Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2017-T
Data da decisão: 2017-07-10  IRS  
Valor do pedido: € 14.037,11
Tema: IRS – Impugnação de liquidação adicional de IRS de 2009; correções respeitantes à desconsideração da união de facto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A…, com o NIF…, residente na Rua …, n.º … - …-… - ... (com as anteriores denominações de …, … …, n.º…), vem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral contra o referido ato de liquidação de IRS.

 

INTRODUÇÃO E SANEAMENTO

 

A liquidação adicional de IRS impugnada tem a sua origem na desconsideração feita pela Administração Tributária à situação pessoal e familiar declarada pelo Requerente como unido de facto com B…, com o NIF …, conforme consta da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2009, oportunamente entregue, que deu lugar à liquidação n.º 2010…, emitida em 02/07/2010, no valor de € 3.881,20, tendo sido paga em 30/09/2010, dentro da data limite de pagamento de 39/09/2010.

 

Esta liquidação foi objeto de correção pela AT, oficiosamente, que deu origem à liquidação adicional de IRS de 2009, com o n.º 2013…, no valor de € 14.037,11, emitida em 12/11/2013, com data limite de pagamento de 18/12/2013 e com pagamento nessa data.

 

O Requerente, por não concordar com a referida liquidação adicional, apresentou reclamação graciosa, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º e 65.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 9.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), que a AT considerou tempestiva, face ao disposto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, conjugado com o n.º 1 do artigo 140.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

O referido pedido de reclamação graciosa foi indeferido por despacho de 25/11/2016, que foi notificado ao Requerente na mesma data de 25/11/2016, via CTT, sendo informado de que "poderia recorrer hierarquicamente no prazo de 30 dias, nos termos do n.º 2 do artigo 66.º do CPPT ou impugnar judicialmente no prazo de tês meses, nos termos previstos no artigo 102.º também do CPPT, a contar da data em que se concretizou a notificação nos termos do n.º 10 do artigo 39.º do CPPT".

 

O Requerente apresentou no CAAD, em 27/02/2017, o pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, ora em apreço.

 

Assim sendo e considerando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, conjugado com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, bem como o disposto no artigo 39.º, n.º 1 e 38.º, n.º 3 do CPPT, o pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral apresentado em 27/02/2017 é tempestivo. 

 união de facto.

 É Requerida a (AT) - Autoridade Tributária e Aduaneira.

O CAAD designou em 10/03/2017, como árbitro do tribunal arbitral singular o Dr. José Rodrigo de Castro, indigitação que aceitou em 12/03/2017.

O tribunal arbitral singular ficou constituído em 09/05/2017.

As partes são legítimas e encontram-se devidamente representadas, o processo é próprio e não foi apresentada qualquer exceção dilatória, nem arroladas testemunhas.

 

A AT apresentou, oportunamente, a sua Resposta em 12/06/2017, para o que foi notificada em 10/5/2017.

 

Foi dispensada a realização da Reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por não haver matéria adicional de prova a apresentar e notificadas as partes para alegações, no prazo de 10 dias, sucessivamente, por despacho do tribunal arbitral de 14/04/2017.

 

Não foram apresentadas alegações nem por parte do Requerente nem da Requerida, apesar de devidamente notificados para o efeito pelo CAAD.

 

Encontra-se, portanto, o processo em condições de ser apreciado e decidido, já que o Tribunal foi regularmente constituído em 09/05/2017 e é competente, o árbitro foi designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, em conformidade com as formalidades legais, a matéria a apreciar encontra-se abrangida pela Portaria de Vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira n.º 112.º-A/2011, de 22 de março, as partes são legítimas, não foram identificadas quaisquer nulidades e o pedido de impugnação arbitral foi atempadamente apresentado.   

 

I – Relatório

 

O Requerente, ora impugnante, com o NIF…, apresentou a sua declaração mod. 3 de IRS respeitante aos rendimentos do ano de 2009, em 28/05/2010, nela mencionando o estado civil de união de facto com B…, com o NIF…, bem como dois descendentes com os NIF … e…, nascidos da vivência em comum de ambos, respetivamente em 05/07/1993 e 12/05/1997.

 

Com base nos elementos da referida declaração de IRS foi efetuada e emitida em 2/7/2010 a liquidação de IRS de n.º 2010…, com o montante a pagar de € 3.881,20, com data limite de pagamento em 30/09/2010, IRS que foi efetivamente pago nessa data. 

