Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 567/2020-T
Data da decisão: 2022-05-03  IRC  
Valor do pedido: € 18.891,85
Tema: IRC/EBF – Retenção na fonte incidente sobre dividendos distribuídos a Organismo de Investimento Colectivo não residente em Portugal; da desconformidade do art.º 22.º do EBF com o art.º 63.º do TFUE.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

 

O nº 1 do artigo 22º do EBF, na sua redacção à data dos factos, ao limitar o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, estabelece uma discriminação arbitrária, que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63º do TFUE.

 

I. RELATÓRIO:

 

1.            A…, Organismo de Investimento Colectivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português …, com sede em … Frankfurt am Main, Alemanha (doravante, Requerente), representado por B…, na qualidade de sociedade gestora, com sede na morada acima referida, apresentou, em 21.10.2020, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e nos nºs 1 e 2 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

2.            No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3.            Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.            Em 14.12.2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

5.            Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 14.1.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.

6.            A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação Graciosa entretanto apresentada e dirigida aos actos tributários de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2018 e efectuadas ao abrigo do disposto no art.º 94.º do CIRC e 22 do EBF; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de retenção na fonte reportados ao ano de 2018 e que totalizam o montante de 18.891,85 €, por estarem enfermados do vício de violação de lei e mais concretamente por violação do Direito Comunitário e ainda por violação da CRP; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles actos de retenção na fonte, na restituição à Requerente do valor pago em excesso, no montante de 18.891,85 €; iii) Em conformidade com o referido no art.º 168.º do PPA, no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT e ainda, face ao ponto IV) do petitório e com a procedência dos pedidos supra explicitados, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da taxa de arbitragem.

7.            Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) ALEGAÇÕES DO REQUERENTE:

 

A)           No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa o Requerente por aduzir no sentido de que é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designado por fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país.

B)           Prossegue dizendo que o “[R]equerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B…, entidade igualmente com sede na Alemanha.

C)           Concretiza o Requerente dizendo que “é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora “B…”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários.”

D)           Avança ainda com a circunstância de “O objeto do fundo de investimento prende-se exclusivamente com a administração, gestão e com o investimento do seu património.”

E)            Por não se tratar de um OIC sob a forma societária (sociedade de investimento), mas antes meramente contratual (fundo de investimento), o Requerente não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial, não estando, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão e, como tal, não pode ser titular de direitos ou obrigações. Junta como Doc. n.º 4 ao PPA memorando descritivo do regime legal a que está sujeito o Requerente, preparado pela C… na qualidade de “legal advisers” do Requerente na Alemanha.

F)            Prossegue o Requerente dizendo que “Os ativos do Fundo são dissociados dos demais ativos da entidade gestora, nos termos da lei regulatória aplicável, e, como tal, protegidos contra ações intentadas contra os investidores, a entidade gestora e o banco responsável pela custódia.”

G)           Não se detendo sobre o seu enquadramento e a caracterização, aduz ainda o Requerente no sentido de que “(...) ao abrigo da lei aplicável na Alemanha, regra geral, não existem restrições quanto ao número de unidades de participação que podem ser emitidas. Os investidores podem adquirir unidades de participação através da entidade gestora, do banco responsável pela custódia ou de terceiros.”

H)           E ainda que “(...) nenhum direito de voto está associado às unidades de participação. Os investidores tornam-se comproprietários dos ativos detidos pelo Requerente na proporção dos seus investimentos, não lhes sendo atribuído o direito de dispor dos ativos do Requerente. Somente a entidade gestora tem o direito de dispor dos ativos pertencentes ao Requerente.”

I)             E mais: “É à entidade gestora que cabe decidir, distribuir ou reservar os proveitos do Requerente, sendo que os direitos dos investidores estão limitados ao direito de receber dividendos e de solicitar, a qualquer momento, o resgate das unidades de participação.”

J)            E finalmente: “O Requerente e a entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha.”

K)           Seguindo-se o enquadramento fiscal do Requerente.

L)            Aduzindo aquele como segue: “(...) está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida uma isenção (nos termos da Secção 11 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”) o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro.”

M)          Volvendo para o cerne da questão objecto de dissídio, diz o Requerente que “(...) detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.”

N)           No quadro ínsito no artigo 14.º do PPA (que aqui se deve considerar reiterado) e no que diz respeito ao ano de 2018, identifica o Requerente os lotes de participações sociais que detinha de sociedades residentes em Portugal, nomeando ainda essas mesmas sociedades.

O)           Identifica igualmente a entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal, dizendo que a depositária é a D….

P)           E partindo da circunstância de estarmos perante entidade que detém a qualidade de accionista de sociedades residentes em Portugal, refere o Requerente, a dado passo do seu PPA, que recebeu, no ano de 2018, dividendos sujeitos a tributação em território nacional (por se tratar do Estado-fonte de obtenção dos mesmos), sendo que, nessa decorrência, os aludidos dividendos recebidos foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4 do CIRC, cifrando-se em 18.891,85€ o montante total das retenções na fonte empreendidas, tal como está no Quadro ínsito no artigo 17.º do PPA que aqui se deve considerar reiterado.

Q)           Avançando como posição de princípio e meramente conclusiva com a violação do normativo comunitário nos seguintes termos: “(...) Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos em Estados Membros da UE (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”), conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”).”

R)           No sentido de consubstanciar melhor a referida violação do direito comunitário começa o Requerente por revisitar o quadro normativo em sede de tributação de dividendos. Traz à colação, desde logo, a alínea c) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC, aduzindo no sentido de que nos termos daquele normativo, os dividendos são considerados rendimentos de natureza financeira, sendo que, sempre que os mesmos são pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo também ele residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25% (ver artigos 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4 do CIRC).

S)            Ainda assim e não obstante, traz o Requerente à colação o disposto nos nºs 1 e 3 do art.º 22º do EBF, sustentando que por força daquele último preceito, os OIC´s constituídos de acordo com a legislação nacional, estavam, à data dos factos, isentos de IRC sobre os dividendos obtidos. 

T)            Não devendo olvidar-se que nos “(...) termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica que o mesmo seja constituído e opere de acordo com a legislação portuguesa, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro Estado Membro da UE estar constituído de acordo com a legislação nacional e beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF.”

U)           Enunciando ainda o Requerente no sentido de que “(...) a constituição de um OIC em Portugal depende de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC e para que um OIC se constitua de acordo com a legislação nacional (tal como definido no n.º 1 do artigo 22.º do EBF) necessita do cumprimento de múltiplos requisitos previstos no Regime Geral dos OIC, cuja verificação é supervisionada pela CMVM, o que não se pode verificar no caso de OIC constituídos ao abrigo de legislação estrangeira.”

V)           E isto dito, conclui o Requerente como segue: “[A]ssim, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF.”

W)          Retirando daqui a asserção de que “(...) resulta das disposições legais a que se fez referência nos pontos imediatamente anteriores, que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2018, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da UE aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa.”

X)           Dizendo mais: “(...) a legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional.” E ainda: “[P]or oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da UE, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos sempre a uma tributação efetiva e liberatória de 25% em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, no ano de 2018, em Portugal.”

Y)            Enfocando o Requerente que a inaplicabilidade de isenção assume, in casu, maior gravidade “(...) uma vez que o mesmo não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação nesse país.”

Z)            Trazendo o Requerente à discussão a apreciação da conformidade das normas supra citadas com os princípios comunitários da liberdade de circulação de capitais consignada no artigo 63.º do TFUE.

AA)        A tal propósito, começa o Requerente por aduzir no ponto B) do seu PPA que “[O] TFUE consagra no seu texto as apelidadas quatro liberdades fundamentais, sendo, pois, da maior relevância a Jurisprudência que o TJUE tem produzido sobre a interpretação das normas de direito da União Europeia (...).”

BB)         E de volta ao Direito da União Europeia primário, salienta o Requerente:  “(...) o TFUE fornece um conjunto comum de regras para o comércio e relações económicas entre os Estados Membros da UE, visando a criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária (ver artigo 2.º do Tratado de Roma).” Enfocando ainda que: “[N]os termos do artigo 14.º do Tratado de Roma, tratado que criou a Comunidade Económica Europeia, a referida Comunidade (atual União Europeia) caracteriza-se por ser um espaço sem fronteiras, consagrando as denominadas quatro liberdades fundamentais: liberdade de circulação de mercadorias, liberdade de circulação de pessoas e bens, liberdade de circulação/ prestação de serviços e liberdade de circulação de capitais.”

CC)         Aduzindo ainda o Requerente no sentido de que “(...) o artigo 18.º do TFUE estabelece uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade, princípio esse concretizado, no que diz respeito à livre circulação de capitais, no artigo 63.º, o qual proíbe todas as formas de discriminação baseadas na nacionalidade ou no local de investimento entre entidades/ pessoas residentes em Estados Membros da EU.”

DD)        Trazendo ainda à discussão o Requerente “(...) o Anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, [que] estabelece uma nomenclatura de movimentos de capitais, a qual conservou o valor indicativo que tinha para a definição do conceito de movimento de capitais (ver acórdão de 16 de março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colet., p. I-1661, n.° 21), precisando que este conceito inclui as operações de distribuição de dividendos.

EE)         E retirando dali que: “Equivale isto a dizer que a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988 supra referida. Nesse sentido veja-se o Acórdão Verkooijen do TJUE no Processo n.º C-35/98 no qual se concluiu que “o facto de um nacional de um Estado Membro residente no seu território receber dividendos de acções de uma sociedade com sede noutro Estado Membro é abrangido pela Directiva 88/361 (...).”

