Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 566/2021-T
Data da decisão: 2022-04-14  IRC  
Valor do pedido: € 149.068,51
Tema: IRC – tributação autónoma sobre remunerações variáveis pagas a gerentes; inutilidade superveniente parcial da lide; dedutibilidade de gastos.
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SUMÁRIO

I - Considerando o disposto no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, a AT estava dispensada de proceder à audiência prévia da Requerente antes da liquidação.

II - O ato de liquidação contestado enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito ao considerar não verificados os requisitos exigidos pelo artigo 23.º do CIRC para a aceitação da dedutibilidade dos gastos em causa, vício esse que justifica a sua anulação, nos termos previstos no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Professor Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Gomes Pedro e Dr. Olívio Mota Amador (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 17 de novembro de 2021, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Estoril (doravante designada simplesmente por “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante abreviadamente designado por “RJAT”), apresentar, em 07-09-2021, um pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) (adiante designada por “Requerida”).

 

2. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativo ao exercício de 2015 com o número 2019..., no montante de € 83.409,91, o qual inclui € 17.141,73 de juros compensatórios calculados através das liquidações com os números 2019... e 2019... (esta, por recebimento indevido), dos quais resultou um montante de IRC a pagar de € 149.068,51, consubstanciado na Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019... e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada com vista à anulação dos mesmos atos, com todas as consequências legais, designadamente, a restituição das quantias indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 7 de setembro de 2021 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 14 de setembro de 2021.

 

4. Nos termos dos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5. A Requerente e Requerida (doravante designadas em conjunto, por “Partes”), notificadas dessa designação em 28 de outubro de 2021, não manifestaram vontade de a recusar, atento o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de novembro de 2021.

 

7. Notificada para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio apresentar resposta, a 4 de janeiro de 2022, informando, nessa sede:

  1. que os Serviços da Requerida determinaram a anulação da correção referente a tributações autónomas incidentes sobre remunerações variáveis atribuídas aos sócios gerentes, no montante € 66.150,00, propugnando, sobre o remanescente, o indeferimento das pretensões da Requerida;
  2. que, em resposta ao pedido da Requerente em inquirir duas testemunhas para prova dos factos por si alegados, e atendendo à identidade da matéria de facto e por uma questão de economia processual, se aproveitasse a prova testemunhal e depoimento de parte produzidos no processo n.º 715/2019T, em que as Partes são as mesmas; e
  3. que protestava anexar o Processo Administrativo, o que veio a fazer no dia seguinte.

 

8. Por despacho de 13 de janeiro de 2022, notificado à Requerente no dia 17 de janeiro de 2022, foi a mesma notificada para se pronunciar sobre o aproveitamento de prova produzido no âmbito do processo n.º 715/2019-T.

 

9. Em resposta de 31 de janeiro de 2022, a Requerente veio informar que os factos subjacentes à correção à matéria coletável de IRC de 2015 – única correção em discussão, após a anulação oficiosa da correção relativa às tributações autónomas – não são coincidentes com os factos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao Processo Arbitral n.º 715/2019-T (IRC de 2014), reiterando interesse na inquirição das testemunhas arroladas no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

10. Em conformidade com esta posição da Requerente, o Tribunal Arbitral emitiu despacho a 2 de fevereiro de 2022 para que a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT tivesse lugar no dia 24 do mesmo mês.

 

11. Por requerimento de 22 de fevereiro de 2022, o mandatário da Requerente enviou o documento n.º 9, protestado juntar no pedido de pronúncia arbitral, composto por diversas escrituras e contratos de compra e venda realizados com Clientes alegadamente introduzidos pelas sociedades B..., Lda., C...– Unipessoal, Lda. e D...– Unipessoal, Lda., transações essas intermediadas pela Requerente.

 

12. No dia 22 de fevereiro de 2022, a Requerente informou o Tribunal que por motivos de saúde do seu mandatário, não seria possível este preparar e estar presente na reunião agendada, prescindindo, assim, das declarações de Parte e da inquirição das testemunhas arroladas, para não atrasar desnecessariamente o prosseguimento dos autos em razão dos factos, sobre os quais tais testemunhas se iriam pronunciar, se encontrarem provados por documento, o qual veio a ser junto aos autos no dia seguinte.

 

13. Deste modo, foi proferido no mesmo dia despacho arbitral determinando que a reunião marcada para o dia 24 de fevereiro ficava sem efeito.

 

14. No dia 27 de fevereiro foi proferido despacho arbitral dispensando-se – ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e da informalidade (cfr. artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT) – a apresentação de alegações pelas Partes e determinando-se o dia 27 de abril como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

II. SANEAMENTO

15. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo. 

Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.

Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

16. Factos dados como provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas com sede em território nacional, com início de atividade em 20-01-2011 e que tem como objeto social a prestação de serviços de mediação imobiliária, a que corresponde o CAE 68311 “Actividades de Mediação Imobiliária”.

 

  1. A Requerente encontra-se, e encontrava-se no ano de 2015, enquadrada em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA no regime normal mensal.

 

  1. A atividade da Requerente centra-se na promoção de imóveis residenciais de luxo junto de investidores das mais diversas nacionalidades e por estas razões, uma parte relevante dos seus potenciais e efetivos clientes são cidadãos estrangeiros que pretendem investir em Portugal através do programa vulgarmente conhecido por Golden Visa. Para o desenvolvimento da sua atividade, a Requerente tem estabelecido parcerias nacionais e internacionais com vista à angariação e venda de imóveis situados em território nacional.

 

  1. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo realizado pela Direção de Finanças de Lisboa, Departamento C – Divisão II, Equipa 22, em cumprimento da Ordem de Serviço OI2018..., referente ao exercício 2015, iniciado em 14-11-2018 e que visou o controlo tributário dos gastos decorrentes de prestações de serviços originárias de países com tributação fiscal privilegiada.

 

  1. O projeto do relatório de inspeção foi enviado à Requerente, através do ofício n.º ... de 12-08-2019, para o exercício do direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

 

  1. A Requerente exerceu por escrito, em 09-09-2019, o direito de audição, relativamente ao projeto do relatório de inspeção.

 

  1. O Relatório de Inspeção Tributária foi objeto do despacho, de 14-10-2019, da Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, com o seguinte teor:

“Confirmo o parecer da Chefe de Equipa, bem como o relatório da ação inspetiva, em anexo. Dos fundamentos dele constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação direta da matéria coletável, proceder às correções técnicas propostas, nos termos da parte final dos artºs 16º nº 1 e 17.º n.º 1, ambos do CIRC, todos conjugados com os artigos 81º a 84º da LGT. Demonstra-se igualmente com suficiência, que foram praticadas omissões, com reflexo no apuramento do imposto devido a final e consequente entrega nos cofres do Estado, em sede de retenções na fonte de IRC, por incumprimento do disposto nos artigos 87º e 94º do CIRC. Desta forma, nos termos e com os fundamentos referenciados, determino que se proceda à alteração do resultado fiscal, nos termos propostos, bem como à tramitação dos Documentos de Correção (DC), por forma adequada à liquidação e cobrança do(s) imposto(s) neles quantificado(s). Remeta-se os Autos de Notícia ao Serviço de Finanças de Cascais ... (...). Notifique-se o sujeito passivo com a remessa do relatório.”

