Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 171/2017-T
Data da decisão: 2018-06-04  IRC  
Valor do pedido: € 1.038.380,18
Tema: IRC – Procedimento de Inspecção Interno – RETGS.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Tomás Castro Tavares e Américo Brás Carlos, designados no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 13 de Março de 2017, A..., S.A., NIPC..., com sede ..., ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios nº 2015..., relativo ao exercício de 2011, no valor de €1.038.380,18 e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a referida liquidação, com as legais consequências.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
    1. a ilegalidade do acto de liquidação por não notificação da decisão de cessação do RETGS;
    2. a ilegalidade do procedimento de inspecção interno por:
  1. falta de entrega da ordem de serviço;
  2. incompetência territorial e material dos serviços inspectivos;
  1. A ilegalidade do acto de liquidação por violação da al. c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC aplicável.

Alega ainda a Requerente subsidiariamente:

  1. A ilegalidade do acto de liquidação por:
    1. violação do princípio da especialização de exercícios;
    2. violação do artigo 8º nº 9 do CIRC;
    3. violação do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC
  2. a ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, por vício de falta fundamentação (artigo 77º LGT) e por preterição de formalidade essencial em consequência da violação do artigo 60º, nº 1, alínea a) da LGT;
  3. a ilegalidade do acto de liquidação por desconsideração de benefícios fiscais a que considera ter direito.

 

  1. No dia 14-03-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Prof. Doutor Tomás Castro Tavares, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Professor Doutor Américo Brás Carlos.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos. Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT e do artigo 5.º do Regulamento de Seleção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, foi pelo Ex.º Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, indicado para presidir a este Tribunal Arbitral o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em 24-05-2017, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer uma delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08-06-2017.

 

  1. No dia 12-07-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. No dia 31-10-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Após tramitação processual subsequente, incluindo a apresentação de alegações escritas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas, e três prorrogações do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, justificadas pelas suspensões de prazos previstas no artigo 17.º-A, também do RJAT, e pela complexidade da tramitação processual verificada, por despacho datado de 04-04-2018, foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do referido prazo a que alude o art.º 21.º do RJAT, prorrogado, nos termos referidos.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é, e era em 2011, uma sociedade anónima que tem como actividade principal a realização de trabalhos de remodelação, movimentação de terras, subterrâneos e à superfície, no âmbito da exploração mineira, perfuração dos solos, desenvolvimento de galerias subterrâneas, prestação de serviços de engenharia de minas entre outros serviços relacionados com a indústria extractiva, e encontra-se registada com o CAE n.º 009900
  2. A Requerente foi constituída em Fevereiro de 2009, com capital social integralmente detido, pela “B... SGPS, S.A.”.
  3. A Requerente desenvolve a sua actividade e tem, desde a data da sua constituição, sede em ..., concelho de ..., distrito de ..., área compreendida na C... .
  4. No exercício de 2011, a Requerente foi, pela referida “B... SGPS, S.A.” integrada num grupo de sociedades constituído da seguinte forma:
  • “B… SGPS, S.A.” (atual “D... Holding SGPS, SA”), NIF ...- sociedade dominante;
  •  “E... S.A.” (ex “F..., S.A.), NIF ... - sociedades dominada;
  • A..., S.A. (Requerente), NIF...– sociedade dominada.
  1. A “E... S.A.” dedicava-se à exploração mineira, desenvolvendo a sua actividade no complexo mineiro de ..., que explorava ao abrigo de um contrato de concessão outorgado com o Estado Português, em 10 de Janeiro de 1992, o qual foi objecto de adenda em 12 de Maio de 2006.
  2. A referida exploração mineira traduzia-se na extracção, britagem e flutuação de minérios polimetálicos nas minas pertencentes ao complexo mineiro de ..., resultando na produção de concentrados de cobre e zinco.
  3.  As actividades extractivas da “E... S.A.” foram suspensas no início de 1993, sendo que a “E... S.A.” iniciou em meados de 2006, um projecto de reabilitação da capacidade produtiva das minas de ..., objecto de um contrato de investimento com o Estado Português, ao qual estava associado um investimento, até 2008, de €76.000.000,00.
  4. Num comunicado do Conselho de Ministros de 11 de Maio de 2006, o Governo de Portugal referiu que “a valorização e aproveitamento de recursos endógenos, … a contribuição para o incremento do valor bruto de produção e exportação nacionais de recursos minerais e… a redução de assimetrias regionais com indução no rendimento per capita da região e a… criação de 100 postos de trabalho e a manutenção de um número importante de postos de trabalho indirectos…”.
  5. A “E... S.A.” retomou a exploração mineira em Maio de 2008.
  6. A “E... S.A.” começou a acumular elevados prejuízos pelo que decidiu, no terceiro trimestre de 2008, suspender a exploração mineira nas minas de ... .
  7. Neste contexto, o grupo “G...”, de origem canadiana, que detinha a totalidade do capital social da “E... S.A.”, decidiu vender a totalidade do capital social da “E... S.A.”.
  8. Esta transacção teve o apoio do Governo da República Portuguesa, uma vez que o Estado Português reconheceu tratar-se de um caso especial de elevado interesse económico e de consequências relevantes para a economia nacional e, sobretudo, para a zona geográfica onde se inseria a actividade da “E... S.A.”.
  9. As negociações para a aquisição da “E... S.A.” ocorreram entre Novembro e Dezembro de 2008.
  10. Em 05-12-2008 ficaram acordados entre as partes os princípios estruturantes do negócio e ficou definido o acordo para a compra das acções que compunham o capital social da “E... S.A.”.
  11. Nos primeiros dias de Dezembro de 2008, o Governo de Portugal fez uma ampla divulgação nacional do facto, tendo sido objecto de diversas notícias publicadas em todos os meios de comunicação social e de diversas declarações de natureza pública efectuadas pelos membros do Governo de então, como o Ministro da Economia, o Secretário de Estado da Economia, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o Director Geral dos Impostos, a Directora do IRC, entre outras entidades.
  12. Em 23-12-2008 foi assinado um contrato designado “Share Purchase Agreement”, entre a “B... SA” e a “H..., Ltd”, que teve como objecto a venda das acções, representativas de 99,8336% do capital social da “E... S.A.”.
  13. A assinatura do referido acordo contou com a presença de diversos membros do Governo em funções à data, em visita por eles efectuada às instalações da “E...”.
  14. O pagamento do preço, simbólico, ocorreu em 23-12-2008.
  15. Nos termos da cláusula 6ª do “Share Purchase Agreement”, o contrato ficou sujeito à verificação de determinadas condições.
  16. Da cláusula 7.1 do referido contrato, consta que entre a data da sua assinatura e a data do fecho (closing) do mesmo, a parte vendedora devia assegurar que a “E... S.A.” conduzia a sua actividade no sentido do cumprimento das condições estabelecidas na cláusula 6ª do mesmo contrato, nos termos do artigo 272º do Código Civil.
  17. Da cláusula 7.3 do contrato consta que a parte compradora designaria um representante para acompanhar de imediato a gestão e negócios correntes da “E... S.A.”, no sentido de verificar o cumprimento das condições estipuladas na referida cláusula 6ª.
  18. Nos termos das cláusulas 17.1 e 17.2, o contrato foi expressamente subordinado à jurisdição do Centro Arbitral Comercial da Associação Comercial de Lisboa – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, a ocorrer em Lisboa.
  19. Na cláusula 2.2 desse mesmo contrato estabeleceu-se a possibilidade da aquisição das acções ser efectuada por via indirecta, através de uma sociedade subsidiária da “B... SA”.
  20. No dia 05-02-2009 foi outorgado entre a “B... SA” e a “H..., Ltd”, um acordo denominado “Conditions Precedent Statement”, onde as referidas partes davam por preenchidas as condições do contrato “Share Purchase Agreement”, assinado a 23-12-2008.
  21. No ponto 4 deste acordo consta, para além do mais, o seguinte:

I’M hereby confirms to H… that, as per clause 2.2. of the SPA and clause 2.2 of the Loan Purchase Agreement entered into between the parties on 23 December 2008, the shares will be purchased by … fully owned subsidiary “B…– SGPS, SA””.

  1. Em 29 de Janeiro de 2009 a Autoridade da Concorrência emitiu pronúncia no sentido de que a operação não tinha impacto na concorrência.
  2. Também em 29 de Janeiro de 2009, a accionista “H...”, participou em Assembleia Geral da “E...” e nas deliberações aí tomadas.
  3. Por deliberação da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, datada de 5 de Fevereiro de 2009, foi deliberado favoravelmente o pedido de perda de sociedade aberta formulado por deliberação da referida Assembleia Geral.
  4. Em 2011, foi assinado um novo contrato de investimento que contemplava um investimento adicional de €100.000.000,00 entre 2009 e 2014.
  5. Esses investimentos tiveram em vista, entre outras coisas, a preparação das minas, equipamentos adjacentes e infraestruturas de suporte e abastecimento diversos (energia, água, comunicações e transportes).
  6. Em 31-02-2011, a “B... SGPS, SA” exerceu a opção pela tributação segundo o RETGS através da entrega da declaração de alterações com efeitos fiscais a partir de 2011, inclusive.
  7. O exercício de 2011 foi o primeiro exercício de tributação em IRC deste grupo de sociedades de acordo com o RETGS.
  8. A Requerente, no exercício de 2011, autoliquidou IRC enquanto sociedade dominada inserida num grupo de sociedades tributado segundo o RETGS.
  9. A Requerente entregou as declarações de rendimentos modelo 22 de IRC, relativas ao exercício de 2009 e 2010, declarando o regime fiscal de interioridade.
  10. Na declaração de rendimentos individual apresentada pela Requerente, relativa ao exercício de 2011, foi declarado o valor de €19.933,82 a título de pagamentos especiais por conta.
  11. A Requerente tem contabilidade organizada e é auditada por Revisor Oficial de Contas independente, nunca lhe tendo sido aplicados métodos indirectos de determinação do lucro tributável.
  12. A Requerente tem a situação tributária regularizada e nunca teve salários em atraso.
  13. A Requerente não resulta de qualquer cisão.
  14. No exercício de 2011, a Requerente não assinalou o quadro 5, que corresponde ao campo “redução de taxa” por se encontrar a ser tributada no âmbito do RETGS.
  15. Em 3-11-2013, foi assinado um contrato entre a Requerente e o Estado Português, tendo sido concedido à Requerente um benefício fiscal contratual no montante de €1.524.615,53, cujo período de vigência se iniciou em 1 de Novembro de 2009 e terminará em 31 de Dezembro de 2020.
  16. A Requerente foi constituída em 2009, com elevadas taxas de contratação de colaboradores.
  17. No exercício de 2010, a Requerente procedeu à admissão, através de contrato de trabalho sem termo, de 1 colaborador com idade não superior a 35 anos:

 

 

  1. No exercício de 2010, a Requerente não registou a demissão de colaboradores com contrato sem termo e idade não superior a 35 anos.
  2. No exercício de 2011, a Requerente procedeu à admissão, através de contrato de trabalho sem termo, de 22 trabalhadores com idade não superior a 35 anos:

 

 

 

  1. No exercício de 2011, a Requerente não registou a demissão de colaboradores com contrato sem termo e idade não superior a 35 anos.
  2. A Requerente não beneficiou de nenhum dos benefícios fiscais relativamente aos trabalhadores considerados elegíveis para efeito de benefício fiscal à criação líquida de emprego.
  3. Por despacho datado de 11-11-2015, a Direcção de Finanças de ... estendeu a competência inspectiva da Direcção de Finanças de ... em relação à Requerente, nos seguintes termos:

Atenta a informação, parecer e despacho remetidos a coberto do v. ofício em referência, considero fundamentado o pedido de extensão do procedimento inspectivo relativamente aos sp nif ... e ... com sede na área deste distrito, atendendo ao interesse de validação dos atos de inspeção já praticados no âmbito da análise do grupo económico em que se inserem, por parte da DF de ..., e à coesão da integralidade dos atos de inspeção futuros sobre as sociedades que o compõem, pelo que autorizo a extensão da competência, nos termos do art. 17º do RCIPTA, para a conveniente acção de inspeção aos aludidos agentes”.