FF)         Concretizando o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, concretamente no seu artigo 50.º, no sentido de que “(...) a distribuição de dividendos entre Estados Membros da UE não pode estar sujeita a quaisquer restrições, nem tão pouco a quaisquer discriminações baseadas na nacionalidade ou no local do investimento, uma vez que o Direito da União Europeia estabelece um quadro legal destinado a eliminar quaisquer discriminações na circulação de capitais, nomeadamente em investimentos transfronteiriços (diretos ou indiretos), bem como eliminar quaisquer restrições que possam afetar a livre circulação de capitais.”

GG)       Retirando o Requerente a seguinte asserção: “(...) as distribuições de dividendos efetuadas ao Requerente no ano de 2018 constituem um movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE, pelo que se impõe determinar se a legislação nacional em vigor à data dos factos aqui em discussão se mostra contrária a tal normativo por via da introdução de um tratamento discriminatório entre OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa e OIC constituídos ao abrigo de normas de outros Estados Membros da UE.”

HH)        Seguindo-se uma abordagem ao princípio comunitário da não discriminação e ainda a enunciação da jurisprudência comunitária que o consubstancia, o que o Requerente faz no ponto C) do seu PPA. Aduzindo ali como segue: “[T]endo por base a jurisprudência do TJUE, o conceito relevante de discriminação à luz do Direito da União Europeia terá o seguinte significado: (i) Situações semelhantes não deverão ser tratadas de forma diferenciada a não ser nos casos em que tal tratamento diferenciado possa ser objetivamente justificado e seja proporcional ao objetivo prosseguido pela legislação nacional (Caso Ruckdeschel, Proc. n.º 16/77, ECR 1753; Caso Bachmann, Proc. N.º 204/90); (ii) Uma aparência de discriminação na forma poderá corresponder a uma ausência de discriminação em substância (Proc. n.º 13/63, Refrigeradores Italianos, ECR 165); (iii) A discriminação em razão da nacionalidade é proibida, pois restringe liberdades fundamentais previstas no TFUE, devendo a proibição abranger toda e qualquer forma de discriminação ou critérios de diferenciação que possam conduzir ao mesmo resultado (Acórdão Commerzbank, Proc. n.º C-330/91); e (iv) Para efeitos de determinar se uma norma interna é discriminatória, não será necessário que a mesma atinja um número relevante de nacionais de outros Estados Membros (Caso O’Flynn, Proc. n.º C-237/94, 1996, ECR 2617).”

II)           Sustentando o Requerente no artigo 53.º do PPA o seguinte: “[A]tente-se na posição já defendida pelo TJUE, o qual de uma forma inequívoca sustentou que “O artigo 73.º-B do Tratado, conjugado com o artigo 73.º-D do Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro, que isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas as rendas recebidas no território nacional por fundações de utilidade pública, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto se estiverem estabelecidas nesse Estado, recuse conceder a mesma isenção relativamente às rendas do mesmo tipo a uma fundação de direito privado de utilidade pública, unicamente pelo facto de esta, por se encontrar estabelecida noutro Estado-Membro, apenas estar sujeita a de forma limitada ao imposto no seu território” (Acórdão Centro di Musicologia Walter Stauffer – Processo C-386/04).”

JJ)           Inferindo dali o que segue: “[E]ste acórdão é particularmente importante uma vez que trata de uma situação similar à que se discute nos presentes autos, porquanto a questão controvertida consistia na conformidade da legislação interna alemã com o Direito da UE quando esta recusa a concessão de uma isenção a uma fundação de utilidade pública não domiciliada na Alemanha e que aí obteve rendimentos prediais enquanto a concede às fundações residentes na Alemanha.”

KK)         Não devendo olvidar-se que naquele caso, o TJUE vem defender que “(...) a recusa da atribuição de isenção fundada na residência da fundação - e a circunstância da mesma estar sujeita a imposto de forma limitada no território alemão - constitui uma discriminação contrária ao Direito da EU (...).”

LL)          Não se detendo, traz ainda à colação o Requerente uma outra relevante decisão jurisprudencial comunitária, na qual o TJUE abordou o tema da diferença de tratamento entre entidades nacionais e entidades estrangeiras para efeitos de violação do artigo 63.º do Tratado, mais concretamente o Acórdão Gerritse (C-234/01), onde a dado passo se refere: “28. Nestas condições, uma regulamentação nacional que recusa aos não residentes, em matéria de tributação, a dedução das despesas profissionais, ao invés concedida aos residentes, corre o risco de funcionar principalmente em detrimento dos nacionais de outros Estados-membros e comporta, portanto, uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, em princípio contrária aos artigos 59.° e 60.° do Tratado. 29. Como não foi apresentado ao Tribunal de Justiça qualquer argumento preciso para justificar essa diferença de tratamento, há que considerar que os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem a uma regulamentação nacional como a em causa no processo principal na medida em que exclui a possibilidade de os contribuintes parcialmente tributados deduzirem as despesas profissionais dos seus rendimentos tributáveis, quando essa possibilidade é reconhecida aos contribuintes globalmente tributados”.

MM)     E ainda o Acórdão do TJUE de 8 de novembro de 2007 (Processo C-379/05 – Caso Amurta) “(...) acerca do tratamento mais favorável e, em consequência, discriminatório, conferido às sociedades residentes num determinado Estado Membro da UE por comparação com as sociedades residentes noutro Estado Membro da UE quanto à tributação na distribuição de lucros efetuada por sociedades residentes nesse primeiro Estado, “(…) esse tratamento desfavorável dos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado-Membro, relativamente ao tratamento reservado às sociedades beneficiárias estabelecidas nos Países Baixos, é susceptível de dissuadir as sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro de proceder a investimentos nos Países Baixos e constitui, consequentemente, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE [atual artigo 63.º do TFUE]”.

NN)       Intuindo o Requerente que: “[D]a jurisprudência comunitária [explicitada] resulta, ainda, que a proibição geral de discriminação, enquanto restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do Tratado cobre quer as restrições diretas, quer as restrições indiretas, incluindo as medidas administrativas e orientações administrativas em relação a qualquer tipo de investimento.”

OO)       E prossegue o Requerente a sua argumentação dizendo o seguinte: “[N]ão obstante as linhas jurisprudenciais acima assinaladas, importa, porém, notar que o TJUE não tem valorado a proibição de adoção de medidas discriminatórias como um princípio absoluto, mas sim, sujeito ao denominado rule of reason nos termos do qual serão de admitir medidas fiscais discriminatórias nos seguintes (restritos) casos: (i) Preservação de um interesse de natureza pública, tal como a manutenção da coerência do sistema fiscal interno do Estado Membro (ver Processo Bachmann, Acórdão de 28.01.1992, Processo n.º C-204/90); (ii) A medida de interesse público adotada deverá ser condição indispensável à prossecução do objetivo de interesse geral visado (ver Acórdão Bachmann acima citado); e (iii) Possibilidade de adoção de medidas anti-abuso e anti-fraude, as quais deverão ser proporcionais aos objetivos prosseguidos (cumpre notar que possibilidade de os Estados Membros adotarem medidas anti-abuso encontra-se expressamente consagrada no n.º 2 do artigo 1º da Diretiva 90/435/CEE).”

PP)         No artigo 61.º do PPA diz o Requerente que “(...) o TJUE já se pronunciou expressamente sobre regimes nacionais de tributação de dividendos auferidos por OIC residentes e não residentes (de outros Estados Membros), semelhantes ao previsto no ordenamento fiscal português, tendo concluído pela sua desconformidade com o Direito da EU (...), sendo que, também os tribunais sob a égide [do CAAD] já se pronunciaram noutras decisões no sentido ora sustentado pelo Requerente da desconformidade do artigo 22.º do EBF com o artigo 63.º do TFUE.

QQ)       Defende o Requerente que “(...) a faceta controvertida do artigo 22.º do EBF centra-se na circunstância de o mesmo ser exclusivamente aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa. Concluindo como segue: “(...) caso o Requerente tivesse sido constituído ao abrigo das normas vigentes em Portugal, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos por si percecionados no ano de 2018, em virtude da aplicação da isenção de tributação.”

RR)         Trazendo o Requerente à colação, a “(...) dicotomia discriminatória, centrada no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, (...) a legislação europeia, bem como a interpretação que [sobre ela] tem sido efetuada pelo TJUE.”

SS)         Aduzindo o Requerente que “[N]um plano concetual, (...) a questão da eventual desconformidade da norma supra citada do EBF com o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade deverá ser analisada da seguinte forma: (i) Se os artigos 18.º e 63.º do Tratado se opõem a que a legislação fiscal portuguesa introduza um tratamento mais favorável, na distribuição ou colocação à disposição de lucros aos OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa e negue esse mesmo tratamento quando o OIC seja constituído a abrigo da legislação de outro Estado Membro da UE, in casu a Alemanha; (ii) Se tal discriminação é arbitrária ou se, pelo contrário, se encontra abrangida por qualquer cláusula de salvaguarda e se se encontra objetivamente justificada.”

TT)         E prossegue o Requerente nos seguintes termos: “[N]o que diz respeito à primeira questão, recordemos que, em 2018, face à isenção estabelecida no artigo 22.º do EBF, resulta que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa está isento de tributação sobre dividendos auferidos, ao passo que um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro da UE não pode beneficiar do mesmo regime, estando sujeito a IRC a uma taxa definitiva de 25% sobre todos os dividendos obtidos por parte de sociedades residentes em Portugal. (...).”

UU)       Inferido o Requerente dali o seguinte: “[D]o sistema acima previsto, resulta de forma evidente que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa dispõe de um benefício financeiro consubstanciado na possibilidade de conservar, em condições mais favoráveis, os montantes respeitantes ao IRC que seria devido por retenção na fonte e de que se encontra isento relativamente aos rendimentos que receba de sociedades também residentes em Portugal.” E ainda: “[P]or contraste, um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro terá de suportar, em idênticas condições, a retenção na fonte de IRC sobre os lucros distribuídos pelas sociedades residentes em Portugal que compõem o seu portfólio da carteira de investimento, imposto, esse, que não poderá recuperar com o inerente e adverso impacto financeiro (dado que a retenção na fonte neste cenário terá caráter definitivo e liberatório).”

