados, pois, mesmo que o estejam, não deixam de ser de gastos de terceiros, não dedutíveis nos termos do disposto no citado artigo 23.º, n.º 1, sem que de tal derive qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e do parâmetro de igualdade que lhe subjaz.

 

                Improcede, assim, a peticionada anulação da liquidação de IRC na parte que respeite à não aceitação dos gastos de terceiros deduzidos em 2016 e 2017, nas importâncias respetivas de € 966,89 e € 11.616,11.

 

7.            Gastos (não dedutíveis) com deslocações e estadas

 

                O fundamento jurídico invocado para estas correções é o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, que determina a não dedutibilidade de “encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º”, que estabelecem nos seguintes termos:

                “3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

                4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a)            Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b)           Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c)            Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d)           Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e)           Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

                5 - (Revogado).

                6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.”

 

                A clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos fiscais foi um dos pontos sobre que incidiu a Reforma do IRC, concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, referindo o seu Anteprojeto o propósito de eliminar divergências interpretativas sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados e inerente litigância. 

 

                O princípio geral de que são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC é modelado por requisitos formais, devendo o sujeito passivo possuir documentos que os comprovem e contenham os elementos essenciais de identificação das operações, seus intervenientes, valor e data e, tratando-se de operações que suscitem a obrigação de emissão de uma fatura nos termos do Código do IVA, esses documentos devem revestir essa forma [de fatura]. 

 

                O problema que se coloca é o da consequência para o sujeito passivo do incumprimento dos requisitos formais, que, no caso da fatura, depende da respetiva emissão por terceiro, o prestador de serviços, assumindo a AT a posição de que, perante a falta desse documento, o gasto será desconsiderado no apuramento da matéria coletável de IRC, por incumprimento de um requisito formal.

 

                Em relação ao ano 2016, estão em causa gastos com deslocações de uma funcionária da B…, S.A., cujos documentos de suporte são o documento bancário do extrato do cartão de crédito e uma comunicação eletrónica relativa a uma alteração de itinerário. Na perspetiva da Requerente, estes gastos não carecem de ser necessariamente suportados numa fatura, sendo suficiente que os documentos apresentados contenham os elementos de identificação listados no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC.

 

                Antes de mais deve ter-se em conta que, estando em causa despesas de deslocações nos Estados Unidos da América, não podem ignorar-se os limites de territorialidade na lei portuguesa que não é competente para reger a forma como os prestadores localizados nesse país emitem os documentos de débito aos seus clientes . Deste modo, sem prejuízo de a dedução dos gastos em Portugal depender da identificação dos elementos essenciais das operações previstos no citado n.º 4, não se pode sufragar o entendimento da Requerida de que a B…, S.A. deveria ter na sua posse uma fatura emitida de acordo com os requisitos previstos na legislação portuguesa, para poder deduzir os gastos correspondentes.

 

                Os requisitos formais dos documentos de suporte têm por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais e desempenham uma função instrumental de comprovação e controlo (ad probationem), pelo que a sua insuficiência deve poder ser suprida pela comprovação dos requisitos substantivos das operações  (ad substantiam).

 

                Deste modo, mantêm-se válidas as considerações de RUI MORAIS no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – v. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80.  No mesmo sentido aponta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11.

 

                Na situação concreta, os gastos respeitam a deslocações de uma funcionária em trabalho, facto que a AT não contesta, e os documentos contêm elementos bastantes para a identificação das deslocações efetuadas, datas e valores, pelo que estão comprovados os pressupostos materiais das despesas devendo, por esse motivo, ser aceite a sua dedução fiscal, com a consequente anulação do acréscimo à matéria coletável da Requerente no seu montante total de € 5.887,19. 