 

A Requerida, no âmbito de posterior análise interna aos elementos da declaração, detetou divergência face aos elementos constantes do sistema informático da AT, no tocante aos requisitos da união de facto com B…, que determinou a necessidade da sua comprovação.

 

Em consequência da alegada divergência, foi elaborada pelo Serviço Local de Finanças de … uma declaração oficiosa, considerando o Requerente no estado civil de solteiro, do que resultou a liquidação oficiosa adicional de IRS do ano de 2009, com o n.º 2013…, no valor de € 14.037,11, emitida em 12/11/2013, com data limite de pagamento de 18/12/2013 e com pagamento nessa data.

 

O Requerente, por não concordar com a referida liquidação adicional, apresentou reclamação graciosa, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º e 65.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 9.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), que a AT considerou tempestiva, face ao disposto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, conjugado com o n.º 1 do artigo 140.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), mas que indeferiu por despacho de 25/11/2016, que foi notificado ao Requerente na mesma data de 25/11/2016, via CTT.

 

O fundamento invocado pela AT para o indeferimento da Reclamação Graciosa foi o de que, "relativamente aos rendimentos do ano de 2009, deveriam os sujeitos passivos ter o mesmo domicílio fiscal, pelo menos desde 31 de Dezembro de 2007 (inclusive), o que não se verifica após consulta ao referido SGRC".

 

Deu-se, assim, absoluta prevalência à não comunicação à AT da morada fiscal de ambos os unidos de facto, pelo menos desde 31 de Dezembro de 2007.

 

II - DOS FACTOS

 

Vamos, portanto, aos factos relevantes e controversos, que consistem em conhecer desde que data o Requerente, A…, com o NIF…, residente na Rua…, n.º … - …-… - ... (com as anteriores denominações de …, …, n.º…) vive em união de facto com B…, com o NIF…, nos termos legalmente exigíveis, para efeitos da sua tributação conjunta em IRS.

 

E, por outro lado, conhecer em que data ou datas, cada um dos unidos de facto terá participado o respetivo domicílio fiscal à AT, como prescreve o n.º 4 do artigo 19.º da LGT.

 

Alega a Requerida que no registo informático da AT o Requerente A… tem como domicílio fiscal a Rua de …, n.º … na ..., desde uma data que não é precisada, morada essa que respeita às instalações de uma farmácia de que é proprietário o Requerente.

 

Mais refere a Requerida que só a partir de 01/07/2010, o domicílio fiscal de ambos, A… e B…, é a referida Rua …, n.º…, na ..., data em que a B… alterou o seu domicílio fiscal da Av.  …, n.º…, …, …, para as instalações da referida farmácia, sita na Rua …, n.º…, na ....

 

O que se depreende que, desde anos anteriores, não precisados, mas que seria entre 1991 (segundo a B…) e 1994 (segundo a AT), o domicílio fiscal da B… era alegadamente a …, n.º…, …, …, em Lisboa, e que segundo a AT era o que aí constava a 31/12/2009, sem mais.

 

A Requerida juntou certidão de teor do prédio urbano sito na …, n.º…, …-… em Lisboa, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo…, apenas em 1994, emitida pela Serviço Local de Finanças de Lisboa … .

 

O Requerente, por sua vez, alega que vive em união de facto com B…, desde 1991, na casa de morada de família, sita na …, …, …, …, em Lisboa, esclarecendo que este seu local da sua residência já foi designado como … .

 

O Requerente, juntou à PI o Doc. 4, relativo a 3 Faturas da C…, sendo uma de 20/10/2006, outra relativa ao período de 22/12/2009 a 12/8/2010 e uma terceira relativa ao período de 21/10/2010 a 22/12/2010, todas dirigidas ao Requerente para a Av. …, …, …-… Lisboa.

 

Juntou igualmente 5 Faturas da D…, S. A., cujas datas se reportam, respetivamente, aos períodos de 14/11/2006 a 14/12/2006, de 13/11/2008 a 12/12/2008, de 12/11/2009 a 14/12/2009, e outra de 12/11/2010 a 14/12/2010, todas dirigidas também ao Requerente para a Av. …, …, …, ...-… Lisboa.

 

O Requerente juntou, ainda, 5 Extratos Combinados do E…, de 29/12/2006, 31/12/2007, 31/12/2008, 31/12/2009 e 31/12/2010, em que figura como titular de uma conta bancária o Requerente A…, …, …-… em Lisboa.