  1. Em 12-11-2015, os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de ... emitiram a ordem de serviço nº OI2015..., referente a um procedimento inspectivo de natureza interna e de âmbito parcial, com incidência no IRC e no exercício de 2011 da Requerente, referindo o seguinte:

“No âmbito da presente acção inspectiva, com incidência no exercício de 2011, à sociedade A..., S.A. (adiante designada abreviadamente apenas por I... S.A.), NIF..., e atendendo ao apurado na acção inspectiva à sociedade “B..., S.A.”, foi proposta, conforme factos e fundamentos expostos no presente relatório, a cessação de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, na determinação da matéria coletável em sede de IRC. (…) A presente ação respeita ao cumprimento da ordem de serviço nº OI2015..., referente ao exercício de 2011, emitida pelos serviços de inspeção tributária, da Direção de Finanças de..., ao abrigo da extensão de competência autorizada pelo Diretor de Finanças de..., nos termos do art. 17º do RCPITA, que se encontra em anexo nº 1. A ação teve o seu início em 12 de novembro de 2015, comunicado ao sujeito passivo através do ofício nº... .”

  1. Em 16-11-2015, a Direcção de Finanças de ... comunicou à Requerente que em 12-11-2015 tinha sido iniciada a análise interna, tendo por base a ordem de serviço nº OI 2015... .
  2. A ordem de serviço nº OI2015... não foi notificada à Requerente nem antes, nem depois do procedimento inspectivo.
  3. No âmbito da acção inspectiva, os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de ... efectuaram a seguinte caracterização da Requerente:

“(…) Em termos de IRC, é um sujeito passivo nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 2º do CIRC, enquadrada no regime geral de acordo com a alínea a) nº1 do art. 3º do mesmo código. Nos exercícios de 2009 a 2010, a sociedade I... SA, apresentou a declaração anual de rendimentos, no regime geral de tributação de IRC. Em 2011, a sociedade, por opção, aplicou o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), definido no art. 69º do Código do IRC, sendo uma sociedade dominada num grupo constituído pela B... SGPS SA (NIF...) como sociedade dominante, por si e pela E... SA (NIF: ...), outra sociedade dominada)

II.3.2 – Administradores/TOC/ROC

De acordo com os dados disponíveis no cadastro da AT, no exercício em análise o sujeito passivo em identificado as seguintes relações inter sujeitos passivos:

  • Presidente do Conselho de Administração: J...– NIF ... substituído por
  • K...– NIF..., nomeado a 14/6/2011.
  • TOC: L...– NIF ...
  • ROC: M... LDA – NIF ...

Obrigações declarativas em sede de IRC

A sociedade procedeu à entrega da informação empresarial simplificada (IES) e da declaração anual de rendimentos modelo 22, individual e do grupo.

II.3.4. – Outras informações

- Execuções fiscais

Através de consulta ao sistema informático da AT (Sefweb – Gestão de Devedores), verificou-se que, em nome do sujeito passivo não constam até à presente data, processos de execução fiscal”.

  1. Por ofício datado de 19-11-2015, recebido em 25-11-2015, foi notificado à Requerente o Projecto de Relatório de Inspecção, elaborado pela Direcção de Finanças de... .
  2. O Projecto de Relatório de Inspecção continha o despacho da Direcção de Finanças de ... de 11-11-2015, de extensão de competência territorial inspectiva.
  3. Do relatório final de inspecção tributária elaborado pela Direcção de Finanças de ... consta o seguinte:

“(…) atendendo ao apurado na ação inspectiva à sociedade B... SGPS SA, foi proposta, conforme factos e fundamentos expostos no presente relatório, a cessação de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, na determinação da matéria coletável em sede de IRC. (…)”

  1. Consta do anexo 1 ao Relatório de Inspecção Tributária os termos em que foi concedida a extensão de competência, do Director de Finanças de ... supra-referido.
  2. O Relatório de Inspecção Tributária foi objecto de despacho de concordância do Parecer de Chefe de Equipa e do Chefe de Divisão, ambos da Direcção de Finanças de..., sendo que este último determinou que, para “efeitos de decisão e notificação do relatório final” fosse este remetido à DF de... .
  3. A 11-12-2015, foi proferido despacho pelo DF de ..., despacho com o seguinte teor:

Visto.

Sanciono e concordo com o relatório da ação inspetiva, com as propostas de correção, com os seus fundamentos e critérios de correção e que foram objeto de notificação para audição nos termos do art.º 60 da LGT e art.º 60º do R.C.P.I.T.

Esta empresa estava incluída num grupo de sociedades tributado em 2011 pelo Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante a “B... SGPS, S A” com o NIPC:... .

Dos fundamentos constantes do relatório, resulta que em 2011 não estão reunidas as condições para aplicação do RETGS ao grupo pelo que se cessou a sua aplicação à empresa mãe e às restantes empresas do perímetro do grupo, passando todas elas a ser tributadas pelo regime geral do IRC.

Em consequência a A... SA é tributada autonomamente pelo regime geral de IRC, tendo por base o resultado tributável declarado pela empresa individualmente.

Notificar o sujeito passivo da decisão e do relatório final, nos termos do art.º 62º do R.C.P.I.T.A.

  1. As conclusões do relatório de inspecção tributária foram, fundamentalmente, as seguintes:
    1. A sociedade dominada “E... S.A.” gerou prejuízos fiscais individuais nos anteriores exercícios de 2008, 2009 e 2010
    2. As acções que compunham o capital social da “E... S.A.” tinham sido adquiridas pela “B..., SA” apenas em Fevereiro de 2009, pelo que em 01-01-2011 ainda não tinha sido completado o prazo legal de detenção mínima de 2 anos
    3. Por conseguinte, a “E... S.A.” não deveria ter sido incluída no RETGS, pelo que o RETGS deveria cessar a partir de 01-01-2011 relativamente a todas as sociedades que integram o grupo fiscal, passando a ser tributadas pelo regime geral de IRC.
    4. A Requerente deveria ser tributada individualmente, no exercício de 2011, segundo a sua declaração individual de rendimentos, apresentada conjuntamente com a declaração do grupo.
  2. Terminado o procedimento inspectivo, a AT determinou o fim da aplicação do RETGS, em consequência do incumprimento dos requisitos legalmente previstos para o seu benefício, e consequente tributação pelo regime geral de IRC.
  3. Do relatório de inspecção, resultou uma correcção à matéria tributável individual da Requerente, em 2011, no valor de €3.834.204,49.
  4. Consta do relatório de inspecção tributária que “Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação”.
  5. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC nº 2015..., assim como da liquidação de juros compensatórios, relativa ao exercício de 2011, com data limite de pagamento a 15-02-2016.
  6. A Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de ... reclamação graciosa (nº ...2016...), dirigida ao Director de Finanças de ... .
  7. A reclamação graciosa foi expedida pelo Serviço de Finanças para a Direcção de Finanças de ..., por ser a entidade competente para proferir a decisão.
  8. Nos pontos 76 a 132 da reclamação graciosa, a Requerente alegou que o contrato de compra e venda de acções da “E...S.A.” ficou legalmente concluído em 23-12-2008 e produziu os respectivos efeitos jurídicos nessa mesma, invocando os seguintes fundamentos:
    1. aquele contrato tem cariz consensual, transmitindo-se a propriedade pelo acordo entre as partes;
    2. as condições suspensivas a cujo preenchimento as partes subordinaram o contrato verificaram-se efectivamente, retroagindo os respectivos efeitos jurídicos à data da conclusão daquele contrato, ou seja, 23-12-2008.
  9. Nos pontos 134 a 150, a Requerente alegou que, mesmo que se admitisse a cessação do RETGS, essa cessação não se estenderia a todas as sociedades do grupo fiscal, mas apenas à sociedade que não preenche os pressupostos legais para a sua inclusão no RETGS.
  10. Em 06-12-2016 foi proferido pelo Director de Finanças de ... o despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
  11. No despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pelo Director da Direcção de Finanças de ..., consta o seguinte:

“Considerando não estarem reunidos os requisitos legais para a aplicação do regime de tributação reclamado, como exaustivamente se demonstra no relatório de inspeção produzido pela DF de ... que aqui se considera integralmente reproduzido e ratificado, nem se terem por consistentes as alegações produzidas na sua PI, como é sustentado na informação infra, que se sanciona e igualmente ratifica, indefiro a presente reclamação”.

  1. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa considerou que os benefícios fiscais invocados pela Requerente na reclamação graciosa foram invocados extemporaneamente porque “a liquidação que contesta não resulta de uma declaração modelo 22 voluntariamente apresentada no prazo legal, mas sim de uma liquidação oficiosa”.
  2.  Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Direcção de Finanças de ... reiterou que a Requerente podia reclamar ou impugnar contra a liquidação do imposto.
  3. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente através do ofício nº ... de 07-12-2016, por carta registada com aviso de recepção.
  4. No procedimento de reclamação graciosa, não foi concedida à Requerente a oportunidade de exercer o seu direito de audição antes do indeferimento da reclamação graciosa.
  5. A Requerente prestou garantia para suspender o processo de execução fiscal.
  6. A constituição e manutenção dessa garantia importou encargos, designadamente, com imposto de selo e comissões financeiras.
  7. Em Dezembro de 2016, a Requerente pagou a dívida decorrente da liquidação ao abrigo do “PERES” – regime excepcional de regularização de dívidas tributárias.
  8. Na sequência disso, a AT cancelou a garantia que havia sido prestada.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Em concreto, o ponto dado como provado no ponto 18 decorreu da prova testemunhal produzida, onde foi referido claramente que o preço de €1 foi pago com uma moeda, no dia da assinatura do “Share Purchase Agreement

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

a. da matéria de excepção

 

            A Requerida começa por, a título de excepção, suscitar a questão da “incompetência material do CAAD para reconhecer a existência de um benefício fiscal e da inidoneidade do meio processual”, considerando que “que se está perante uma evidente incompetência material do Tribunal para a apreciação da parte do pedido de pronúncia arbitral supra identificado, deduzido a título subsidiário, que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento desse pedido e conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa”.