 

                No que se refere a 2017, foi rejeitada a dedução dos gastos com deslocações dos dois filhos dos administradores da B…, S.A., por não terem qualquer vínculo laboral a esta entidade, não se demonstrando a conexão à sua atividade. No entanto, ficou demonstrado que um dos filhos acompanhava o pai às feiras internacionais para assegurar os contactos em língua inglesa, procedendo à tradução das conversas de negócios, pelo que estava a prestar um serviço em prol da atividade do sujeito passivo. Assim, os gastos relativos a este filho devem ser aceites, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, pelo que a correção apenas deve ser feita na metade correspondente à outra filha. Acresce, quanto à importância de € 716,60 relativa a uma viagem Lisboa-Frankfurt, a mesma respeita aos dois administradores e aos seus dois filhos, tendo sido desconsiderada, na íntegra, por não estar suportada em fatura, mas num comprovativo de pagamento da reserva de viagem. De novo, estamos perante um gasto que está identificado nos seus elementos essenciais, cuja natureza e efetividade não foi questionada, respeitando a viagens de negócios dos representantes da empresa e dos seus filhos, pelo que mesmo que os requisitos documentais não se encontrem todos reunidos, será de aceitar como dedutível 3/4 do seu valor, atenta a constatação dos pressupostos materiais, somente não se considerando a parcela imputável aos gastos da filha dos administradores. Deste modo, a correção de € 2.796,74 à matéria coletável da Requerente, deve ser parcialmente anulada para o valor de € 1.578,01, de deslocações não afetas à atividade, mantendo-se válida no remanescente, de € 1.218,73. Por fim, não resulta comprometido o princípio da capacidade contributiva, tendo em conta que os gastos acrescidos não são atribuíveis à B…, S.A., e que, de acordo com a lei, não devem ser aceites fiscalmente.

 

8.            Variação patrimonial positiva – art. 21.º do CIRC

 

                É consensual que o crédito de € 104.892,38 da Segurança Social recebido pela B…, S.A. em 2017, resultou do pagamento de contribuições em excesso no ano 2015. Trata-se de uma variação patrimonial positiva que foi contabilizada numa conta de resultados transitados.

 

                As variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 21.º do Código do IRC, exceto se forem enquadráveis em alguma das exceções previstas nas alíneas a) a e) do seu n.º 1, o que não é o caso.

 

                Com vista a excluir a mencionada importância do cômputo do lucro tributável do período de 2017, a Requerente alega que quando procedeu ao pagamento em excesso das referidas contribuições para a Segurança Social, para evitar a instauração de um processo de execução fiscal, não considerou qualquer gasto dedutível. Simetricamente, não tendo sido abatido o pagamento à sua matéria coletável (em 2015), também não deve depois (em 2017), quando da restituição daquele montante por via de crédito em conta corrente, ser acrescida e dada à tributação a variação patrimonial positiva.

 

                Porém, a Requerente não provou o pressuposto do regime que invoca, relativo ao facto de não ter (alegadamente) deduzido como gasto fiscal, o pagamento em excesso das contribuições para a Segurança Social em 2015. Esta prova, que teria de ser documental, por via da conjugação dos movimentos/extratos contabilísticos específicos e da declaração fiscal modelo 22 desse ano, não só cabia à Requerente fazer, à face das regras do ónus probatório, como só ela estaria em condições para tal. Não o tendo feito, improcede, neste segmento, o pedido arbitral, mantendo-se válidos, na parte correspondente, os atos de liquidação. Não se constata qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real, desde logo, porque o sujeito passivo não fez prova do que alega, daí derivando que o ingresso do crédito na sua esfera suscitou um aumento real e efetivo do seu lucro no período de tributação de 2017.

 

9.            Tributação autónoma – vales de refeição

 

                A Requerida fundou as correções a título de tributação autónoma no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, que estipula a taxa de 50% para as despesas não documentadas.  Estas correções respeitam à aquisição de vales de refeição e às comissões associadas, atrás analisados.

                Chegou-se à conclusão (v. ponto 2 supra) de que as aquisições dos vales de refeição e comissões inerentes não são subsumíveis ao conceito de despesas não documentadas, pois encontram-se tituladas por faturas apropriadas, para o que se remete. Desta forma, ao não serem qualificáveis como despesas não documentadas, os vales estão excluídos do campo de aplicação norma que estipula a incidência de tributação autónoma (o citado artigo 88.º, n.º 1), constatando-se erro de direito na posição da Requerida.

 

                À face do exposto deve ser parcialmente anulada, por ilegal, a liquidação de tributação autónoma incidente sobre as aquisições de vales de refeições e comissões conexas, no valor de € 34.266,54, em 2016, e de € 31.450,00, em 2017.

 

10.          RFAI e DLRR

 

A Requerida desconsiderou a utilização, pela B…, S.A., nos períodos de tributação de 2016 e 2017, do benefício fiscal do RFAI, que opera por dedução à coleta de IRC, nas importâncias respetivas de € 39.524,75 e de € 54.314,49, por julgar incumprida a condição relativa à criação de postos de trabalho (v. artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI).