 

O Requerente juntou os cartões de cidadão de dois filhos nascidos da união de A… com B…, F…, nascida em 05/07/1993 e G…, nascido em 12/05/1997, conf. doc. 3, sem que dos mesmos se possa conhecer da morada quer dos seus progenitores neles indicados, A… e B…, quer deles próprios (filhos).

 

O Requerente alega ainda que desde o exercício de 2003 vem entregando a declaração mod. 3 de IRS conjuntamente, como unido de facto com a B…, que foram sempre devidamente tratadas fiscalmente, o que a Requerida confirma, acrescentando que relativamente ao ano de 2009 é que o Serviço de Finanças de … considerou não estarem verificados os pressupostos à aceitação da união de facto e, daí, a abertura de procedimento de análise de divergência.  

 

III – Factos provados

 

Todos os factos descritos se mostram devidamente comprovados, com exceção do que a seguir se refere.

 

IV – Factos não provados

 

Não se mostra comprovado, desde quando[1] a B… participou à AT o seu domicílio fiscal como sendo na Av. …, …, …, ... do, em Lisboa, anteriormente designada como …, mas a AT confirma que o domicílio fiscal da A… que constava do sistema informático a 31/12/2009, era na referida Av. …, n.º…, …, …, em Lisboa, mas não refere desde quando.

Por outro lado, a B… refere ainda que vivia nesta morada desde 1991 e a AT contrapõe com a inscrição do prédio em 1994, mas volta a não referir desde quando participou a sua morada fiscal na Av. …, n.º…, …, …, em Lisboa.

Também não é referido pela AT qual a morada fiscal da B… nos anos de 2003 a 2009, período em que foram apresentadas pelo Requerente e B…, as respetivas declarações mod. 3 de IRS, como unidos de facto, liquidadas sem reparo, exceto quanto à respeitante à de 2009.

A AT limita-se a referir que apenas a partir de 01/07/2010 ambas os domicílios passaram a ser coincidentes, por a B… ter participada a AT a sua residência como sendo na …, n.º, na ..., para coincidir coma participada pelo Requerente A…, o que, convenhamos, é muito pouco, por ausência de referência aos anteriores registos na AT.

Finalmente, a AT também não desmente o facto de ter sido na morada de família, na Av. …, …, …, …, Lisboa (antes…), que nasceram, fruto dessa união de facto, os filhos F…, em 1993 e G… em 1997.  

 

 

V – Do Direito

 

A questão de direito que importa dirimir é a de saber se, na ausência de comunicação à Administração Tributária de idêntico domicílio fiscal do Requerente A… e B…, no período de mais de 2 anos consecutivos e anteriores à data do ano do imposto em causa, 2009, podem ser, mesmo assim, fiscalmente considerados como vivendo em união de facto e beneficiar, em consequência, do regime de tributação como sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, prevista no artigo 14.º do Código do IRS (CIRS).

 

Defende a AT que não, citando as várias normas legais aplicáveis, por um lado e, por outro, que a questão em análise se funda numa norma de incidência pessoal - a do artigo 14.º do CIRC - que não contém qualquer presunção legal, assim considerada face ao artigo 349.º do Código Civil (CC).

 

Mais defende que o facto de a AT ter aceitado as declarações mod. 3 de IRS como unidos de facto desde 2003 e até 2009, sem quaisquer reparos, não significa que, no momento em que detetou que não se mostravam cumpridas as exigências legais para a tributação conjunta, tenha de considerar essa opção como válida - citando, para o efeito o Ac. do STA de 14/3/2006 - P.º 509/05.

 

Entende, por outro lado, o Requerente que a norma do n.º 2 do artigo 14.º do CIRS não pode ser interpretada "como impondo uma obrigação absoluta, de que tudo depende, sem permitir ao interessado provar a correção e adequação à lei da sua situação tributária".

 

E remete para a Jurisprudência dos Tribunais Tributários, citando o Ac. do TCA Sul, de 7/4/2011, P.º 04550/11, que trata de uma situação idêntica à do Requerente, e remetendo também para a decisão arbitral proferida no processo n.º 497/2014-T, relativa ao exercício de 2008, favorável ao aí Requerente.

 

O Requerente vem mesmo argumentar que "atenta a norma contida no n.º 8 do mencionado artigo 19.º da LGT, a própria AT poderia e deveria, com base nos elementos de que dispunha (que eram muitos), ter retificado o domicílio fiscal do impugnante, ou tê-lo avisado para esse efeito, durante o longo período de 7 anos em que este se apresentou junto dela sempre da mesma maneira", ...tendo em atenção "o princípio da colaboração consagrado no art.º 59.º da LGT...".  