VV)        Colocando à discussão o Requerente uma outra questão: [A] “(...) de saber se um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro estão em situações comparáveis para efeitos da aferição de um cenário discriminatório em termos fiscais, dúvida que a DFL levanta na decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa. E a tal propósito aduz o Requerente como segue: “[C]om efeito, poderíamos ser levados a sustentar que, pelo facto do Requerente não ser uma entidade constituída em Portugal, não estaria em condições semelhantes a um OIC nacional, contudo, o que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da nacionalidade, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão em situações comparáveis.”

WW)     Aduzindo ainda o Requerente nos termos seguintes: “[E]fetivamente, em linha com o que vem sendo professado pelo TJUE, a partir do momento em que um EM estende a sua soberania tributária a contribuintes não residentes, sujeitando, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre o rendimento, não só os contribuintes residentes, mas também os contribuintes não residentes, relativamente a dividendos que recebam de uma sociedade residente, é evidente que a situação dos contribuintes não residentes é comparável à situação dos contribuintes residentes (v., neste sentido, acórdãos de 14 de dezembro, Denkavit International e Denkavit France, C-170/05, parágrafo 35; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C284/09, parágrafo 56, e de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C10/14, C14/14 e C17/14, parágrafo 67).”

XX)         Concluindo o Requerente como segue: “[N]este aspeto, não subsistem dúvidas: se ao ora Requerente fossem aplicadas as mesmas regras que as que são aplicadas aos OIC residentes, o mesmo não estaria sujeito a tributação em Portugal pelos dividendos recebidos de entidades nacionais!”

YY)         Ainda quanto à questão da comparabilidade existente entre entidades residentes e não residentes para efeitos de análise do carácter discriminatório do regime fiscal interno de tributação de OIC, traz o Requerente ainda à colação “(...) as conclusões do Tribunal da EFTA – o qual tem a competência para analisar o cumprimento das normas do Acordo EEE no seio dos Estados Membros da EFTA – em situação idêntica à dos presentes autos: “O mero facto de o accionista residente estar sujeito em termos gerais a tributação na Noruega, enquanto o accionista não residente apenas está sujeito a tributação em relação aos proveitos que obtenham nesse país, não é suficiente para evitar a consideração que as duas situações são comparáveis” (Acórdão proferido no processo E-1/04, Fokus Bank ASA).”

ZZ)         Donde, retira o Requerente que: “[N]ão se poderá igualmente afirmar que o Requerente não se encontra numa situação de comparabilidade porquanto um OIC em Portugal está sujeito a outros tipos de tributação tais como o Imposto do Selo e tributações autónomas em sede de IRC – argumento que tem vindo a ser sustentado pela AT noutros processos em que se discute o quadro legislativo aqui em equação.”

AAA)     Desde logo, porquanto, defende o requerente, “(...) no presente processo, está em causa a retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos distribuídos ao Requerente (OIC estrangeiro).” E ainda que: “O imposto sindicado em causa é o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e não qualquer outro tipo de tributo devido pelos OIC decorrente da sua atividade e incidente sobre a sua atividade, mas apenas e tão só um imposto de rendimento incidente sobre dividendos obtidos em Portugal.”

BBB)      Concluindo o Requerente no sentido de que “[T]ratando-se, portanto, de uma discriminação evidente em sede de tributação direta sobre o rendimento, é irrelevante o regime de Imposto do Selo aplicável aos OIC residentes em Portugal, que a AT tem chamado à colação em diversos processos de natureza semelhante pendentes junto deste Centro de Arbitragem.”

CCC)      Seguidamente traz o Requerente à colação a verba 29.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), referindo ainda que tal preceito legal apenas é aplicável aos OIC portugueses em respeito pelo princípio da territorialidade e aduzindo no sentido de que a taxa de Imposto do Selo incide sobre o valor líquido global do OIC português, e não sobre o rendimento que por este é auferido, donde, sustenta, a tributação em sede de Imposto do Selo incidente sobre os OIC nacionais não pode, pois, considerar-se tributação sobre o rendimento, nunca podendo, consequentemente, ser colocada lado a lado [para efeitos de comparabilidade] aquando de uma análise concreta de uma norma que tributa rendimento.

DDD)     Avança ainda o Requerente no seu PPA com três exemplos (que aqui se devem considerar reiterados) que visam estribar a conclusão da inadmissibilidade do argumentário que vem sendo aduzido pala Autoridade Tributária e Aduaneira a propósito da questão da comparabilidade dos regimes a que se encontram submetidos os OIC’s nacionais e estrangeiros.

EEE)       Conclui o Requerente que: “(...) por estarem em causa impostos de natureza e com objetos diferentes – rendimento, no caso de IRC e IRS, e património, no caso do Imposto do Selo – não é lícito, legítimo, ou mesmo adequado, que a análise de comparabilidade dos OIC residentes e OIC não residentes no que respeita à tributação de dividendos (como é o caso do ora Requerente) tenha em consideração outros impostos que não estritamente o incidente sobre rendimento – in casu, o IRC.” E ainda: “[P]elo que a sujeição de um OIC português a Imposto do Selo não deve obstar a que se faça uma análise concreta do artigo 22.º do EBF e pela qual necessariamente se conclui pela existência de uma discriminação injustificada.”

FFF)       Já quanto à questão das tributações autónomas, começa o Requerente por transcrever o n.º 11 do art.º 88.º do CIRC.

GGG)    Trazendo à discussão parte da letra do preambulo do DL n.º 192/2005 e dizendo que a tributação autónoma foi introduzida com o intuito de obstar ou combater práticas abusivas, sustenta o Requerente que que a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 11, do CIRC não integra o regime fiscal específico dos OIC previsto no artigo 22.º EBF.

HHH)     Depois de esgrimir outros argumentos que aqui não vamos enunciar mas igualmente relevantes, conclui o Requerente como segue: “[S]alientar a eventual aplicação de taxas de tributação autónomas sobre os OIC em Portugal não altera o facto de os sujeitos estarem em situações comparáveis nem tampouco a existência de discriminação ao nível da retenção na fonte sobre dividendos auferidos em Portugal.” Referindo ainda em termos conclusivos: “[É], assim, clara a comparabilidade das situações em apreço, sendo igualmente notório, no que respeita à segunda questão colocada acima, que a legislação portuguesa em análise não visa estabelecer qualquer medida anti abuso ou evitar práticas abusivas em matéria fiscal, pelo que o tratamento discriminatório conferido ao Requerente não encontra aqui qualquer justificação (...).”

III)          O Requerente traz ainda à discussão a seguinte jurisprudência comunitária que considera plenamente aplicável aos presentes autos e que sustenta a tributação discriminatória que invoca: i) Acórdão do TJUE de 8 de Novembro de 2007, Processo n.º C-379/05 – Caso Amurta; Acórdão do TJUE de 3 de Junho de 2010, Processo n.º C-487/08; Acórdão do TJUE de 21 de Junho de 2018, processo n.º C-480/16 – Caso Fidelity Funds; e finalmente, o Acórdão do TJUE de 10 de maio de 2012, Processos C-338/11 e C-347/11 – Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A., concluindo que “Resulta igualmente do acima exposto que existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361, uma vez que o ora Requerente está sujeito a tributação em Portugal sobre os dividendos aqui obtidos, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos sobre os mesmos rendimentos.”

JJJ)         E não se detendo, diz mais o Requerente afirmando que a norma aqui controvertida do EBF  “(...) se mostra contrária ao Direito da UE, uma vez que colide com as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º.” E ainda que “(...) estamos perante uma restrição direta aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 1.° da Diretiva 88/361 e pelo artigo 63.º do Tratado (...). Nesta matéria, tratando-se de um ato normativo de natureza internacional ratificado pelo Estado Português, as normas de Direito da UE prevalecem sobre o direito interno, por força do princípio da prevalência do direito internacional, conforme preceituado no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no artigo 1.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), não carecendo de qualquer ato de transposição de carácter interno (...). Assim, forçoso será concluir que o preceito do EBF em análise no presente articulado, viola também a CRP, em concreto, o artigo 8.º da CRP o qual estabelece o princípio do primado do Direito Comunitário face ao direito interno.

KKK)      O Requerente invoca ainda uma manifesta desconformidade do normativo nacional face ao direito da EU, em violação manifesta do princípio do primado do direito da EU (o que se materializa numa violação directa do texto constitucional), sendo que, diz o Requerente, a  consequência jurídica da vigência do aludido princípio “(...) é a não aplicação, em caso de conflito entre leis, das disposições internas contrárias à disposição comunitária bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária.”

LLL)        Não deixando o Requerente de identificar os seguintes Acórdãos do TJUE que já condenaram Portugal com base na violação do art.º 63.º do Tratado: i) Acórdão de 8 de julho de 2010, Processo n.º  C-171/08; ii) Acórdão de 11 de Novembro de 2010, processo n.º C-543/08; iii) Acórdão de 7 de Abril de 2011, Processo n.º C-20/09 de 7 de abril de 2011 e finalmente iv) Acórdão de 5 de Maio de 2011, Processo n.º C-267/09. Indicando ainda a decisão do TJUE de 1 de Dezembro de 2009,  prolatada no Processo n.º C-493/09.