            Como esclarece a própria Requerida, a excepção em causa reporta-se ao pedido subsidiário formulado pela Requerente, de que “(...) anulando a AT a aplicação do RETGS, é de mais elementar justiça a aplicação do regime da interioridade, na medida em que se trata de um benefício fiscal de aplicação direta e automática, cujo direito não pode ser vedado pela AT”.

            Conforme à frente se verá, o Tribunal não irá conhecer de tal questão, por o mesmo ficar prejudicado pelo que seguidamente se decidirá.

            Desse modo, prejudicado fica, igualmente, o conhecimento da excepção arguida relativamente ao mesmo, razão pela qual não se conhecerá, também, da mesma.

 

***

b. do fundo da causa

 

i. Da não notificação da decisão de cessação do RETGS

            Começa a Requerente por sustentar que “a DF .../AT deveria ter previamente notificado o contribuinte desse mesmo acto tributário, imediatamente lesivo dos interesses e interesses da Requerente e das demais sociedades do grupo fiscal em questão”.

            Considera, em suma, a Requerente, que “Ao não ter sido previamente notificada essa decisão administrativa de cessação do RETGS em relação as 3 sociedades do grupo, designadamente em relação à Requerente, acompanhada dos respectivos meios e prazos de reacção à disposição dos contribuintes envolvidos (designadamente a Requerente), (...) a DF .../AT prejudicou indelevelmente os direitos e garantias de defesa dos contribuintes envolvidos, nomeadamente da Requerente.”, e que “a notificação da decisão administrativa de cessação do RETGS, de forma autónoma, era condição da respectiva eficácia jurídica, conforme decorre dos artigos 36º nº 1 do CPPT, 77º nº 6 da LGT e 268º no 3 da CRP.”.

            Conclui a Requerente, então que “Ao não ter sido o caso, foram violadas as referidas normas legais, com a consequente ineficácia jurídica, designadamente em relação à Requerente, da decisão administrativa de cessação do RETGS (...) E como a eficácia jurídica dessa decisão da administração é causal da liquidação adicional aqui impugnada – ou seja, esta liquidação é acto consequente daquela – a liquidação adicional de IRC e JC aqui impugnada é anulável, nos termos do artigo 163º do CPA.”.

            Ressalvado o respeito devido, considera-se que não assiste razão à Requerente.

            Com efeito, e desde logo, a Requerente parte de um erro de princípio, que é o de que a decisão de cessação do RETGS não lhe foi notificada, o que não se julga ser o caso, desde logo porquanto a mesma está implícita no acto de liquidação impugnado, conforme resulta da respectiva fundamentação, e foi devidamente compreendido pela Requerente, do que todo o Requerimento Inicial dá devida conta.

            Por outro lado, parte igualmente a Requerente do princípio de que a decisão de revogação do RETGS deveria ser objecto de notificação autónoma e prévia em relação à liquidação, sem que fundamente, em normas legais tal entendimento.

De resto, a aceitação do entendimento propugnado pela Requerente sempre deixaria por resolver a questão de saber com que antecedência, em relação ao acto de liquidação, é que deveria o acto em questão ser notificado, com evidentes perturbações ao nível da regulamentação do procedimento de inspecção tributaria, e do regime de caducidade do direito à liquidação, sem que daí advenham quaisquer vantagens para os direitos e garantias dos contribuintes.

Assim, tendo em conta que nenhuma norma no ordenamento jurídico preclude que a notificação em questão seja feita concomitantemente com o acto de liquidação, não ocorrerá qualquer ilegalidade da circunstância de a decisão de revogação do RETGS se dar (de forma expressa ou implícita) e ser notificada com o acto de liquidação, sendo que, de resto, se trata de procedimento normal aos mais diversos níveis (particularmente comum em sede de IVA, onde as alterações ao enquadramento dos sujeitos passivos, ou outras correcções, são por norma concomitantes à emissão do acto de liquidação), sem que daí advenha qualquer prejuízo para a posição do contribuinte.

De resto, também no caso, embora a Requerente o alegue, não se demonstra qualquer prejuízo para a aquela, que, na presente sede dispõe, e exerce, todas as faculdades de defesa, na matéria, que lhe competem.

Como se escreveu no processo 168/2015-T do CAAD[2], que ora, com a devida vénia, se transcreve:

“quando não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos, pode «ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida» (parte final do artigo 54.º do CPPT), pelo que todas as questões relativas à legalidade dos actos de liquidação podem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º e do artigo 99.º do mesmo Código.

Na verdade, nos tribunais tributários, mesmo quando, tendo sido praticados actos de liquidação, se estiver perante uma situação em que poderia ser mais útil para o contribuinte o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (por possibilitar, para além da apreciação da legalidade de actos a definição para o futuro dos direitos do contribuinte), o uso da acção em vez da impugnação judicial é uma mera faculdade, como decorre do próprio texto do artigo 145.º, n.º 3, do CPPT, ao dizer que «as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido». Isto é, o que se prevê nesta norma é limitação ao uso da acção e não limitação ao uso do processo de impugnação judicial.

Com efeito, é manifesto que o processo de impugnação judicial inclui a possibilidade de reconhecimento de direitos em matéria tributária, como o são o direito à anulação ou declaração de nulidade de liquidações, o direito a juros indemnizatórios e o direito a indemnização por garantia indevida, pelo que o facto de estar em causa o reconhecimento de direitos não é obstáculo à utilização do processo de impugnação judicial.

Assim, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o processo arbitral tributário sido criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, é de concluir que não há obstáculo a que a legalidade dos actos de liquidação em causa neste processo seja apreciada por este Tribunal Arbitral, pois nos tribunais tributários essa legalidade poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial.”.

            Por fim, e no que respeita às normas invocadas, nesta matéria, pela Requerente, nota-se que as mesmas se reportam aos requisitos da notificação e à necessidade do seu cumprimento para a eficácia dos actos tributários.

            Ora, se a Requerente considerava que a notificação padecia de alguma deficiência, designadamente, como refere, por não ter sido “acompanhada dos respectivos meios e prazos de reacção à disposição dos contribuintes envolvido”, cabia-lhe fazer uso do disposto no 37.º/1 do CPPT, o que não ocorreu.

            Deste modo, pelo exposto, improcede nesta parte o pedido arbitral.

 

*

b. da falta de entrega da ordem de serviço

            Alega seguidamente a Requerente que foi notificada do início da análise interna depois desta ter sido iniciada, em violação do artigo 51.º n.º 1 do RCPIT, que dispõe que:

“Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º”.

            Conclui, a Requerente, que a “liquidação adicional de IRC, porque consequente de procedimento de inspecção interna ilegal, padece de igual modo de vício de violação de lei, determinante da sua nulidade ou anulação.”, e que a notificação da ordem de serviço “é fundamental porque, se a inspecção concretamente realizada não estiver em consonância com a respectiva ordem de serviço, o contribuinte está legitimado a opor-se aos actos inspectivos”.

            Ressalvado uma vez mais o respeito devido, julga-se que a Requerente incorre desde logo nalguma confusão, na medida em que sendo o procedimento inspectivo em questão de natureza interna, o mesmo não implica a realização de qualquer acto de inspecção fora dos serviços da AT, pelo que nenhum acto é possível realizar-se a que o contribuinte se possa opor.

            Por outro lado, e mesmo que assim não fosse, naturalmente que a falta de notificação da ordem de serviço, teria a mesma consequência que a realização de actos de inspecação dissonantes de ordem de serviço notificada. Ou seja, e desde logo se, como bem refere a Requerente, relativamente a actos de inspecção não abrangidos por ordem de serviço o contribuinte pode opor-se aos mesmos (até porque, de resto, quanto a tais actos não há notificação de ordem de serviço), não sendo notificada aquela ordem, o contribuinte poderá opor-se a todos os actos de inspecção.

            Em todo o caso, como se refere no Ac. do TCA-Sul de 10-07-2012, proferido no processo 05303/12:

“2.       O procedimento de inspecção interno tem por objecto a análise formal e de coerência dos documentos da escrita do contribuinte, bem como o seu cruzamento com outros elementos recolhidos;

3.         Nestas inspecções de natureza interna, não há lugar à credenciação dos funcionários para tal efeito e nem de emissão de ordem de serviço com vista à notificação do sujeito passivo, no início desse procedimento”

            Nestes termos, julga-se ser de improceder, nesta parte, o pedido arbitral, não se detectando, pelos argumentos expostos, que se verifique, como sustenta a Requerente, qualquer desproporcionalidade, injustiça, desigualdade e/ou parcialidade, nem qualquer discriminação negativa para os contribuintes na sua relação com a AT, não se verificando, consequentemente qualquer violação dos artigos 55.º e 59.º da LGT, 6.º a 9.º do CPA e 266.º n 2 da CRP.

 

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c. da competência territorial para o processo inspectivo

            Continua a Requerente, sustentando que, tendo a sua sede no distrito de ..., “A DF de ... e respectivas Divisões não tinham competência territorial para inspeccionar a Requerente.”, pelo que “a análise interna em apreço violou o artigo 16.º no 1 c) do RCPIT”, que dispõe que:

“São competentes para a prática dos atos de inspeção tributária, nos termos da lei, os seguintes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira: (...) c) As unidades orgânicas desconcentradas, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial”.

            Para a Requerente, o “Despacho da DF de ... estendeu a competência territorial inspectiva da DF de ... ao distrito de  ...- a área territorial da competência inspectiva da DF de ...” mas “o despacho de extensão de competência a que alude o artigo 17º do RCPIT, no caso concreto, deveria outrossim ter sido emanado da DF de...”, já que “quem ordenou a inspecção à Requerente foi a DF de..., e não a DF de ...– pelo que competia à DF de..., nos termos do artigo 17º do RCPIT, ordenar, fundamentadamente, a extensão territorial da sua competência inspectiva a área territorial que não era da sua competência”, pelo que “foram violadas as prescrições orgânicas relativas à extensão da competência inspectiva prescritas no artigo 17º do RCPIT”, e que “a liquidação adicional de IRC aqui impugnada padece de nulidade ou, ao menos, de vício determinante da sua anulação – enquanto acto consequente de procedimento de inspecção interna que violou as sobreditas disposições legais.”.

            Adita ainda a Requerente, a este propósito, que “a DF de..., ao “demitir-se” das suas competências territoriais de inspecção, “delegando-as” ilegalmente, sem competência material para o efeito, num outro órgão inspectivo desconcentrado (a DF de...), praticou um acto administrativo nulo, que não produz quaisquer efeitos jurídicos (...) Sendo certo, por isso, que os actos administrativos nulos não são passíveis de ratificação/confirmação (cfr. artigos 164º nº 2 a contrario e 166º nº 1 a), ex vi do artigo 164º nº 1, todos do CPA).”.

            Ressalvado novamente o respeito devido, crê-se que aqui também a Requerente se enreda em alguma confusão.

            Com efeito, das duas uma: ou a competência para a prolação do despacho de extensão da competência da DF de ... competia a esta, ou competia à DF de ... .