 

A divergência surge porque a Requerida defende que a condição relativa à criação de postos de trabalho não pode ter em conta as entradas de contratos de trabalho a termo certo, conforme já expresso em pedido de informação vinculativa dirigido a outro contribuinte. Aplicando esse critério, a diferença entre a entrada e saída de trabalhadores nos dois períodos sob apreciação (2016 e 2017) foi nula. Em posição distinta, a Requerente sustenta que têm de ser incluídas as entradas respeitantes a contratos de trabalho com termo certo, o que traduz um saldo positivo de criação de postos de trabalho, quer em 2016, quer em 2017.

 

Dado que as orientações administrativas vertidas em pedidos de informação vinculativa e em instrumentos regulamentares (“ofícios circulados” ou “circulares”) não vinculam os contribuintes ou os Tribunais, o que importa aquilatar é se a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI reclama a interpretação no sentido de que a criação de postos de trabalho aí prevista como condição de acessibilidade ao benefício fiscal do RFAI tem de revestir caráter duradouro, assente na celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado (sem termo), ou se também é preenchida com contratos celebrados com prazo certo (com termo).

 

Esta questão foi já objeto de pronúncia em diversos arestos arbitrais que confirmam a interpretação preconizada pela Requerente e que também aqui se acolhe, em virtude de não ser legalmente exigido, por não estar expressamente previsto na proposição normativa, o pressuposto/atributo da durabilidade da criação dos postos de trabalho, pelo que não tem suporte legal a restrição aos contratos de trabalho sem termo operada pela Requerida e é irrelevante a natureza do vínculo laboral (com ou sem termo).

 

 Compulsa-se, neste âmbito, a decisão n.º 516/2017-T, de 16 de abril de 2018, que argumenta nos seguintes moldes:

 

“A Requerente defende, citando o acórdão arbitral de 24-02-2014, proferido no processo n.º 212/2013-T, que «não há neste regime do RFAI 2009 qualquer fundamento para concluir que só se pretendeu a criação de emprego duradouro, pois não se formula qualquer exigência, para atribuição do benefício, de que os postos de trabalho criados sejam ocupados por trabalhadores contratados a termo certo».

Afigura-se correcta a posição adoptada no referido acórdão arbitral, que aqui se reafirma:

“(...) na Lei n.º 10/2009 não se inclui qualquer norma semelhante à do n.º do artigo 17.º do EBF, na redacção vigente em 2001, que permita inferir uma ligação entre o benefício fiscal e determinados contratos de trabalho. Na verdade, pelo contrário, encontra-se na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009, que estabelece, como uma das condições de atribuição do benefício fiscal, o «investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º», suporte textual claro para o entendimento de que, para atribuição dos benefícios fiscais nele previstos, na parte em que tem como fundamento investimento de que decorre a criação de postos de trabalho, basta a manutenção destes para assegurar a manutenção do benefício». Por outro lado, não há neste regime do RFAI 2009 qualquer fundamento para concluir que só se pretendeu a criação de emprego duradouro, pois não se formula qualquer exigência, para atribuição do benefício, de que os postos de trabalho criados sejam ocupados por trabalhadores contratados por tempo indeterminado, o mesmo sucedendo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 12.º daquele Regulamento n.º 800/2008.”

 

Em relação ao período de 2017, a Requerida aduz outro fundamento, relativo à aplicação do benefício do RFAI e, neste caso, também da DLRR, a três equipamentos – um telemóvel, um computador e uma máquina de louça – que entende não serem elegíveis para efeitos de cálculo da dotação e consequente dedução à coleta, por não respeitarem à capacidade produtiva da empresa, para o que invoca os artigos 22.º, n.º 2, alínea a), 30.º e 34.º, n.º 1 do CFI e artigos 11.º e 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2015.

 

Constitui requisito do regime do RFAI, com relevância decisiva para a situação sub iudice, atendendo à tipologia de investimento declarado pela B…, S.A., que as aquisições respeitantes a ativos tangíveis em estado de novo se enquadrem num investimento inicial relacionado com o aumento de capacidade [produtiva] de um estabelecimento já existente.