 

Vejamos, então, as diversas disposições legais que regem a problemática da união de facto e, posteriormente, a Jurisprudência mais relevante já firmada:

 

a) - Em primeiro lugar, citam-se as normas Constitucionais ínsitas nos artigos 26.º, n.º 1 e 36.º, n.ºs 1 e 4, a saber:

 

" Artigo 26.º

(Outros direitos pessoais)

1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação".

...

Artigo 36.º

(Família, casamento e filiação)

1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.

...

 

b) - Posteriormente a Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, que dispõe, no essencial, o seguinte:

 

"Artigo 1.º
Âmbito de aplicação

 

1 - A presente lei estabelece o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum há mais de 2 anos.

2 - O disposto na presente lei não prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de situações de união de facto, nem de qualquer outra legislação especial aplicável.

3 - Não constitui facto impeditivo da aplicação da presente lei a coabitação em união de facto.

       
     
     

 

Artigo 2.º
Economia comum

 

1 - Entende-se por economia comum a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos.

2 - O disposto na presente lei é aplicável a agregados constituídos por duas ou mais pessoas, desde que pelo menos uma delas seja maior de idade.

       
     
     

 

 

Artigo 3.º
Excepções

 

São impeditivos da produção dos efeitos jurídicos decorrentes da aplicação da presente lei:
a) A existência entre as pessoas de vínculo contratual, designadamente sublocação e hospedagem, que implique a mesma residência ou habitação comum;
b) A obrigação de convivência por prestação de actividade laboral para com uma das pessoas com quem viva em economia comum;

c) As situações em que a economia comum esteja relacionada com a prossecução de finalidades transitórias;

d) Encontrar-se alguma das pessoas submetida a situação de coacção física ou psicológica ou atentatória da autodeterminação individual.

       
     
     

 

Artigo 4.º
Direitos aplicáveis

 

1 - Às pessoas em situação de economia comum são atribuídos os seguintes direitos:
a) .....

b) ...

c)....

d) - Aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e

bens, nos termos do disposto no artigo 7.º;

 d) Protecção da casa de morada comum, nos termos da presente lei;
e)....

2 - ... "

       
     

c) - Seguidamente o que dispõe a Lei n.º 7/2001, também de 11 de maio:

 

"Artigo 1.º
Objecto

 

1 - A presente lei adopta medidas de protecção das uniões de facto.
2 - A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.[2]

 

Artigo 2.º
Excepções

 

Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto.

a) Idade inferior a 18 anos à data do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto;

c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha recta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.

 

 

Artigo 2.º-A
Prova da união de facto

 

1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível[3].
2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.
4-...

5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.

 

Artigo 3.º
Efeitos

 

As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:
a) Protecção da casa de morada de família, nos termos da presente lei;
b) Beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos trabalhadores da Administração Pública;
c) Beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças;
d) Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens;[4]

 

e) ...

f) ...

g)... ...
2 - Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum.


3 - Ressalvado o disposto no artigo 7.º da presente lei, e no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, qualquer disposição em vigor tendente à atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto é aplicável independentemente do sexo dos seus membros."

 

Para além desta parte enquadradora do regime em causa, respetivos requisitos e direitos que assistem aos unidos de facto, veja-se, por fim, as respetivas normas fiscais aplicáveis:

 

d) - Comecemos pelo artigo 19.º da LGT,[5] que embora não se trate de uma lei de valor reforçado, não deixa de ser uma lei enquadradora do sistema tributário português:

 

 

"Art.º 19.º

Domicílio fiscal

 

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.[6]

3 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária. [7]

4 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.

5- Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

7 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.[8]

e) - Passemos ao artigo 13.º do Código do IRS (CIRS):

 

Artigo 13.º
Sujeito passivo

1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

2 - Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção.

 ...

7 - ..."

 

e) - E também ao artigo 14.º também do CIRS:

 

"Artigo 14.º
Uniões de Facto

1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens. [9]

2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.[10]

3 - No caso de exercício da opção prevista no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias."

___

 

Do conjunto das disposições legais citadas, facilmente se podem extrair as seguintes conclusões:

 

1 - Que constitucionalmente é reconhecido o legítimo direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade, bem como o direito ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

 

2 - Que pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, é estabelecido o regime de protecção das pessoas que vivam em união de facto há mais de 2 anos, mais referindo também que a mesma lei não prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de situações de união de facto, nem de qualquer outra legislação especial aplicável, nem constitui facto impeditivo da aplicação da presenta lei à coabitação em união de facto.

