Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 417/2021-T
Data da decisão: 2021-12-14  IRC  
Valor do pedido: € 36.836,21
Tema: IRC - IRC de 2016. Gastos e perdas. Artigo 23º do CIRC
Versão em PDF

Sumário

  1. A desconsideração de valores constantes de facturas relativas a prestações de serviços, para afeitos do regime do artigo 23º do CIRC, em que não se coloca em causa a sua validade formal e substancial e a sua regular contabilização, só pode ocorrer se não subsistirem dúvidas quanto à falsidade da realização da operação(ões) que as mesmas titulam;
  2. As especificações em facturas globais, relativas a prestações de serviços, emitidas com base num contrato escrito, podem corresponder à simples menção da “denominação usual dos serviços prestados” conforme alínea b) do nº 5 do artigo 36º do CIVA.

 

                                                           Decisão Arbitral

         1. Relatório

 

A..., S.A., NIPC..., com sede no ...,  ..., ... do..., Vilamoura, ...-..., Quarteira, doravante referida como «Requerente», veio ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo em vista a  declaração de ilegalidade da “liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao ano de 2016, com o n.º 2021...n e de juros compensatórios n.º 2021..., bem assim da demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., das quais resultou o montante total a pagar de €36.836,21”.

Termina pedindo que sejam:  “ANULADOS OS ACTOS  DE LIQUIDAÇÃO ADI-CIONAL DE       IRC     N.º  2021... E DE JUROS COMPENSATÓRIOS, N.º 2021..., BEM

 ASSIM A DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS N.º 2021..., COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS”.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-07-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular (TAS) o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 10-09-2021.

A AT apresentou resposta em 12.10.2021 e juntou o PA, não tendo suscitado excepções, nem questões prévias, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 05.11.2021 realizou-se a reunião de partes prevista no artigo 18º do RJAT. Foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela Requerente:  B... e C..., os quais reponderam aos factos alegados nos artigos 64º a 76º do PPA.

 Foi ouvida também a testemunha arrolada pela Requerida D... que respondeu aos factos arrolados nos artigos 8º a 19º da Resposta.

A Requerente apresentou alegações escritas em 23.11.2021. A Requerida não apresentou alegações. Notificada das alegações da Requerente em 23.11.2021, não contra-alegou até 13.12.2021.

 

A dissonância entre a Requerente e a Requerida resume-se a 3 facturas emitidas à Requerente por E..., Lda., NIPC ... durante o ano de 2016, no valor de € 136 319,53 (IVA incluído), relativas a um contrato de gestão (contrato de prestação de serviços com data de 01.05.2016).

A Requerente defende que as facturas não enfermam de desconformidade com a lei quanto à sua emissão, correspondem a serviços prestados e estão devidamente contabilizadas.

Por outro lado considera a Requerida, no RIT, como fundamento para a decisão (em sede de RIT que  resultou de um procedimento de inspecção) sobre a desconsideração fiscal dos valores titulados pelas facturas que: (1) o capital social da E... era detido em 100% pela Requerente; (2) a E... encontrava-se em crédito de IVA; (3) a Requerente tinha efectuado um investimento na E..., detendo sobre esta um crédito avultado; (4) a E... é uma “sociedade recente”; (4) a E... tem uma “dimensão em nada comparável à da” Requerente; (5) concluindo que “a situação em apreço, não se afigura como credível, configurando que estaremos na presença de faturas que não correspondem a serviços prestados, mas sim a forma de recuperar parte do investimento realizado”.

Em sede de Resposta ao PPA, a Requerida resume a sua dissonância referindo que a Requerente “não remete no presente pedido arbitral nem tem na sua contabilidade, qualquer suporte documental que discrimine de forma pormenorizada os serviços realizados pela E... e os valores envolvidos”.

 

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto actividades hoteleiras, eventos e agenciamento de artistas, bem como o comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda de produtos alimentares, bebidas e tabaco – conforme artigo 4º do PPA;
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente explora um espaço de diversão nocturna – o ...–, sito em Vilamoura, no Algarve, espaço composto essencialmente por duas zonas: uma interior e uma outra exterior, sendo esta ainda dividida em duas zonas – conforme artigos 6º e 7º do PPA e ponto II.3.6 do RIT, página 8 junto pela Requerente como Documento nº 4 em anexo ao PPA e PA8 e PA9 junto pela AT com a Resposta;
  3.  Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente foi objecto de uma acção de inspecção de carácter externo, de âmbito geral com incidência ao exercício de 2016, destinada ao controlo, comprovação ou verificação da sua situação tributária, tendo sido elaborado e notificado pela AT o projecto de relatório (RIT) com alterações em sede de IRC, tendo a Requerente exercido o direito a prévia audição, sendo-lhe depois notificado o RIT, versão final, contendo um ponto III.4 que refere o seguinte:

111.4 Fatura ... Club - Uma outra situação, prende-se com faturas emitidas pela sociedade E..., Lda, NIF..., duas no montante de € IOO.OOO, OO, uma de € 3.858,54 e, outra de € 7.170,35, acrescidas de IVA à taxa normal (23%), totalizando assim €259.319,53 [(€100.000.00*2+€3.658,54+€7.170,35)*1,23].

