Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 570/2020-T
Data da decisão: 2022-04-20  IRC  
Valor do pedido: € 48.239,71
Tema: IRC – OIC não residente – art. 22º, n.º1 e n.º3 do EBF
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Sumário: O art. 22º, n.º1 do EBF ao excluir da limitação da incidência do imposto (IRC) apenas os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, configura, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação de outro Estado Membro da U.E.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 23 de Outubro de 2020 o contribuinte A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português ..., com sede em ..., ... ..., Alemanha, (doravante designado de“Requerente”), representado por B... GMBH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 28 de Outubro de 2020.
  3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
  4. O tribunal arbitral foi constituído em 14.01.2021 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
  5. A AT apresentou a sua resposta em 03 de maio de 2021.
  6. Por despacho de 05.05.2021 determinou-se a suspensão da instância nos termos dos arts. 269º, n.º1, al. c), 272º, n.º1 e 276º, n.º1, al. c) do CPC ex vi art. 29º, n.º1, al. e) do RJAT, até que fosse proferida uma decisão pelo TJUE no processo no proc. n.º93/2019-T do CAAD, reenviado a título prejudicial para o TJUE (proc. C-545/19).
  7. O TJUE proferiu no dia 17.03.2022 o Acórdão no processo n.º C-545/19, que tinha por objeto o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo processo n.º 93/2019-T do CAAD.
  8. Por despacho datado de 18.03.2022 foi determinada a cessação da suspensão dos presentes autos, dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
  9. O Requerente apresentou as suas alegações em 05.04.2022.
  10. A Requerida apresentou alegações em 06.04.2022.
  11. Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o ato retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), efetuado através das guias n.º ... (2018-05) e ... (2018-06) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2018, do qual resultou imposto global a pagar no valor de €48.239,71, bem como, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa previamente apresentada.

 

I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. Conforme dispõe a alínea c) do número 1 do artigo 20.º do CIRC, os dividendos são considerados rendimentos de natureza financeira.
  2. No que diz respeito ao regime interno de tributação dos dividendos, sempre que os mesmos são pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo também ele residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25% (artigos 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4 do CIRC).
  3. O artigo 22.º, n.º 1, do EBF prevê que “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário, sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  4. Por força do disposto no n.º 3 do referido preceito legal, os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos.
  5. Assim, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa e aqui não residentes, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF.
  6. Ou seja, um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2018, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da UE aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa.
  7. Com efeito, a legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional.
  8. Por oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da UE, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos sempre a uma tributação efetiva e liberatória de 25% em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, no ano de 2018, em Portugal.
  9. Facto que assume maior gravidade no caso do ora Requerente, uma vez que o mesmo não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação nesse país.
  10. As distribuições de dividendos efetuadas ao Requerente no ano de 2018 constituem um movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE, pelo que se impõe determinar se a legislação nacional em vigor à data dos factos aqui em discussão se mostra contrária a tal normativo por via da introdução de um tratamento discriminatório entre OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa e OIC constituídos ao abrigo de normas de outros Estados Membros da UE.
  11. O que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da residência, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão inequivocamente em situações comparáveis.
  12. Não se poderá igualmente afirmar que o Requerente não se encontraria numa situação de comparabilidade porquanto um OIC em Portugal está sujeito a outros e distintos tipos de tributação, tais como o Imposto do Selo e tributações autónomas em sede de IRC.
  13. O imposto sindicado em causa é o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e não qualquer outro tipo de tributo devido pelos OIC decorrente da sua atividade e incidente sobre a sua atividade, mas apenas e tão só um imposto de rendimento incidente sobre dividendos obtidos em Portugal.
  14. Tratando-se, portanto, de uma discriminação evidente em sede de tributação direta sobre o rendimento, é irrelevante o regime de Imposto do Selo aplicável aos OIC residentes em Portugal, que a AT tem chamado à colação em diversos processos de natureza semelhante pendentes junto deste Centro de Arbitragem.
  15. Salientar a eventual aplicação de taxas de tributação autónomas sobre os OIC em Portugal não altera o facto de os sujeitos estarem em situações comparáveis nem tampouco a existência de discriminação ao nível da retenção na fonte sobre dividendos auferidos em Portugal.
  16. Como tal, e havendo, de facto, retenção na fonte de imposto nos rendimentos distribuídos a OIC estrangeiros, tornando-os menos atraentes do ponto de vista do investimento face a OIC portugueses – que estão nunca situação de isenção -, não pode deixar de se considerar que está perante uma situação de discriminação evidente no artigo 22.º do EBF.
  17. Resulta igualmente do acima exposto que existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/36.
  18. O Requerente considera que a norma do EBF aqui sindicada se mostra contrária ao Direito da UE, uma vez que colide com as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º.
  19. Assim, forçoso será concluir que o preceito do EBF em análise no presente articulado, viola também a CRP, em concreto, o artigo 8.º da CRP o qual estabelece o princípio do primado do Direito Comunitário face ao direito interno.