 

 3 - Que também a Lei n.º 7/2001  estabelece que duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.[11]  
 Mais é regulamentado na mesma lei que as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na lei, ou seja, há mais de 2 anos, têm direito, entre outros, à  aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens.

 

4 - Importa, agora, proceder à análise das normas fiscais também citadas, quais sejam o art.º 19.º da LGT e artigo 14.º do CIRS, com a redação vigente à data do exercício de 2009 em causa e conjugá-las com as anteriormente referidas. 

 

5 - Assim sendo, tem-se que:

 

a) - Que pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, é estabelecido o regime de protecção das pessoas que vivam em união de facto há mais de 2 anos, mais referindo também que a mesma lei não prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de situações de união de facto, nem de qualquer outra legislação especial aplicável, nem constitui facto impeditivo da aplicação da presente lei à coabitação em união de facto.

b) - Que também a Lei n.º 7/2001  estabelece que duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.[12]  
 Mais é regulamentado na mesma lei que as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na lei, ou seja, há mais de 2 anos, têm direito, entre outros, à  aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens.

 

6 - Importa, agora, proceder à análise das normas citadas e conjugá-las com as normas fiscais também citadas, quais sejam o art.º 19.º da LGT e artigo 14.º do CIRS, com a redação vigente à data do exercício de 2009 em causa. 

 

7 - Assim sendo, tem-se que:

 

a) - Independentemente do direito constitucionalmente consagrado quanto ao legítimo direito de constituir família e casamento em plena igualdade e da proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, nos termos das Leis n.ºs 6 e 7/2001, de 11 de maio, é definido o regime da união de facto e estabelecidos os requisitos para a sua consideração como tal, a sua proteção e os direitos fiscais, entre outros, que lhes assistem em condições idênticas aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens.

 

b) - É o artigo 19.º da LGT que expressamente refere, nos seus n.ºs 2, 3 e 7, na redação à data em causa de 2009, que:

 

- É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à   administração tributária.

- É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

- A administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.

c) - É o artigo 14.º do CIRS que exige a prova do requisito da vivência em comum em união de facto há mais de 2 anos[13], ou seja, da mesma identidade do domicílio fiscal de ambos os sujeitos passivos (isto é, de ambos os unidos de facto), e na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível[14].

 

Mais se exige no n.º 2 do mesmo normativo que a aplicação do regime da união de facto depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respetiva declaração de rendimentos.

 

8 - Ora, o que se verificou, então, relativamente ao Requerente e B…, no exercício de 2009 (e anteriores desde 2003):

 

1.º - Que o Requerente A…, sujeito passivo A nas declarações mod. 3 de IRS, apresentadas entre 2003 e 2009, conjuntamente com B…, ter associado ao seu número de identificação fiscal a morada de um estabelecimento comercial onde exerce a sua atividade profissional, sito na Rua …, n.º…, na …, concelho de ....

 

2.º - Que a B…, sujeito passivo B nas referidas declarações, tinha o seu domicílio fiscal declarado na (alegada) morada comum da família sita na …, …, …, …, em Lisboa - anteriormente designada por …-, pelo menos até 1/7/2010.

 

3.º - Que da alegada união do Requerente A… com B…, nasceram, segundo respetivos cartões de cidadão, os dois filhos F… e G…, respetivamente, em 5/7/1993 e 12/5/1997.

 

4.º - Que segundo documentos anexos aos autos, entre outros, as Faturas da C…, de 2006 a 2010, consta serem estas endereçadas ao Requerente A… para a … -…, …- …, …-… Lisboa, as da D…, de 2008 a 2010, em circunstâncias idênticas e Extratos Combinados do E…, de 2006 a 2010, todos endereçados ao Requerente A…, para a …, …, …-… Lisboa, atual Av. …, n.º…, …, …, em Lisboa.

 

9 - O que leva a concluir, então, que:

 

a) - A residência habitual, o mesmo é dizer, o domícilio do Requerente A… era, de facto, pelo menos desde 2006, (cfr. documentos da C… e outros juntos), na …- ex-… - …-…, …-… Lisboa, embora não fosse este o domicílio fiscal participado à AT, face ao disposto no n.º 2 do artigo 19.º da LGT.

