Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 258/2022-T
Data da decisão: 2022-10-14  IRC  
Valor do pedido: € 195.136,37
Tema: IRC – Variação patrimonial quantitativa - registo contabilístico de indemnizações.
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SUMÁRIO

  1. O reconhecimento inicial de uma provisão é um gasto do período e não uma regularização de capital próprio.
  2. Uma indemnização recebida, de acordo com o SNC, trata-se de um rendimento obtido que deve ser considerado rendimento no período em que é recebida.
  3. De acordo com o disposto no artigo 24.º do CIRC, as variações patrimoniais negativas fiscalmente relevantes têm que se configurar como um gasto para poderem ser consideradas como relevantes para efeitos de apuramento do resultado tributável.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

  1. ..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO, contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., ... –..., ...-... ..., de ora em diante designada por “Requerente”, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação parcial do ato tributário de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") referente ao exercício de 2018 com o n.º 2021 ... e correspondentes juros compensatórios, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021..., do qual resulta um valor total a pagar de € 195.136,37.

 

2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13 de abril de 2022.

 

4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como Árbitros do tribunal coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5. Em 3 de junho de 2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos Árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23 de junho de 2022.

 

7. A Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) apresentou resposta em 12 de setembro de 2022.

 

8. Em 13 de setembro de-2022 as partes foram notificadas do seguinte despacho: “Em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime e determina-se o prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para apresentarem alegações escritas facultativas pelo prazo sucessivo de dez dias.

Indica-se o prazo de dois meses como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

9. Em 27 de setembro de 2022 a Requerente apresentou alegações escritas.

 

10. A AT não apresentou alegações.

 

11. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e é competente.

 

12. As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

13. O processo não enferma de nulidades.

 

14. A Requerente fundamenta o seu pedido nos termos infra:

 

28. Tal como resulta da factologia assente, e aliás reconhecida pela AT, aqui Requerida, no Relatório de Inspeção que subjaz à liquidação impugnada, a Requerente registou a débito da conta 599 – “Outras Variações do Capital Próprio” o valor de € 8.763.522,27, correspondente ao valor da indemnização não recebida da B..., LTD. na sequência do acordo levado a cabo com aquela sociedade.

 

29. Como é igualmente reconhecido pela Requerida, o referido movimento constitui a contrapartida de um movimento a crédito na mesma conta que havia sido efetuado em 2012, na sequência da interposição da ação contra a mesma entidade.

 

30. Tratando-se de um movimento contabilístico que afeta o património líquido da sociedade, o mesmo consubstancia, no plano conceptual, uma variação patrimonial quantitativa, sem reflexo, porém, no resultado líquido do exercício (saldo entre as contas de rendimentos e gastos).

 

31. Trata-se, por outro lado - e ainda que tal não surja sequer questionado pela Requerida, e não seja por isso controvertido - uma variação patrimonial inquestionavelmente incorrida para garantir os ganhos sujeitos a imposto, no caso o recebimento de uma indemnização suscetível de assegurar a possibilidade de satisfação do acordo alcançado com os credores da sociedade.

 

32. Acresce que se trata de uma variação patrimonial reconhecida no exercício em que foi alcançado o acordo com a B..., LTD., e como tal, oportunamente contabilizada em obediência ao princípio da especialização.

 

33. Ora, tal como dispõe o citado artigo 24.º do CIRC, as variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, que não se encontrem especificamente excecionadas, concorrem para a formação do lucro tributável nas mesmas condições referidas para os gastos e perdas.

 

34. Pelo que bem andou a Requerente ao reconhecer o devido efeito fiscal à referida variação patrimonial mediante a sua dedução no quadro 07 da declaração modelo 22 do exercício.

 

35. Sendo ilegal, sem mais, por violação deste comando normativo, e do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, o ato tributário sob impugnação, na medida em que procede ao acréscimo daquele montante ao lucro tributável, desconsiderando, sem mais, a aplicação daquelas regras ancilares da determinação do lucro tributável.

 

36. Nem se diga contra esta conclusão, como o pretende a AT, Requerida, que o efeito do reconhecimento fiscal da variação patrimonial só poderia ser alcançado mediante demonstração por parte da Requerente de que havia registado uma variação patrimonial positiva no exercício de 2012.

 

37. Tal afirmação carece, simplesmente, de qualquer fundamento legal.

 

38. Todas e quaisquer variações patrimoniais, sejam as refletidas no resultado líquido (rendimentos ou gastos), sejam as não refletidas naquele resultado, concorrem, nos termos dos artigos 17.º a 24.º do CIRC, para a formação do lucro tributável, desde que, no caso das variações negativas, se mostre observado o princípio da periodização previsto no artigo 18.º, assegurado o crivo da sua dedutibilidade nos termos dos artigo 23.º e 23.º-A do CIRC, e não consistam nas exceções das alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 24.º.

 

(...)

 

49.No tocante aos juros compensatórios, como é consabido, estes visam o ressarcimento do Estado pelo retardamento no pagamento do imposto devido.

 

50. Assim, nos termos do art. 35.º da LGT, apenas assiste ao Estado o direito a juros compensatórios calculados sobre o montante de imposto, efetivamente, devido.

 

51. Com efeito, conforme se deixou evidenciado supra, em virtude de não serem devidos quaisquer dos montantes liquidados adicionalmente a título de imposto, não chega a nascer esse direito do Estado a liquidar juros compensatórios.

 

52. Destarte, apenas existe uma única conclusão possível: sendo ilegal o imposto (capital) sobre o qual foram calculados juros compensatórios, também o valor destes juros compensatórios o é, impondo-se também a sua anulação, que se requer.