 

  1. Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, através do ofício n.º ..., de 17-10-2019, notificaram a Requerente do Relatório de Inspeção Tributária, nos termos do artigo 62.º do RCPITA. (vd., Relatório de Inspeção Tributária integrante do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais, documento que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

 

  1. Parte significativa dos gastos operacionais da Requerente, em 2015, foram aquisições de serviços fora do território nacional respeitantes a consultoria imobiliária, viagens a feiras internacionais do setor, publicitações dos imóveis em carteira e atividades de angariação, no estrangeiro, de clientes.

 

  1. No ano de 2015 a Requerente efetuou também aquisições de serviços, aos seguintes sujeitos passivos nacionais:
  • A B…, Lda., NIPC …;
  • A C…– Unipessoal, Lda., NIPC ...;
  • A D...– Unipessoal, Lda., NIPC... .

 

  1. As sociedades sedeadas em território nacional, identificadas na alínea anterior, apresentam como sócios-gerentes e únicos colaboradores, os sócios gerentes da Requerente, E..., NIF ... e F..., NIF ..., e um colaborador da Requerente.

 

  1. As faturas das sociedades, identificadas na alínea J), cujo montante totaliza € 295.626,01 e que foi deduzido pela Requerente no apuramento do seu lucro tributável de 2015, encontram-se discriminadas na tabela infra:

 

Emitente

Data

Descritivo

Montante (s/ IVA)

B..., Lda.

17/12/2015

“Serviços de consultoria”

125.000,00

C... – Unipessoal, Lda.

30/10/2015

“Promoção de produto, conceção de materiais e conceito no período de 1 de janeiro a 31 de outubro de 2015” e “Despesas efectuadas”

96.052,79

C... – Unipessoal, Lda.

22/12/2015

“Promoção de produto, conceção de materiais e conceito no período de 1 de novembro a 31 de dezembro de 2015”

24.573,22

D... – Unipessoal, Lda.

17/12/2015

“Serviços de consultoria de promoção e conceito de conteúdos”

50.000,00

 

 

TOTAL

295.626,01

 

  1. Anexo a cada uma destas faturas, referidas na alínea anterior, consta uma relação com a identificação de cada Cliente aceite pela gerência da Requerente, o seu país de origem, bem como a identificação e quantificação de cada tipo de rubrica paga (ex. comissão, despesas), sendo assinado pelos sócios gerentes desta.

 

  1. Na fatura emitida pela sociedade D...– Unipessoal, Lda. o endereço de email da referida sociedade (...) é o email pertencente a um dos sócios gerentes da própria Requerente, F... .

 

  1. As aquisições de serviços às três sociedades supra identificadas levantaram dúvidas, na inspeção realizada pela AT, quanto à sua relação com a atividade da Requerente e à relevância para a sua geração de proveitos sujeitos a IRC.

 

  1. A Requerente informou a AT que a atividade de intermediação imobiliária assenta fundamentalmente na promoção de imóveis junto de uma vasta clientela – nacional e internacional – sem retorno garantido desse investimento, pelo que tinha de adequar a remuneração da estrutura dedicada à função comercial de forma a que a mesma fosse sustentável à Empresa e conexa com os rendimentos efetivos obtidos através da concretização da venda dos imóveis promovidos.

 

  1. Segundo a Requerente a promoção de imóveis implica investimento nos seguintes vetores de atuação: aquisição de novos conhecimentos, realização de viagens, fortalecimento e alargamento das relações de network e aumento da exposição internacional da Empresa, elencando as seguintes:

 

  • Aumento de conhecimento do regime dos Golden Visa e do Regime dos Residentes Não Habituais, atualização das respetivas Fichas Técnicas e sua replicação em diferentes línguas para potenciar o interesse dos clientes nos imóveis intermediados pela Requerente;
  • Reformulação do website da Empresa e fortalecimento da sua presença em redes sociais (ex. Facebook, Instagram, Linkedin, Twitter);
  • Desenvolvimento e publicação de peças de marketing (ex. Newsletters) em língua portuguesa e estrangeira;
  • Participações em salões internacionais de imobiliário;
  • Criação de redes de contactos com clientes ou agentes a operar em países alvo do Golden Visa (ex. China, Brasil, Rússia, África do Sul);
  • Criação de redes de contactos com clientes ou agentes a operar em países alvo do Regime dos Residentes Não Habituais (ex. França, Reino Unido, países da Escandinávia, Holanda, Brasil, Angola)

 

  1. Para assegurar a realização destas atividades, a Requerente procurou um prestador de serviços para o efeito, cuja proposta apresentada tinha implícito honorários no montante de € 290.000,00.

 

  1. Face ao volume de investimento necessário para contratar um prestador de serviços terceiro – e sem perspetiva do retorno que lhe poderia estar associado – a Requerente ponderou contratar mais funcionários. Contudo, à data em que teria de tomar essa decisão, o ano de 2013, os efeitos da crise económica e financeira a que Portugal esteve sujeito ainda se faziam sentir ao nível do mercado imobiliário, sendo imprevisível o seu comportamento nos anos subsequentes.

 

  1. A reunião de gerência da Requerente, realizada a 03-12-2013, considerou que a contratação de novos funcionários, com o inerente aumento dos custos com o fator trabalho, poderia não ser uma opção sustentável para a Empresa, razão pela qual decidiu, que boa parte destes serviços seriam prestados por colaboradores da própria Empresa em regime de outsourcing.

 

  1. Na ata, datada de 05-12-2013, da reunião de sócios-gerentes da Requerente, referida na alínea anterior, afirma-se: “(…) a A... terá de procurar uma forma de terceirizar a promoção e a angariação de parceiros internacionais alternativos áqueles que praticam “fees” de introdução elevados e promover a empresa em diversos países do mundo. (…) 5- Com a intenção de evitar o aumento das funções dos funcionários da empresa, com sobrecarga horária, e a necessidade de contratar mais funcionários, e consequentemente com a intenção de evitar o acréscimo de custos antes da obtenção de resultados efetivos que permitam tais despesas, fica desde já estipulado que esse exercício será efetuado em outsourcing, ainda que prestado por pessoas da empresa.”

 

  1. Na reunião de gerência, supra identificada, ficou igualmente estipulado que este modus operandi seria válido durante os anos de 2014 e 2015, mas o modelo seria reavaliado em dezembro de 2014. A remuneração de tais atividades teria por base o crescimento da faturação da Empresa entre 2013 e 2015, detalhado da seguinte forma: fee base de 4% sobre o crescimento da faturação naqueles anos, contemplando os seguintes fatores majorativos:
  • 0,75% caso o aumento de faturação exceda os 50%;
  • 0,75% pelo crescimento da Empresa em número de lojas e vendedores; e
  • 0,2% no caso de conseguir mais 10 parceiros com “Introduccion fees” inferiores a 5%.

 

  1. Quanto a este último fator – remuneração – a Requerente decidiu na reunião de sócios gerentes, realizada em 05-01-2015, simplificar a sua aplicação, consistindo, a partir desse ano, numa quantia fixa (€ 5.000,00) que seria paga pela introdução de cada potencial comprador estrangeiro, devidamente registado e aceite pela gerência. A Ata n.º 1/2015 dessa reunião afirma: “Revela-se, no entanto, necessário reconfigurar o modelo de remuneração dos serviços prestados pelos colaboradores da Sociedade, em regime de outsourcing, tornando-o mais directo e objetivo. (…) Delibera-se, assim, por unanimidade, que os serviços identificados na acta da reunião da gerência de 5 de dezembro de 2013 passarão a ser remunerados da seguinte forma: € 5.000,00, pela introdução de cada potencial comprador estrangeiro, devidamente registado e aceite pela Gerência.”