 

b) - Mas que a Av. … era o domicílio fiscal que a companheira B… e mãe dos filhos de ambos, comunicou aos serviços fiscais e fez constar, implicitamente, face ao seu NIF … constante das declarações de IRS dos anos de 2003 a 2009.

 

c) - Os Serviços da Administração Tributária tiveram conhecimento desta divergência de domicílios fiscais desde, pelo menos, 2003 até 2009, período da apresentação conjunta das declarações mod. 3 de IRS.

 

d) - Os mesmos serviços fiscais não utilizaram a faculdade concedida pelo então n.º 7 do artigo 19.º da LGT para proceder à clarificação e aos ajustamentos e eventuais correções que se mostrava necessário efetuar, ou seja, não promoveram o esclarecimento de qual seria, afinal, o domicílio fiscal dos unidos de facto A… e B… - ou na … ou na Rua …, n.º … na ..., local onde se situava o estabelecimento de farmácia de que o A… era administrador.

 

Mostra-se, pois, provado que de facto a residência habitual e, portanto, o domicílio dos unidos de facto A… e B…, foi, pelo menos desde 2003 …, - ex-… - …- …, …-… Lisboa, embora a residência participada à AT pelo A… tenha sido o local onde exerce a atividade, na Rua de …, n.º…, ....

 

Quid Juris?

 

- Será que a norma do artigo 14.º, n.º 2, do CIRS (indicação de uma morada comum e da assinatura conjunta da declaração de rendimentos - sendo que esta última exigência legal se verificou entre 2003 e 2009), como norma de incidência, que não contém qualquer presunção legal, é uma norma de valor absoluto e, como tal, não admite qualquer meio de prova que ultrapasse a obrigatoriedade fiscal contida no então n.º 2 do artigo 19.º da LGT, ou seja a de comunicar o domicílio fiscal?

 

- Esta é a questão que importa agora dirimir.

 

E é aqui que a Jurisprudência nos poderá ajudar a esclarecer qual o melhor entendimento das normas legais em causa, provado que está que o Requerente vivia em união e comunhão de teto, mesa e habitação com B…, pelo menos desde 2003 e até 2009, data em que ambos iniciaram a apresentação das declarações mod. 3 de IRS em conjunto, declarando ser unidos de facto.

 

Remete-se, por todos, para o Acórdão do STA, P.º 0761/15, de 16/11/2016, por ser de uma Instância Superior e por ser muito recente.

 

Trata-se de uma situação de incumprimento do disposto no artigo 14.º, n.º 2 do CIRS, na redação em vigor à data dos factos e que o Coletivo deste Tribunal Superior entendeu que tal não impedia os interessados de optar pelo regime da tributação conjunta dos contribuintes unidos pelo casamento...desde que comprovada a vivência diária em situação análoga à dos cônjuges há mais de 2 anos (portanto, pelo menos, dois anos e um dia) , cfr. art.º 1.º, n.º 2 da Lei n.º 7/2001 e desde que não se verifique qualquer umas das concretas situações a que alude o artigo 2.º - o que não foi alegado).

 

Pelo Superiormente e Venerando Tribunal foi então decidido, sumariamente, o seguinte no Douto Acórdão:

 

      " ...Tanto a AT como o acórdão recorrido, entendem que a identidade de domicílio fiscal é mais um requisito de substância para que os recorrentes/impugnantes possam beneficiar do regime constante da al. d) do artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.

 

Desde já se pode afirmar com segurança que tal interpretação dos preceitos legais colide frontalmente com os princípios que presidem ao reconhecimento das uniões de facto e à sua equiparação às uniões formais, ao casamento.

 

 A vida em comum entre duas pessoas e a constituição de família, independentemente de formalização perante oficial público, encontra proteção Constitucional nos artigos 26.º, n.º 1 e 36.º, n.ºs 1 e 4, bem como em diversos preceitos do Código Civil e legislação avulsa, e impõe-se como externação da individualidade e liberdade de cada indivíduo, bem como livre afirmação da personalidade de cada um.

 

A regulamentação da proteção da união de facto entre duas pessoas encontrou assento de forma expressa, mais recentemente, na referida Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.

Aí se estabeleceram dois requisitos de substância para que a mesma pudesse ser reconhecida e protegida, um positivo, a vivência diária em situação análoga à dos cônjuges há mais de 2 anos (portanto, pelo menos, dois anos e um dia), cfr. art. 1.º, n.º 2, e outro negativo, que não se verifique qualquer uma das concretas situações a que alude o artigo 2.º (no caso não se alega qualquer uma destas hipóteses).