 

53. Mas, em qualquer caso, sempre seriam as referidas liquidações de Juros Compensatórios ilegais, impondo-se a sua anulação. Vejamos.

 

54. Como é consabido e resulta do disposto no artigo 35. º da LCT, os mesmos apenas são devidos quando, “(…) por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido (…)'

 

55. Assim, apenas haveria (nasceria o direito do Estado a cobrar) Juros Compensatórios verificados que estivessem três requisitos cumulativos: (i) retardamento da liquidação, (ii) haver imposto em falta e (iii) que o retardamento seja devido a culpa do sujeito passivo.

 

56. É também esse o entendimento que se retira de jurisprudência consolidada do nosso Supremo Tribunal Administrativo, para o qual: para haver lugar à obrigação de juros compensatórios, “(...) exige-se o concurso de três requisitos ou elementos constitutivos; retardamento da liquidação, ser a contribuição devida e haver culpa do contribuinte por aquele retardamento" (Acórdão no Processo n.º 12649, de 12 de julho de 1995).

 

57. Conforme vimos, nenhum dos dois primeiros requisitos essenciais se verificou, pelo que não existe no caso justificação legal para a liquidação de juros compensatórios que é (também) objeto do presente Pedido.

 

Por outro lado, também nunca se mostraria verificado o terceiro requisito cumulativo.

 

59. Ora, do procedimento inspetivo, e demais procedimentos administrativos ou documentos relacionados com as liquidações ora em crise, não resulta, nem é sequer feita qualquer alusão à culpa - em sentido técnico-jurídico - imputável à Requerente.

 

60. Como vimos, a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios dependerá sempre da existência (e comprovação pela AT) de um nexo de causalidade adequada entre o eventual atraso na liquidação e a conduta do sujeito passivo, de molde a que se pudesse formular um juízo de censura sobre a sua atuação.

 

61. Impunha-se, assim, que a AT tivesse efetuado esse juízo de censura à atuação da Requerente, e que o tivesse feito de forma expressa e, sobretudo, fundamentada - o que não fez.

 

62. Na verdade, a AT limitou-se a notificar a Requerente de um determinado montante, resultante da aplicação de uma taxa de 4%, sobre determinados valores durante certos dias.

 

63. E sempre se diga que não só a AT não logrou verificar do cumprimento dos requisitos do art. 35.º da LGT, violando assim o seu dever de fundamentação dos atos tributários ínsito no art. 77.º do mesmo acervo legal

 

15. Nas suas alegações a Requerente, reproduz, essencialmente, os principais argumentos antes apresentados.

 

16. Por sua vez, a Requerida apresenta a seguinte fundamentação onde, entre outros aspectos, salienta que a Requerente:  

“8

Considera, erroneamente, que o movimento contabilístico efectuado em 2018 afecta o património líquido da sociedade e consubstancia, no plano conceptual, uma variação patrimonial quantitativa, sem reflexo, porém, no resultado líquido do exercício (saldo entre as contas de rendimentos e gastos).”

(…)

10

Entende ainda, de forma equivocada, que

“(t)odas e quaisquer variações patrimoniais, sejam as refletidas no resultado líquido (rendimentos ou gastos), sejam as não refletidas naquele resultado, concorrem, nos termos dos artigos 17.º a 24.º do CIRC, para a formação do lucro tributável, desde que, no caso das variações negativas, se mostre observado o princípio da periodização previsto no artigo 18.º, assegurado o crivo da sua dedutibilidade nos termos dos artigo 23.º e 23.º-A do CIRC, e não consistam nas exceções das alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 24.º.” (cf. art.º 38.º do ppa)

11

Assim, e tendo a Requerente registado um prejuízo efectivo, cuja dedutibilidade fiscal, em face das regras legais aplicáveis, não foi – como não poderia ser – posta em causa pela AT, conclui que as correcções promovidas pela AT na sequência do RIT se afiguram ilícitas, prejudicadas por erro sobre os fundamentos de direito, impondo-se a anulação da liquidação objeto dos presentes autos (cf. art.ºs  47.º e 48.º do ppa)

(…)

30

Salientamos desde já que, relativamente à correcção efectuada pelos SIT referente à omissão de rendimentos relativos ao valor da indemnização recebida pela Requerente e paga pela B... em resultado de acordo extrajudicial entre as partes, procedimento que constitui clara violação da alínea i) do n.º 1 art.º 20.º do Código de IRC (identificada em 2.1 no quadro supra), pese embora a requerente alegue inicialmente (cf. art.º 16.º do ppa); que

“A indemnização recebida pela Requerente não foi reconhecida como rendimento do exercício (2018), nem tampouco foi registada na conta 599-Outras Variações do Capital Próprio, na medida em que o montante já havia sido reconhecido como rendimento no exercício de 2012.”,

mais à frente (cf. art.º 16.º do ppa) concluí pela não impugnação desta correcção quando menciona que

“Da mesma forma, aliás, que os rendimentos e variações patrimoniais positivas contabilisticamente relevados – o que impede, de resto, a Requerente de contestar o acréscimo ao lucro tributável do montante de € 2.143.258,47, correspondente à indemnização recebida no exercício.”

31

Assim, é hialino que esta correcção foi aceite pela Requerente e não se encontra contestada no presente ppa.