 

  1. A Requerente, em 22-02-2022, juntou o documento n.º 9, protestado juntar no pedido de pronúncia arbitral, composto por 11 anexos (designados pelas letras A a K) com escrituras e contratos de compra e venda de imóveis situados em território nacional cujos compradores foram cidadãos estrangeiros. Na página 1 do referido documento é apresentada uma tabela que agrupa as transações intermediadas pela Requerente em função das sociedades que angariaram os clientes, respetivamente, a B... (uma transação), a C... (sete transações) e a D... (três transações). As colunas da tabela identificam o vendedor, o comprador, a morada do imóvel e a data da escritura. Cada linha da tabela corresponde a uma transação. Fica provado que as transações constantes dos anexos A a K foram intermediadas pela Requerente.

 

  1. Relativamente à dedutibilidade, para efeitos fiscais, de gastos com o pagamento pela Requerente de serviços a fornecedores sedeados em território nacional, nos quais se encontram as sociedades identificadas na alínea J) supra, o Relatório de Inspeção afirma o seguinte:

 

“II.3.6.9. Análise de valores facturados por fornecedores residentes

Na contabilidade do sujeito passivo estão registados vários fornecedores de bens e serviços, residentes com sede em território nacional, cujas facturas emitidas respeitam a fornecimentos de natureza vária e nas quais se incluem as facturas indicadas no quadro seguinte, selecionadas a título de amostra, de entre o universo de fornecedores de serviços com facturas registadas contabilisticamente.

Nas facturas identificadas pela descrição do serviço prestado, não se consegue avaliar a relevância do mesmo, na actividade da empresa na obtenção dos rendimentos sujeitos a IRC, pelo que foi efectuda notificação nos termos do artigo 23.º do CIRC, para apresentação dos documentos de prova efectiva sobre o cumprimento dos requisitos exigidos no artigo 23.º n(s) 1, 2 al. a) e al. b), 3, 4 e 6 do CIRC, para efeitos de aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos (anexo 6)

(…)

III.1.1.2. – Serviços de marketing prestados por entidades sediadas em território nacional

Conforme já foi referido no ponto II.3.6.9. do relatório decorrente da análise efectuada aos documentos contabilísticos da entidade e em obediência às formalidades dos n.º (s) 1, 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IRC, foi a sociedade notificada em 22 de maio de 2019 para apresentar documentos de prova efectiva sobre o cumprimento dos requisitos exigidos quanto à materialidade das operações (anexo 6, já referido).

Em 11 de Julho de 2019, o sujeito passivo apresentou uma pasta contendo uma breve exposição acerca do motivo pelo qual recorreu à contratação dos serviços prestados pelas entidades emitentes das facturas em análise, a que junta duas actas da reunião dos sócios-gerentes da sociedade, ocorridas em 5 de dezembro de 2013 e 5 de janeiro de 2015 (anexo 10 e anexo 9, já referido)

Aferição da obediência aos requisitos de dedutibilidade

Conforme já foi referido no ponto anterior e que decorre do artigo 23.º do CIRC, para que os gastos suportados sejam valorados e aceites fiscalmente, os mesmos têm que cumprir dois requisitos fundamentais: a sua comprovação e a ligação aos ganhos sujeitos a impostos, o que significa que o gasto  tem que ser real, documentado, através de facturas emitidas sobre a forma legal (documentos emitidos por residentes em território nacional) e tem que estar directamente relacionados com a obtenção dos ganhos sujeitos a imposto, que de outra forma não seriam obtidos.

Na pasta entregue pelo sujeito passivo, referente à justificação dos gastos titulados pelas facturas identificadas no II.3.6.9. do relatório são representadas, por cada uma das facturas, listagens com o nome de “potenciais” adquirentes dos imóveis angariados para venda pela A..., e uma breve ficha de cliente extraída da base de dados informática utilizada pela A... . De acordo com as listagens referidas conjugadas com as actas de reuniões dos sócios-gerentes cujas cópias constituem o anexo 9 do relatório por cada um desses potenciais adquirentes de imóveis identificados foi devido e pago o valor de 5.000,00 euros.

Não obstante as facturas cumprirem os formalismos legais definidos no artigo 36.º do Código do IVA e requeridos nos n.º(s) 3,4 e 6 do artigo 23.º do código do IRC, as provas documentadas apresentadas pelo sujeito passivo para justificação dos gastos neles representados não cumprem o requisito definido no n.º 1 do mesmo artigo 23.º do CIRC, porque não reflectem uma ligação directa com a obtenção de ganhos sujeitos a imposto, ou seja, não existe documentalmente nenhuma prova inequívoca de que aquele gasto gerou para o A..., um ganho e que foi indispensável à obtenção do mesmo.

Refira-se a esse título que as facturas emitidas pelas entidades B... Lda., e D...– Unipessoal Lda., identificam “serviços de consultoria” e as facturas emitidas pela C...– Unipessoal Lda. Identificam “promoção de produto, concepção de materiais e conceito no período de 1 de janeiro a 31 de outubro de 2015”, “promoção de produto, concepção de materiais e conceito no período de 1 de novembro a 31 de outubro de 2015”, e não existe nenhum outro documento que comprove um proveito obtido por via daquela despesa (anexo 12).

As facturas em análise apresentam descritivos genéricos e por outro lado, as entidades emitentes dessas facturas apresentam como sócios-gerentes e únicos colaboradores, os sócios gerentes da A..., ou outros colaboradores desta, os quais são remunerados pelas funções exercidas nesta entidade, conforme se comprova pela consulta ao balancet, na rubrica #63 – gastos com pessoal e nas declarações fiscais entregues, de que se destacam as declarações mensais de remunerações (DMR).

Logo de imediato são suscitadas dúvidas sobre a duplicação de gastos perante o exercício de uma actividade já remunerada como custos de pessoal.

Por outro lado, as facturas foram apresentadas em conjunto com uma lista de nomes de potenciais clientes, porém, não se encontra comprovado quais as funções desempenhadas pelas entidades B... Lda.,D... – Unipessoal Lda. e C...– Unipessoal Lda e de que modo estas se diferenciam dos serviços prestados pelas entidades estrangeiras, bem como por outras entidades terceiras nacionais a actuar no mesmo ramo de actividade e com gastos reflectidos nesta entidade.

Resumo do valor não aceite

Em face do exposto e baseado na documentação disponibilizada pelo sujeito passivo, no que concerne às facturas emitidas pela B... Lda., D...– Unipessoal Lda. e C... a mesma não representa prova suficiente de que os encargos a que correspondem os gastos estão diretamente relacionados com os rendimentos obtidos. Assim, o seu reconhecimento como gasto, não acolhe cabimento, à luz do artigo 23.º do CIRC.

De acordo com o descrito nos pontos anteriores e não tendo a A... cumprido o ónus da prova consagrado no artigo 23.º n.º 1 do CIRC, os gastos reconhecidos contabilisticamente na conta 62211136, devidos e pagos às referidas entidades residentes são fiscalmente desconsiderados de acordo com o quadro seguinte e cifram-se em 295.626,01 euros.