Esta situação foi inclusivamente reportada pela DSIFAE, por força de diligências efetuadas junto daquela empresa.

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

Ora, sobre esta sociedade há a destacar, em primeiro lugar que, o capital social da E..., era detido a 100%, pelo SP em análise.

A sociedade encontrava-se em crédito de IVA, desde a sua constituição (setembro de 2015), sendo que o SP em análise, efetuou um investimento avultado, tendo inclusivamente o saldo dos empréstimos efetuados à sociedade atingido o valor de €472.602.

Em 16-12-2016, foi celebrado um contrato de cessão de quotas e créditos, com a sociedade F..., Lda., onde foi transmitido a totalidade, bem como créditos que o SP detinha.

O valor total da transmissão ascendeu a €215.000,00, correspondendo € 1,00, ao capital social, e o restante pelos créditos.

Naturalmente que as faturas emitidas permitiram, por um lado, reduzir de forma significativa o valor da dívida da sociedade para com o SP, e por outro, a dedução do IVA liquidado, sendo que o crédito do emitente das faturas era superior, a este valor.

A única exceçã0 é um pagamento em dinheiro, registado na contabilidade €6.333,53, supostamente relacionado com a FT A161/14, ficando por liquidar 2.484,00 (€8.819,53-6.335,53).

Sucede, porém, que, nas trocas de correspondência dentro do grupo, existe a indicação que a mesma teria sido paga em cash, e não um pagamento parcial, como registado na contabilidade.

Se a contabilidade refletisse o pagamento total da fatura, o saldo da conta SNC II — Caixa, apresentaria um saldo credor no final do exercício de €629,68, uma vez que o saldo declarado no final do exercício é devedor em €1.854,32 (2.484,00 - 1.854,32= 629,68).

As restantes faturas, em termos contabilísticos, foram deduzidas ao crédito que o SP detinha.

A contrapartida foram contas de gastos, sendo a FT A161/12, da conta SNC 6268 — Outros Serviços, as FT 1699/1 e FT A161/14, da conta SNC 622113 — Trabalhos especializados — Merc. Nacional — tx n, e a FT A161/15 numa sub-conta da 281- Gastos a reconhecer”.

Sobre esta situação, há a referir que a conta 6268, apresenta um saldo no final do exercício de €134.512,24, e a conta 6222 Publicidade e propaganda, um saldo no final do exercício de €56.481.36, ou seja, no somatório das duas (€190,993'0), a fatura representa mais de 50% do valor, para além de que estamos perante uma sociedade recente, e com uma dimensão em nada comparável à do SP.

Assim, a situação em apreço, não se afigura como credível, configurando que estaremos na presença de.

faturas que nã0 correspondem a serviços prestados, mas sim a forma de recuperar parte do investimento realizado.

Assim, nos termos do artº 23º do CIRC, proceder-se-á à desconsideração das FT A161/12, FT A161/14 e FT

1699/1, no montante total de €110.828,89  (€100 000,00 + €7 170,35 + €3 658,54)”.

- conforme artigo 19º do PPA, páginas 13 e 14º do RIT junto pela Requerente como Documento nº 6 em anexo ao PPA e PA9 junto pela AT com a Resposta;

  1. Na sequência da notificação referida no ponto anterior, em data não apurada, a AT notificou a Requerente da liquidação de IRC com o n.º 2021 ... e de juros compensatórios n.º 2021 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., dos quais resultou o montante total a pagar de €36.836,21 – conforme artigo 14º do PPA, documentos nºs 1 a 3 em anexo ao PPA e artigo 1º da Resposta da AT;
  2. Em 01 de Maio de 2016, a Requerente celebrou com a sociedade E... Lda. NIPC..., com sede no mesmo local da sua sede, um contrato de prestação de serviços, para vigorar entre 1 de Maio e até 30 de Agosto, visando serviços de “gestão operacional e estrutural” - conforme artigo 70º do PPA e documento nº 6 em anexo ao PPA;
  3.  A sociedade E... Lda. NIPC..., organizou acções publicitárias, levadas a cabo através das redes sociais, realização de voos nas praias das áreas geográficas próximas e, bem assim, na contratação de artistas para actuar no espaço da Requerente, incluindo a produção de flyers, bem como serviços de voos publicitários – artigos 71º e 72º do PPA, documentos nºs 5, 7 e 8 juntos com o PPA e depoimento das testemunhas B... e C...;
  4. A Requerida procedeu, através da DSIFAE (Direcção de Serviços de Inspecções, Fraude e Acções Especiais) ao exame da contabilidade E... Lda. NIPC..., entidade que reportou a situação em dissídio nestes autos aos Serviços de Inspecção Tributária da AT – conforme artigo 76º do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT. Segundo parágrafo do ponto III.4 do RIT junto pela Requerente como Documento nº 4 em anexo ao PPA e PA9 junto pela AT com a Resposta;
  5. Até 05.11.2021, data da realização da reunião de partes neste processo, não ocorreu a promoção de qualquer procedimento de natureza criminal ou contraordenacional, com a finalidade de investigar a regularidade formal e substancial das facturas indicadas no quadro da alínea C) supra – conforme depoimento da testemunha D...;
  6. Em 06.07.2021 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.