32

Relativamente à outra correcção identificada no quadro supra, concluíram, e bem, os SIT que o montante da indemnização potencial não recebido, não configura um gasto e não tem enquadramento no art.º 24º do CIRC, pelo que não pode ser considerada uma Variação Patrimonial Negativa fiscalmente relevante para efeitos de apuramento do resultado tributável.

(…)

41

i.e. a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove.

(…)

Da desconsideração da "variação patrimonial negativa" relativa ao valor de uma indemnização potencial - art.º 24.º do Código do IRC

45

Como antes referido, em 2019 a Requerente foi objeto de um procedimento inspectivo interno tendo os SIT concluído, relativamente à correcção contestada no presente ppa, que o montante de €8.124.115,31 referente a uma indemnização potencial

“não é por natureza um Gasto, não tem associado qualquer encargo suportado ou a suportar pela sociedade.”, e que como “não tem enquadramento no artº 24º do CIRC, não pode ser considerada uma Variação Patrimonial Negativa” conforme fundamentação inserta no RIT, a págs. 15 e 16, para o qual remetemos como parte integrante desta pronúncia.

46

Ou seja, este montante foi indevidamente considerado pela Requerente como Variação Patrimonial Negativa para efeitos de apuramento do resultado tributável, pois não reúne os pressupostos legalmente exigidos pelo art.º 24º do CIRC.

47

Em resumo, o thema decidendum objecto do presente ppa prende-se tão somente com verificar se se mostram observados (ou não, como concluíram correctamente os SIT) os requisitos de dedutibilidade estabelecidos pelo artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC (ex vi do artigo 24.º do Código do IRC), relativamente a uma “variação patrimonial negativa” relativa ao valor de uma indemnização potencial não recebida ?

48

Adiantamos desde já que a resposta a esta questão é inelutavelmente negativa.

Vejamos,

49

A determinação do lucro tributável deverá ser efectuada nos termos do disposto pelo artigo 17º e seguintes do CIRC, que tem como ponto de partida o resultado líquido do exercício apurado pelo sujeito passivo, ao qual serão acrescidas ou deduzidas as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinadas de acordo com os princípios contabilísticos, sendo aquelas parcelas eventualmente corrigidas nos termos do CIRC.

50

Contabilisticamente, a partir de 2010, entrou em vigor do novo modelo contabilístico nacional que sucedeu ao POC – o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), publicado através Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, que revogou o POC e a legislação complementar, bem como as Directrizes contabilísticas nºs. 1 a 29, e que entrou em vigor a partir de 01-01-2010.

51

A noção de variação patrimonial liga-se necessariamente à ideia de balanço, principalmente na sua estrutura, composição e reflexos no valor do património, pois este não é uma realidade estática, mas sim dinâmica e susceptível de implicar permanentes alterações, em consequência da sua actividade económica.

52

Estas alterações podem assumir duas variantes:

  1. Variações qualitativas: as que alteram a sua composição;
  2. Variações quantitativas: as que alteram o seu valor; relativamente a estas podem ser positivas ou negativas, consoante aumentem ou diminuam o valor do património da empresa.

53

Em termos contabilísticos, os movimentos inerentes às variações patrimoniais correspondem a registos a débito (negativas) e a crédito (positivas) da classe 5 do SNC “Capital, reservas e resultados transitados”.

54

Fiscalmente, a partir de 01-01-2010, em sede de IRC, o Decreto-Lei n.º 159/2009 de 13 de julho procedeu às alterações necessárias tendo por objetivo a adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico (SNC), bem como à terminologia que dele decorre, mantendo-se o modelo de dependência parcial da contabilidade embora se possa concluir pela maior aproximação entre contabilidade e fiscalidade

55

Sendo o resultado líquido apenas uma das componentes do capital próprio (situação líquida), nem todas as variações quantitativas estão reflectidas nesta conta, pelo que se torna necessário ajustar as restantes ao lucro tributável.

56

O regime fiscal aplicado às variações patrimoniais não reflectidas no resultado líquido encontra-se previsto nos artigos 21.º e 24.º do CIRC tendo o legislador optado por legislar por excepção, i.e., contemplaram-se as situações não susceptíveis de influenciar o resultado fiscal.

57

No caso em apreço, e como bem refere a Requerente no artigo 38.º do ppa, uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado líquido pode ser fiscalmente relevante se

“se mostre observado o princípio da periodização previsto no artigo 18.º, assegurado o crivo da sua dedutibilidade nos termos do artigo 23.º e 23.º-A do CIRC, e não consistam nas exceções das alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 24.º”.

58

(…)

63

Ora, no caso em apreço, é exactamente por suceder o incumprimento dos requisitos legalmente estabelecidos no Código do IRC que deverá concluir-se pela desconsideração de tal “variação patrimonial positiva”, nomeadamente por inobservância das condições de dedutibilidade associados a qualquer gasto fiscal nos termos das normas do Código do IRC, nomeadamente do n.º 1 do art. º 23 do Código do IRC (ex vi do n.º 1 do artigo 24.º do Código do IRC).

Adiante,

64

Em 2012, a Requerente interpôs uma acção declarativa comum contra B..., em que reivindicava o montante de €10.906.780,74 por conta da cessação unilateral do Contrato (Processo .../12...T2SNT).

65

E em 2018, em resultado de um acordo extrajudicial com a B..., recebeu uma indemnização no montante de €2.143.258,47, tendo a Requerente desistido daquela acção judicial.

66

Contabilisticamente, a Requerente, em 2012, considerou o valor da indemnização reivindicada no referido processo legal como um aumento do activo (débito de uma conta de Outros Devedores) e uma variação patrimonial positiva (crédito da conta 599 Outras Variações no Capital Próprio).