MMM) Invocando ainda o Requerente o seguinte: “[N]ão venha ainda a ser invocado contra a posição acima sustentada nos presentes autos, tal como alega a DFL na decisão de indeferimento da reclamação, a circunstância de estarmos perante atos legislativos firmados na ordem jurídica nacional e que, como tal, não caberia à AT qualquer correção, pois, também neste domínio a Jurisprudência dos nossos Tribunais Fiscais superiores é muito clara, impondo e passamos a citar que “O direito comunitário é para respeitar por todos os funcionários e agentes do Estado, pois este tem o dever de solidariedade comunitária, previsto no art.º 10º do Tratado de Roma. Se os funcionários do Estado não conhecem o direito comunitário que o estudem, pois esse é o seu dever. Não basta que um Estado se diga de Direito para que realmente o seja. É preciso que os actos do Estado sejam actos conformes ao Direito, seja ele nacional, internacional ou comunitário.” (Acórdão do STA n.º 115/02, de 08.05.2002).”

NNN)    Finalmente aduz ainda o Requerente no sentido de que o entendimento que propugna tem sido acolhido unanimemente pela jurisprudência arbitral que vem sendo prolatada, identificando as decisões (já transitadas) proferidas nos Processos n.ºs 90/2019-T, 528/2019 e 548/2019-T.

OOO)    Em 21.4.2022, a Requerente apresentou alegações escritas, repristinando ali, no essencial, a hermenêutica sustentada no PPA e acima sobejamente explicitada. De novo diz a Requerente: “(...) no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredicto do TJUE no referido processo (E…) do qual decorre, inapelavelmente, a procedência da presente impugnação, uma vez que a questão material controvertida se mostra integralmente resolvida por aquela instância comunitária.” Concluindo no sentido de que “(...) tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.” Junta ainda traduções certificadas dos documentos 1, 2, 4, 7 e 8, conforme protestado juntar na p.i..

 

8.            A Requerida apresentou resposta, na qual, alega:

 

I.B) ALEGAÇÕES DA REQUERIDA:

 

A)           No ponto III.1 da sua Resposta, sob a epígrafe “Do regime fiscal dos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha ”, a Requerida aduz como segue: “A Requerente começa por descrever o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo (OIC), que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo para o efeito, aos normativos do Código do IRC e artigo 22.º do EBF.”

B)           Não obstante, diz a Requerida que o Requerente omite dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo.

C)           Enunciando a primeira omissão, diz a Requerida que ela “(…) tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.”

D)           Trazendo à colação a verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aduz a Requerida no sentido de que daquela verba "(…) resulta uma tributação, por cada trimestre, a  taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e a  taxa 0,0125%, sobre o valor liquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.”

E)            Notando a Requerida que "(…) a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.”

F)            Procedendo à identificação da aludida segunda omissão, refere a Requerida que ela se prende com a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do CIRC, donde, aduz aquela que “(...) os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões – por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.”

G)           Inferindo do quadro normativo enunciado que “(...) os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos.”

H)           Prossegue a Requerida, nos artigos 23.º a 26.º do seu PPA, como segue : "(…) os Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação alemã̃ – até 31 de dezembro de 2017 - geralmente eram tratados como veículos de investimento transparentes. Consequentemente, qualquer rendimento gerado por um Fundo era tributável na esfera dos seus investidores na Alemanha, independentemente de ter sido distribuído aos investidores. O rendimento distribuído e o rendimento imputado (assim como os ganhos intercalares) eram geralmente classificados como rendimentos de capital e tributados a uma taxa fixa de 25%, acrescida de uma sobretaxa de solidariedade e, se aplicável, um imposto da igreja, a uma taxa máxima de 28,625%."

I)             Intuindo a Requerida dali que "(…) os investidores alemães dos Fundos de Investimento eram tratados como se detivessem diretamente os ativos dos fundos de investimento, portanto, qualquer rendimento gerado na esfera do Fundo era atribuído aos investidores e tributada em conformidade, mas, para a determinação dos rendimentos imputados por unidade de participação, os Fundos de Investimento estavam obrigados a publicar, no diário federal eletrónico, relatórios diários e anuais com informações fiscalmente relevantes.”

J)            No sentido de melhor se consubstanciar a asserção retirada, transcreve a Requerida parte do Doc. n.º 4 junto ao PPA e dessa transcrição infere: “(...) 1) A Requerente gere ativos a favor de terceiros; 2) É um fundo aberto na Alemanha, que não é considerado uma entidade separada para efeitos da lei civil e como tal não é considerado uma empresa e não podendo se registar no Registo Comercial Alemão, nem podendo ser titular de direitos e obrigações civis; 3) Os investidores tornam-se coproprietários de frações dos bens detidos pelo Fundo; 4) A Requerente decide se distribui ou acumula os lucros do Fundo acumulados ao longo do ano financeiro; 5) Os lucros do Fundo distribuídos são taxados ao nível do investidor."

K)           Dizendo a Requerida a dado passo da sua Resposta que “(...) dúvidas não restam de que os beneficiários finais são os participantes do Fundo, aqui representados pela Requerente."

L)            E dali retira a Requerida que “(...) à falta de prova em contrário, podemos estar tanto na presença de beneficiários finais alemães, franceses, belgas, ou outros da EU, como na presença de beneficiários residentes noutro país qualquer incluindo os da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, constante da Portaria n.º 150/2004 de 13 de fevereiro (atualizada pela Portaria n.º 345-A/2016 de 2016-12-30).”

M)          Colocando a Requerida a seguinte questão: a de saber “(...) se os beneficiários podem deduzir o imposto retido na fonte e não, conforme alega a Requerente, se esta pode deduzir o imposto nas mesmas condições dos Fundos registados em Portugal de acordo com as regras nacionais.”

N)           Inferindo a Requerida do exposto, em jeito de conclusão, “(...) que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos.”

O)           Dizendo mais: “[P]ara efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos." E ainda que "[D]o mesmo modo que, não está demonstrado cabalmente que, embora o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), devido ao seu estatuto de entidade isenta de tributação, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperado pelos investidores."

P)           Seguidamente a Requerida traz à colação, no âmbito da apreciação da conformidade das normas do Código do IRC e do EBF aqui em causa e atinentes aos dividendos com o princípio da liberdade de circulação de capitais, os artigos 18.º, 63.º e 65.º, todos, do TFUE.

Q)           Daquele normativo infere a Requerida o seguinte: “(...) o artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal.”

R)           E partindo daí, defende: “(...) para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, a  taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos." E ainda: “Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que a Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu."

S)            Retirando a Requerida a seguinte asserção: “[A]ssim, contrariamente ao afirmado pela Requerente nos seus artigos 69.º a 118.º do PPA, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.”

T)            Não se bastando, tece ainda a Requerida as seguintes considerações: “(...) começando pelo regime de tributação dos Fundos na Alemanha, naturalmente, que se o Fundo estava isento de imposto sobre o rendimento, na Alemanha, não teria direito a qualquer crédito fiscal por retenção de impostos no estrangeiro e, igualmente, não teria também a possibilidade de solicitar à autoridade tributária da Alemanha o reembolso dos impostos retidos no estrangeiro. Prosseguindo continua a aduzir como segue: “Todavia, sendo os rendimentos do Fundo tributados na esfera dos investidores, por distribuição ou imputação, fica-se sem saber se o direito ao crédito de imposto é transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente, cumprindo assim um dos objetivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados diretamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros."

U)           A respeito da invocada pela Requerente jurisprudência comunitária no seu PPA, argumenta ainda a Requerida na sua Resposta como segue : "(…) a Requerente insiste na ideia de que a AT deveria aplicar a norma jurídica do artigo 63.º do TFUE em conformidade com as interpretações do TJUE proferidas até à presente data, todavia, isso equivale a remeter para a doutrina dos acórdãos que só pode ser entendida atendendo às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal." E ainda que: “E a prova é a de que o intérprete só pode vincular-se às decisões do TJUE, quando delas resultem orientações claras, precisas e inequívocas e que tenham resultado da apreciação da conformidade com o Tratado de realidades factuais e normativas idênticas, o que não sucede com as realidades subjacentes aos acórdãos relativos a processos que envolvem fundos de investimento."

V)           Prosseguindo como segue a Requerida nos art.ºs 52.º e 53.º da sua Resposta: “Aliás, a jurisprudência do TJUE que condenou Portugal por violação da liberdade de circulação de capitais, resultou da apreciação de normativos legais que não se relacionam a tributação dos OIC, cabendo notar que os acórdãos sobre os processos C-171/08, de 8 de Julho de 2010 e C- 543/08, de 11 de novembro de 2010, respeitam a ações privilegiadas (‘golden shares’) do Estado português na Portugal Telecom SGPS SA e na EDP Energias de Portugal, respetivamente, o acórdão sobre o processo C-20/09, de 7 de Abril de 1011 tem a ver com o tratamento fiscal preferencial para os títulos de dívida pública emitidos unicamente pelo Estado português, no quadro do RERT I e, por fim, o acórdão sobre o processo C- 267/09, de 5 de Maio de 2011, diz respeito à obrigação de designar um representante fiscal dirigida aos contribuintes não-residentes."

W)          E isto dito, conclui a Requerida nos seguintes termos: “Ora, com o devido respeito, a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.”

X)           Volvendo novamente para a questão da comparabilidade, continua a Requerida a sustentar na sua Resposta que : "[P]ara efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos." E ainda que: "Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF." E partindo de um exemplo enunciado no artigo 58º da Resposta, diz a Requerida que o que se observa é que “(...) apenas, nos casos em que um OIC abrangido pelo artigo 22.º do Código do IRC aufere dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal e as correspondentes partes sociais sejam detidas, de modo ininterrupto por período inferior a um ano, a carga fiscal é inferior à que recai sobre os dividendos pagos a um Fundo de investimento estabelecido na Alemanha.", donde, sustenta a Requerida, não pode afirmar-se, com carácter geral, como o faz a Requerente no artigo 99º do seu PPA que “[T]al análise subsumir-se-ia sempre e necessariamente à verdadeira norma criadora da discriminação entre os dois sujeitos em situações comparáveis (in casu, o artigo 22.º do EBF).”