            Neste último caso, não haverá qualquer ilegalidade, já que a DF de..., conforme a Requerente admite, praticou o dito acto de extensão de competência.

            Já no primeiro caso, não se poderá dizer que a DF de ... se “demitiu” de competências que não tinha, nem, muito menos, que a possibilidade de ratificação/confirmação cabia àquela, uma vez que, não tendo a competência para praticar o acto, não terá, necessariamente, competência para o ratificar/confirmar/sanar.

            Acresce ainda, em todo o caso, que o acto da DF de..., não incorpora qualquer “renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida” por lei, sendo antes um caso de “delegação de poderes e figuras afins legalmente previstas”, tal como expressamente previsto no artigo 36.º/2 do CPA aplicável.

            Neste sentido, pode ler-se no Ac. do TCA-Sul de 19-08-2016, proferido no processo 09765/16, que “A preterição das regras de distribuição de competência territorial dos serviços inspectivos implica a sanção da mera anulabilidade dos actos assim praticados (artigo 163.º/1, do CPA, ex vi artigo 2.º/d), do CPPT).

            Posta de lado, assim, a questão da nulidade arguida pela Requerente, cumpre então apurar da violação, ou não, das normas de competência territorial em questão.

            Concretamente, está em causa a norma do artigo 17.º do RCPITA aplicável que dispõe que:

Os actos de inspecção podem estender-se a áreas territoriais diversas das previstas no artigo anterior ou ser efectuados por outro serviço, mediante decisão fundamentada da entidade que os tiver ordenado”.

            A situação sub iudice é análoga à decidida no sobredito Ac. do TCA-Sul de 19-08-2016, proferido no processo 09765/16, onde se pode ler ainda que[3]:

“A questão que se suscita consiste em saber se a presente actuação da Administração Tributária se mostra conforme com as regras de distribuição de competência territorial e se a eventual violação das mesmas origina a nulidade do acto inspectivo e do consequente acto de fixação da matéria colectável em exame, como pretende o recorrente.

Do disposto no artigo 16.º/1/c), do RCPIT extrai-se que a Direcção de Finanças competente para a instauração do procedimento inspectivo em causa era a Direcção de Finanças de ... e não a Direcção de Finanças de .... Donde resulta que a autorização para a prática de actos inspectivos por parte da Direcção de Finanças de ... concedida pela Direcção de Finanças de ... não pode ter o sentido de obnubilar as regras de distribuição de competência territorial. O despacho autorizativo em referência também não se filia na norma do artigo 17.º do RCPIT. O presente normativo permite que o serviço com competência para a prática do acto inspectivo, e após instauração da inspecção, habilite outro serviço à prática de certos actos inspectivos, havendo a extensão da inspecção a áreas territoriais diversas das que resultariam da atribuição natural de competência territorial. No caso, o que sucedeu foi a prática por serviço territorialmente incompetente de actos inspectivos com base em despacho de autorização do exercício da inspecção emitido pelo serviço territorialmente competente – a Direcção de Finanças de ....

Donde se extrai a ocorrência de vício de violação de lei, por ofensa às regras da distribuição de competência territorial entre os serviços desconcentrados da Autoridade Tributária e Aduaneira – artigo 16.º/1/c), do RCPIT.

A questão que se coloca consiste em saber qual o desvalor que corresponde ao vício detectado e se o mesmo terá sido sanado pela intervenção do órgão competente para a prática do acto inspectivo, ao exarar despacho de concordância no relatório final de inspecção, o Director de Finanças de ....

A preterição das regras de distribuição de competência territorial dos serviços inspectivos implica a sanção da mera anulabilidade dos actos assim praticados (artigo 163.º/1, do CPA, ex vi artigo 2.º/d), do CPPT). O que significa que o vício de que enfermam os actos inspectivos pode ser sanado através da prática pelo órgão competente do acto de ratificação dos actos anteriormente praticados. A ratificação-sanação dos actos inspectivos em presença ocorreu, no caso em exame, através da confirmação por parte da Direcção de Finanças de ... do relatório inspectivo elaborado pela Direcção de Finanças de ... (artigo 164.º/1, do CPA), através do proferimento do despacho de concordância do Director de Finanças de ... com o relatório final de inspecção – alínea Z) do probatório.”

            No caso, e como resulta da matéria de facto provada, a 11-12-2015, foi proferido o despacho pelo DF de ... constante do ponto 57 daquela matéria de facto, sendo, portanto, uma situação de aplicação directa do aresto transcrito, reforçadamente, na medida em que nos presentes autos está em causa um procedimento de inspecção de âmbito interno.

Não se descortina fundamento para a alegação da Requerente de ser “manifestamente inaceitável, desnecessário, desadequado e desproporcional (em violação dos artigos 55º da LGT, 7º e 8º do CPA e 266º nº 2 da CRP).” por “ter estado ilegalmente sob a dupla alçada inspectiva territorial da DF de ... e da DF de ...”,  desde logo porquanto, ao contrário do que a Requerente alega, os actos inspectivos da DF de ..., in casu, não são “atos intrusivos e restritivos, abusivos e desproporcionais em relação aos fins que se pretende atingir”, porquanto, para além do mais, esteve em causa, como se referiu já, um procedimento inspectivo interno que, por definição, não importa a prática de actos intrusivos.

            Deste modo, e pelo exposto, deve improceder nesta parte o pedido arbitral.

 

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d. do preenchimento da al. c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC

            Como decorre da matéria de facto provada, o fundamento de facto das correcções operadas pela AT, e contestadas pela Requerente, radica na circunstância de, segundo aquela, a aquisição da participação social da E... pela “B... SGPS, S.A.” não ter ocorrido antes de 1 de Janeiro de 2009.

            Daqui resultou, ainda no entendimento da AT, a violação do artigo 69.º/4/c) do CIRC aplicável, pelo que, aplicando o n.º 8 daquele mesmo artigo 69.º, procedeu a AT à desconsideração do grupo fiscal, onde a Requerente se incluía, e relativamente ao qual a referida “B... SGPS, S.A.”, enquanto sociedade dominante, manifestou, no exercício de 2011, vontade de ver tributada nos termos do Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedades (RETGS).

            Para a Requerente, todavia, “atento o disposto nos artigos 232º e 408º nº 1 do CC, aquele contrato considera-se legalmente concluído em 23.12.2008 - data em que produziu de imediato os respectivos efeitos jurídicos, designadamente os efeitos jurídicos translativos da propriedades das acções.”, já que “como decorre do disposto no artigo 276º do CC (Retroactividade da condição), “Os efeitos do preenchimento da condição retrotraem-se à data da conclusão do negócio, a não ser que, pela vontade das partes ou pela natureza do acto, hajam de ser reportadas a outro momento”” e que a “vontade das partes em sujeitar este contrato de compra e venda de acções ao regime legal do Código Civil (CC) é patente na cláusula 7.1 do mesmo contrato”.

            Assim, considera a Requerente “ainda que as condições contratuais, segundo alega a DF de .../AT, tenham alegadamente ocorrido apenas em Fevereiro de 2009, os respectivos efeitos jurídicos retroagiram à data da celebração do contrato de compra e venda no qual foram estipuladas aquelas mesmas condições, 23.12.2008 – por imposição da lei a que as partes entenderam subordinar esse negócio jurídico: o artigo 276º do CC.”, tudo o que, para a Requerente, “significa, em suma, que a B... era e é proprietária das acções da E... (99,8336%) desde 23.12.2008.”.

            Sempre para a Requerente, “as condições estabelecidas no contrato de compra e venda de acções devem ser interpretadas e aplicadas, nos respectivos efeitos jurídicos-fiscais, segundo o correspondente regime jurídico-civilista, designadamente de acordo com o disposto no sobredito artigo 276º do CC.”.

            Acrescenta ainda a Requerente, relativamente à circunstância de o contrato outorgado a 21-12-2008 não ter sido outorgado pela “B... SGPS, S.A.”, que “apenas ocorreu uma substituição jurídica subjectiva na posição de comprador no contrato de aquisição de acções celebrado a 23.12.2008, com o imediato consentimento/acordo da parte vendedora – sem que isso contenda com a data da aquisição das acções.”.

            Como dados especialmente relevantes constantes da matéria de facto relativamente a esta questão, apura-se que:

  1. As negociações para a aquisição da “E... S.A.” ocorreram entre Novembro e Dezembro de 2008;
  2. Em 05-12-2008 ficaram acordados entre as partes os princípios estruturantes do negócio e ficou definido o acordo para a compra das acções que compunham o capital social da “E... S.A.”;
  3. Em 23-12-2008 foi assinado um contrato designado “Share Purchase Agreement”, entre a “B... SGPS SA” e a “H..., Ltd”, que teve como objecto a venda das acções, representativas de 99,8336% do capital social da “E... S.A.”;
  4. O pagamento do preço, simbólico, ocorreu em 23-12-2008;
  5. Nos termos da cláusula 6ª do “Share Purchase Agreement”, o contrato ficou sujeito à verificação de determinadas condições;
  6. Da cláusula 7.1 do referido contrato, consta que entre a data da sua assinatura e a data do fecho (closing) do mesmo, a parte vendedora devia assegurar que a “E... S.A.” conduzia a sua actividade no sentido do cumprimento das condições estabelecidas na cláusula 6ª do mesmo contrato, nos termos do artigo 272º do Código Civil;
  7. Da cláusula 7.3 do contrato consta que a parte compradora designaria um representante para acompanhar de imediato a gestão e negócios correntes da “E... S.A.”, no sentido de verificar o cumprimento das condições estipuladas na referida cláusula 6ª;
  8. Na cláusula 2.2 desse mesmo contrato estabeleceu-se a possibilidade da aquisição das acções ser efectuada por via indirecta, através de uma sociedade subsidiária da “B... SGPS SA”;
  9. No dia 05-02-2009 foi outorgado entre a “B... SGPS SA” e a “H..., Ltd”, um acordo denominado “Conditions Precedent Statement”, onde as referidas partes davam por preenchidas as condições do contrato “Share Purchase Agreement”, assinado a 23-12-2008.
  10. No ponto 4 deste acordo consta, para além do mais, o seguinte:

“I’M hereby confirms to H… that, as per clause 2.2. of the SPA and clause 2.2 of the Loan Purchase Agreement entered into between the parties on 23 December 2008, the shares will be purchased by … fully owned subsidiary “B…– SGPS, SA””.

  1. Em 29 de Janeiro de 2009 a Autoridade da Concorrência emitiu parecer favorável à operação de venda da “E...”.
  2. Também em 29 de Janeiro de 2009, a accionista “H...”, participou em Assembleia Geral da “E...” e nas deliberações aí tomadas;
  3.  Por deliberação da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, datada de 5 de Fevereiro de 2009, foi deliberado favoravelmente o pedido de perda de sociedade aberta formulado por deliberação da referida Assembleia Geral.