67

Ora, atendendo às regras contabilísticas vigentes (SNC) nomeadamente às expressas na NCRF 21 - Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, este procedimento contabilístico da Requerente não se afigura correcto.

68

Pois, e tal como é exemplificado naquela NCRF, os ativos contingentes surgem normalmente de acontecimentos não planeados ou não esperados que dão origem à possibilidade de um influxo de benefícios económicos para a entidade.

69

Um exemplo dado pela NCRF é uma reivindicação que uma entidade esteja a intentar por intermédio de processos legais, quando o desfecho seja incerto.

70

O que é notória e manifestamente o caso em apreço.

 

71

E, conforme § 30 da NCRF 21, uma entidade não deve reconhecer um activo contingente.

72

Não obstante, de facto a Requerente reconheceu um activo e variação patrimonial positiva naquele período de tributação.

73

No entanto, e sublinhamos este facto, fiscalmente, em 2012, contrariamente ao arguido pela Requerente tal variação patrimonial positiva não concorreu para a formação do resultado tributável daquele período de tributação, pois não foi inscrita no respectivo campo do Quadro 07 da declaração Modelo 22 conforme se demonstra no print parcial da declaração Modelo 22 de 2012 entregue pela Requerente:

 

74

Em 2018, a Requerente veio efectivamente a receber o montante de €2.143.258,47 a título de indemnização pela cessação unilateral do Contrato de Distribuição para comercialização de equipamentos da marca C... .

75

O valor da indemnização efectivamente recebido foi utilizado para pagar uma pequena proporção das dívidas da Requerente.

76

Este rendimento, tendo sido omitido fiscalmente pela Requerente, procedimento que constitui clara violação do disposto na alínea i) do art.º art.º 20.º do Código do IRC, foi corretamente corrigido pelos SIT e considerado como rendimento para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2018.

77

Correçcão que não vem impugnada nos presentes autos mas que, à cautela, se confirma a sua legalidade nos termos supra.

78

Relativamente à parte restante da indemnização reivindicada no processo legal, tal não configura uma variação patrimonial negativa fiscalmente relevante por absoluta falta de enquadramento no disposto pelo art.º 24.º do Código do IRC pois aquele montante não foi incorrido ou suportado pela Requerente para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC nos termos do n.º 1 do art.º 23 do Código do IRC (ex vi do n.º 1 do artigo 24.º do Código do IRC).

79

Trata-se, tão somente, da não concretização de meras expectativas de rendimento latente, potencial que, por natureza, não podem ter contribuído para a Requerente obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, nos termos exigidos pelo n.º 1 do art.º 23 do Código do IRC (ex vi do n.º 1 do artigo 24.º do Código do IRC), como vem defender a Requerente.

80

Ou dito de outro modo: o capital próprio foi influenciado positivamente, no montante de €10.906.780,74 por um ganho potencial ou latente relativo à indemnização pedida no processo  .../12...T2SNT

81

Tal variação patrimonial positiva não concorreu para o apuramento do lucro tributável em consonância com o previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, conforme revelado pelo quadro 07, da declaração de rendimentos do exercício de 2012.

82

Por isso, a regularização correlativa, no exercício de 2018, consubstanciada na anulação da parte do ganho latente que, se materializou no montante da indemnização acordada e, recebida, por forma a reflectir o real incremento patrimonial verificado, também não constitui uma variação patrimonial negativa que concorra para o apuramento  do lucro tributável.

83

Com efeito  o montante em causa não reflecte uma perda efectiva mas, tão-só, um acerto do valor da indemnização,, portanto, não se encontram preenchidos os requisitos de dedutibilidade enunciados no artigo 23.º, para os quais remete o corpo do artigo 24.º, n.º 1 do Código do IRC “Nas mesmas condições referidas para os gastos e perdas ...”. 

84

Acrescentamos que, na data da constituição daquela “variação patrimonial positiva”, em 2012, aquele montante não foi sujeito a tributação (nem tinha de ser por falta de enquadramento no art.º 21.º do Código IRC).

85

Apenas numa hipotética situação em que a referida “variação patrimonial positiva” tivesse sido tributada em 2012, o que de facto não sucedeu como se comprovou anteriormente, e em razão dos princípios que limitam a actividade da AT, mormente, do princípio da justiça, consagrado, respetivamente, no n.º 2 do artigo 266.º da CRP e no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), se aventaria a consideração de tal “variação  patrimonial negativa” para efeitos de determinação do resultado tributável de 2018.

86

Assim, é de subscrever in totum a correctíssima conclusão dos SIT de que

“O montante não recebido não tem enquadramento no art.º 24º do CIRC, apenas poderia ser considerada uma Variação Patrimonial Negativa no exercício de 2018, se no ano de 2012, tivesse sido tributada, ou seja, se tivesse sido reconhecida como Rendimento ou tivesse sido considerada uma Variação Patrimonial Positiva, o que não aconteceu..”, in casu Destaques nossos

87

Face ao exposto, não se vislumbrando qualquer ilegalidade nas correcções efectuadas pelos SIT Deverão os actos aqui sindicados manter-se incólumes na ordem jurídica e ser considerado improcedente o peticionado pela Requerente.”

Invoca ainda a AT que não se verificam os fundamentos legais para acolher a alegada ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por falta de preenchimento dos pressupostos legais previstos no artigo 35.º da LGT.