Gastos reconhecidos contabilisticamente devidos a residentes no ano 2015 e não reconhecidos fiscalmente – valores em euros

Rubrica

Valor

Gasto reconhecido contabilisticamente na conta 62211136 balanceado com a respectiva conta de fornecedores 221110062, relativo a “serviços de consultoria” –B... Lda.

 

125.000.00

Gastos reconhecidos contabilisticamente na conta 62211136 balanceados com a respectiva conta de fornecedores 221110053 relativos a promoção de produto, concepção de materiais e conceito no período de 1 de janeiro a 31 de outubro de 2015 e promoção de produto, concepção de materiais e conceito no período de 1 de novembro a 31 de outubro de 2015.- C... Unipessoal Lda.

 

120.626.01

Gasto reconhecido contabilisticamente na conta 62211136 balanceado com a respectiva conta de fornecedores 221110127, relativo a “serviços de consultoria” –D... Unipessoal Lda.

 

50.000.00

 

  1. No seguimento da inspeção aos elementos contabilísticos e fiscais do exercício de 2015 a AT efetuou correções à matéria coletável e ao cálculo do imposto, apurados pela Requerente, no valor de € 295.626,01 relativos às faturas, identificadas na alínea L) supra, cujos montantes não foram aceites como gastos dedutíveis pela AT por considerar que «não se constituírem como gastos diretamente relacionados com os rendimentos obtidos».

 

  1.  A AT efetuou também correções em sede de IRC a pagar no montante global de € 83.650,00 respeitantes a: (i) € 66.150,00, calculados à taxa de 35% sobre o montante de € 189.000,00 de alegadas remunerações variáveis pagas aos gerentes da Requerente (artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do CIRC);  (ii) € 17.500,00, relativo a retenções na fonte de IRC em falta, sobre rendimentos pagos a uma entidade não residente, para efeitos fiscais, em território nacional (artigo 94.º, n.º 6 do CIRC), sendo que este último montante não faz parte do objeto do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Na decorrência da ação inspetiva supra identificada foram emitidos os seguintes atos tributários relativos ao exercício de 2015:
  1. Liquidação n.º 2019 ... de IRC, de 23-10-2019, acerto de contas em 25-10-2019, n.º da compensação 2019..., no montante de € 83.409,91, acrescida da Liquidação de juros compensatórios - recebimento indevido - n.º 2019 ... no valor de €8.303,56 e da Liquidação de juros compensatórios – retardamento da liquidação - n.º 2019..., no valor de €8.838,17, correspondentes à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019 ... cujo saldo apurado é de € 149.069,51.
  2.  Liquidação n.º 2019 ... de IRC, de 23-10-2019, (Segunda Notificação) acerto de contas em 13-12-2019, n.º da compensação 2019 ..., no montante de €34.34140, acrescida da Liquidação de juros compensatórios - recebimento indevido n.º 2019 ..., no valor de € 8.303,56 e da Liquidação de juros compensatórios – retardamento da liquidação - n.º 2019 ..., no valor de €8.838,17, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019 ... .

 

  1. Nos documentos de demonstração de liquidação de juros, identificados na alínea anterior, constam: (i) o motivo da liquidação: recebimento indevido ou retardamento da liquidação; (ii) indicação da fundamentação legal: artigo 102.º do CIRC e 35.º da LGT; (iii) valor base: o montante do imposto em falta sobre o qual incidem os juros; (iv) o período a que respeita; (v) a taxa de juro aplicável: 4%; (vi) valor dos juros apurado.

 

  1. A Requerente, em 03-07-2020, apresentou, nos termos do disposto no artigo 137.º do CIRC e dos artigos 68.º, 70.º, 99.º e 102.º, n.º 1 alínea a), do CPPT, reclamação graciosa contra a liquidação de IRC n.º 2019 ... e respetivos juros de compensatórios, que recebeu o n.º de processo ...2020... .

 

  1. Relativamente à reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, a Requerente foi notificada, por ofício da Direção de Finanças de Lisboa - Justiça Tributária, de 22-04-2021, para exercer o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, prevista no artigo 60.º da LGT.

 

  1. A reclamação graciosa supra identificada foi objeto de despacho de indeferimento remetido à Requerente através do Ofício n.º..., de 04-06-2021, da Direção de Finanças de Lisboa - Justiça Tributária.

 

  1. A Requerente, em 07-09-2021, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Por despacho da Subdiretora – Geral da Área da Gestão Tributária IR, proferido por delegação de competências e datado de 19-10-2021, foi revogado parcialmente o ato de liquidação supra identificado relativamente à correção da tributação autónoma liquidada à taxa de 35% sobre o montante de gastos referentes a remunerações variáveis atribuídas aos sócios-Gerentes, a que corresponde imposto (TA) no valor de € 66.150,00.

17. Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

18. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes os documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com a posição da Requerente expressa no pedido de pronuncia arbitral e a posição da Requerida constante da resposta.

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

IV. MATÉRIA DE DIREITO

19. Questões decidendas

As questões suscitadas pela Requerente no presente processo são as seguintes: (i) Falta de fundamentação da liquidação de IRC notificada, em violação do disposto no artigo 77.º da LGT; (ii) Preterição de formalidade legal essencial por incumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT; (iii) Não dedutibilidade para efeitos fiscais, de gastos com o pagamento de serviços a entidades sedeadas em território nacional, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC; (iv) Tributação autónoma à taxa de 35%, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 13, do artigo 88.º do Código do IRC (CIRC), sobre o montante de gastos contabilizados referentes a remunerações variáveis atribuídas aos sócios-Gerentes; (iv) Ilegalidade dos juros compensatórios liquidados por omissão de notificação para o exercício do direito de audição em momento prévio à sua liquidação e por omissão de fundamentação dos mesmos; (v) Direito a juros indemnizatórios a receber por referência a alegado imposto indevidamente pago.

20. Inutilidade superveniente parcial da lide

A Requerente alegou no pedido de pronúncia arbitral a ilegalidade da tributação autónoma liquidada à taxa de 35%, ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, sobre o montante de gastos referentes a remunerações variáveis atribuídas aos sócios-Gerentes.

Conforme resulta da matéria provada (vd., alíneas HH) do n.º 16 supra) a AT revogou parcialmente o ato objeto de contestação relativamente à correção da tributação autónoma liquidada à taxa de 35% sobre o montante de gastos referentes a remunerações variáveis atribuídas aos sócios-Gerentes, a que corresponde imposto (TA) no valor de € 66.150,00.

Este facto, que ocorreu na pendência do processo arbitral, torna inútil o prosseguimento da lide relativamente a esta pretensão formulada pela Requerente.

Neste âmbito, importa referir que o artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, determina que a instância se extingue com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tenha qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante pretende fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

Relativamente às cinco questões decidendas, referidas no n.º anterior, a Requerente, devido à revogação realizada pela AT, perdeu o interesse na lide relativamente à tributação autónoma sobre o montante de gastos contabilizados referentes a remunerações variáveis atribuídas aos sócios-Gerentes. Preenche-se, assim, quanto a esta questão, a condição prevista para a extinção da instância por inutilidade superveniente.