Em causa, como se viu, está a verificação, ou não, do prazo de 2 anos, previsto na al. c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC aplicável, que dispunha que:

“Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: (...)

c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;”

            Relativamente a esta questão, note-se, antes de mais, que o segmento da norma fiscal em interpretação se reporta à detenção há mais de dois anos da participação pela sociedade dominante.

            É este conceito de detenção que há que interpretar e aplicar, e não, salvo melhor opinião, o conceito de condição, ou qualquer outro de natureza jurídico-civilística.

            Deste modo, o que importa aferir é se o condicionalismo fáctico apurado permite concluir que a “B... SGPS, S.A.”  passou a deter a participação social na E..., como nesta parte pretende a Requerente, desde 23-12-2008.

            Sempre ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, considera-se que a resposta a tal questão deve ser negativa.

            Efectivamente, julga-se que a previsão legal da al. c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC em causa tem subjacente a exigência de que o adquirente da participação tenha no plano fáctico e jurídico assumido as responsabilidades e o risco inerentes à detenção das participações sociais. Requer aquela norma, em suma, que haja uma detenção jurídica e prática efectiva.

            Ora, no caso, e face aos dados de facto expostos, não se poderá concluir que tal ocorreu a partir de 23-12-2008.

            Com efeito, apura-se que gestão da E... continuou, até à outorga do contrato datado de 05-02-2009, a ser assegurada pela “H..., Ltd” (cfr. cláusulas 7.1. e 7.3 do “Share Purchase Agreement”), que o adquirente das acções (a “B... SGPS, S.A.”) apenas foi indicado em 2009, e que apenas neste ano foram as acções entregues ao adquirente (cfr. cláusula 8.2.1.ii do “Share Purchase Agreement”).

            Mais se verifica que na Cláusula 4 do “Conditions Precedent Statement” consta, para além do mais que[4]the shares will be purchased by ... fully owned subsidiary “B...– SGPS, SA””, ou seja, que as acções serão (no futuro) adquiridas “B... SGPS, S.A.”, evidenciando que, até essa data tal aquisição não se tinha consumado.

            Relativamente a esta matéria, nota-se ainda que a posição sustentada pela Requerente, de acordo com a qual um acordo de transmissão de participações sociais que difira para o futuro a produção de efeitos de um contrato, com intenção de os fazer retroagir à data de tal acordo, prevendo-se inclusive a possibilidade de, no ínterim, se substituírem os intervenientes no acordo original, releva para o cômputo do período de 2 anos a que alude a norma da al. c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC em causa, para além de escancarar um portão à fraude e evasão fiscais[5], em termos que não se têm por compatíveis com a presunção de um legislador razoável consagrada no artigo 9.º/3 do Código Civil, redunda num total esvaziamento da norma em causa.

            Efectivamente, face ao entendimento propugnado pela Requerente, nada obstaria, por exemplo, a que duas entidades celebrassem um contrato de alienação de participações sociais de uma sociedade deficitária, sob condição, sujeitando-o expressamente ao regime do artigo 276.º do Código Civil, com um prazo de 2 anos ou mais, e que, verificadas as condições (que inclusivamente poderiam estar na disponibilidade das próprias partes), consumassem a transmissão, a favor de um terceiro, que poderia, de imediato, integrar a sociedade assim adquirida no seu grupo fiscal, não obstante aquela ter continuado até aí a ser gerida pelo alienante, que continuou também na posse das respectivas participações sociais...

            Não se podendo subscrever tal entendimento, deverá, nesta parte ainda, improceder o pedido arbitral, conclusão a que não obstarão a jurisprudência e doutrina de índole civilística em que a Requerente se louva, desde logo porquanto, como se referiu já, não está em causa a interpretação de qualquer conceito jurídico-civilístico, mas a interpretação do conceito de “detenção por mais de dois anos” constante da norma fiscal em causa, e depois porquanto as referidas doutrina e jurisprudência se referem, essencialmente, aos efeitos inter-partes, conforme decorre, para além do mais, das citações de António Menezes Cordeiro (“De todo o modo: concluído o acordo transmissivo, desencadeiam-se os seus efeitos inter partes”) e de Vaz Serra, Lobo Xavier, Osório de Castro e Carolina Santos (“as formalidades previstas no Código de Valores mobiliários tão só requisitos de legitimação do adquirente para o exercício dos seus direitos sociais”), feitas pela própria Requerente.

            De facto, não está em causa no caso sub iudice o julgamento dos efeitos dos contratos em causa entre as respectivas partes, mas relativamente à AT que não foi parte nos mesmos, por um lado, e a legitimação do adquirente no exercício dos direitos sociais será condição necessária para que se possa falar numa detenção efectiva das participações, tal como pressuposta, nos termos atrás expostos, pela norma da al. c) do n.º 4 do art.º 69.º aplicável, por outro.

            Por fim, não se releva igualmente a circunstância, destacada pela Requerente, de que “a operação contemplada revestiu-se (...) de uma legitimidade incontestável, caucionada pelo empenho e patrocínio do Governo da República Portuguesa.”, já que, desde logo, nada evidencia que tal patrocínio incluísse a relevância da data de aquisição da E... para efeitos da norma em causa, e que, mesmo que assim não fosse, tal estaria para lá da competência do Governo da República Portuguesa, face à concreta actuação deste que se apurou, pelo que, na melhor das hipóteses, e sendo esse o caso, apenas caberia à Requerente accionar pelas vias próprias aquele Governo, exigindo-lhe as responsabilidades a que, eventualmente, tenha faltado.

 

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e. do princípio da especialização de exercícios

            Subsidiariamente, suscita também a Requerente a questão da violação do princípio da especialização dos exercícios e da periodização económica, consignado no artigo 18.º do CIRC, considerando que, face aos mesmos, será “inquestionável que a compra e venda de acções em questão é imputável ao exercício de 2008 – e não ao exercício de 2009.”, porquanto, ainda no entender da Requerente “a 31.12.2008, a compra e venda das acções e as respectivas componentes positivas e negativas dos resultados fiscais das partes intervenientes, já eram inteiramente conhecidas de ambas as partes”, já que “tendo o contribuinte imputado fiscalmente a aquisição das acções da E... ao exercício de 2008, e não tendo a AT demonstrado quaisquer omissões voluntárias e/ou intencionais por parte do contribuinte, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, por força dos princípios da periodização económica, da unidade do sistema jurídico, da especialização dos exercícios e da justiça, as acções da E... devem considerar-se adquiridas, para efeitos fiscais, em 2008.”.

            Mais uma vez ressalvado o respeito devido, julga-se não fundada nos factos apurados a posição sustentada pela Requerente.

            Assim, e desde logo, quanto à alegação de que “a 31.12.2008, a compra e venda das acções e as respectivas componentes positivas e negativas dos resultados fiscais das partes intervenientes, já eram inteiramente conhecidas de ambas as partes”, nota-se que, justamente, a “B... SGPS, S.A.” não foi parte no acordo outorgado a 23-12-2008, apenas tendo sido indicada à vendedora, enquanto adquirente, no dia 05-02-2009.

            Por outro lado, não demonstrou a Requerente, por qualquer forma, nos autos, que tenha “imputado fiscalmente a aquisição das acções da E... ao exercício de 2008”, apontando, inclusive, os elementos disponíveis em sentido oposto, designadamente no que diz respeito às IES da E... e da B..., que, conforme se refere no RIT (cfr. p. 16), e não foi contestado pela Requerente, apenas reportam a aquisição em questão no ano de 2009, e não no ano de 2008.

            Assim, e pelo exposto, deverá também nesta parte improceder o pedido arbitral.

 

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e. do facto tributário

            Sem prescindir, alegou ainda a Requerente que “Por força do artigo 8º nº 9 do CIRC, o facto tributário gerador do IRC considera-se verificado a 31.12.2011.”, e que “a 31.12.2011 é manifesto que as acções da E... já eram detidas pela B... há mais de 2 anos – ainda que (...) se considere que as mesmas só foram adquiridas em Fevereiro de 2009”.

            Também nesta matéria não assistirá razão à Requerente, já que, como se escreveu no Ac. do STA de 12-03-2014, proferido no processo 0256/12[6]:

“Para a existência de um grupo de sociedades para efeitos fiscais é necessário que uma sociedade, dita dominante, detenha, direta ou indiretamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto, há mais de um ano à data em que se inicia a aplicação do regime.”

            Face ao exposto, deve também nesta parte improceder o pedido arbitral.

 

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g. da aplicação do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC

            No mesmo seguimento, alega ainda a Requerente que “contrariamente ao entendimento da DF .../AT, não se estenderia a todas as sociedades do grupo fiscal, mas apenas em relação à sociedade que alegadamente não respeitaria os pressupostos legais da sua inclusão no RETGS, a E.... Ou seja, apenas a E... seria excluída do RETGS – e não também a Requerente e a B..., que seriam tributadas segundo o RETGS nos exercícios de 2011, inclusive, e seguintes.”, já que “tão só e apenas as sociedades cuja situação jurídico-fiscal se enquadre em qualquer das alíneas a) a g) daquele nº 4 do artigo 69º do CIRC é que não podem fazer parte do grupo tributado segundo o RETGS. Sem que isso signifique, portanto, que o RETGS cessa ou caduca “automaticamente” relativamente a todas as sociedades do grupo (designadamente quanto à Requerente) – como erradamente entende a AT.”.

            Aponta, ainda a Requerente que “é notório o facto do artigo 69º nº 8 b) do CIRC apenas se aplicar quando o RETGS já se tiver sido iniciado, ou seja, apenas quando algumas das circunstâncias previstas nas várias alíneas do nº 4 do artigo 69º do CIRC ocorrerem na pendência da vigência do RETGS.” e que “no caso concreto a única sociedade que (...) não preencheria os requisitos para a sua inclusão no RETGS, no exercício de 2011, era a sociedade dominada E...: apresentou prejuízos fiscais nos 3 exercícios anteriores e as respectivas acções, a 01.01.2011, seriam (...) detidas há menos de 2 anos (cfr. artigo 69º nº 4 c) do CIRC). Logo, subsistindo outras 2 sociedades (a B..., sociedade dominante, e a aqui Requerente, sociedade dominada) que preenchem na íntegra os requisitos da sua inclusão em conjunto no RETGS, formando entre si um grupo fiscalmente tributado. (...) Pelo que não há qualquer razão, legal ou outra, para que a pretensa exclusão da E... do RETGS acarrete a cessação deste mesmo regime especial de tributação também relativamente à B... e à Requerente quanto ao exercício de 2011.”.

            Para a Requerida, “a cessação do regime especial no caso da verificação do incumprimento dos requisitos, como acontece in casu, sem que a sociedade dominante houvesse procedido à sua exclusão, como lhe incumbia, decorre linearmente da lei”, e “Assim, o que a Requerente pretende é a desaplicação casuística da sanção legalmente imposta, pretensão que não tem o mínimo acolhimento legal.”.

Prossegue a Requerida considerando que “que o art.º 69.º determina taxativamente que o regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respectiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado” e que “tratando-se de um requisito que decorre linearmente da lei, não se percebe em que medida seria expectável que a Requerente configurasse uma diferente interpretação por parte da AT.”, sendo que “que a Administração não pode substituir o legislador.”.