Nesse contexto, tal como salienta,98

Como bem sabe a Requerente, no RIT que lhe foi devidamente notificado estão descritos todos os factos que constituem clara violação da lei, que fundamentam a actuação culposa da A... e que estão na origem tanto da liquidação adicional de IRC como dos juros compensatórios ora controvertidos.”

Finalmente, alega a AT que, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios. Tal como conclui, “A AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.”

 

II. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

III. Matéria de Facto

 

1. Factos provados

 

Com relevo para a decisão importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. A ora Requerente, configura-se como uma sociedade anónima com capital social de €2.500.000,00 que, até 21.03.2013, tinha a designação social de D..., SA, encontrando-se em liquidação.
  2. A Requerente iniciou a atividade a 01.01.1990, registada para a atividade de Comércio por Grosso de Eletrodomésticos, Aparelhos de Rádio e Televisão (CAE 46430).
  3. A Requerente celebrou em 01.01.1990 um contrato de distribuição com a B..., LTD., sociedade de direito japonês, com sede em ..., ...-..., ... ...-..., Japão, tendo em vista a comercialização de equipamentos da marca C... .
  4. Em 2012, na sequência da aquisição e integração da C... no Grupo E... (anterior F... Co), a B... cessou unilateralmente o Contrato de Distribuição para comercialização de equipamentos da marca C... .
  5. A Requerente instaurou, em 07.07.2012, uma ação declarativa comum contra a B..., LTD., na qual exigiu uma indemnização no valor de € 10.906.780,74, devido à cessação do contrato de distribuição (a qual correu termos sob o processo .../12...T2SNT, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 4).
  6. Em virtude de tal ação a Sociedade A..., S.A. reconheceu contabilisticamente este pedido de indemnização, reconhecendo um ativo por débito da conta de Outros Devedores (Conta 278) por contrapartida da conta Outras Variações no Capital Próprio (Conta 599).
  7. O lançamento contabilístico efetuado pela Sociedade foi o seguinte:

 

 

Descritivo

Conta

Designação

Débito

Crédito

Indemnização

278139932573

Outros Devedores

10.906.780,74

 

 

599

Outras Variações no Capital Próprio

 

10.906.780,74

 

  1. Em 2012, o montante de €10.906.780.74 correspondente ao valor da indemnização latente, eventual, que foi registado a crédito da conta 599 - Outras Variações no Capital Próprio, configurando uma variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido, não concorreu para a formação do resultado tributável daquele período de tributação.
  2. Também em 2012 a Sociedade A..., S.A. reconheceu uma provisão para Ação Judicial no valor de 763.475,00 euros, tendo efetuado o seguinte reconhecimento contabilístico:

 

Descritivo

Conta

Designação

Débito

Crédito

Provisão Ação Judicial

599

Outras Variações no Capital Próprio

763.475,00

 

 

27229998

Credores Estimativa P/ Ações Judiciais

 

763.475,00

 

  1. Atendendo à quebra acentuado no volume de negócios, em 20.07.2012, a Requerente apresentou pedido de Declaração de Insolvência – processo n.º .../12...T2SNT, Sintra - Juízo do Comércio, tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência a 22.08.2012 e nomeado Administrado da Insolvência G..., NIF ..., com endereço na Rua ..., Nº ..., ..., ...-... Mem Martins.
  2. Na sequência da extinção da marca C..., a Requerente focou a sua atividade comercial  no fornecimento de peças e acessórios a antigos clientes da D..., e à comercialização dos equipamentos ainda em stock àquela data.
  3. Em 2013, após a publicação a 24.04.2013 do encerramento do processo de insolvência, a Requerente procedeu à alteração da designação social da empresa de D..., SA, para A..., SA, mantendo a estrutura acionista.
  4. Em 2017, a Requerente foi submetida a um Processo Especial de Revitalização (PER), nos termos do qual o respetivo Acordo de Revitalização viria a ser homologado por sentença de 21.12.2017 (transitada em julgado a 10.01.2018).
  5. Em conformidade com o Acordo de Revitalização do PER que foi igualmente subscrito pela B..., LTD., a Requerente e a B..., LTD. chegaram a um acordo, nos termos do qual, em 2018, a primeira recebeu da segunda uma indemnização no valor de € 2.143.258,47, desistindo assim a Requerente da ação declarativa comum por si instaurada contra a B..., LTD. em 2012.
  6. Na sequência do referido acordo alcançado com a B..., LTD. e expressamente previsto no Acordo de Revitalização do PER da Requerente, e conforme também consta dos comentários inscritos na IES relativa a 2018, chegaram a acordo com os seus credores, no âmbito do PER, para proceder ao pagamento de todos os créditos comuns na percentagem de 20,66% do capital em dívida, com perdão da dívida remanescente.
  7. Em 2018, a Sociedade A..., S.A., recebeu o montante de 2.143.258,47 euros a título de indemnização pela cessação unilateral do Contrato de Distribuição para comercialização de equipamento da marca C... .
  8. Na referida data foram efetuados os seguintes lançamentos contabilísticos:

 

Descritivo

Conta

Designação

Débito

Crédito

Indemnização Recebida

1201

Millennium BCP

2.143.258,47

 

 

278139932573

Outros Devedores

 

2.143.258,47

 

Descritivo

Conta

Designação

Débito

Crédito

Regularização Indemnização Não Recebida

599

Outras Variações no Capital Próprio

8.763.522,27

 

 

278139932573

Outros Devedores

 

8.763.522,27

 

Descritivo

Conta

Designação

Débito

Crédito

Regularização da Provisão Estimada

27229998

Credores Estimativa P/ Ações Judiciais

639.406,96

 