 

Não é questionado pela AT que os ativos em apreço tenham sido adquiridos em estado de novo e afetos à atividade da B…, S.A., sendo a questão controvertida a de aquilatar se tais aquisições se enquadram no conceito de investimento para incremento da capacidade produtiva, com o objetivo de dar resposta a acréscimos de solicitações de clientes.

 

Importa aferir se este pressuposto fundamental foi demonstrado, ónus que impende sobre a Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e dos artigos 6.º e 7.º da Portaria n.º 297/2017 (neste sentido, v. decisão arbitral n.º 82/2020, de 22 de janeiro de 2021).

 

No caso concreto, é a própria Requerente que afirma que os equipamentos desconsiderados se destinam a fins administrativos (artigo 314.º do ppa), do que se retira não terem finalidade produtiva direta. Interessa notar que não é automática a subsunção da compra de equipamento no conceito de investimento inicial relacionado com o aumento de capacidade de um estabelecimento, mesmo que em abstrato os equipamentos sejam suscetíveis de afetação a essa finalidade. Desde logo, os equipamentos adquiridos para substituição de outros não cumprem esse propósito, bem como a aquisição isolada de equipamentos, que não esteja envolvida no projeto de investimento, ou equipamentos sociais, como a máquina de louça.

 

Como se mencionou, competia à Requerente demonstrar que no caso concreto os três equipamentos adquiridos constituíam aplicações relevantes (elegíveis) conexas com o investimento projetado, de aumento da capacidade produtiva, para dar resposta ao acréscimo de solicitações dos clientes. Contudo, não o fez, pelo que neste ponto soçobra a sua argumentação, devendo manter-se a correção à dedução da dotação do RFAI resultante destas três aquisições (€ 2.102,15*25%= € 525,54) e juros compensatórios inerentes.

 

Sendo os investimentos considerados para efeitos do benefício da DLRR deduzido em 2015 os mesmos que foram tidos em conta para o RFAI, as mesmas aquisições não podem ser aceites como aplicações relevantes, também para efeitos da DLRR, nos termos dos artigos 30.º do CFI e 11.º da Portaria n.º 297/2015. Em consequência, é aplicável o disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea a) do CFI, segundo o qual deve ser devolvido o “montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao terceiro período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais”, estando em causa o valor de € 210,22 (€ 2.102,15*10%), acrescido de juros no valor de € 79,88.

 

                À face do exposto:

a)            Assiste razão à Requerente, em relação ao requisito de criação de postos de trabalho, relativo ao RFAI dos anos 2016 e 2017, pelo que as liquidações impugnadas enfermam, nessa medida de ilegalidade material (erro nos pressupostos); 

b)           Improcede o vício de ilegalidade imputado à desconsideração, para efeitos de RFAI e de DLRR, da aquisição, pelo valor global de € 2.102,15, de três equipamentos, realizada em 2017, mantendo-se o correspondente ato de liquidação nesta parte, incluindo juros compensatórios.

 

11.          Derrama estadual

 

Em relação ao acréscimo da derrama estadual constante das liquidações controvertidas, em aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, vai anulada a parte correspondente às correções à matéria coletável que, à face do que antecede, foram julgadas ilegais, mantendo-se no remanescente.

 

12.          Juros indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT. Esta norma dispõe, no seu n.º 1, serem “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Na situação vertente, na parte em que a ação deve proceder (que abrange as correções relativas a aquisições de vales de refeição, aquisições de serviços às sociedades relacionadas C… e D…, gastos com deslocações e estadas (no valor parcial de € 1.578,01), tributação autónoma, RFAI (exceto quanto ao valor de € 525,54) e proporcional acréscimo de derrama estadual e juros compensatórios), está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária e ficou demonstrado que os atos de liquidação de IRC em crise padecem de erros substantivos imputáveis à AT, para os quais a Requerente em nada contribuiu, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços.

 

É pacífico o entendimento de que os Tribunais Arbitrais podem proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, que, havendo decisão a favor do sujeito passivo, postulam a reconstituição plena da situação hipotética atual, i.e., da situação que existiria se os atos ilegais não tivessem sido praticados e que o visam ressarcir da ilegal privação das quantias despendidas pelo período de tempo em que perdurar.

 

Deste modo, na medida em que os atos tributários são anulados, assiste à Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios.