Y)            Visando a avaliação sobre se a legislação nacional aplicável aos OIC’s constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros, aduz a Requerida como segue : "(…) não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido na Alemanha, impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem." Dizendo ainda, a tal propósito, o seguinte: “(...) embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte (cf., n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano." Dizendo a Requerida em aditamento que “Acresce que as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no n.º 5 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo."

Z)            E face ao exposto, conclui a Requerida como segue: “[C]onsequentemente, reitera-se que, para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável."

AA)        Partindo da alegação da Requerente de que “(...) a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 11 do Código do IRC não integra o regime fiscal específico dos OIC previsto no artigo 22.º EBF", diz a Requerida que tal encargo fiscal não pode ser ignorado na avaliação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos pelos OIC.

BB)         Aduzindo a Requerida no sentido de que “(...) a carga fiscal que pode recair sobre os dividendos e as correspondentes ações dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, seja de IRC, tributações autónomas ou de Imposto do Selo, também tem um impacto negativo na capacidade financeira dos mesmos e nas taxas de rendibilidade dos investimentos, que, como se viu, no exemplo [acima referido], pode exceder o imposto retido na fonte sobre os dividendos auferidos por Fundos de investimento de outros Estados-Membros." E trazendo à colação a decisão do TJUE de 11.10.2009, prolatada no Processo n.º C-493/09, que tinha por objecto a tributação de dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal a fundos de pensões e já não a OIC’s, aduz a Requerida no sentido de que, se é bem certo que o TJUE decidiu que a regulamentação controvertida constituía uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo art.º 63.º do TFUE, isso ocorreu na medida em que “(...) na  esfera do Fundo de Pensões, tais dividendos bem como as correspondentes ações, diferentemente dos OIC, não se encontram sujeitos a qualquer outra forma de tributação."

CC)         Reiterando a Requerida no sentido de que, assim sendo, “(...) a análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que se encontra sujeita a Requerente relativamente aos dividendos pagos por uma sociedade residente em território português e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes ações.” E mais: “Só assim, é possível concluir se existe uma discriminação negativa dos fundos de investimento com as características da Requerente, que resulte numa desvantagem suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE."

DD)        Afirmando mesmo a Requerida que "(…) o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância (…)".

EE)         Aduzindo a Requerida no sentido de que “(...) a Requerente ao analisar a desconformidade da legislação nacional com o artigo 63.º do TFUE, centra-se exclusivamente no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, que estabelece a isenção de retenção na fonte, o que revela uma visão parcial do regime de tributável aplicável aos OIC abrangidos por este dispositivo legal.” E mais : "(…) se a Requerente tivesse sido constituído ao abrigo da legislação nacional, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos no ano de 2018, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS."

FF)         Inferindo a Requerida do exposto o seguinte, ou seja, que “(...), em lugar de se afirmar que existe uma “dicotomia discriminatória, centrada no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos”, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE.", donde, refuta a conclusão retirada pela Requerente no artigo 72º do seu PPA, dizendo-a enganadora, porquanto, se aos OIC’s estrangeiros fossem aplicadas as mesmas regras que são aplicadas aos OIC’s nacionais, os primeiros (e de entre eles a Requerente) não estavam sujeitos a tributação em Portugal pelos dividendos recebidos de entidades nacionais, mas estavam sujeitos a tributação sob outra forma. 

GG)       Quanto à jurisprudência do TJUE invocada pela Requerente no seu PPA, diz a Requerida que deve ter-se sempre a cautela de se verificar o contexto casuístico em que as pronúncias do Tribunal são efetuadas, não devendo “(...) olvidar-se que o Tribunal se debruça sobre casos concretos que lhe são submetidos pelos tribunais nacionais por reenvio prejudicial, pelo que as factualidades subjacentes e as circunstâncias que envolvem esses casos tem uma importância primordial na formação das decisões.

HH)        Reiterando a Requerida que “(...) reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo."

II)           Finalmente quanto à alegada violação do artigo 8.º da CRP que afirma o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, diz a Requerida, negando-a, o seguinte: "(…) não está em causa a observância de normas do Direito Europeu contidas em Regulamentos ou Diretivas, mas, tão-só, decisões do TJUE que têm subjacentes factos concretos e disposições de ordenamentos jurídico-fiscais de outros Estados- Membros.”

JJ)           A Requerida não apresentou alegações finais escritas.

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

9.            O thema decidendum reporta-se a determinar a conformidade dos normativos internos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos, objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral, relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por Organismos de Investimento Coletivo (OIC´s), com os princípios estabelecidos no Direito da União Europeia, em particular com o art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), ou seja, está em causa saber se a retenção na fonte aplicada em sede de IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia e constituídos e a operarem segundo a legislação desses Estados-membros, in casu, a Alemanha e, simultaneamente, a não tributação (por não consideração do respectivo rendimento no lucro tributável respectivo) da distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal e se hajam constituído e se mostrem a operar de acordo com a legislação nacional, é ilegal por violação (ou não) do art.º 63.º do TFUE.

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

10.          O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

11.          Importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “Termos em que se requer a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, tudo com as devidas consequências legais, concluindo-se pela procedência do presente pedido, por provados os factos invocados, e a final: (i) Pela anulação dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, nos termos acima melhor expostos, e pelo consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 18.891,85, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2018, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais; (ii) Pela eventual suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, dado que, como acima referido, está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fáctico em tudo semelhante ao do Requerente no presente processo; (iii) Subsidiariamente, requer-se o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da UE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado; (iv) Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.” A alusão “às demais consequências” referida na alínea i) acima transcrita, integra o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, tal com o está expressamente referido no art.º 168.º do PPA. 

12.          Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC suportadas em Portugal e incidentes sobre rendimentos distribuídos no ano de 2018, cifrando-se em 18.891,85 €, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto que indeferiu a reclamação graciosa oportuna e previamente apresentada.

13.          Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

14.          E assim o advoga o tribunal, louvado na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD que a dado passo diz: “(…) a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artºs. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art.º 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”

15.          Nestes termos, o Tribunal Arbitral Singular considera-se materialmente competente para apreciar e decidir o presente processo.

16.          Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – ou seja, actos de segundo grau -  poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.

17.          Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.

18.          Assim sendo, o Tribunal considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º … despoletada pela Requerente em conformidade com o disposto no art.º 132º do CPPT e com referência aos actos tributários (de retenções na fonte de IRC), respeitantes ao ano de 2018, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento e tal como veremos adiante (ponto V) do probatório), apreciado a legalidade daqueles actos de liquidação.

19.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

20.          A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). O prazo para apresentação do PPA deve contar-se da notificação do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação Graciosa apresentada. O Ofício a coberto do qual foi dada a conhecer à Requerente a referida decisão está datado de 28.7.2020 (Cfr. Doc. n.º 10 junto ao PPA). A notificação foi enviada à Requerente mediante carta registada (registo postal n.º …). O objecto postal correspondente foi recepcionado pelo Requerente em 29.7.2020. A notificação (sem Aviso de Recepção) foi efctuada nos termos do n.º 3 do art.º 38.º do CPPT, donde, nos termos do n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, a notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. Assim sendo, o Requerente deve considerar-se notificado da decisão de indeferimento acima referida no dia 31.7.2020, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 1.8.2020 e o seu dies ad quem ocorreu em 29.10.2020, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 21.10.2020, considera-se tempestivamente interposto o PPA.

21.          O processo não enferma de nulidades.

22.          Não existem excepções a apreciar.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:

 

23.          Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

A)           O Requerente é uma pessoa coletiva de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), constituído sob a forma contratual, comummente designado de fundo de investimento (Facto não impugnado. Cfr. Artigo 1.º da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral);

B)           O Requerente é sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), não residente, não tem estabelecimento estável, para efeitos fiscais, em Portugal e tem a sua residência fiscal na Alemanha (Facto não impugnado. Cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

C)           O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B…, com sede na Alemanha (Cfr. cópia do certificado de residência fiscal e registo comercial juntos como documento n.º 2 ao PPA);

D)           O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora “B…”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários (Cfr. tradução certificada do acordo de constituição do fundo junto ao PPA como documento n.º 3);

E)            O Requerente não sendo um OIC constituído sob a forma societária (sociedade de investimento), mas meramente contratual (fundo de investimento), não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial, pelo que nos termos da legislação alemã não se encontra sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão (Cfr documento n.º 4 junto ao PPA);

F)            Os ativos do Fundo são dissociados dos demais ativos da entidade gestora, nos termos da lei regulatória aplicável, e, como tal, protegidos contra acções intentadas contra os investidores, a entidade gestora e o banco responsável pela custódia (Cfr documento n.º 5 junto ao PPA);

G)           Ao abrigo da lei aplicável na Alemanha, regra geral, não existem restrições quanto ao número de unidades de participação que podem ser emitidas. Os investidores podem adquirir unidades de participação através da entidade gestora, do banco responsável pela custódia ou de terceiros (Cfr documento n.º 4 junto ao PPA)

H)           Nenhum direito de voto está associado às unidades de participação. (Facto não impugnado. Cfr. artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral);

I)             Os investidores tornam-se comproprietários dos ativos detidos pelo Requerente na proporção dos seus investimentos, não lhes sendo atribuído o direito de dispor dos activos do Requerente. (Facto não impugnado. Cfr. artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral);

J)            Somente a entidade gestora tem o direito de dispor dos ativos pertencentes ao Requerente (Facto não impugnado. Cfr. artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral);

K)           É à entidade gestora que cabe decidir, distribuir ou reservar os proveitos do Requerente, sendo que os direitos dos investidores estão limitados ao direito de receber dividendos e de solicitar, a qualquer momento, o resgate das unidades de participação. (Facto não impugnado. Cfr. artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral);