Em consequência, na parte em que a presente ação arbitral se funda na referida causa de pedir, identificada na alínea (iv) do n.º anterior, deve julgar-se extinta a instância processual, por já ter sido alcançada, de outra forma, o fim visado com a ação, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e), e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Devido à extinção meramente parcial da lide, a ação prossegue em relação aos demais fundamentos.

21. Ordem do conhecimento dos vícios alegados

De acordo com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

Não tendo a Requerente alegado nenhum vício conducente à nulidade, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.

Atenta a inutilidade superveniente parcial da lide, referida no n.º anterior, as questões que subsistem para decisão serão apreciadas pela ordem seguinte:

i) Falta de fundamentação da liquidação de IRC notificada, em violação do disposto no artigo 77.º da LGT;

(ii) Preterição de formalidade legal essencial por incumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT;

(iii) Não dedutibilidade para efeitos fiscais, de gastos com o pagamento de serviços a entidades sedeadas em território nacional, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC;

(iv) Ilegalidade dos juros compensatórios liquidados por omissão de notificação para o exercício do direito de audição em momento prévio à sua liquidação e por omissão de fundamentação dos mesmos;

(v) Direito a juros indemnizatórios a receber por referência a alegado imposto indevidamente pago.

22. Da falta de fundamentação da liquidação de IRC notificada

22.1. A Requerente começa por alegar a falta de fundamentação da liquidação de IRC notificada, em violação do disposto no artigo 77.º da LGT, nos seguintes termos:

 i) Nos atos de liquidação notificados não são explicitados os fundamentos, quer de facto quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo, apenas, indicado um conjunto de valores, sem qualquer identificação quanto à sua natureza e origem, impercetíveis para um destinatário normal, e também para a Requerente.

ii) Ora, atendendo ao disposto no artigo 77.º, n.º 2, da LGT impende sobre a Administração tributária o dever legal de fazer referência expressa às disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente, e tem por consequência a anulabilidade do ato.

iii) No presente caso não pode ser invocada a fundamentação operada por via de remissão para a “fundamentação já remetida”. Desde logo, porque não há qualquer remissão explícita para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação.

iv) O respeito pelos mais elementares direitos dos contribuintes obriga a que a fundamentação seja contemporânea e contextual e, também, que não se presuma, devendo resultar de forma clara, expressa e inequívoca do próprio ato, o que não sucedeu. Ora, nos atos que são objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral não há qualquer referência, expressa, ou implícita, ao Relatório da Inspeção Tributária ou a outro qualquer documento concreto.

v) Em conclusão, as liquidações notificadas à Requerente são omissas quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pelo que estão inquinadas de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anuladas em conformidade, nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

22.2. Quanto à alegada falta de fundamentação da liquidação a Requerida afirma que:

i) A fundamentação deve ser clara, expressa, suficiente e congruente, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que nesse caso, constituirão parte integrante do respetivo ato.

ii) Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, exige-se que a fundamentação possa ser considerada suficientemente clara e compreensível, nas razões de facto e de direito, para um destinatário médio colocado na situação concreta. (entre outros, acórdãos do STA de 21.06.2017, processo n.º 068/17, de 26.03.2014, recurso 1674/13, de 23.04.2014, recurso 1690/13, de 20.11.2016, recurso 545/15 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 07.06.2017, recurso 723/15).

iii) Com efeito, o ato de liquidação constitui um ato em massa que consiste no apuramento matemático, processado informaticamente, do valor a pagar ou a receber pelo sujeito passivo, sendo o culminar / concretizar de uma sucessão de atos encadeados que conduzem ao cálculo do imposto a pagar ou a receber e o fundamentam.

iv) Cumpre não olvidar que as liquidações impugnadas surgem na sequência do procedimento de inspeção tributária, relativo ao ano de 2015, de que a Requerente foi objeto, tendo a liquidação sido efetuada com base nos factos constantes do Relatório de Inspeção Tributária, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar.

v) Com efeito, os atos de liquidação em causa foram praticados, na sequência de procedimento inspetivo realizado ao exercício de 2015, cujo relatório foi notificado à Requerente contendo a seguinte menção expressa: "Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar".

22.3. Agora cumpre decidir procedendo, em primeiro lugar, ao enquadramento do direito à fundamentação para, depois, verificar se o mesmo foi ou não cumprido pela AT no presente caso.

O direito à fundamentação está consagrado no artigo 268.º, da CRP da seguinte forma:

“1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

(…)

3. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas. (…)”.

 

Este direito dos administrados implica, ao mesmo tempo, um dever que impende sobre a administração fiscal estabelecido no artigo 77.º, da LGT, nos seguintes termos:

 

Artigo 77.º

Fundamentação e eficácia

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. (…)”.

 

O Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 12-03-2014, proferido no processo n.º 01674/13, refere o seguinte:

“(…) o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do acto”.

           

Sobre a possibilidade de fundamentação por via da remissão, adesão, ou concordância com outros atos o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 19-05-2004, proferido no processo n.º 0228/03, afirma: 

“Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do acto, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita”, pelo que a remissão, se não for expressa, terá de decorrer do contexto do acto tributário em si ou do qual este emerge, conquanto se mantenha possível ao sujeito passivo, colocado na posição de um destinatário normal, alcançar o itinerário cognoscitivo levado a cabo pela AT na tomada de decisão.”

           

O cumprimento do dever de fundamentação, como salienta Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, visa conferir aos sujeitos passivos a possibilidade de atestarem a legalidade do ato, tomando a opção consciente entre a sua aceitação ou a sua impugnação pela via administrativa ou judicial[1].

Conforme resulta da matéria de facto dada como provada (vd., alínea H), Z), AA) e BB) do n.º 16 supra), os atos de liquidação impugnados foram praticados na sequência de uma inspeção tributária ao exercício de 2015, cujo relatório foi notificado à Requerente. Em consequência, a Requerente na qualidade de destinatária dos atos de liquidação sabia qual foi a situação de facto que deu origem às liquidações e o modo como o direito foi interpretado e aplicado ao caso concreto pela AT.

Em face do exposto, concluímos que os requisitos legais mínimos de fundamentação, exigidos nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, e 77.º, da LGT, foram devidamente cumpridos, sendo percetível para um destinatário normal que os fundamentos dos atos de liquidação constam do relatório de inspeção tributária que anteriormente foi notificado à Requerente. Aliás, da diversa documentação constante dos autos resulta que a Requerente compreendeu devidamente o itinerário cognoscitivo da AT até à emissão dos atos de liquidação.

Apesar de tudo, verifica-se que no documento relativo à demonstração de liquidação não consta a referência expressa ao relatório de inspeção tributária.

A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-10-2020, proferido no processo n.º 0213/14.8BECBR afirma o seguinte: “nem sempre a falta de fundamentação importa a anulação do ato. Não é assim, designadamente, quando o fim visado pela exigência formal preterida tenha sido alcançado por outra via, isto é, quando for de entender que da violação das regras formais não tenha resultado uma lesão efetiva dos valores ou interesses protegidos pela norma que prescreve a formalidade ou exige a sua observância. Nestes casos, em que for de entender que esses valores ou interesses foram acautelados por outra via, o vício de forma torna-se irrelevante, e o incumprimento da norma que prescreve ou exige a formalidade degrada-se no incumprimento de uma formalidade não essencial”.