 

599

Outras Variações no Capital Próprio

 

639.406,96

 

  1. Em 2018, na sequência do acordo com a B..., a Requerente efetuou os seguintes movimentos contabilísticos (cf. página 10 do RIT):

 

  1. Relativamente ao referido acordo, a Requerente desreconheceu o ativo referente à conta de Outros Devedores (crédito da conta 278) e, por contrapartida, relevou uma variação patrimonial negativa pelo montante da indemnização reivindicado e não recebido - conta de Outras Variações no Capital Próprio (débito da conta 599) e débito da conta de depósitos à ordem pelo valor da indemnização efetivamente recebido.
  2. A indemnização recebida pela Requerente não foi reconhecida como rendimento do exercício (2018), nem foi registada na conta 599 - Outras Variações do Capital Próprio, na medida em que o montante já havia sido reconhecido como rendimento no exercício de 2012.
  3. Em 2018, a Requerente, além de não ter considerado qualquer rendimento referente ao valor da indemnização efetivamente recebido da B... (€2.143.258,47), considerou o valor de €8.124.115,31, correspondente à diferença entre o valor da indemnização reclamado na ação declarativa comum intentada contra a B... (€10.906.780,74) e a soma do valor recebido da B... (€2.143.258,47) com o valor referente à anulação da provisão para ação Judicial (€639.406,96), como Variação Patrimonial Negativa fiscalmente relevante, tendo sido deduzido ao Resultado Líquido para efeitos de apuramento do resultado tributável (campo 704 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22) conforme se evidencia no “print” parcial da declaração de rendimentos Modelo 22 de 2018 entregue pela Requerente:

 

 

 

  1. Em 2019, a Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo interno de âmbito parcial, o qual incidiu sobre o IRC do exercício de 2018, com o objetivo de controlo da sua situação tributária.
  2. Tal como descrito no RIT, elaborado após ter decorrido o prazo para o exercício do direito de audição sobre o projeto de relatório que a Requerente exerceu, foram efetuadas as seguintes correções cujos efeitos no apuramento da matéria coletável da Requerente resultam do quadro infra:

 

  1. O referido perdão de dívida, no valor de € 6.925.432,38, foi registado na conta de rendimentos 7867 - Ganhos em Perdão de Dívidas, tendo sido deduzido ao lucro tributável nos termos do artigo 268.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”).
  2. A indemnização recebida pela Requerente, em 2012, foi registada contabilisticamente na conta 599 - Outras Variações do Capital Próprio, o valor da indemnização reclamada, no montante de € 10.906.780,74, tendo como contrapartida uma conta 278 - Outros Devedores.
  3. Em 2018, a indemnização reclamada à B..., LTD., no montante de € 2.143.258,47, foi creditada naquela conta 278 - Outros Devedores. 
  4. O remanescente, não recebido pela Requerente, no montante de € 8.763.522,27, correspondente à diferença entre a indemnização recebida e o valor reclamado na ação judicial e contabilizado no ano de 2012, foi por esta considerado uma Variação Patrimonial Negativa.
  5. Em sequência do aludido procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRC referente ao exercício de 2018 com o n.º 2021..., bem como da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021..., praticado por referência ao exercício de 2018, do qual resulta um valor total a pagar de € 195.136,37.

 

2. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

  1. Motivação da decisão de facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. Matéria de Direito

 

1. Questões a decidir

 

A Requerente apenas vem contestar a seguinte correção efetuada pelos SIT:

 

Termos em conformidade com os quais solicita que seja declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IRC referente a 2018, na parte contestada, por violação do disposto nos artigos 17.º, 18.º e 24.º do CIRC e, consequentemente, se determine a anulação daquela liquidação, com todos os efeitos legais e, bem assim, a anulação da liquidação de juros compensatórios por falta de verificação, pela AT, do cumprimento dos requisitos do artigo 35.º da LGT, violando assim o seu dever de fundamentação dos atos tributários ínsito no artigo 77.º do mesmo diploma.

Vejamos então.

 

2. Enquadramento legal

 

  1. Tratamento Contabilístico em SNC

 

No que concerne à contabilização da Indemnização por parte da Sociedade, em conformidade com o disposto no SNC – Sistema de Normalização Contabilística, mais concretamente a NCRF 21 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, o pedido de indemnização ora em análise, subsume-se no conceito de um ativo contingente.

Com efeito, de acordo com o disposto no §8 da NCRF 21, um ativo contingente “é um possível ativo proveniente de acontecimentos passados e cuja existência somente será confirmada pela ocorrência ou não de um ou mais acontecimentos futuros incertos não totalmente sob o controlo da entidade.

Este ativo contingente resulta de um acontecimento passado, no caso em análise, de um Contrato de Distribuição. Em termos presentes existe a Ação Declarativa, mas cuja ocorrência é incerta, como, aliás, concluímos que a indemnização efetivamente recebida é diferente da solicitada na ação judicial.

Termos em que, de acordo com o disposto no §30 da NCRF 21, uma entidade não deve reconhecer um ativo contingente.

Refere o §31 da NCRF 21 que os ativos contingentes surgem normalmente de acontecimentos não planeados ou não esperados que dão origem à possibilidade de um influxo de benefícios económicos para a entidade. Um exemplo desta realidade é uma reivindicação que uma entidade esteja a intentar por intermédio de processos legais, quando o desfecho seja incerto.

Reforça o §32 da NCRF 21 que os ativos contingentes não são reconhecidos nas demonstrações financeiras uma vez que tal poderia resultar no reconhecimento de rendimentos que poderiam nunca ser realizados.