 

2.1.  Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

            Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pela Requerente e pela Requerida e nos articulados não parte em que estão em conformidade, de forma expressa ou implícita, com os alegados por ambas. Por cada alínea dos factos provados, são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento entre as partes e que foram considerados relevantes.

            O depoimento das testemunhas da Requerente foram relevantes como  complemento à prova documental apresentada e foi no sentido de evidenciar que os serviços documentados nas facturas terão sido realizados, o que, aliás a própria AT nunca contestou de forma peremptória, uma vez que no RIT (que é a única fundamentação dos actos impugnados que aqui tem relevância) a conclusão a que se chegou foi que, face ao apurado, a situação “não se afigura como credível, configurando que estaremos na presença de faturas que nã0 correspondem a serviços prestados, mas sim a forma de recuperar parte do investimento realizado”.

            A AT refere em sede de Resposta ao PPA, que a Requerente “não tem na sua contabilidade qualquer suporte documental que discrimine de forma pormenorizada os serviços realizados pela E... e os valores envolvidos” (artigo 14º da Resposta).

            A testemunha da Requerida comprovou os factos descritos no ponto III.4 do RIT (salvo a matéria conclusiva que está contida na transcrição) e esclareceu o que consta na alínea H) e G) dos factos provados.

            Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

  • Quanto ao vício de violação de lei – artigo 23º do CIRC.

 

O que aqui está em causa é a desconsideração dos valores de 3 facturas, como gastos relevantes para efeitos de apuramento do IRC, que a AT levou a afeito, em sede de Relatório de Inspecção Tributária (RIT), a saber:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

No RIT a Requerida fundamenta as correcções realizadas referindo o seguinte:

1)  o capital social da E... era detido em 100% pela Requerente;

(2) a E... encontrava-se em crédito de IVA;

(3) a Requerente tinha efectuado um investimento na E..., detendo sobre esta um crédito avultado;

(4) a E... é uma “sociedade recente”;

(5)  a E... tem uma “dimensão em nada comparável à da” Requerente;

e destes factos extrai que “a situação em apreço, não se afigura como credível, configurando que estaremos na presença de faturas que não correspondem a serviços prestados, mas sim a forma de recuperar parte do investimento realizado”.

            Diga-se que a Requerida poderia acrescentar ainda um outro facto, que é provado na alínea E) da matéria de facto assente: ambas as entidades (Requerente e E...) têm a sede no ..., ..., Vilamoura, ...-..., Quarteira, o que reforça que são, notoriamente, entidades relacionadas.

Em sede de Resposta ao PPA (artigo 14º), a Requerida vem acrescentar que a Requerente “não remete no presente pedido arbitral nem tem na sua contabilidade, qualquer suporte documental que discrimine de forma pormenorizada os serviços realizados pela E... e os valores envolvidos”.

Ou seja, parece que o que separa materialmente as partes será o facto das faturas objeto da dissonância, no seu descritivo, não apresentarem o pormenor dos serviços (com os valores de cada serviço) realizados pela E... .

Vejamos então.

Antes de mais convirá abordar, em termos gerais, a pertinência, sob o prisma empresarial, da celebração do contrato a que se alude na alínea E) dos factos provados, porquanto, a empresa contratada, é instrumental para num curto espaço de tempo realizar gastos de promoção da discoteca de que a Requerente é proprietária com a marca “...”.

Os agentes económicos criam os instrumentos de gestão que entendem ser mais assertivos para a manutenção e desenvolvimento das suas empresas, não devendo a lei fiscal ser vista como impedimento às suas opções racionais de gestão. Podem optar por contratar serviços com terceiros ou criar empresas dentro do seu universo, aproveitando sinergias, certamente sempre norteados pela maior eficiência possível em termos de realização das despesas, incluindo em matéria fiscal (elisão fiscal não agressiva).