Efetivamente, a falta de referência expressa nos atos de liquidação ao relatório de inspeção pode configurar uma mera irregularidade. Só que, no presente caso, isso não prejudicou a correta compreensão pela Requerente da relação entre os atos de liquidação e o relatório de inspeção. Por isso, conforme resulta dos autos, apesar de não haver uma remissão explícita para o relatório de inspeção, a Requerente compreendeu plenamente os fundamentos das liquidações impugnadas que derivavam dessa ação inspetiva.

Em conclusão, julga-se improcedente o vício de falta de fundamentação imputado pela Requerente aos atos de liquidação.

23. Da preterição de formalidade legal essencial

23.1. A Requerente alega também a preterição de formalidade legal essencial por incumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, ou seja, por ausência de promoção da audição do contribuinte em momento prévio à emissão do ato de liquidação em causa nos presentes autos arbitrais, nos seguintes termos:

i) A Requerente desconhece os fundamentos subjacentes às liquidações que constituem o objeto da presente Pedido de Pronúncia Arbitral, pois os mesmos não constam do próprio ato, nem é feita remissão expressa para qualquer documento contemporâneo ou anterior a esse mesmo ato.

ii) Ora, não tendo a Requerente também sido notificada, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT invoca, para todos os efeitos legais, a violação do citado preceito legal;

iii) Daqui resulta a anulação dos atos de liquidação contestados, por preterição de formalidade legal essencial, ou seja, falta de audiência prévia.

23.2. Quanto à alegada preterição de formalidade legal essencial a Requerida afirma o seguinte:

i) Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, o contribuinte deve ser ouvido no procedimento antes da liquidação, a não ser que, conforme resulta do n.º 3 do referido artigo, já tenha sido ouvido anteriormente em qualquer das fases do procedimento e não tenham sido invocados factos novos sobre os quais não se tenha ainda pronunciado, caso em que é dispensada a audição antes da liquidação.

ii) No caso sub judice, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projeto do relatório de inspeção tributária, nos termos do artigo 60.º da LGT e a petição para exercício do direito de audição foi apresentada dentro do prazo estabelecido.

iii) Nestes termos, tendo a Requerente sido ouvida sobre o projeto de relatório de inspeção do qual derivam as liquidações impugnadas e inexistindo novos factos, considerando o disposto no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, estamos perante uma situação em que é dispensada a audiência prévia do contribuinte antes da liquidação, pelo que improcede o vício apontado.

23.3. Cumpre decidir.

O arrigo 60.º da LGT, com a epígrafe “Princípio da participação”, tem o seguinte teor:

 “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

(…)

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado. (…)”.

 

  Resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerente foi devidamente notificada para exercer o seu direito de audição quanto ao projeto de conclusões do Relatório de Inspeção e que exerceu aquele direito, por escrito, tendo-se pronunciado sobre o teor das correções que constavam no referido relatório (vd., alíneas E) e F) do n.º 16 supra).

Após a apresentação da reclamação graciosa, a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição quanto ao projeto de decisão da reclamação graciosa. (vd., alínea EE) do n.º 16 supra).

            Assim, constata-se que a Requerente foi devidamente notificada para exercer o direito de audição nas diversas fases do procedimento ocorridas no presente caso.

A Requerente limita-se a invocar a falta de notificação para o exercício de audição prévia antes da liquidação. Ora, a Requerente foi ouvida sobre o projeto de relatório de inspeção do qual resultaram as liquidações impugnadas e inexistiram factos posteriores relativamente aos quais a Requerente devesse voltar a ser ouvida.

Nestes termos, considerando o disposto no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, a AT estava dispensada de proceder à audiência prévia da Requerente antes da liquidação.

Atendendo ao exposto improcede o vício alegado pela Requerente.

24. Da não dedutibilidade para efeitos fiscais, de gastos com o pagamento de serviços a três entidades sedeadas em território nacional

24.1. A Requerente vem depois impugnar a não dedutibilidade para efeitos fiscais, de gastos com o pagamento de serviços a três entidades sedeadas em território nacional, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC.

De acordo com a matéria de fato provada (vd., alínea L) do n.º 16 supra) estão em causa gastos da Requerente no montante total de € 295.626,01, que esta deduziu no apuramento do seu lucro tributário de 2015, relativos ao pagamento de serviços prestados pelas empresas B..., Lda., no montante de € 125.000,00, C...- Unipessoal, Lda., no montante de € 120.626,01, e D..., Unipessoal, Lda., no montante de € 50.000,00.

24.2. A Requerente expressa a sua posição nos seguintes termos:

i) Resulta demonstrada nos autos a materialidade dos gastos suportados pela Requerente, subjacentes às faturas emitidas pelas sociedades B..., Lda., C...–Unipessoal, Lda. e D..., Unipessoal, Lda., e a indispensabilidade desta decisão de gestão e destes gastos para a atividade da Requerente.

ii) Os serviços em análise permitiram o aumento das angariações de clientela internacional (nomeadamente, Golden Visa e Residentes Não-Habituais) e, consequentemente, o aumento das intermediações imobiliárias realizadas pela empresa em Portugal e a maximização dos seus resultados.

iii)  Ora, não restam dúvidas de que os gastos assumidos pela Requerente com os serviços de angariação prestados pelas empresas B..., Lda., D..., Unipessoal, Lda. E C... – Unipessoal, Lda., eram adequados ao aumento das intermediações imobiliárias em Portugal e, consequentemente, a proporcionar proveitos ou ganhos para a Sociedade.

iv) Considerando que se encontram verificados todos os requisitos exigidos pelo artigo 23.º do CIRC para aceitação da dedutibilidade dos gastos em causa, que não poderá deixar de ser considerado ilegal o entendimento vertido no Relatório de Inspeção Tributária.

v) Em consequência, os atos de liquidação que constituem o objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral devem ser anulados, também com este fundamento, pois mostram-se praticados com ofensas das normas e princípios jurídicos aplicáveis.

24.3. A posição da AT é a seguinte:

i) No caso em apreço, a Requerente não identificou, quer em sede de direito de audição do projeto de correções, quer em sede de reclamação graciosa, ou mesmo neste procedimento arbitral, quais as vendas realizadas, diretamente decorrentes destas prestações de serviços adquiridas, não efetuando qualquer ligação entre os adquirentes de imóveis e os potenciais angariadores, pelo que não se verifica estar cumprido o ónus da prova.

ii) Estando em causa a efetiva prestação dos serviços faturados e a sua justificação à luz dos critérios de racionalidade económica que presidem à atuação da empresa, atentos os elementos expressos no Relatório de Inspeção Tributária que imprimem fundada dúvida sobre os mesmos, cabia à Requerente demonstrar, através de elementos sindicáveis, tal efetividade e a congruência económica de tais gastos.

iii) Com efeito os elementos de prova, aduzidos pela Requerente, não logram demonstrar que os gastos faturados colocados em questão pela AT cumprem os requisitos expressos no artigo 23.º do CIRC, desde logo, a efetiva realização dos serviços que lhe subjazem.

iv) Relembre-se, o mencionado na reclamação graciosa quanto aos sócios gerentes das sociedades, ou seja, que as sociedades B..., Lda., C...– Unipessoal, Lda. e D..., Unipessoal, Lda têm como sócios gerentes e únicos colaboradores, os sócios gerentes da A... e um colaborador desta.

v) Apesar da Requerente ter apresentado a listagem de potenciais compradores, o certo é que, não se encontra demonstrado que este gasto gerou qualquer ganho.