 

No entanto, na parte em que a ação é improcedente, respeitante aos gastos com comissões de vales de refeições, encargos financeiros, gastos de terceiros/não devidamente documentados, gastos com deslocações e estadas (no valor parcial de € 1.218,73), RFAI (no valor parcial de € 525,54), DLRR, e proporcional acréscimo de derrama estadual e juros compensatórios, inexiste qualquer lesão da situação jurídica substantiva que possa fundar as pretensões de ressarcimento por via de juros indemnizatórios deduzidas pela Requerente, pelo que neste segmento o pedido é improcedente.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.

 

V.           VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 318.798,46, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VI.          CUSTAS

               

                Custas no montante de € 5.508,00, a suportar em 84% pela Requerida (€ 4.626,72) e em 16% (€ 881,28) pela Requerente, em razão da sucumbência, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 9 de março de 2022

 

Os árbitros,


 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

Rui Miguel Marrana

Pedro Galego

 

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

 

Pese embora a elevada consideração pelos Exmos. Senhores Árbitros que a subscreveram, não acompanho a posição que fez vencimento relativamente ao Ponto 5 – Encargos não dedutíveis com financiamentos obtidos, pelo que apresento de seguida as razões da minha divergência nesse ponto.

Efetivamente, verifico que a argumentação da Autoridade Tributária se baseia, fundamentalmente, na aplicação do art. 23º do Código do IRC à não aceitação dos encargos financeiros na B…, S.A. na medida em que os correspondentes fundos foram canalizados para a sociedade-mãe por via de empréstimos não remunerados.

Em primeiro lugar, e analisando as motivações económicas da operação em causa, importará referir que concordo com o teor da posição dos meus colegas Senhores Árbitros, no presente acórdão, no que respeita ao facto da Requerida não ter devidamente demonstrado o objetivo operacional e económico da realização do referido empréstimo remunerado junto da instituição bancária, para posterior empréstimo não remunerado à sociedade-mãe.

Segundo é possível concluir dos elementos analisados, a concessão do empréstimo gratuito pela B…, S.A. à sociedade-mãe, apenas vem justificado com o interesse, difuso, do Grupo económico em que ambas as sociedades se inserem. De facto, a única argumentação económica passível de identificar nos autos analisados apontam para que o empréstimo se revelou vital para a sobrevivência das empresas do Grupo A…, adquiridas no contexto de um plano de recuperação de empresas e sem os quais, possivelmente, o Grupo não existiria hoje, pois estava a atravessar dificuldades financeiras, e recorreu-se a uma das empresas desse Grupo, que apresentava maior solvabilidade e credibilidade junto da banca, para contrair empréstimos com vista a financiar o Grupo como um todo.

Ora, muito embora do ponto de vista de modelo de negócio e a nível operacional e económico se considere como defensável a realização de operações com Instituições Bancárias por uma entidade do Grupo, para posterior financiamento de outras entidades do Grupo – comportamento passível de verificar no mercado, em situações similares, o facto é que toda esta argumentação económica está difusa na argumentação que foi apresentada, sendo que não está, por exemplo, devidamente analisada e justificado em processo de documentação fiscal de preços de transferência (e.g. Dossier Fiscal de Preços de Transferência”) ou em outra documentação interna passível de ser analisada, realizada em momento anterior ou durante o presente processo arbitral.

Disto isto, e muito embora do ponto de vista económico considere que poderão ser defensáveis operações desta natureza (financiamento bancário para posterior financiamento a entidades relacionadas, com ou sem juros), desde que devidamente justificadas com base em critérios económicos e de mercado, e até porque se provou que existiram efetivamente gastos contabilísticos e fiscais com o financiamento direto da B…, S.A. junto de Instituições Bancárias, entendo que não foi devidamente justificada, quer por documentação económica e fiscal existente no sujeito passivo, quer durante o próprio processo de contencioso e durante a período arbitral, a motivação económica para a operação e a razoabilidade do modelo económico utilizado, a metodologia de preço utilizada e os benefícios potenciais presentes e futuros com essa operação.