L)            O Requerente e a entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), entidade federal responsável pela supervisão do sector financeiro na Alemanha (Cfr documento n.º 6 junto ao PPA);

M)          O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida uma isenção (nos termos da Secção 11 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”) o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro (Cfr documento n.º 4 junto ao PPA)

N)           O Requerente detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedade residentes, para efeitos fiscais, em Portugal. (Facto não impugnado. Cfr. artigo 12.º do PPA);

O)           No ano de 2018, o Requerente, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal. (Facto não impugnado. Cfr. Artigo 15.º e 17.º da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral);

P)           Em 2018, a entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal era a D…. (Facto não impugnado. Cfr. artigo 14.º do PPA);

Q)           Os dividendos recebidos pela Requerente no decorrer do ano de 2018 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4 do CIRC. (Facto não impugnado. Cfr. artigo 16.º do PPA);

R)           A Requerente era detentora de lotes de participações sociais em sociedades residentes em Portugal. (Facto não impugnado);

S)            No ano de 2018, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal imposto por retenção na fonte que se cifrou em 18.891,85 €. (Facto não impugnado. Cfr. documento n.º 7 e 8 juntos ao PPA);

T)            No dia 31 de Dezembro de 2019, o Requerente apresentou, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do CIRC e ainda do artigo 132.º do CPPT, reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2018, a qual correu termos na Direção de Finanças de … sob o n.º … e onde solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (Cfr. doc. n.º 9 junto ao PPA);

U)           Em 23.6.2020, recepcionou o Requerente  o ofício DF … …, de 22.6.2020, da Direção de Finanças de … que lhe dava a conhecer o projecto de decisão que havia recaído sobre a reclamação apresentada (despacho da Chefe de Divisão de 27.4.2020)  e onde se conferia àquele a possibilidade de, querendo, poder exercer o direito à participação na decisão que se projectava proferir, na modalidade da audição prévia, em conformidade com o disposto no art.º 60.º da LGT (Cfr. documento n.º 11 junto ao PPA);

V)           O projecto de decisão referido no ponto U) do probatório de indeferimento da reclamação graciosa estava ancorado na informação de 16.3.2020 que dizia o seguinte: “Fazendo um enquadramento tributário da matéria controvertida dir-se-á que, 1- O Reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 3 e n.º 2 do art.º 4°, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a titulo definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. h) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do art.º 94.° do CIRC. 2- No entanto, esta taxa pode ser afastada par aplicação de uma CDT, através da entrega do formulário Modelo 21-RFI. Da análise ao invocado nos presentes autos, conclui-se que o mesmo não consubstancia um pedido desta natureza. 3- Quanto à desconformidade das normas legais internas com  o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do art.º 22.° do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer a seguinte, 4- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu-se a reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para a caso em apreço, a redação do art.º 22.° do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário a imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015. 5- Com a nova redação, estabeleceu a legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal. No entanto, contrariamente ao que sucede com os OlC’s que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, serão tributados em sede de Imposto do Selo (verba 29 da TGIS) e sujeitos a tributação em sede de IRC relativamente a lucros distribuídos, nos termos do n.º 11 do art.º 88.º do CIRC. 6- Tal exclusão não e aplicável ao reclamante - pessoa coletiva de direito alemão -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação. 7- Se dívidas existissem quanto a esta interpretação, as mesmas ficariam dissipadas atendendo ao elemento teleológico, ou seja, aos objetivos que o legislador pretendeu alcançar com tal previsão legal, in casu, o aumento da captação de capital estrangeiro e da competitividade dos OIC’s portugueses no plano internacional. 8- A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE, concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a U.E.. 9- Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal. 10- Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre a rendimento ou tributação direta, embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado. 11- Cumpre referir que, não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo , atendendo ao disposto nos artigos 266.° da CRP e 55.° da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art.º 281.º da CRP. 12- E, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. 13- Sendo que, a jurisprudência trazida a colação pela Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, até à data, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE. 14- De salientar que, a referida decisão arbitral proferida no Proc. 90/2019-T apenas produz efeitos inter partes e no âmbito do caso concreto, não produzindo, desta forma, quaisquer efeitos no âmbito de outros procedimentos administrativos. 15- Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, “(...) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)” considerando a autora que, “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste Órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades do circulação consagradas no TFUE.” 16- Pelo exposto, é de indeferir a presente pedido. 17- Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios. VI. Conclusão: Face ao exposto, sou do parecer que deve a presente reclamação graciosa ser indeferida, devendo notificar-se o interessado para efeitos do exercício do direito do audição, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 60.°daLGT. A consideração superior.” (Cfr. Doc. n.º 11 junto ao PPA);

W)          No dia 29 de Julho de 2020, o Requerente foi notificado, através do ofício DF … …, de 28.7.2020, da Direção de Finanças de …, da decisão final, do Chefe de Divisão de Direção de Finanças de …, ao abrigo de subdelegação de competências, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto T) do probatório (Cfr. Doc. n.º 10 junto ao PPA);

X)           Constava da decisão final que recaiu sobre a reclamação graciosa e melhor identificada no ponto W) do probatório: “Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 2020-04-27, despacho no sentido do indeferimento do pedido, pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, por subdelegação, relativamente à retenção na fonte de IRC a titulo definitivo efetuada no ano de 2018, através da guia n.º … (2018-05), solicitando o reembolso do montante de € 18.891,85. O reclamante foi notificado na pessoa do seu mandatário, Dr. F…, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 (quinze) dias, através do oficio n° …, de 2020-06-22, expedido através do registo CTT — …, datado de 2020-06-22. Considerando o estatuído no art.º 39° do CPPT, quanto a perfeição das notificações, a notificação considera-se efetuada em 2020-06-25, pelo que, o termo do prazo para exercer tal direito ocorreu em 2020-07-10. Não há conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial até á presente data. Uma vez que, até à presente data, o reclamante não exerceu o seu direito e que se mantém válidos os fundamentos constantes do projeto de decisão, no qual é proposto o indeferimento do pedido, deverá o mesmo ser convolado em definitivo.” (Cfr. Doc. n.º 10 junto ao PPA);

Y)            O Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

Z)            Em 21.10.2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

IV.B) FACTOS NÃO PROVADOS:

 

24.          Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

 

25.          Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

26.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

27.          A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pelo Requerente, já que, a  Requerida, não obstante na Resposta aludir à junção processo administrativo tributário previsto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, não efectivou tal junção.

 

 

IV.D) MATÉRIA DE DIREITO (FUNDAMENTAÇÃO):

 

IV.D1) DA TRIBUTAÇÃO AGRAVADA DOS OIC´S NÃO RESIDENTES QUANDO COMPARADA COM A QUE RECAI SOBRE OS OIC´S RESIDENTES EM TERRITÓRIO NACIONAL:

 

 

28.          O art.º 22º do EBF dispõe: “[1] - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro). 5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).”

29.          O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, não obstante o n.º 1 daquele normativo sujeitar a tributação em IRC os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos do disposto no n.º 3 e  para efeitos do apuramento do lucro tributável daqueles sujeitos, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

30.          Acresce que aqueles mesmos sujeitos estão isentos de derrama estadual e municipal em conformidade com o disposto no n.º 6 do art.º 22º do EBF.

31.          Resulta meridianamente claro que dos n.ºs 1 e 3 do art.º 22.º do EBF e do n.º 4 do art.º 87.º e da alínea c) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 4, todos, do art.º 94.º do CIRC (normas sobre taxa aplicável aos rendimentos aqui em causa e sobre retenções na fonte em sede de IRC relativamente a rendimentos obtidos em território português), resulta que os OIC’s residentes em Portugal e os OIC’s residentes noutro Estado Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto (e, diga-se como afirmação de princípio, menos favorável), pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC’s não residentes estão sujeitos a IRC mediante retenção na fonte, já que, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 10 do aludido art.º 22º do EBF, não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 daquele mesmo art.º 22.º do EBF, ou seja, os OIC´s constituídos e a operarem segundo a lei nacional.

32.          Em face do vindo de aduzir se constata que a legislação nacional concede aos OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem segundo a legislação portuguesa, a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receberem dividendos totalmente desonerados de imposto (os rendimentos de dividendos não concorrem para a formação do Lucro Tributável), bem ao invés do que se passa com os OIC´s não residentes (constituídos e a operaram segundo legislação de outro Estado da U.E.) que relativamente à percepção daquele mesmo rendimento o vêm onerado com retenção na fonte a título definitivo de 25% (que no caso do Requerente não consegue recuperar nem na Alemanha nem mesmo em Portugal).  

 

IV.D2) DA VIOLAÇÃO DA PROIBIÇÃO DAS RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS DECORRENTE DO ART.º 63.º DO TFUE; DA ILEGALIDADE QUE ESTÁ A ENFERMAR A DECISÃO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA APRESENTADA E DA ILEGALIDADE QUE ESTÁ A VICIAR AS RETENÇÕES NA FONTE SINDICADAS:

 

33.          A criação do Mercado Interno foi historicamente um dos fundamentos basilares da construção europeia.

34.          Com efeito, o Tratado de Roma já previa o estabelecimento de um «mercado comum» que assentava na livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais.

35.          O TFUE fornece um conjunto de regras para o comércio e relações económicas entre os Estados-membros da U.E., visando a criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária (Cfr. art.º 2º do Tratado de Roma).

36.          Aquelas quatro liberdades foram reforçadas e em certa medida condicionadas com o decorrer do tempo e as sucessivas revisões dos tratados e da legislação europeia.

37.          O Tratado de Lisboa manteve a ligação destas liberdades com o Mercado Interno ao defini-lo como "Um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados” (Cfr. art.º 26° TFUE).

38.          O art.º 18.º do TFUE prevê uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade.

39.          O TFUE, no seu artigo 63°, proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais (investimento), bem como todas as restrições aos pagamentos (pagamento de uma mercadoria ou de um serviço) entre Estados-Membros e entre Estados-membros e países terceiros.