24.4. Cumpre decidir.

A dedutibilidade dos gastos em IRC, é regulada pelo artigo 23.º do CIRC, que, no ano de 2015, tinha o seguinte teor:

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

(...)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”.

A redação desta norma resultou do disposto na Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, na sequência das alterações propostas pela Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. O objetivo da Comissão foi aproximar a redação desta norma da interpretação da jurisprudência e da doutrina acerca do conceito de indispensabilidade.

A este respeito, o Relatório Final da referida Comissão afirma o seguinte:

“…na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal dos gastos que não se inscrevam no âmbito da atividade das empresas sujeitas a IRC.” (vd., Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Relatório Final, Lisboa, Ministério das Finanças, 2013, pp. 97 e 98)

O STA no Acórdão, de 15-11-2017, proferido no Proc. 0372/16, defende a seguinte posição: 

“(…) como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?

Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).

Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0debd9869a94ea78025795f003be743.

Mais recentemente, o acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 627/16, disponívelemhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ff886014e34df8d80258152004d86f8.).

Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).

Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.”

De acordo com a matéria de facto provada nos presentes autos arbitrais resulta que a Requerente elaborou, no ano de 2013, e executou, nos anos seguintes de 2014 e 2015, uma estratégia empresarial destinada dinamizar a sua atividade (vd., alíneas P), Q), R), S) e T) do n.º 16 supra).

No âmbito dessa estratégia a Requerente decidiu, através dos seus órgãos próprios, que os serviços de promoção e de angariação de imóveis seriam efetuados em regime de outsourcing, ainda que prestado por pessoas da empresa (vd., alínea U) do n.º 16 supra). 

A este respeito importa salientar que, nos termos do enquadramento legal vigente, não cabe à AT sindicar o mérito e a oportunidade das decisões económicas da gestão das empresas, caso contrário estaria a intrometer-se na liberdade e autonomia de gestão empresariais.

Efetivamente, um custo deve ser aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente com maus resultados[2]. Nestes termos, o contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei (artigos. 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c), da Constituição da República Portuguesa), tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja[3].

Conforme resulta dos presentes autos a AT colocou em causa a efetividade destes gastos.

No que respeita ao ónus da prova dos requisitos da dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, estabelece o seguinte:

“1 – Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízos dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

 

Neste ponto o Tribunal concorda com a posição expressa na Decisão Arbitral proferida, em 11 de junho de 2021, no processo n.º 715/2019-T quando afirma:

Os requisitos de dedutibilidade dos gastos não beneficiam, portanto, da presunção de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, tal como resulta expressamente do teor do referido normativo. Atente-se, neste aspecto, à ressalva feita pelo legislador – “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Esta conclusão tem vindo, inclusive, a ser defendida pelos tribunais superiores, como decorre da jurisprudência que se extrai do Acórdão do TCA-Sul de 28 de Março de 2019, proferida no processo n.º 69/17.9BCLSB11, nos termos da qual se refere que, “A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C”. Conclui aquele aresto que “no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr. artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.)”.”

Assim, conforme resulta do exposto compete à Requerente o ónus de demonstrar que os serviços subjacentes àqueles gastos foram efetivamente prestados.

A efectividade dos serviços prestados, de que depende a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, tem de ser aferida em concreto.

Na verdade, a Requerente demonstrou nos autos que a angariação de clientes em regime de outsourcing, nos termos da estratégia empresarial delineada, têm potencialidade para incrementar os seus proveitos. Ora, o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração Fiscal intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, e foram contraídos para satisfazer outros interesses alheios à atividade da empresa, o que manifestamente não resulta da matéria de facto provada nos autos.

Além do requisito previsto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, os n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo preceito estabelecem como requisito cumulativo a comprovação documental dos gastos. O objetivo do legislador é que esteja provado, por documento idóneo, que os gastos estão diretamente relacionados com a atividade normal do sujeito passivo, ou seja, demonstrar inequivocamente que está cumprido o requisito previsto no n.º 1. Se assim não for, estamos perante encargos não devidamente documentados.

De acordo com a matéria de fato provada as faturas em causa cumprem os formalismos legais estabelecidos nos números 3, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC, conforme reconhece o Relatório de Inspeção Tributária (vd., ponto III.1.1.2. do Relatório de Inspeção Tributária transcrito na alínea Y) do n.º 16 supra).

Atendendo à matéria de facto provada afigura-se que existe documentalmente prova bastante para considerar que os gastos expressos nas faturas emitidas pela B..., D... e C... correspondem a serviços efetivamente prestados por aquelas empresas e foram adequados para obter ou garantir os rendimentos da Requerente, sujeitos a IRC.

Pelo exposto, é de concluir que o ato de liquidação contestado enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito ao considerar não verificados os requisitos exigidos pelo artigo 23.º do CIRC para a aceitação da dedutibilidade dos gastos em causa, vício esse que justifica a sua anulação, nos termos previstos no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.

25. Da ilegalidade dos atos de liquidação de juros compensatórios

25.1. Quanto aos juros compensatórios liquidados, a Requerente alega a sua ilegalidade com os fundamentos seguintes:

i) Da análise do procedimento seguido pela AT resulta evidente que não é feita qualquer referência a que o, suposto, retardamento da liquidação do imposto tenha resultado de facto imputável à Requerente. Assim, a AT não cuidou de salvaguardar o disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º, n.ºs 1, alíneas a) e e), e 3, da LGT e 45.º do CPPT, atuando de forma ilegal e unilateral.

ii) A Requerente foi, de facto, notificada para exercer o direito de audição prévia, mas apenas quanto ao projeto de conclusões da ação de fiscalização, onde não é referida a questão dos juros compensatórios, nem a imputabilidade dos mesmos à Requerente. A AT abstém-se de indicar quais os elementos em que se baseia para promoção da liquidação de juros compensatórios sub judice, apenas notificando a posteriori um documento denominado “Demonstração da liquidação de juros”, o qual também não faz qualquer menção à culpa da Requerente no alegado atraso na liquidação.

iii) Na verdade, a AT limitou-se a notificar o ato tributário de liquidação que inclui juros compensatórios, sem cuidar de garantir a participação da Requerente na formação da decisão e, sem indicar os motivos pelos quais considera existir culpa imputável à Requerente no alegado atraso na liquidação do imposto.

iv) A AT impediu a Requerente de conhecer, em toda a sua extensão, o porquê do encargo adicional que lhe é imposto, bem como de apreciar a sua legalidade. Assim, a ausência de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, nomeadamente no que respeita à culpa da Requerente no alegado atraso na liquidação, viola o disposto no n.º 9 do artigo 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º, ambos da LGT, bem como o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP.