            Acrescenta ainda a Requerida que “A obrigação de verificar e provar o cumprimento dos requisitos, conforme dita o n.º 12 do artigo 69.º do CIRC, está na esfera da sociedade dominante.”, rematando que “a sanção legalmente prescrita é a cessação da aplicação do regime.” e que “A lei não prevê qualquer gradiente, intervalo ou moldura abstracta de sanção, dentro da qual caberia uma avaliação de proporcionalidade para a respectiva determinação da medida concreta.”.

            Vejamos.

            Conforme decorre expressamente do RIT (cfr. p. 10), a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas no grupo foi determinada por aplicação do disposto na al. b) do n.º 8, e na al. c) do n.º 9, do artigo 69.º do CIRC aplicável, que dispõem que:

“8 - O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando: (...)

b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;

9 - Os efeitos da renúncia ou da cessação deste regime reportam-se: (...)

c) Ao final do período de tributação anterior ao da verificação dos factos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 8.”

Conforme decorre do n.º 1 do artigo 69.º do CIRC aplicável, na economia da norma em causa, a adesão ao RETGS, está condicionada unicamente à opção nesse sentido, manifestada pela sociedade dominante.

Do regime legal em questão, não resulta, julga-se, qualquer condicionalismo, ou ónus, associado a tal opção, com excepção da existência de um grupo de sociedades, tal como configurado pelo n.º 2 do art.º 69.º. Assim, existindo tal grupo, e manifestada a referida opção pela sociedade dominante, estarão preenchidos os pressupostos para a aplicação do RETGS, ou seja, para a tributação do grupo, segundo as regras do regime especial fixado na lei.

Como se escreveu no Ac. do STA de 12-03-2014, proferido no processo 0256/12 (citado pela AT, com a data, por lapso, indicada como 03-12-2014), “uma coisa são os requisitos para a existência de um grupo de sociedades e outra a determinação das sociedades que podem integrar esse grupo de sociedades, isto é, de quais as sociedades elegíveis para efeitos da configuração do perímetro do Grupo de Sociedades que faz a opção pelo RETGS.[7].

Como se referiu, nos termos legais, o único pressuposto (no sentido de que a sua ausência obsta à aplicação do regime) é a existência de um grupo de sociedades. Assim, verificada tal existência, e feita, pela sociedade dominante, a opção pela tributação segundo o RETGS, estarão reunidos os condicionalismos legais para a aplicação de tal.

A exigência da indicação das sociedades que integram o grupo, não resulta da lei, tratando-se uma exigência da AT, que, sendo legítima, atentos os interesses de fiscalização e controlo que àquela Autoridade assistem, não deverá ver a sua rectidão ser considerada uma condição sine qua non da aplicação do regime em questão, concretamente, e no que para o caso interessa, no sentido de que, existindo efectivamente um grupo de sociedades (tal como legalmente definido), a opção pelo RETGS seja inválida ou ineficaz, no caso de uma errada ou incompleta determinação (para mais ou para menos), pela sociedade dominante, do perímetro do grupo, aquando da manifestação da opção pela tributação nos termos do RETGS.

Tal consequência, salvo melhor opinião, não poderá ser retirada, como fez a AT, do n.º 8 do art.º 69.º, porquanto, desde logo o referido n.º 8 reporta-se à cessação do regime, sendo que apenas poderá cessar uma situação jurídica que se constituiu validamente.

Efectivamente, uma situação jurídica que enferme de algum vício aquando da sua constituição, não se chega a constituir, não se podendo, rigorosamente, nesses casos falar de cessação da mesma.

De um ponto de vista técnico-jurídico, como é consabido, aquando da constituição de uma determinada situação jurídica, relevam os chamados factos constitutivos (pressupostos da sua constituição) e os factos impeditivos (que impedem o efeito dos factos constitutivos), sendo que os factos susceptíveis de fazer cessar uma situação jurídica, são os chamados factos extintivos, por definição supervenientes à constituição da sobredita situação jurídica.

No presente caso, os factos constitutivos serão a existência de um grupo de sociedades e a opção pelo RETGS, feita pela sociedade dominante, não se vislumbrando factos impeditivos do direito à aplicação desse regime, e sendo que o n.º 8 do art.º 69.º tratará de factos extintivos de tal direito.

Eventualmente, esta conclusão poder-se-ia não impor, se se concluísse que a não aplicação do RETGS, nesses casos, correspondia a um interesse relevante da AT, ou seja, se a aplicação do RETGS ao grupo devidamente delimitado nos termos legais, e sua não aplicação à(s) sociedade(s) indevidamente comunicadas como integrando aquele, acarretasse algum inconveniente atendível para a AT. Todavia, não será esse o caso. Desencadeado o procedimento inspectivo e havendo necessidade de avançar para correcções, será funcionalmente indiferente para a AT emitir uma liquidação correctiva para o grupo remanescente, e liquidações oficiosas para as sociedades indevidamente comunicadas como integrando aquele, ou emitir liquidações individuais para todas as sociedades envolvidas, sendo que, de resto, esta última solução até tenderá a consumir mais recursos da AT, e a dar azo a mais perturbação sistemática, por via da multiplicação da litigiosidade, tendo em conta implicar necessariamente a emissão de um maior número de actos de liquidação.

            Também sob um ponto de vista de necessidade/proporcionalidade, será, no mínimo, altamente questionável considerar que em função de uma situação que pode derivar de lapso ou de divergências de qualificação jurídica (sendo que até poderá ser este o caso), um contribuinte se veja privado do direito a ser tributado segundo o RETGS, por ter preenchido incorrectamente, eventualmente por lapso ou divergência de qualificação jurídica, o modelo de declaração de alterações exigido pela AT.

É certo que estas últimas considerações de ordem material poderão, em grande parte, ser transponíveis para as situações em que tendo o RETGS vigorado, o contribuinte não comunica devidamente a inclusão ou exclusão de uma sociedade que deva integrar ou deixar de integrar o grupo. Com efeito, também aí se pode considerar, nos mesmos termos, que não corresponde a qualquer interesse atendível da AT a cessação do RETGS, e questionar a proporcionalidade e necessidade de tal cessação, quando a situação pode igualmente derivar de lapso ou divergências de qualificação jurídica. Não obstante, aí estaremos perante lei clara e expressa, para além de se poder considerar que está em causa uma consequência de natureza sancionatória face ao incumprimento do dever consagrado no n.º 7, al. b) do art.º 69.º, o que, ao contrário do apontado pela AT, não poderá estar em causa na situação sub iudice, uma vez que estando em causa a constituição do grupo de sociedades para efeitos fiscais, não existe uma obrigação específica de delimitação do perímetro do grupo, ao contrário do que acontece na pendência da aplicação do RETGS, por via do n.º 7.º, alínea b) do artigo 69.º do CIRC em causa, mas apenas, como se viu, a necessidade de manifestar, devidamente, a opção pela aplicação daquele Regime, e a existência objectiva de um grupo de sociedades, tal como definido na lei, pelo que não se deverá sancionar o contribuinte pela violação de um dever que a lei não impõe.

Acresce ainda que, atendendo a todo o referido, e tendo em conta que o n.º 8 em questão foi alterado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, deixando de prever que a não comunicação oportuna da exclusão de sociedades do grupo acarrete a cessação do RETGS, a norma do n.º 8 do art.º 69.º, na parte em causa, deverá ser interpretada restritivamente, não se devendo subscrever uma posição que, não tendo uma base uma literal concludente, acolha situações dificilmente justificáveis, como seja, por exemplo, a situação de um grupo de sociedades que, na sua constituição, por lapso ou divergência de qualificação jurídica não inclua no perímetro do grupo indicado uma sociedade cuja inclusão, em concreto, lhe seja fiscalmente favorável, e que, por via disso, veja afastada a pretendida aplicação do RETGS.

            Uma nota, ainda, para a al. b) do n.º 8 do art.º 69.º, que embora possa dar algum amparo literal à interpretação que sustente a sua aplicação aquando da constituição do grupo de sociedade, se deverá ter por aparente, na medida em que o texto completo da norma refere[8]: “Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado”, reforçando, a utilização da expressão “excluída”, o entendimento de que a sanção em questão decorre da violação do dever de excluir a sociedade do âmbito do grupo, e não da violação do putativo dever de não a incluir no âmbito do grupo a criar.

            No entanto, se dúvidas houvessem quanto ao sentido do referido n.º 8, as mesmas dissipar-se-iam, crê-se, face ao disposto no n.º 9, sendo a própria al. c) deste número, também aplicada nos autos pela AT, que se refere à “cessação” ou “renúncia”, reportando-os “Ao final do período de tributação anterior ao da verificação dos factos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 8.”, sendo que, como aponta a Requerente, é logicamente inconcebível que uma situação cesse em data anterior à da sua constituição.

            No sentido referido, conclui Gonçalo Avelãs Nunes, em obra citada[9] quer pela Requerente, quer pela Requerida, que:

Qualquer que seja a modalidade de saída do grupo, ela não deve ter qualquer relevo se se verificar no primeiro ano de integração, tudo se passando, para todos os efeitos legais, como se a sociedade em questão nunca tivesse sido integrada no grupo. (...) A saída de uma ou mais sociedades do grupo não deve implicar, só por si, a cessação da tributação do grupo pelo RTLC, a não ser em dois casos: a) quando a sociedade que sai for a sociedade dominante; b) quando restar uma sociedade (ainda que seja a sociedade dominante) em resultado da saída de algumas sociedades do grupo. Se o grupo se mantiver, não faz qualquer sentido que a saída de uma determinada sociedade dominada, (...) por ter ela deixado de cumprir os requisitos de elegibilidade, obrigue a que o grupo deixe de continuar a ser tributado pelo RTLC. Pela razão simples mais decisiva de que essa saída em nada altera as características fiscalmente relevantes do próprio grupo e não prejudica os fundamentos que determinam a tributação pelo RTLC. A instituição da regra contrária – a cessação da tributação do grupo pelo RTLC por força da mera saída de uma sociedade do grupo – significaria um regime absolutamente desnecessário e desproporcionado, que introduziria um grau de insegurança absolutamente inadequado e ilegítimo no que diz respeito ao regime de tributação aplicável às sociedades integrantes do grupo. Por outro lado, a saída do grupo, desde que enquadrada por um regime legal adequado, não é susceptível de prejudicar os interesses da AF dignos de tutela.[10]

            Conclui-se assim, e por tudo quanto se expôs, que o n.º 8 do artigo 69.º do CIRC em questão não se aplica às situações em que, como é o caso, esteja em causa a constituição de um grupo de sociedades, devendo, nessas situações as correcções a operar pela AT assentar na exclusão ou inclusão no grupo para efeitos de RETGS, das sociedades que, nos termos legais, o devam integrar, tributando, segundo as regras daquele Regime, o grupo assim formado, e, autonomamente, as sociedades que em cada caso, fase à correcta aplicação do Direito, não o possam integrar.