No caso deste processo, a E..., configura-se como sendo uma empresa instrumental, relacionada com a Requerente, à qual foi adjudicado um conjunto de serviços, a prestar entre de 1 de Maio de 2016 a 30 de Agosto de 2016, situação que terá que ser encarada como uma opção de gestão normal, uma vez que a separação entre a actividade em concreto da discoteca (o “core business” da Requerente) e a promoção da marca da discoteca que poderia inclusivé ser contratada com entidade(s) terceira(s) (v.g. agência de publicidade), constitui algo a que não pode deixar de se atribuir um grau de consistência e racionalidade económica significativo.

Naturalmente o problema que aqui se coloca é o facto de se tratar de entidades relacionadas, com todos os problemas que daí podem resultar ao nível da v.g. da sobrefacturação/subfacturação. Mas para isso existe o regime dos preços de transferência (artigo 63º do CIRC e seguintes) permitindo averiguar o respeito pelo Arm's Lenght Principle (Princípio da Plena Concorrência).

No caso que nos ocupa, conforme alínea G) dos factos provados, a Requerida procedeu, através da DSIFAE (Direcção de Serviços de Inspecções, Fraude e Acções Especiais) ao exame da contabilidade E... Lda. NIPC..., entidade que reportou a situação em dissídio nestes autos aos Serviços de Inspecção Tributária da AT.

O reporte da DSIFAE aos Serviços de Inspecção Tributária, motivou a acção inspectiva de que resultou a decisão, expressa no RIT, de efectuar as correcções em sede de IRC, que aqui se discutem.

Ora, certamente que do exame à escrita da E... Lda. NIPC..., a Requerida obteve o necessário detalhe dos serviços prestados à Requerente, uma vez que a facturação que esta levou a efeito perante a Requerente é, de facto, genérica.

Assim, muito embora seja notório que a facturação na posse da Requerente não discrimina, de forma pormenorizada, os serviços realizados pela E... e os valores envolvidos por cada um, o certo é que a AT já terá esse detalhe (de forma satisfatória) que obteve através do exame que levou a efeito à contabilidade da E... .

Se assim não fosse, concluindo-se que as faturas não estavam total ou parcialmente relacionadas com serviços efectivamente prestados, a DSIFAE (Direcção de Serviços de Inspecções, Fraude e Acções Especiais) já teria promovido os competentes processos de averiguação de natureza criminal e de natureza contraordenacional, o que, neste processo não se provou ter ocorrido, conforme alínea H) dos factos assentes.

Por outro lado, caso se concluísse que os valores facturados não respeitavam o princípio da plena concorrência, poderia lançar-se mão do regime dos preços de transferência.

Mesmo que assim não fosse, a Requerente produziu prova testemunhal sobre os serviços realizados, conforme alínea F) da matéria de facto considerada assente.

Acresce ainda o facto da AT, no RIT, não colocar em causa a regularidade formal e substancial das facturas cujos valores veio a desconsiderar para efeitos do artigo 23º do CIRC. Nem colocou em causa a desconformidade da contabilidade da Requerente ao ponto de a considerar inidónea.

A emissão de facturas globais está prevista no nº 6 do artigo 29º e nº 2 do artigo 36º, ambos do CIVA. Por outro lado, parece resultar da alínea b) do nº 5 do artigo 36º do CIVA que as as “especificações” nas facturas relativas a prestações de serviços não assumem o mesmo relevo que as relativas a transmissões de bens, parecendo bastar a “denominação usual ... dos serviços prestados”, o que se configura ter ocorrido na situação aqui em discussão, uma vez que tinham suporte num contrato formal.

Perante o exposto, não poderá este TAS adoptar outra solução para o caso que o ocupa, que não seja a de acolher o PPA, pela razão de que, percute-se, foi admitida a regularidade formal e substancial das facturas e bem assim a regularidade contabilística, nada se provando de relevante que possa determinar que os encargos facturados à Requerente, pela E..., não devam ser dedutíveis para efeitos fiscais, por força das normas dos artigos 23º e 23º-A do CIRC.

Pelo exposto, justifica-se a anulação das liquidações realizadas [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

Anulando-se a liquidação de IRC por desconformidade com as normas dos artigos 23º e 23ºA do CIRC, a liquidação dos juros compensatórios padece da mesma desconformidade, ficando prejudicada a apreciação sobre se a mesma padeceria de outra desconformidade, mormente a invocada nos artigos 80º a 98º do PPA (ausência de culpa da Requerente).

 

            5. Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:

 

Anular os acto de liquidação de IRC n.ºs 2021... e de juros compensatórios n.º 2021..., bem assim da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., dos quais resultou o montante total a pagar de €36.836,21.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 36 836,21.      

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT, em face do decaimento (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 122.º, n.º 2, do CPPT).

    

Lisboa, 14 de Dezembro de 2021

Tribunal Arbitral Singular

 

O Árbitro,

 

Augusto Vieira