 

I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. A Requerente omite dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo.
  2. Um, tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.
  3. Ora, a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
  4. A outra omissão prende-se justamente com a tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cfr. n.º 10 do artigo 22.º do EBF).
  5. No entanto a Requerente nada adianta sobre a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º, cuja redação é seguinte: «São tributados autonomamente, à taxa de 23%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.»
  6. Por conseguinte, os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.
  7. Como é óbvio, os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos.
  8. Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos.
  9. Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente nos seus artigos 69.º a 118.º do PPA, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
  10. E o que se observa é que, apenas, nos casos em que um OIC abrangido pelo artigo 22.º do Código do IRC aufere dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal e as correspondentes partes sociais sejam detidas, de modo ininterrupto por período inferior a um ano, a carga fiscal é inferior à que recai sobre os dividendos pagos a um Fundo de investimento estabelecido na Alemanha.
  11. E, portanto, o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância, conforme supra referido.
  12. Quanto à alegada violação do artigo 8.º da CRP que afirma o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, importa notar que não está em causa a observância de normas do Direito Europeu contidas em Regulamentos ou Diretivas, mas, tão-só, decisões do TJUE que têm subjacentes factos concretos e disposições de ordenamentos jurídico-fiscais de outros Estados-Membros.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelo Requerente, está em saber se o regime diferenciado de tributação aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional e aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação Alemã, no que concerne à  exclusão de incidência prevista no art. 22º, n.º1 e n.º3 do EBF, apenas aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional configura, ou não, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação Alemã.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designada de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país.
  2. O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, entidade igualmente com sede na Alemanha.
  3. O Requerente e a entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha.
  4. O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida uma isenção, o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro
  5. O Requerente detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
  6. No ano de 2018, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:

 

C… SGPS, S.A.         14.446

D..., S.A.        233.057

E... SGPS, S.A.          254.557

F... SGPS, S.A. Acções Nominativas           112.454

D…, S.A.       233.057

G... SGPS       445.181

 

  1. A entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal era o H... .
  2. O Requerente, no ano de 2018, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos.
  3. Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2018 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%.
  4. No ano de 2018, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal imposto por retenção na fonte no montante a seguir discriminado:

 

 

 

 

  1.  A guia de pagamento n.º ..., no valor de €30.138,39, foi paga no dia 20.06.2018
  2. A guia de pagamento n.º..., no valor de €18.101,32, foi paga no dia 20.07.2018
  3. O Requerente suportou, em Portugal, no ano de 2018 a quantia total de imposto de EUR 48.239,71.
  4. No dia 31.12.2019, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2018, na qual solicitou a anulação dos mesmos.
  5. O procedimento de  reclamação graciosa processo correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...52019... .
  6. No passado dia 03.08.2020, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 16 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, dos documentos 1 a 15 juntos pelo Requerente e pela posição assumida pelas partes.

 

V. Do Direito - Violação do art.º 63º do TFUE

 

O Requerente em 2018 enquanto acionista de sociedades residentes em Portugal recebeu dividendos. Os dividendos são rendimentos de natureza financeira (art. 20º, n.º1, al. c) do CIRC).

Os dividendos foram sujeitos a uma retenção de 25% nos termos do art. 87º, n.º4 do CIRC, o qual tem a seguinte redação:  “Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%(…)”

O art. 22º, n.º1 e n.º3 do EBF estatuem o seguinte:

“1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. “

 

A exclusão de incidência prevista no n.º3 do art. 22 do EBF não se aplica ao Requerente porque não se constituiu nem opera de acordo com a legislação nacional, mas sim de acordo com a legislação Alemã (art. 22º, n.º1 do EBF).

Sobre a não aplicação desta exclusão de tributação, os presentes autos estiveram suspensos até à prolação da sentença proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no processo n.º93/2019-T do CAAD, reenviado a título prejudicial para o TJUE (proc. C-545/19).

 O Acórdão do TJUE no proc. C-545/19, proferido em 17.03.2022, veio considerar que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

O art. 63º do TFUE tem a seguinte redação:

 

OS CAPITAIS E OS PAGAMENTOS

Artigo 63.o

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

A decisão do TJUE assenta nos seguintes argumentos principais:

(a) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 35 e 36);

b)   Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

Para além disto, tal como alegado pelo Requerente nos presentes autos:“o modo como os proveitos gerados pelo OIC são distribuídos aos seus investidores é irrelevante, dado que no presente caso tratamos apenas de retenção na fonte aplicada a dividendos distribuídos ao próprio OIC pelas entidades nas quais este participa (e nunca de proveitos distribuídos aos investidores).

O que deve relevar, para efeitos da apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, é o impacto direto que essas normas têm na atividade dos OIC e não na situação fiscal dos respetivos investidores individualmente considerados.”

Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de forma diversa nos presentes autos, atenta as questões ali versadas serem semelhantes à do caso em apreço, bem como a norma legal na qual a mesma se fundou.

Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica do citado Acórdão do TJUE. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto apenas aos OICs residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os OICs não residentes.

Esta questão também já foi apreciada pelos tribunais superiores, para cuja fundamentação remetemos, tendo-se concluído pelo mesmo diapasão:

  II - É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda). Ac. do STA de 03.06.2020, proc. n.º 018/10.5BELRS 095/18

A jurisprudência dos tribunais superiores e do CAAD (proc. n.º 90/2019 de 23.07.2019, proc. n.º 194/2019 de 19.09.2019, proc. n.º 528/2019 de 27.12.2019, proc. n.º 548/2019 de 26.06.2020, proc. n.º 922/2019 de 11.01.2021, proc. n.º 926/2019 de 19.10.2020, proc. n.º 11/2020 de 06.11.2020 e proc. n.º 68/2020 de 25.01.2021), cuja fundamentação acompanhamos, tem reconhecido a ilegalidade do art. 22º, n.º1 do EBF face ao disposto no art. 63º do TFUE, não encontrando este Tribunal qualquer fundamento legal para alterar o sentido destas decisões.

            Deste modo, o regime diferenciado de tributação aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional e aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação Alemã, configura, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação de outro Estado Membro da U.E.

Acresce que, alega a Requerida que eventualmente o Requerente teria uma menor carga fiscal se as participações sociais fossem detidas por si de modo ininterrupto por um período inferior a um ano. Sucede que, segundo a jurisprudência do TJUE, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outros benefícios, mesmo supondo que esses benefícios existam (cf. neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C‑35/98, e Amurta, C‑379/05, de 08.11.2007).

Por outro lado, mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é proibida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑34/98; de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C‑9/02; e de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C‑170/05).

Ainda assim, cabe-nos em sede nacional verificar se a restrição à livre circulação de capitais é permitida face ao disposto no artigo 65º do TFUE.

O art. 65º do TFUE prescreve o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. (…).

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o.

4. (…).

Nos termos do art. 65º, n. º1, al. a) do TFUE a distinção entre residentes e não residentes é permitida desde que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis e desde que não seja uma discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis o Ac. do TJUE, no proc. C-545/19, também analisou esta questão, tendo referido o seguinte:

 

“Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).”

No caso em apreço, constatamos que, no que diz respeito à tributação em sede de IRC, só os organismos (OICs) não residentes são tributados.

Alega a Requerida que está implementada em Portugal uma modalidade de cobrança do imposto diferente em função do local da residência do OIC, não estando os OICs não residentes sujeitos a IS (art. 9º, n.º5 e verba 29.2 do IS), nem à tributação autónoma prevista no art. 88º, n.º11 do CIRC.

Contudo, por um lado, o imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

Por outro lado, no que se refere à tributação autónoma prevista no art. 88º, n.º11 do CIRC, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados (quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição), pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

Face ao exposto, concluímos que a implementação de uma modalidade de cobrança do imposto diferente não coloca os OIC não residentes numa situação objetivamente diferente dos OICs residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos.

Estando os residentes e os não residentes em situações idênticas não se nos afigura que exista uma qualquer razão que justifique esta desigualdade de tratamento.

Citando a decisão do TJUE no proc. C-545/19 e aderindo à respetiva fundamentação precedente: “(…) há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.”

Quanto à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral (art. 65º, n. º1 al. b) do TFUE, ex: assegurar a eficácia da supervisão fiscal ou o combate à evasão fiscal), não se nos afigura existirem, até porque nos presentes autos, nada foi alegado. Ainda assim citando o Acórdão Hollmann do TJUE (C-443/06 de 2007OUT11) do TJUE: “Consequentemente, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.”

Acresce que, não existe uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87). Entendemos assim que, não existe uma relação direta entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo, que possa justificar a restrição à livre circulação de capitais.

Em conclusão, as restrições à livre circulação de capitais com países da U.E. admitidas pelo artigo e 65º do TFUE não se verificam no caso em julgamento.

Destarte, o disposto no art. 22º, n. º1 do EBF, quando não aplicável a não residentes, viola do disposto no art. 63º, n. º1 do TFUE. Em face do princípio do primado do direito da União Europeia reconhecido pelo art. 8º, n. º4 da CRP, a não aplicação do disposto no art. 22º, n. º1 do EBF aos não residentes é ilegal.  

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral por ilegalidade substantiva (erro de direito) dos atos impugnados, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação das restantes questões colocadas submetidas à apreciação deste Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

VI) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), efetuado através das guias n.º ... (2018-05) e ... (2018-06) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2018, do qual resultou imposto global a pagar no valor de €48.239,71, bem como, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa previamente apresentada e em consequência anular o ato de retenção na fonte e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, devendo o montante pago ser restituído;

b) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €48.239,71 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de abril de 2022  

 

O Árbitro

 

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(André Festas da Silva)