Ao fazê-lo, e na sequência da fundamentação que se expôs, não estará a Administração a substituir-se ao legislador, mas antes a cumprir, devidamente, o comando legislativo, não obstando à conclusão tirada a circunstância de que, de acordo com o n.º 11 (e não 12) do artigo 69.º do CIRC em causa, caber à sociedade dominante a obrigação de verificar e provar o cumprimento dos requisitos de aplicação do RETGS, desde logo porquanto tais requisitos são, como se viu também, a existência de um grupo e a manifestação oportuna da opção pela tributação segundo aquele, e depois porquanto a questão que ora nos ocupa se situa a jusante daquela, tratando-se da questão de saber, demonstrado que existe um grupo fiscal e que a opção pelo RETGS foi feita oportunamente, quais as consequências de um incorrecto preenchimento da declaração de alterações em que a referida opção foi exercida.

            Assim, verificando-se erro de direito na aplicação ao caso concreto do n.º 8, alínea b) do artigo 69.º do CIRC aplicável, será anulável o acto tributário sub iudice, devendo proceder, nesta parte o pedido arbitral.

            Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões subsidiariamente colocadas pela Requerente, bem como da excepção arguida pela Requerida, que se reporta àquelas.

 

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c. da indemnização por garantia prestada e dos juros

            Conforme decorre da matéria de facto fixada, a Requerente, em ordem a suspender o processo de execução fiscal relativo à liquidação objecto da presente acção arbitral, prestou garantia, e, subsequentemente, veio a pagar aquela, ao abrigo do PERES, pelo que peticiona, também, indemnização pela prestação de garantia indevida, e a atribuição de juros indemnizatórios.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação anulada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa, sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Relativamente à prestação de garantia, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.[11]

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do art. 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T[12] “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, como se referiu, o erro que padece o acto de liquidação é imputável à Entidade Requerida, e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao período em que a mesma esteve em vigor.

No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução desta decisão.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

  1. Anular o acto de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios nº 2015..., relativo ao exercício de 2011, no valor de €1.038.380,18 bem como o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a referida liquidação;
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados, bem como no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, que se vier a fixar, se necessário, em execução do presente acórdão arbitral.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €1.038.380,18, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 60.000,00, nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa 4 de Junho de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Tomás Castro Tavares – com declaração de voto)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Américo Brás Carlos – vencido, conforme declaração de voto)

 

Declaração de voto.

 

1. Concordei com a posição do Acórdão no tema da “aplicação do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC” e que fez maioria (apesar das precisões no ponto 3 infra) e discordei da posição do Tribunal acerca do tema “do preenchimento da al. c) do n.º 4, do art. 69.º, do CIRC”, pelas razões indicada no ponto 2 infra.

 

2. As sociedades que registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores não podem integrar o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), “salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de 2 anos” (art. 69.º, n.º 4, al. c), do CIRC). O processo, nesta parte, resume-se à interpretação deste segmento legal, que desdobrarei em 4 tópicos para sintetizar a minha opinião.

Primeiro: para a lei fiscal, o que releva é a aquisição e período de detenção: que a sociedade dominante detenha as ações da dominada por mais de 2 anos. Entendo, por isso, que é irrelevante se a gestão do comprador apenas ocorreu no ano seguinte.

Segundo: o preceito fiscal fala em “detenção”. Este conceito é empregue em inúmeras situações no CIRC, sempre com o sentido de aquisição e propriedade do ativo subjacente (ações, quotas, ativos fixos tangíveis, etc. consoante os casos). Assim, por exemplo, no reinvestimento das mais-valias, os ativos têm de ser detidos (adquiridos e mantidos) por mais de 12 meses [art. 48.º, n. 1, do CIRC]; na eliminação da dupla tributação dos lucros, que a sociedade beneficiária detenha (seja proprietária, por ter adquirido) mais de 10% do capital social da outra sociedade [art. 51.º, n.º 1, al. c), do CIRC]; nos preços de transferência, existem relações especiais quando uma entidade detenha (seja titular) uma participação não inferior a 10% do capital social da outra [art. 63.º, n.º 4, al. a) e b), do CIRC]; ou ainda as regras da transparência fiscal internacional pressupõem uma certa percentagem de detenção (aquisição e manutenção) de capital social na outra entidade [art. 66.º, n.º 1, do CIRC].

Ora, não faz sentido dar ao conceito de detenção do art. 69.º, n.º 4, al. c) do CIRC um sentido diverso do regulado nas demais situações do CIRC – sobretudo quando, argumento decisivo, se analisa o art. 69.º, n.º 1, do CIRC. Este preceito indica que existe grupo de sociedade quando a dominante detém […] 90% do capital de outra sociedade. Isto significa, só pode significar, que seja proprietária, porque adquiriu e manteve, essa fasquia de capital social. Ora, o n.º 4 do art. 69.º do CIRC tem de ser interpretado no mesmo segmento – a dominante adquiriu e é proprietária do capital social da dominada (pelo menos 90%) há mais de 2 anos.

Terceiro: decorre do ponto segundo, que a expressão detenção não possui um significado próprio no direito fiscal. Não é um conceito autónomo do direito tributário. Donde, sempre que nas normas fiscais empreguem termos próprios doutros ramos de direito, devem ser interpretados no sentido que possuem no ramo de origem (art. 11.º, n.º 2, da LGT).

É com base nesta ideia que resolveria o caso dos autos: em 12/2008, houve a compra e venda de mais de 90% das ações (foi uma compra e venda e não uma promessa), sujeita a condições suspensivas (usuais neste tipo de acordos) e com cláusula de pessoa a nomear (frequente nestes acordos), em que tudo se consumou (e encerrou) passados 2 meses (com verificação das condições e prescindiram-se de outras e com a nomeação do terceiro), algo perfeitamente normal no mundo destes negócios.

Ora, segundo o direito privado:

a) Os efeitos do preenchimento da condição [em Fevereiro de 2009] retrotraem-se à data da conclusão do negócio [Dezembro de 2008] (art. 276.º do CC);

b) Nos efeitos do contrato para pessoa a nomear, “a pessoa nomeada adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato, a partir da celebração dele” – ou seja, desde 2008 (art. 455.º do CC).

Esta tese é reforçada (e não é contrariada), pelos seguintes pontos. (i) foi essa a vontade dos intervenientes, e inclusive do poder político (o vocábulo “will” do contrato corresponde a um mau inglês [contrato em inglês feito por juristas portugueses], e que não foi isso o que as partes quiseram, como decorre da prova); (ii) as condições em causa são usuais e estavam todas elas na disposição das partes (o Estado já tinha aceite a manutenção do reporte de prejuízos, apesar da mudança da titularidade do capital social; e a Autoridade da Concorrência indicou que não se teria de pronunciar, porque a operação não se enquadrava nesse setor jurídico – logo não foi uma condição); (iii) entendo que a entrega dos títulos (não provada no processo) não é um requisito ad substanciam da compra e venda; (iv) a eficácia interpartes não se sobrepõe à eficácia retroativa da condição e nomeação de terceiro, sobretudo para o caso concreto em que o tema só adquire relevância passados 2 anos (e não no ínterim entre 12/2008 e 2/2009); (v) as demais vicissitudes do caso reforçam a tese que defendo: as condições cumpriram-se passados 2 meses e não existiu qualquer intuito fraudulento ou abusivo na tentativa de antecipação da aplicação do REGTS (como foi reconhecido no Acórdão).

Quer dizer: desde Dezembro de 2008 (consumados os efeitos retroativos) que o adquirente detém de forma efetiva a participação de mais de 90% do capital social da dominada – e assume, desde 2008, os riscos fácticos e jurídicos dessa participação. Donde, essa sociedade teria de integrar o perímetro de consolidação, no ano em causa nos autos.

Quarto: não se nega que esta tese (efeitos retroativos da condição e nomeação) poderia dar cobertura a situações de abuso – traduzido no estratagema, por exemplo, de se adquirir uma participação com prejuízos fiscais sob condição (até ilógica) a cargo do adquirente e cuja verificação demorasse no tempo (2 anos), a qual só seria acionada, caso se viesse a confirmar a sua utilidade à menor tributação do RETGS, em face dos resultados das empresas do grupo dos últimos dois anos. O argumento é relevante, mas não muda a minha posição, pelas seguintes razões:

  1. In casu, estamos a falar de 2 meses (de 12/2008 a 2/2009) e não de dois anos – e está provado no processo que não houve qualquer intuito de abusivo aproveitamento dos benefícios fiscais. Não há qualquer relação causal entre as condições contratuais e a tentativa de antecipação temporal do RETGS.
  2. Em termos médios, os negócios de compra e venda de participações sociais efetuam-se, por regra, com condições várias, por atendíveis razões negociais das partes – e não com intuitos de evasão fiscal. Não se pode dizer que a interpretação perfilhada vá escancarar a porta a situações evasivas em termos tributários.
  3. Por outro lado, nesses casos abusivos (que reputo de excecionais), o sistema fiscal – tem uma válvula de escape para cumprir a justiça. Se as normas fiscais se interpretam como quaisquer outras normas jurídicas (art. 11.º, n.º 1, da LGT), então não se pode chegar a um resultado interpretativo que viole os princípios gerais de direito. Nesses cenários abusivos – que repito, não é o que sucede nos autos – os efeitos retroativos da condição não produziriam efeitos tributários, por interpretação teleológica do art. 69.º, n.º 4, al. c), do CIRC e/ou pela aplicação da Clausula Geral Anti Abuso, entendida hoje pela Doutrina como um princípio geral de interpretação da norma fiscal (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2015, p. 366 e ss.).

Em suma: por todas estas razões, entendo que o ato tributário é ilegal, por violação do art. 69.º, n.º 4, al. c), do CIRC, já que, em 2011, a sociedade dominante detém a participação social de mais de 90% no capital social da dominada há mais de 2 anos – detém essa participação, desde Dezembro de 2008.

 

3. Votei a posição maioritária de anulação da liquidação, por violação do art. 69.º, n.º 8, do CIRC, em relação aos efeitos do erro na identificação dos intervenientes no RETGS aquando da sua aplicação inicial – revejo-me nos argumentos decisórios do Acórdão. Todavia, discordo do argumento lateral e irrelevante para o conteúdo decisório do caso dos autos, na comparação com as modificações supervenientes da composição do grupo já existente – no sentido de que a lei fiscal imporia a cessação do RETGS, se acaso o sujeito passivo não indicasse uma mudança das sociedades do grupo (ou se indicasse uma mudança, que não deveria existir). Em minha opinião, a lei teria de ser interpretada com base nos seguintes dados teleológicos e sistemáticos – e penderia para a retirada ou inserção da sociedade em falta, sem cessação do RETGS: (i) Esta irregularidade não tem natureza sancionatória; (ii) o princípio da proporcionalidade impede este resultado; (iii) e sobretudo, estamos, nesta sede, como aliás também na constituição do REGTS, no âmbito das relações de cooperação e colaboração entre o contribuinte e a Autoridade Tributária no cumprimento da lei fiscal (por vezes de difícil interpretação), em que o sistema fiscal de massas inverte os papéis e delega essa tarefa no contribuinte, tendo depois da AT de controlar e verificar essas declarações (art. 55.º e 59.º da LGT). Assim sendo, eventuais erros do contribuinte no preenchimento de declarações e identificação de situações tributária – como na ulterior composição do perímetro do RETGS – apenas origina a necessidade de verificação e controlo pela AT, em total cooperação para cumprimento da legalidade, retirando ou inserindo sociedade de forma superveniente (colmatando o erro), sem nunca colocar em causa a existência do grupo, quando não é essa a vontade do contribuinte. Outra solução redundaria em suprema injustiça: o sistema delega obrigações acessórias no contribuinte (para facilitar a relação fiscal de massas e a posição do sujeito ativo); a sua aplicação é difícil e árdua, porque a lei não é clara – e o contribuinte, com base numa decisão difícil (incluir ou excluir uma sociedade do RETGS), não pode ver extinto todo o regime fiscal do Grupo, quando a AT tem a obrigação legal de cooperação e colaboração.