 

Portanto, para que se reconheça efeitos jurídicos àquela vida em comum, durante aqueles dois anos, a mesma tem que corresponder ao que o legislador exige das pessoas que celebrem o casamento, cfr. arts. 1671.º e ss. do CC, entre os quais se encontra o dever de estabelecer uma residência de família, cfr. artigo 1673.º do Código Civil.

 

Residência de família essa que é legalmente o domicílio dos filhos, cfr. art. 85.º do CC, cabendo aos pais a escolha do local onde será estabelecida, cfr. art 82.º do mesmo CC.

 

E, portanto, a escolha desta residência, de um local para viver, de uma morada concreta, onde o casal receberá a sua correspondência, onde receberá os seus amigos e para onde a AT enviará a correspondência destinada aos membros da família, cfr. artigo 19.º da LGT.

 

Portanto, a escolha de uma concreta morada onde os sujeitos passivos, casados ou em união de facto, vivam em comum o seu dia a dia, tem implicações de vária ordem, nomeadamente no que toca aos contactos postais com a AT. A indicação dessa concreta morada junto da AT é obrigatória nos termos daquele preceito legal e da sua não indicação resultam penalidades e consequências negativas para os contribuintes.

 

Mas o que é certo, é que o reconhecimento da união de facto, e da sua equiparação para efeitos fiscais ao casamento formal, apenas depende dos dois requisitos atrás enunciados, como aliás resulta do n.º 1 do artigo 14.º do CIRS.

 

As obrigações resultantes dos artigos 19.º da LGT e 14.º, n.º 2 do CIRS, para os contribuintes unidos de facto apenas podem ser vistas como requisitos formais que, no entanto, não inviabilizam a opção pelo regime de tributação conjunto, uma vez que essa depende de outros requisitos substantivos.

 

Aliás, equiparando o legislador a situação fiscal dos unidos de facto aos casados, para efeitos de tributação do rendimento, não se vê razão para que o não cumprimento de determinadas obrigações formais no primeiro caso deva conduzir a uma penalização agravada, impedimento da opção por determinado regime de tributação, e no segundo tenha consequências muito menos gravosas, que não implicam a exclusão do regime de tributação próprio dos casados. A considerar-se como o fez o acórdão recorrido e, bem assim, a AT, estaríamos em manifesta violação do disposto nos artigos 103.º e 104.º da CRP, por ofensa aos princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade.

 

Assim, o que deve ser determinante para que os unidos de facto possam, querendo, beneficiar do regime de tributação dos casados é tão só o cumprimento dos requisitos legalmente previstos pela Lei n.º 7/2001.

 

As exigências vertidas no artigo 14.º, n.º 2 do CIRS, indicação de uma morada comum e da assinatura conjunta da declaração de rendimentos, apenas podem ser vistas como requisitos formais que facilitam a prova perante a AT da referida união de facto e, caso os interessados não cumpram tais exigências, incumbe-lhes fazer a prova, por qualquer meio, de que podem efetivamente beneficiar do regime próprio das uniões de facto. Bem como recaem sobre os mesmos as penalidades e ónus legalmente previstos pela não atualização, junto da AT, da sua situação pessoal e familiar.

 

E assim, não pode sancionar-se o incumprimento de tais obrigações formais com as sanções próprias que apenas contendem com a não verificação dos requisitos substanciais.

 

Podemos, assim, concluir que bem se decidiu na sentença recorrida ao anular-se os actos tributários que vinham impugnados."

 

 

 

Do presente e Douto Acórdão, extrai-se com toda a clareza que é na Lei 7/2001, de 11 de Maio, que se estabelecem os dois requisitos de substância para o reconhecimento da união de facto, quais sejam o da vivência diária em situação análoga à dos cônjuges há mais de dois anos, cfr. art.º 1.º, n.º 2 e o da não verificação de qualquer uma das concretas circunstâncias a que alude o artigo 2.º, ambos da mesma Lei 7/2001, não tendo sido trazida aos autos a verificação de qualquer uma delas.

 

E mais se conclui do mesmo Acórdão que as obrigações resultantes dos artigos 19.º da LGT e 14.º, n.º 2 do CIRS, quais sejam a de participação à AT por ambos os unidos de facto, neste caso, Requerente A… e B…, da mesma morada fiscal, são tidos como requisitos formais que não inviabilizam a opção do regime de tributação conjunta, uma vez que esta opção depende dos requisitos substanciais anteriormente referidos e não das obrigações formais.