Por fim o §33 da NCRF 21 refere que um ativo contingente é divulgado quando for provável um influxo de benefícios económicos, sem, contudo, dar indicações enganosas da probabilidade de surgirem rendimentos.

Ou seja, de acordo com a NCRF 21, a Sociedade A..., S.A. não poderia ter reconhecido contabilisticamente o pedido de indemnização, mas sim o mesmo deveria ter sido divulgado no Anexo.

 

Relativamente à contabilização da Provisão para processos judiciais em curso, em conformidade com o estatuído no §8 da NCRF 21, uma provisão “é um passivo de tempestividade ou quantia incertos”.

Reforça o §10 da NCRF 21 que as provisões podem ser distinguidas de outros passivos tais como contas a pagar ou acréscimos. As primeiras caraterizam-se pela existência de incerteza acerca da tempestividade ou da quantia dos dispêndios futuros necessários para a sua liquidação enquanto: (i) As contas a pagar são passivos a pagar por bens ou serviços que tenham sido faturados ou formalmente acordados com o fornecedor; e (ii) Os acréscimos são passivos a pagar por bens ou serviços que tenham sido recebidos ou fornecidos, mas que não tenham sido pagos, faturados ou formalmente acordados com o fornecedor, incluindo quantias devidas a empregados.

Refere o §35 da NCRF 21 que a quantia reconhecida como uma provisão deve ser a melhor estimativa do dispêndio exigido para liquidar a obrigação presente à data do balanço.

Ou seja, contabilisticamente o lançamento correto em 2012 no que tange à provisão para Ação Judicial no valor de 763.475,00 euros que a Requerente reconheceu deveria ter sido o seguinte:

 

Descritivo

Conta

Designação

Débito

Crédito

Provisão Ação Judicial

673

Gastos c/ Provisões do Período

763.475,00

 

 

293

Provisões – Processos Judiciais em Curso

 

763.475,00

 

Isto é, o reconhecimento inicial de uma provisão é um gasto do período e não uma regularização de Capital Próprio.

 

Relativamente à indemnização recebida, de acordo com o SNC, trata-se de um rendimento obtido que deveria ser considerado rendimento no período em que foi recebida, ou seja, em 2018, conforme já anteriormente mencionado. 

Em conformidade com o §69 al. a) da Estrutura Conceptual do SNC, os Rendimentos são aumentos nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de influxos ou aumentos de ativos ou diminuições de passivos que resultem em aumentos no capital próprio, que não sejam relacionados com as contribuições dos participantes no capital próprio.

Quanto à regularização da indemnização não recebida, o lançamento inicial, como já explicado, não deveria ter sido considerado.

Quanto à regularização da Provisão considerada, de acordo com a NCRF 21, se a mesma tivesse sido reconhecida inicialmente, corretamente, a sua reversão deveria ser considerada em Rendimentos na Conta 7633 – Reversões Provisões Processos Judiciais em Curso.

Em 2018, o reconhecimento contabilístico da indemnização recebida no montante de 2.143.258,47 euros, pela Sociedade A..., S.A., deveria ter sido reconhecido em rendimentos e consequentemente tributado em IRC, no entanto esta parte não consta da contestação.

Quanto à parte da indemnização não recebida a Sociedade A..., S.A., regularizou contabilisticamente a débito da conta 599 – Outras Variações no Capital Próprio pelo montante de 8.763.522,27 euros (10.906.780,74 – 2.143.258,47).

Relativamente à regularização da Provisão para Processos Judiciais em Curso não utilizada a Sociedade A..., S.A., regularizou a mesma a crédito da conta 599 – Outras Variações no Capital Próprio pelo montante de 639.406,96 euros (763.475,00 – 124.068,04).

 

  1. Tratamento Fiscal em sede de IRC

 

Em conformidade com o previsto no artigo 3.º n.º 2, do CIRC, o lucro tributável consiste na “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.

Por sua vez, nos artigos 17.º e seguintes do mesmo diploma acolhem-se as regras gerais de determinação do lucro tributável.

Diz-nos o seguinte o artigo 17.º do CIRC nos seus nºs 1 e 3 que:

“1. O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste código.

(...)

3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”[1]

A inscrição de um determinado montante no campo 704 da declaração de rendimentos, a título de variação patrimonial negativa, desde que não corresponda a nenhuma das situações aí excecionadas, corresponde a um gasto fiscal que deverá respeitar as mesmas condições previstas no Código do IRC, nomeadamente no artigo 23.º do mesmo diploma.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Elencam-se neste preceito legal, de uma forma exemplificativa, os gastos e perdas a considerar fiscalmente, sendo que, para que os gastos enumerados sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários dois requisitos fundamentais: (i) Que sejam comprovados documentalmente (nos termos dos n.ºs 3, 4 e 6), e, (ii) Que sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC (nos termos do n.º 1).

Ou seja, a ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como gasto fiscal.

De acordo com o estatuído no n.º 1 do artigo 24.º do CIRC, “nas mesmas condições referidas para os gastos e perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:

a) As que consistam em liberalidades ou não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeita a IRC;

b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;

c) As saídas, em dinheiro ou em espécie, em favor dos titulares do capital, a título de remuneração ou de redução do mesmo, ou de partilha do património, bem como outras variações patrimoniais negativas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente ou da sua reclassificação;

d) As prestações do associante ao associado, no âmbito da associação em participação;

 e) As relativas a impostos sobre o rendimento.