 

 

Tomás Maria Cantista de Castro Tavares

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não votei favoravelmente o Acórdão por dele discordar na parte relativa à pronúncia sobre o ponto «g. da aplicação do nº 8 do artigo 69º do CIRC», a qual culmina com a imputação ao ato tributário em análise de um erro de direito na aplicação da alínea b) do nº 8 do referido artigo 69º e na consequente anulação.

Em síntese, o Acórdão conclui que «o n.º 8 do artigo 69.º do CIRC em questão não se aplica às situações em que, como é o caso, esteja em causa a constituição de um grupo de sociedades, devendo, nessas situações as correcções a operar pela AT assentar na exclusão ou inclusão no grupo para efeitos de RETGS, das sociedades que, nos termos legais, o devam integrar, tributando, segundo as regras daquele Regime, o grupo assim formado, e, autonomamente, as sociedades que em cada caso, fase à correcta aplicação do Direito, não o possam integrar».

Com o devido respeito por este entendimento, admito que o dever ser nele ínsito, assenta em preocupações de jure condendo em face da lei ao tempo vigente, mas não penso que pudessem legalmente sustentar o ato tributário em análise, atento o princípio da legalidade que é origem e limite da atuação da administração.

O aresto impõe à AT uma atuação que a lei não lhe permitia, como se verá.

 

1. O nº 8 do artigo 69º e a sua alínea b)

Em princípio, o RETGS aplica-se a todas as sociedades do grupo fiscal, tal como é definido no nº 2 do artigo 69º (vd. nº 1). Admitindo que estão reunidos os requisitos do nº 3, só não integrarão o grupo fiscal as sociedades de um grupo que, no início ou durante a aplicação do RETGS, disso estejam impedidas nos termos do nº 4 do mesmo artigo. Isto é, a sociedade dominante não tem a faculdade de configurar o perímetro do grupo fiscal, fora dos parâmetros da lei fiscal, como também não o tem a AT.

É certo que, como concluiu o Acórdão, a participação da sociedade E... SA não era detida pela sociedade dominante há mais de dois anos[13], não cumprindo, por isso, um requisito necessário para ser integrada no grupo fiscal (al. c) do nº 4). Não obstante, a sociedade dominante incluiu-a indevidamente quando exerceu a opção pelo RETGS prevista no nº 7 e sua alínea a), materializada na respetiva entrega da declaração de alterações prevista no nº 5 do artigo 118º do CIRC. Em sentido inverso ao do Acórdão, entendo, assim, que a delimitação do perímetro de aplicação do RETGS resulta da lei, particularmente destes últimos preceitos, face à alteração entre a situação anterior das sociedades do grupo e a resultante da criação de um grupo fiscal composto pelas empresas assinaladas.

Sempre com o devido respeito pela opinião contrária, parece-me que a um incumprimento do nº 4 fazia a lei corresponder a cessação da aplicação do RETGS. O que «cessa» é, pois, «a aplicação do RETGS», e este regime engloba a totalidade das sociedades. É a aplicação do RETGS que cessa como um todo, como resulta do nº 8 do artigo 69º: «O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando:», dando lugar, nesse exercício, à tributação, logicamente supletiva, nos termos do regime normal.  

Quanto ao significado do verbo "cessar" utilizado no corpo do nº 8, reconheço ser impressivo o argumento utilizado no Acórdão, de que «apenas poderá cessar uma situação jurídica que se constituiu validamente. Efetivamente uma situação jurídica que enferme de algum vício aquando da sua constituição, não se chega a constituir, não se podendo, rigorosamente, nesses casos falar de cessação da mesma».

Em meu critério, contudo, para alcançar o sentido daquele verbo, deve o corpo do nº 8 ser confrontado, desde logo, com as suas alíneas. Designadamente, com a sua alínea b), a qual abrange também as situações a que o RETGS «pretende ser aplicado» a par daquelas em que este regime está a ser aplicado. Dispõe a alínea b) do nº 8: «O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando: (…) Se verifique alguma das situações previstas no nº 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado».

Assim, o "cessar a aplicação do RETGS" tem em conta o momento inicial que resulta da declaração da sociedade dominante optando pelo regime; e mesmo quando, logo nesse momento inicial, não estavam reunidas todas as condições (havia o facto impeditivo da alínea b) do nº 4)) entende-se que se iniciou algo - a aplicação do RETGS - que deve ser cessado, por pretender ser aplicado quando ab initio não podia.     

Por outro lado, na economia da alínea b) do nº 8, a lei usou a mesma palavra “excluída” para fixar a consequência para a sociedade impedida de participar no grupo fiscal, em ambas as situações: o RETGS estar a ser validamente aplicado ou o RETGS «pretender ser aplicado». Está contida nesta norma a possibilidade de “exclusão” de uma sociedade de um grupo fiscal a que se pretende ab initio vir a aplicar aquele regime. Quando o RETGS ainda não se iniciou esta “exclusão” significará a “não inclusão”. É, penso, também esse o sentido coerentemente articulado com a consequente “cessação” do RETGS, com efeitos reportados à data da opção por este regime, prevista no corpo do nº 8. 

Existe uma situação que foi iniciado, de facto, embora não tenha sido legalmente iniciada. Nesse caso, age-se como se nunca tivesse existido a situação de facto iniciada, embora não validamente. Isto é, no caso, anula-se a opção pela aplicação do RETGS, como se a mesma nunca tivesse sido exercida.

Penso, aliás, que algo próximo se passará em casos de correções fiscais, nos quais existiam situações de facto que “cessaram” por não terem sido legalmente constituídas e foram anuladas com efeitos à data do seu início.

 

 

2. O princípio da proporcionalidade e a legitimação de uma «interpretação restritiva»

A solução reprovada pelo aresto – cessação do RETGS e «liquidação de IRC na esfera individual de cada uma daquelas sociedades de acordo com o regime geral de tributação» - foi apreciada pelo STA (Acórdão de 12.03.2014, Proc. 0256/12) sem que fosse considerada inconstitucional, designadamente por força da violação do princípio da proporcionalidade, ou ilegal. Também o Acórdão proferido no Processo nº 10/2017 do CAAD aceita, sem reparo, que a inclusão de uma sociedade que «não poderia ter sido incluída no RETGS, determina, por si só, a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas no grupo, nos termos resultantes da alínea b), do nº 8 e na alínea c), do nº 9, ambos do artigo 69.º do CIRC. Em face disso, todas as sociedades integrantes do perímetro do grupo deveriam ter sido tributadas autónoma e individualmente.».

Como antes referido, entendo que a lei ao tempo vigente determinava a cessação da aplicação do RETGS, quando se verificasse o facto impeditivo da alínea c) do nº 4 e a sociedade em causa não fosse retirada do grupo. Cessando a aplicação do RETGS, cessa tal aplicação para todas as sociedades do grupo e não me parece permitido à AT de motu proprio “reconfigurar” o grupo fiscal, substituindo, de certa maneira, uma hipotética vontade da sociedade dominante. 

De facto, excluída a sociedade que não cumpra os requisitos, não pode a AT pressupor, que a sociedade dominante pretenderia que o conjunto das restantes sociedades fosse tributado pelo RETGS, ficando apenas a sociedade excluída sujeito ao regime geral de tributação. No caso em concreto, ainda que a lei permitisse um tal juízo e a respetiva alteração da constituição do grupo por parte da AT, a solução proposta pelo Acórdão poderia nem ser a solução claramente pretendida pela sociedade dominante, uma vez que foi na esfera jurídica da sociedade que não podia integrar o grupo que se gerou a esmagadora maioria dos prejuízos reportáveis no grupo.

No que respeita à evolução posterior do artigo 69º e seguintes, é certo que quase todas as alíneas do nº 8 do artigo 69º do CIRC foram alteradas pela Lei nº 82-C/2014, de 31.12, num sentido que, aplicado aos autos, levaria a uma consequência diferente da agora aplicada pela AT. Entendo, porém, que daí também não se pode retirar qualquer apoio, ainda que parcial, para que o preceito vigente em 2011 seja «interpretado restritivamente». É de admitir que se a lei quisesse projetar no passado os efeitos da nova redação da norma, ter-lhe-ia dado natureza interpretativa, como aliás aconteceu com as alterações efetuadas pela Lei nº 109-B/2001, de 27/12, precisamente aos preceitos que mais tangem com o presente caso: a alínea c) do nº 4 e a alínea b) do nº 8, do, ao tempo, artigo 63º do CIRC.

Pelo que, tudo visto, entendo que deveria ter sido mantido o ato tributário sub judice.

 

 

Américo Brás Carlos

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Disponível em www.caad.org.pt.

[3] Sublinhado nosso.

[4] Sublinhado nosso.

[5] Notando-se, todavia, que in casu, não se constata o mínimo indício de que esteja em causa qualquer tentativa de fraude ou evasão fiscal.

[6] Sublinhado nosso.

[7] Note-se que a situação sub iudice não se identifica com a situação julgada naquele acórdão, na medida em que ali estará em causa uma situação ocorrida na pendência da aplicação do RETGS, e não aquando da constituição do grupo, por um lado, acrescendo ainda que, por isso mesmo, a questão da aplicação do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC em causa às situações relativas à constituição do grupo fiscal não foi ali analisada.

[8] Sublinhado nosso.

[9]Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC”, Almedina, 2001.

[10] P. 176 e s.

[11] Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

[12] Disponível em www.caad.org.pt.

[13] É já em fevereiro de 2009, que ocorre o “closing” do negócio nos termos previstos no Share Purchase Agreement (SPA) e com ele as consequências do fecho do negócio. Por exemplo: a entrega ou a disponibilização das ações pela sociedade vendedora à compradora; a carta da sociedade mãe da vendedora consentindo a transferência das ações; a carta de resignação dos titulares dos corpos sociais; o pagamento das ações, etc. (vd. cláusula 8.2 do SPA). Em 05.02.2009 na “ata” de verificação das Conditions Precedent Statement (CPS) (ponto 4) ainda se declara que a as ações “will be purchased by…”… Também, em consonância, é na IES da E... SA de 2009 e não da de 2008, que é registada a mudança de detentor das suas ações.