 

E os requisitos substanciais antes referidos resultam da prova feita nos autos de que o local da vivência diária e comum do Requerente A… e B… era na Av. …, n.º …, …, …, em Lisboa, pelo menos desde 2003 a 2009.

 

 

VI - CONCLUSÕES

 

Face, assim, à verificação dos pressupostos da união de facto já anteriormente referidos nos autos, que comprovam a vivência em comum entre o A… e a B…, pelo menos desde 2003 a 2009, este Tribunal entende que os meios de prova apresentados são juridicamente mais relevantes do que a questão formal - e não substancial - da não participação à AT da identidade de domicílios fiscais, que tem apenas como consequência uma penalidade fiscal.

 

Este Tribunal, na senda do decidido e profusa e juridicamente fundamentado pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo no Douto Acórdão parcialmente transcrito, entende, por isso, tomar decisão idêntica, o que confere o direito ao Requerente A… e B… a serem tributados em IRS, pelo menos desde 2003 a 2009, pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens, por opção, como efetivamente fizeram.

 

E, em consequência, este Tribunal entende dever considerar como correta a 1.ª liquidação de IRS do ano de 2009, n.º 2010…, no valor de € 3.881,20 e declarar a liquidação oficiosa e, portanto, corretiva, de IRS do mesmo ano de 2009, n.º 2013…, no montante a pagar de € 14.037,11, ferida de ilegalidade, pelo que deve ser anulada.  

 

Este Tribunal não quer deixar de expressar o seu entendimento de que nem sequer é relevante para os autos que a B… tenha alterado o seu domicílio fiscal para a Rua…, n.º…, na ..., em 01/07/2010, por um lado porque se trata de uma alteração efetuada em 2010, em data posterior ao período de tributação em análise e, por outro, porque também é entendido por este Tribunal que a B… assim terá procedido como forma de ser ultrapassado o entendimento da AT sobre o desfasamento das comunicações dos domicílios fiscais de ambos e, por conseguinte, evitar mais liquidações oficiosas e mais contencioso fiscal. À AT caberá averiguar se a comunicação formal da alteração da morada efetuada em 2010 para a Rua …, n.º … na ..., é coincidente com a realidade factual.

 

VII - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Porque as conclusões do Tribunal vão no sentido da ilegalidade da liquidação oficiosa em causa de IRS de 2009, cujo imposto adicionalmente liquidado foi comprovadamente pago em 18/12/2013, entende este Tribunal tomar a seguinte: 

 

VIII - DECISÃO

a) Reconhecer a ilegalidade da liquidação adicional oficiosa de IRS de 2009 n.º 2013…, no montante de € 14.037,11 (catorze mil, trinta e sete euros e onze cêntimos), pelos fundamentos expressos;

 

b) Determinar a anulação da referida liquidação, devidamente paga em 18/12/2013 e, em consequência, a sua restituição do valor de IRS indevidamente pago e eventual acrescido;

 

c) Condenar ainda a Requerida, Administração Tributária e Aduaneira, ao pagamento dos juros indemnizatórios a calcular sobre o IRS indevidamente pago, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

 

 

 IX – Do valor do processo

 

Fixa-se o valor da causa em € 14.037,11, conforme resulta dos autos e dos documentos anexos, nos termos do disposto nos artigos 305.º e 306.º do CPC, 97.º-A, n,º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e artigo n.º 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

X – Das custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT e Tabela I do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas a pagar integralmente pela Requerida, são as devidas nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do referido Regulamento.

 

Notifique-se as Partes.

Lisboa, 10 de  julho de 2017.

O Árbitro,

                                                     

(José Rodrigo de Castro)

                                                                 

 

 

 

 

 
       
     
     

 

 



[1] O Impugnante alega que vive em união de facto com  B… desde 1991.

[2] A negrito do Tribunal.

[3] A negrito do Tribunal.

[4] A negrito do Tribunal.

[5] Com a redação à data de 2009 e a negrito do Tribunal.

[6] A negrito do Tribunal.

[7] Em itálico e a negrito do Tribunal.

[8] Em itálico e a negrito do Tribunal.

[9] Em itálico e a negrito do Tribunal.

[10] Em itálico e a negrito do Tribunal.

[11] A negrito do Tribunal.

[12] A negrito do Tribunal.

[13] A negrito e sublinhado do Tribunal.

[14] A negrito e sublinhado do Tribunal.