Estipula ainda o n.º 1 do artigo 18.º que os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

 

Em 2012, o reconhecimento contabilístico da indemnização efetuado pela Sociedade A..., S.A., que, apesar de errado, como explicitado anteriormente, constitui de facto uma variação patrimonial positiva, que em termos fiscais de acordo com o artigo 21.º do CIRC, deveria ter sido considerada para a formação do lucro tributável.

No entanto e de acordo com o print parcial infra da Declaração Modelo 22 de 2012, tal variação patrimonial positiva não concorreu para a formação do resultado tributável daquele período de tributação:

 

Relativamente ao reconhecimento da Provisão para Processos Judiciais, apesar do reconhecimento errado, o mesmo poderia ter sido considerado fiscalmente, como uma variação patrimonial negativa, de acordo com o artigo 24.º do CIRC, o que não foi considerado pela Sociedade A..., S.A.

 

Ora, relembra-se que, em 2012, a Sociedade A..., S.A., não considerou fiscalmente nenhum montante como Variação Patrimonial Fiscalmente Relevante relativamente à indemnização potencial, nem quanto à Provisão para Processos Judiciais em Curso.

Pelo que, em 2018, a regularização conjunta destas duas verbas no montante negativo de 8.124.115,31 euros (- 8.763.522,27 + 639.406,96) foi considerada pela Sociedade A..., S.A., fiscalmente como uma Variação Patrimonial Negativa Fiscalmente Relevante, conforme print parcial da declaração de rendimentos Modelo 22 de 2018 entregue pela Sociedade, infra.

 

 

 

No entanto, e de acordo com o artigo 24.º do CIRC, esta regularização conjunta destas verbas, em 2018, como variação patrimonial negativa fiscalmente relevante, não configura um gasto e como tal não pode ser considerada como relevante para efeitos de apuramento do resultado tributável.

Pelo que deverá ser corrigido o montante inscrito no campo 704 do quadro 07 da Modelo 22 de 2018, não sendo de considerar esse montante.

Termos em que se conclui pela improcedência do pedido da Requerente.

 

  1. Anulação das liquidações de juros compensatórios

 

No que tange ao pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios, decorre do que antecede que se julga igualmente improcedente.

Com efeito, veio a Requerente peticionar, ainda, a anulação da liquidação de juros compensatórios por falta de demonstração dos pressupostos para a sua exigibilidade nos termos previstos no artigo 35.º da LGT, nomeadamente por considerar que, além de não existir qualquer montante de imposto em falta porquanto as correções são ilegais, a AT não logrou verificar do cumprimento dos requisitos do aludido artigo, mormente o requisito da culpa, violando assim o seu dever de fundamentação dos atos tributários ínsito no artigo 77.º do mesmo diploma legal.

Nos termos do estatuído no n.º 1 do artigo 102.º do Código do IRC, sempre que por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte do imposto devido, acrescem ao montante do imposto, juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da LGT (n.º 1).

Em conformidade com este normativo, “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”.

Conforme estabelecido na alínea a) do n.º 3 do artigo 102.º do Código do IRC e n.º 3 do artigo 35.º da LGT, estes juros compensatórios são computados dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação, sendo que, em caso de inspecção, como acorreu no caso em apreço, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia (n.º 4 do art.º 35.º da LGT).

Integrando os juros compensatórios a própria dívida do imposto conforme determina o n.º 8 do art.º 35.º da LGT, então, quando estejam em causa omissões de que resulte o atraso na liquidação de parte do imposto, devido a comportamento ilícito e culposo do sujeito passivo, então os fundamentos da liquidação de juros compensatórios correspondem aos da liquidação do imposto.

Ora, como bem invoca a AT na sua Resposta, “…, pela análise do RIT notificado à ora Requerente efectuadas pelos SIT da Direcção de Finanças de Lisboa no seguimento do procedimento inspectivo dirigidos à verificação da situação tributária daquela – OI2021... – , que está na origem da liquidação adicional de IRC ora parcialmente impugnada pela A... constatamos que os mesmos contêm, a descrição dos factos imputados ao sujeito passivo bem como a sua participação nos mesmos que suportaram a correção ora controvertida e que conduziram ao retardamento do imposto apurado nas liquidações de IRC em análise, bem como a sua qualificação como um comportamento ilícito, não faltando sequer a referência ao seu enquadramento legal como um ilícito contraordenacional (punível pelo n.º 1 do artigo 119.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pelo artigo 1.º n.º 1 da Lei 15/2001, de 5 de junho).”

Termos em que se conclui que não merece provimento a alegada falta de culpabilidade da Requerente no retardamento das liquidações adicionais de IRC ora parcialmente controvertidas, encontrando-se preenchidos os pressupostos essenciais para a exigência de juros compensatórios.

Acresce, tal como nota a AT que, embora tal não seja peticionado pela Requerente, que, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios, não se verificando assim os pressuposto expressos no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

 

V. DECISÃO

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato tributário de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas referente ao exercício de 2018 com o n.º 2021 ... e correspondentes juros compensatórios, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021..., do qual resulta um valor total a pagar de € 195.136,37.
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

2. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 195.136,37 (cento e noventa e cinco mil, cento e trinta e seis euros e trinta e sete cêntimos).

 

3. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3.672,00€ (três mil, seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 14 de outubro de 2022

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Nuno Cunha Rodrigues

 

O Árbitro vogal

 

Carlos Alexandre Quelhas Martins

 

A Árbitro vogal

 

Clotilde Celorico Palma

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo colectivo de árbitros.

 

 



[1] O negrito é nosso.