Contudo, importa em segundo lugar, referir que embora seja a posição que fez vencimento na presente decisão a aplicação do art. 23.º do Código do IRC, em meu entender defendo que deveria ter sido antes aplicado o art. 63.º do Código do IRC, mesmo que produzindo similar efeito fiscal, ou seja, mesmo considerando que possivelmente os gastos poderiam não ser justificados economicamente e fiscalmente na esfera da B…, S.A. ou então, que deveria ter sido ajustados por via de uma eventual operação que gerasse rendimentos B…, S.A., e dessa forma, imputados esses gastos com financiamento à sociedade-mãe, onde à posteriori deveria ser verificado se esses gastos na sociedade-mãe deveriam ser ou não aceites fiscalmente (“ajustamento correlativo”).

Efetivamente, e ao contrário dos argumentos apresentados na presente decisão arbitral, onde evocam a declaração de voto no processo arbitral n.º 70/2018-T, de 16 de novembro de 2018, nesta minha declaração de voto entendo que se deveria alternativamente invocar a própria decisão que venceu nesse mesmo processo arbitral n.º 70/2018-T, de 16 de novembro de 2018.

Nesse outro processo arbitral, também se considera que a substância e o modelo da operação poderia não ser defensável do ponto de vista económica e fiscal (com as devidas adaptações ao presente caso em análise), referindo no seu texto “não se vislumbra qualquer interesse da requerente no financiamento das sociedades do grupo, e no estabelecimento de condições de remuneração mais desvantajosas do que as suportadas para a obtenção dos empréstimos, por não ter repercutido a totalidade dos encargos financeiros suportados. Dito por outras palavras: não é curial admitir que teria feito uma operação com estas características se o mutuário fosse uma empresa fora do grupo. Nenhuma sociedade empresta dinheiro a outra, em condições globais piores do que suportou para obter esses fundos junto da Banca. Para isso, nem se endividaria.”

Contudo, nessa decisão que venceu no processo arbitral n.º 70/2018-T, de 16 de novembro de 2018, e na minha opinião no caso em concreto do presente caso, entendo que nesta operação e respetivos autos se preenchem os requisitos de aplicação do art. 63.º do Código do IRC, ou seja, é provada a existência de relações especiais, o estabelecimento de condições (mesmo considerando a não remuneração do empréstimo entre relacionadas) divergentes das que seriam aplicadas entre entidades independentes; e a existência de um nexo causal entre a existência de relações especiais e essas condições divergentes face às de mercado concorrencial – ou  seja, se a sociedade-mãe não fosse do Grupo, a B…, S.A. aplicaria, seguramente, juros sobre o empréstimo realizado (exceto se existissem razões óbvias ou comparáveis no mercado – que para tal deveriam ter sido devidamente justificadas em processo documental de preços de transferência ou no decorrer do presente processo arbitral).

Por último, considero que o presente tribunal arbitral não desconhece que a aplicação de normas que, como as dos preços de transferência, são essencialmente anti-evasivas e cuja aplicação se funda bastante no conceito de "comparabilidade" das transações e de modelos de negócio entre entidades relacionadas vs. independentes – por vezes de complexa operacionalização – pode suscitar alguma renitência no seu uso como elemento fundamentador de correções fiscais.

Mas é meu entendimento que a Lei Fiscal (e o Regime dos Preços de Transferência) existe para ser usada nas situações a que se deve aplicar. E, sendo certo que o conceito de comparabilidade é, por vezes, de difícil aplicabilidade, o mesmo se verifica com a utilização dos respetivos conceitos do artigo 23.º do Código do IRC, sendo que neste último caso poderá inclusivamente originar injustiças fiscais para os contribuintes, como por exemplo a real existência de gastos com financiamento (que são gastos contabilísticos) e que não poderão ser utilizados por nenhuma empresa do Grupo, na medida em que por exemplo o art- 23º do Código do IRC impede a realização de “ajustamentos correlativos”.

Também entendo que o art. 23.º do Código do IRC não deve ser aplicado sistematicamente em matérias onde o art. 63º deverá ser aplicado, pois este último se adapta melhor a determinadas situações, como a presente que estamos a analisar, ou seja, de avaliar o modelo de negócio da operação, a sua razoabilidade económica, a metodologia de preço utilizado e eventuais correções que deverão ser realizadas.

Neste enquadramento, é meu entendimento que a liquidação não deveria ter sido realizada pela AT com base no art.23º do Código do IRC, pois padece de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, mas sim pelo art. 63º do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei, pelo que consequentemente deveria ser anulada.

 

Estes são os motivos pelo qual apresento a presente declaração de voto vencido apenas neste Ponto 5 da decisão arbitral.

 

Pedro Galego