25.2. A AT quanto à alegação da Requerente sobre a ilegalidade dos juros compensatórios liquidados afirma o seguinte:

i) Em matéria de liquidação de juros compensatórios é unanime a jurisprudência que refere serem requisitos da fundamentação dos mesmos a indicação do montante base sobre o qual incidem os juros, a taxa aplicável e o período de contagem dos mesmos. No caso concreto, atento o relatório inspetivo que exterioriza a situação fática apreendida e fundamenta a correção do imposto declarado (que constitui a base de liquidação, perfeitamente individualizada, dos juros compensatórios) e as demais indicações que constam na nota de demonstração da liquidação de juros, como sejam a indicação (ainda que sucinta) do motivo da liquidação desses juros, dos normativos aplicáveis, do valor base de incidência, do período de cálculo e da taxa aplicada, sempre se concluirá pela efetiva existência de uma fundamentação expressa, clara, suficiente e congruente.

ii) No caso em apreço, a liquidação adicional efetuada pela AT é resultado de uma conduta por parte do sujeito passivo que teve como resultado a não entrega parcial da prestação tributária a apurar nos termos da lei, materializada numa (auto) liquidação inferior à devida por incumprimento das regras estabelecidas no CIRC, como ficou demonstrado na descrição dos elementos de facto e de direito apurados pelos Serviços Inspetivos, vertidos no relatório da respetiva ação inspetiva, que foi devidamente notificado à Requerente.

iii) A conduta da Requerente, que resultou numa entrega de imposto em montante inferior ao devido, constitui uma infração tributária, e consequentemente integrante de culpa, conforme  expresso no projeto de relatório notificado à Requerente para efeitos de audição prévia e no Relatório de Inspeção Tributária.

iv) Nestes termos, inexiste falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios em toda a sua extensão e inexiste também a falta de promoção da audição do contribuinte no tocante ao requisito da culpa imputável ao mesmo no retardamento da liquidação.

25.3. Cumpre decidir.

No tocante aos juros compensatórios, previstos no artigo 35.º da LGT, sendo a liquidação de IRC, na parte em apreciação, inválida por vício substantivo de erro nos pressupostos de direito, de acordo com o exposto no n.º 24.4. supra, não se verifica o requisito constitutivo desses juros, que consiste no retardamento da liquidação de imposto devido, pelo que devem, de igual modo, ser anulados.

26. Dos juros indemnizatórios

Quanto ao pedido acessório de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, formulado pela Requerente cabe dizer o seguinte.

26.1. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.

Tendo este Tribunal concluído, no n.º 24.4. supra, que o ato tributário contestado enferma do vício substantivo de erro nos pressupostos de direito, consequentemente, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, tem a Requerente, nessa parte, direito a juros indemnizatórios.

Assim, nessa parte, o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios é considerado procedente por este Tribunal Arbitral. Nestes termos, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou nesta parte, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força do ato anulado e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso.

26.2. Subsiste a questão dos juros indemnizatórios relativamente à parte em que existe a inutilidade superveniente da lide.

Como ficou consignado na Decisão arbitral, proferida no âmbito do processo n.º 412/2017-T, cuja posição este Tribunal subscreve, as consequências da revogação “ (…) hão-de ser retiradas pela própria Administração; ou, não o fazendo, ou fazendo-o em desconformidade com o entendimento do sujeito passivo, hão-de ser retiradas por decisão dos tribunais. Mas sempre noutra sede que não o processo impugnatório, que se dirige contra um acto, o que pressupõe a existência contemporânea, e não apenas pregressa, desse acto. Face ao RJAT, e dado que estamos no âmbito geral de um contencioso de anulação de actos, é inequívoco que um acto de um dos tipos previstos no artigo 2.º é imprescindível como objecto do processo arbitral, já que neste se visa apurar da sua legalidade ou ilegalidade. Sem um desses actos, falta objecto ao processo, gera-se uma impossibilidade da lide. Não quer isto dizer, todavia, que a Requerente perca o direito a exigir da Requerida os juros de que se acha credora. Este Tribunal é que não pode apreciá-lo no âmbito de uma lide que insubsiste. Não se trata, pois, de um caso de incompetência do Tribunal, porque ele detém competência para anular actos tributários de liquidação e para impor à AT, no respectivo processo, o pagamento de juros indemnizatórios – quando tais actos subsistam e haja lugar a esses juros. Mas tal não é possível porque, nesta acepção, o pedido relativo aos juros indemnizatórios assumiria o papel de pedido principal, independente, e para um tal pedido o artigo 2º do RJAT não atribui competência aos tribunais arbitrais. Efectivamente, nem todos os actos são “susceptíveis de impugnação autónoma” (para usarmos a expressão do art. 10º, 1, a) do RJAT) perante os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo o âmbito dos processos arbitrais mais restrito do que o âmbito dos processos de impugnação judicial que correm perante os tribunais tributários, como resulta do confronto do art. 2º do RJAT com o art. 97º do CPPT.

Nestes termos, tendo ocorrido inutilidade superveniente parcial da lide, o presente Tribunal não pode conhecer, nessa parte, do pedido de juros indemnizatórios que haja sido oportunamente deduzido.

27. Das custas

Dos presentes autos arbitrais resulta que a revogação parcial do ato de liquidação pela Requerida, através do despacho de 19-10-2021, ocorreu após a entrada no CAAD, em 07-09-2021, do pedido de constituição do tribunal arbitral. Assim, o presente pedido de pronúncia arbitral foi, de forma causalmente adequada, consequência dos atos de liquidação que constituem o seu objeto, atos esses revogados parcialmente pela própria AT, que, ao fazê-lo, deu igualmente causa à extinção parcial da lide. Em consequência, entende-se que é a Requerida quem deve ser responsabilizada pelas correspondentes custas, nos termos do artigo 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.

Atendendo ao exposto, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária deve ser imputada à Requerida a responsabilidade pelas custas na parte relativa à inutilidade superveniente parcial da lide. Na parte restante a responsabilidade das custas também cabe à Requerida em virtude do respetivo decaimento.

 

V – DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, em relação ao pedido de anulação das liquidações de IRC e de juros compensatórios do período de tributação de 2015, supra identificadas, na parte relativa à tributação autónoma liquidada à taxa de 35% sobre o montante de gastos referentes a remunerações variáveis atribuídas aos sócios-Gerentes;

 

  1. Julgar a ação procedente na parte referente à dedutibilidade de gastos com o pagamento de serviços a entidades sediadas em território nacional, com a consequente anulação parcial das liquidações de IRC e de juros compensatórios do período de tributação de 2015, supra identificadas, tudo com as legais consequências;

 

  1. Julgar procedente na parte referente à dedutibilidade de gastos com o pagamento de serviços a entidades sediadas em território nacional o pedido de reembolso do montante pago pela Requerente acrescido de juros indemnizatórios;

 

  1. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020...;

 

e) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.

 

VI - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 149.068,51 (cento e quarenta e nove mil e sessenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos).

 

VII - Custas

O montante das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros) a cargo da Requerida, por se considerar que deu causa à ação quanto à inutilidade superveniente parcial da lide e no restante atendendo ao seu decaimento, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 14 de abril de 2022

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

O Árbitro Vogal

 

(Ricardo Gomes Pedro)

 

O Árbitro Vogal

 

(Olívio Mota Amador)



[1] Vd., Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 2012, Encontro da Escrita, pp. 675 e ss.

[2] A este respeito vd., Decisão Arbitral do CAAD, proferida no processo n.º 12/2013-T, em 8 de julho de 2013.

[3] Sobre este aspeto vd., Decisão Arbitral do CAAD, proferida no processo n.º 29/2012-T em 15 de junho de 2012.