40.          Algumas limitações são no entanto aceites, nomeadamente, medidas nacionais para impedir infracções à sua própria legislação (por exemplo em matéria fiscal) ou justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

41.          Da mesma forma, os Estados-Membros também podem exigir a declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística. Todas estas medidas não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

42.          Tal como muito bem afirma a Requerente e não foi sequer contraditado pela Requerida, a distribuição de dividendos é passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção do art.º 63.º do TFUE e da própria Directiva 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988. A distribuição de dividendos efectuada por sociedades residentes em Portugal a OIC´s não residentes é, assim, passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção dos normativos acima enunciados.

43.          Na medida em que ela se revela importante para a dilucidação da questão sub judice, invoca-se e transcreve-se aqui o ponto 36 da decisão arbitral tirada no Processo n.º 528/2019-T, disponível in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDA0MTMxNjQzMDMwLlA1MjhfMjAxOS1UIC0gMjAyMC0xMi0yNyAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D e onde a dado passo se aduz: “[E]xistem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital. Tal como está na nota de rodapé n.º 7, a fls. 17 da aludida decisão arbitral: “Estes pontos são sublinhados pela Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019, em litígio sobre matéria de facto e argumentação das Requerente e Requerida muito semelhantes aos constantes do presente processo, com reflexos na presente decisão.”

44.          Esta matéria do tratamento discriminatório de não residentes em sede de tributação do rendimento já foi bastas vezes tratada pelo TJUE.

45.          A este respeito o pedido de pronúncia arbitral explicita as seguintes decisões do TJUE que adequado se mostra igualmente aqui enunciar : i) Acórdão do TJUE de 8 de Novembro de 2007, Processo C-379/05 – caso Amurta, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=72277&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=940587 ; ii) Acórdão do TJUE de 3 de Junho de 2010, Processo C-487/08 disponível in   http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf;jsessionid=9EFFDBDC9CA4CD5186C1385433921C12?docid=81084&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=DOC&pageIndex=0&cid=13503116 ; iii) Acórdão do TJUE de 10 de Maio de 2012, Processos C-338/11 e C-347/11, Caso Fidelity Funds, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=203226&doclang=PT ; e iv)  Acórdão do TJUE de 21 de Junho de 2018, Processo C-480/16, Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A., disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=122645&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=947849 , sendo que, relativamente a este último, vamos aqui reproduzir o seu segmento decisório que diz: “Os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado Membro que prevê a tributação, através de uma retenção na fonte, dos dividendos de origem nacional quando são recebidos por organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes noutro Estado, ao passo que tais dividendos são isentos do imposto a cargo dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes no primeiro Estado.”

46.          Para além daquelas, adequado se mostrando agora trazer à colação o acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=150785&doclang=PT que a dado passo diz: “36. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação fiscal de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, ao abrigo da qual os dividendos pagos por sociedades estabelecidas nesse Estado Membro a um fundo de investimento situado num país terceiro não podem beneficiar de isenção fiscal . 37. Em particular, nos termos da Lei do imposto sobre as sociedades, na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, ou seja, nos anos de 2005 e 2006 e até janeiro de 2011, os dividendos distribuídos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num país terceiro eram tributados, em princípio, à taxa de 19%, através de retenção na fonte, salvo se uma taxa diferente fosse aplicável por força de uma convenção preventiva da dupla tributação, ao passo que esses dividendos estavam isentos quando eram pagos a um fundo de investimento residente, desde que este último também cumprisse os requisitos estabelecidos pela Lei sobre os fundos de investimento. 38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.° 14 e jurisprudência referida). 39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C 101/05, Colet., p. I 11531, n.° 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C 436/08 e C 437/08, Colet., p. I 305, n.° 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 15). 40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento. 41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação. 42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 17). 43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.”

47.          Da transcrição operada se infere que um quadro normativo interno que imponha a retenção de 25% incidente sobre dividendos distribuídos a OIC’s não residentes (por detenção de participações sociais em sociedades residentes no Estado fonte) e a correspectiva isenção aplicável aos OIC´s residentes que se hajam constituído e se encontrem a operar nesse mesmo estado fonte, fundando-se tal tratamento diferenciado, tão-somente, em função do lugar de residência dos OIC´s beneficiários, ou seja, na expressiva letra do arresto do TJUE, “apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos”, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação, não pode deixar de conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.

48.          Não devendo olvidar-se que está prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE, a admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros.

49.          Quanto à questão da comparabilidade para efeitos de análise do carácter discriminatório do regime fiscal interno de tributação dos OIC´s residentes e não residentes adequado se mostra trazer aqui à colação tudo quanto a tal propósito foi dilucidado na decisão arbitral prolatada no processo 528/2019-T acima melhor identificado e onde nos pontos 47 e seguintes da sua fundamentação se diz:  “47. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º. Quer dizer, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais . Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável . 48. No caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT , permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos. 49. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis. 50. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta o pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores . Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente . 51. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados-Membros da União Europeia e de Estados terceiros. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente. 52. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não o efeito indireto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais. 53. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes - e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF . 54. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respetiva tributação . 55. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management , quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento. O critério a ter em conta é, em primeira linha, o da letra do artigo 22.º do EBF, só depois havendo que tomar em consideração outros fatores . 56. Como se pôs em relevo acima, os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem nas empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas. Por outro lado, Portugal não pode deixar de cumprir as obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que os outros Estados-Membros se encarregarão, de alguma forma, de compensar de tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação .”

50.          Com a devida vénia, este Tribunal Arbitral Singular vai aqui acompanhar sem reservas tudo quanto a propósito da comparabilidade das situações acima se transcreveu, concluindo no sentido de que o OIC não residente (que é aqui Requerente) está efectivamente numa situação de comparabilidade com qualquer um OIC residente ainda que este último se encontre submetido em Portugal a outros efeitos impositivos tais como o respeitante à verba 29.2 da tabela Geral do Imposto do Selo ou até a tributação autónoma de IRC prevista no n.º 11 do art.º 88º do CIRC. 

51.          É certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta e tal como visto no ponto dedicado à explicitação da posição por aquela defendido, sustenta que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS); tal como é ainda compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.

52.          Adequado se mostrando, a este propósito, trazer ainda à colação o que é dito na decisão tirada no processo arbitral n.º 11/2020-T que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMTAxMTMyMzUzMzcwLlAxMV8yMDIwLVQgLSAyMDIwLTExLTA2IC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e onde se aduz: “[N]o que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional” (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes. Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre. É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OICS´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%( ), 300 vezes superior( ).” Prossegue ainda o ilustre colectivo que prolatou o Acórdão arbitral tirado no processo arbitral n.º 11/2020-T, como segue: “[P]or outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 23.º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação os dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos fundos não residentes. Por outro lado, esta tributação autónoma nem sequer se aplica aos OIC´s residentes, quanto aos dividendos, pois não se trata de entidades isentas de IRC, mas apenas isentas quanto a derrama estadual e municipal, por força do n.º 6 do artigo 22.º do EBF.”

53.          Acompanhando a decisão arbitral tirada no processo 11/2020-T e louvado nela, o Tribunal Arbitral Singular entende que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC que se hajam constituído e operem segundo a legislação nacional, não é compensada pela tributação trimestral daqueles em Imposto do Selo; tal como também não é compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes a aludida tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC. Com a agravante de que e para além da redução de taxa a que acima nos reportávamos por aplicação da CDT outorgada com a Alemanha, de 25% para 15% (que, aliás, parece não poder, sequer, ser aproveitada pela aqui Requerente), cumprindo-se os requisitos formais impostos para que tal redução possa operar, a legislação nacional não prever qualquer outro mecanismo que possa atenuar ou eliminar a carga fiscal acrescida a que estão sujeitos os rendimentos auferidos por OIC´s não residentes.

54.          Finalmente quanto à justificação da diferenciação mister é repristinar aqui o que a tal respeito diz a decisão arbitral prolatada no processo 528/2019-T acima melhor identificada e onde nos pontos 57 e seguintes da sua fundamentação se diz: “57. No âmbito das liberdades fundamentais do mercado interno assume a maior importância a problemática dos chamados limites dos limites. Cumpre, assim, indagar sobre se a diferenciação entre fundos residentes e não residentes, nos termos do artigo 22.º do EBF na redação relevante à data dos factos, pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infrações às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras. A própria derrogação prevista nesse preceito é ulteriormente limitada pelo disposto n.º3, do mesmo artigo – uma norma especial de limite dos limites – que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º( )”. 58. No entender do presente colégio arbitral, dificilmente se poderia argumentar de forma convincente no sentido da indispensabilidade da medida diferenciadora em apreciação. Em primeiro lugar, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente. Ora, não se vê em que medida é que essa diferenciação é indispensável à prevenção de infrações fiscais. Com efeito, não se percebe que a diferenciação em causa possa prevenir a evasão fiscal, nada existindo na mesma que se refira à prevenção de montagens ou construções meramente artificiais, desprovidas de genuína substância económica. Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença , adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão . 59. Em segundo lugar, e na linha do que acaba de ser dito, sempre seria possível isentar de retenção (ou diminuir o respetivo montante) tanto os fundos residentes em Portugal como os fundos residentes noutros Estados-Membros e, simultaneamente, dar um tratamento fiscal em geral idêntico aos investidores residentes em Portugal pelos dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal ou noutros Estados-Membros, seguindo as orientações definidas pela jurisprudência do TJUE em sede de dupla tributação económica . A existência de alternativas menos restritivas de relativamente fácil concretização legislativa constitui evidência de que se está, no caso, perante uma diferenciação desproporcional e, portanto, ilegítima  . Por outro lado, o TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios . Nas suas palavras, se os Estados-Membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União . 60. Acresce que, e este é um terceiro aspeto relevante em sede do artigo 65.º n.º1 e 3 do TFUE, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação direta entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial. 61. A aplicação trimestral do Imposto de Selo a fundos em diferentes condições (v.g. fundos com valorização súbita de ativos, seguida de alienação e distribuição de dividendos; fundos com perfil conservador de investimento e valor da carteira de investimentos relativamente constante), estando dependente da eventual capitalização dos rendimentos provenientes dos dividendos, pode gerar, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários fundos de investimento residentes e entre estes e os não residentes, com impacto evidente nos respetivos fundos de caixa. Esta realidade é tanto mais significativa quanto é certo que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a apreciação da existência de um eventual tratamento desvantajoso dos dividendos pagos a não residentes deve ser efetuada em relação a cada ano fiscal individualmente considerado . 62. Por outro lado, a aplicação da taxa de tributação autónoma de 23% prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC – por força do artigo 22.º do EBF – está dependente do facto eventual da não permanência, de modo ininterrupto, das partes sociais a que correspondem os lucros na titularidade dos sujeitos passivos aí previstos durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e da sua não manutenção durante o tempo necessário para completar esse período, situações de ocorrência eventual e incerta. Ora, as disparidades de tratamento fiscal assim geradas não asseguram necessariamente a neutralização da desvantagem fiscal em que ficaram colocados os fundos não residentes, sujeitos a uma retenção de imposto suscetível de os dissuadir de investirem em Portugal e de dissuadir os residentes em Portugal de investirem em fundos de investimento de outros Estados-Membros . 63. Também não colhe o argumento do interesse geral na garantia de uma repartição e equilibrada do poder de tributar, devendo entender-se, com o TJUE, que quando um Estado-Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários de tais rendimentos . Ou seja, em caso algum se poderá entender que se trata aqui de restrições justificadas por razões de segurança pública ou ordem pública . 64. Do mesmo modo, em quarto lugar, a garantia da efetividade da supervisão financeira não justifica, por si só, a diferenciação de tratamento entre fundos residentes e fundos não residentes em Portugal. Como efeito, se é certo que um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro da UE) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM, também o é que o TJUE já sustentou, num caso envolvendo o nosso país, a inadmissibilidade de uma regulamentação nacional que impeça de forma absoluta um determinado fundo de fazer prova de que satisfaz as exigências que lhe permitiriam beneficiar da isenção, nomeadamente fornecendo os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais nacionais verificar, de forma clara e precisa, que esses fundos preenchem, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação nacional . 65. Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva . É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa , ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites – da maior importância à luz da garantia de uniformidade de interpretação e aplicação do direito da União Europeia – torna inviável essa missão probatória no caso concreto. 66. O presente Tribunal Arbitral aceita como boa a noção, várias vezes sustentada pelo TJUE, de que o reconhecimento de uma ampla margem de conformação dos Estados-Membros em sede de regulação dos capitais tornaria a respetiva liberdade de circulação ilusória . Dada a linguagem prudente nelas incorporada, resulta claro que as exceções do artigo 65.º, nº 1, alínea a) e do n.º 3 do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais. Esta é uma barreira significativa de difícil superação por parte do Estado português .(...).”

55.          Tudo ponderado sempre se dirá que à questão sub judice não pode deixar de se aplicar a jurisprudência que vem emanando do TJUE acima sobejamente enunciadas , na medida em que, levando-se na devida conta o acima explicitado tratamento mais vantajoso decorrente da aplicação do art.º 22.º do EBF aos OIC´s residentes versus da aplicação do regime geral do IRC aos OIC´s não residentes, o tratamento privilegiado decorrente da aplicabilidade do art.º 22.º do EBF não pode ser utilizado pela aqui Requerente (na qualidade de OIC não residente) exclusivamente por a sua constituição e funcionamento não ter sido feita segundo a legislação nacional.

56.          Inferindo-se daqui que o art.º 22º do EBF se mostra contrário ao Direito da U.E. se interpretado no sentido de que só os OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem de acordo com a legislação nacional podem beneficiar da não relevância dos rendimentos derivados de dividendos na determinação do lucro tributável, porquanto em manifesta violação do principio da não discriminação em razão da nacionalidade; em violação ainda de garantias associadas ao direito de estabelecimento; e ainda em violação das disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no art.º 63º do TFUE.  

57.          Acresce que, o Requerente, na petição que consubstanciou o pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente no seu ponto F) a fls. 37, dava conta de que no processo n.º 93/2019-T que pende na jurisdição arbitral, foi proferida decisão de reenvio prejudicial para análise de questões prejudiciais por parte do TJUE em tudo semelhantes às que se colocam nos presentes autos.

58.          Tal decisão de reenvio correu termos no TJUE sob o processo n.º C-545/19, sendo que e tal como aduzido em sede de alegações finais apresentadas pelo Requerente em 21.4.2022 no SGP do CAAD, por Acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, aquele areópago tomou posição sobre as questões prejudiciais colocadas, tendo, em síntese, declarado: “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.” O texto integral do aludido Acórdão pode ser consultado in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62019CJ0545&from=PT

59.          E assim sendo, o Tribunal Arbitral Singular não pode deixar de acompanhar tal decisão do TJUE, louvando-se, aliás, naquele arresto para decidir no sentido referido.

60.          Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.

61.          E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunais nacionais dos Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  .

62.          E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.

63.          Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson , o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.

64.          Concluindo-se com meridiana clareza no sentido de que é ilegal o n.º 1 e n.º 3 do art.º 22.º do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas e a operarem de acordo com a legislação nacional, com exclusão, não justificada, das sociedades constituídas segundo legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, retirando-se daqui que as retenções na fonte controvertidas e a decisão da reclamação graciosa que as confirmou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

IV.D3) DO REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS:    

 

65.          No petitório que o Requerente apresentou a este Tribunal (concretamente explicitado, quanto aos juros indemnizatórios, também no art.º 168.º do PPA) solicita o reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

66.          Sendo efectuadas as retenções na fonte pelo substituto tributário, considera-se pago o imposto pelo substituído, como decorre do n. 1 do artigo 28.º da LGT, em que se estabelece que “em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento”.

67.          Crescendo dizer que se a retenção empreendida e entregue nos cofres do Estado não devia ter sido efectuada, porque ilegal, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido e deve ser restituído.

68.          In casu, na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da ilegalidade também de que enferma a decisão da reclamação graciosa, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

69.          Já no que tange aos juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

70.          Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

71.          O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que dispõe: “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

72.          Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

73.          O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

74.          A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

75.          No entanto, os erros que afectam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.

76.          No entanto, o mesmo não sucede com a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada, pois, como visto, deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, sendo que tal erro não pode deixar de ser imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.

77.          Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade das retenções na fonte aqui em equação, quando devia repô-la, deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois “(...) trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção”, trazendo para aqui o que expressivamente é dito no art.º 103.º da Resposta apresentada pela Requerida.

78.          No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida em 28.7.2020, mas foi apresentada em 31.12.2019, pelo que deveria ter sido proferida decisão até 1.5.2020, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT.

79.          Assim, a partir de 1.5.2020, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às ilegais quantias retidas na fonte.

80.          Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil, à taxa legal supletiva, devendo contar-se desde 1.5.2020, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V. DECISÃO:

 

FACE AO EXPOSTO, DECIDE-SE:

 

A)           DECLARAR ILEGAL O ARTIGO 22.º, N.º 1, DO EBF, NA PARTE EM QUE LIMITA O REGIME NELE PREVISTO A SOCIEDADES CONSTITUÍDAS SEGUNDO A LEGISLAÇÃO NACIONAL, EXCLUINDO DAS SOCIEDADES CONSTITUÍDAS E A OPERAREM SEGUNDO LEGISLAÇÃO DE ESTADOS-MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA;

B)           JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE ANULAÇÃO DAS RETENÇÕES NA FONTE QUE SE CIFRAM EM 18.891,85 €, REFERIDAS NO PONTO S) DO PROBATÓRIO E EFECTUADAS ATRAVÉS DOS DOCUMENTOS JUNTOS AO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL COMO NºS 7 E 8;

C)           ANULAR A DECISÃO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA APRESENTADA NOS TERMOS E EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NOS ARTIGOS 98.º E 137.º DO CIRC E ARTIGO 132º DO CPPT E AINDA 22º DO EBF;

D)           JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS, NO MONTANTE GLOBAL DE 18.891,85 € E CONDENAR A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA A PAGAR ESTE MONTANTE À REQUERENTE;

E)            JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS A DETERMINAR NOS TERMOS DO ART.º 43º DA LGT E 61º DO CPPT, CONTADOS DESDE 1.5.2020 ATÉ À DATA DE EMISSÃO DA NOTA DE CRÉDITO RESPECTIVA, EM CONFORMIDADE COM O REFERIDO NO PONTO IV.D3) DESTA DECISÃO E CONDENAR A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA A PAGÁ-LOS À REQUERENTE.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

FIXO O VALOR DO PROCESSO EM 18.891,85 € EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO N.º 2 DO ART.º 315 DO CPC E N.º 1, DO ART.º 97.º-A DO CPPT E AINDA N.º 2 DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA.

 

VII. CUSTAS:

 

FIXO O VALOR DAS CUSTAS EM 1.224,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DO PEDIDO, A CARGO DA REQUERIDA, NOS TERMOS DO ART.º 4º, N.º 1 DO MESMO REGULAMENTO E DOS ART.ºS 6º, N.º 2 ALÍNEA A) E 22º, N.º 4 DO RJAT.

 

NOTIFIQUE-SE.

 

Lisboa, 3 de Maio de 2022.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

O árbitro,

Fernando Marques Simões