Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 419/2016-T
Data da decisão: 2017-01-26  IMT Selo  
Valor do pedido: € 2.031,68
Tema: IMT/IS - Artigo 236.º da Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro (Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) .
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DECISÃO ARBITRAL

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-08-2016. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o subscritor e notificou as partes dessa designação.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 19-10-2016, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

  I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21-07-2016, a sociedade “A…– Fundo De Investimento Imobiliário Fechado Para Arrendamento Habitacional”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.,

 

  1. Visando aferir “se o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH “aos prédios urbanos que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014” - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroactividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema Fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa”.

 

  1. Sendo que, no caso em apreço, atendendo ao referido no pedido de pronúncia arbitral, as liquidações controvertidas são as de IMT nº…, no valor de € 1.187,18 e de Imposto do Selo nº…, no montante de € 844,50.

 

  1. Veio a Requerente peticionar, que deve: «(i) ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (ilegalidade abstracta); subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem anuladas as Liquidações; (ii) ser reembolsado o Requerente pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido, nos termos do artigo 43.° (Pagamento indevido da prestação tributária) da Lei Geral Tributária, dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso».

 

II- Questões Prévias

A- Quanto à questão invocada, (ainda que de forma lateral), pela Requerida da impossibilidade deste Tribunal se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de normas, ou de determinada norma, dir-se-á que o pedido não visa obter uma declaração de inconstitucionalidade de normas mas apenas apurar a relevância jurídica que a apreciação da conformidade constitucional implicará na concreta legalidade duma identificada situação, ato ou procedimento.

Assim em tese, pode este tribunal apreciar – nesta perspetiva – se o normativo que sustenta o ato tributário respeita os princípios consagrados na Lei Fundamental, decidindo em conformidade.

 

POR OUTRO LADO

B- Os Tribunais, como órgãos independentes, estão, naturalmente, subordinados á LEI, no sentido de vinculação ao Direito, competindo-lhe interpretar e aplicar a Lei fiscal sem qualquer dependência dos critérios, nomeadamente de interpretação e ação, adoptados pela Administração na sua aplicação. Contando que a AT não tem o poder de derrogar o princípio da legalidade tributária, será sempre possível afirmar a desconformidade do acto tributário com as normas legais existentes e sua interpretação.

 

Deste modo, os pressupostos concretamente considerados podem impor decisão administrativa em sentido contrário, ainda que os serviços da AT aleguem cumprir a lei vigente ao praticar o ato. O que é certo, de todo o modo, é que Tribunal Arbitral, não está, naturalmente, vinculado ao entendimento e considerações que a Administração teve em conta, podendo e devendo, (sempre), sindicar a (i)legalidade do ato praticado.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III- MATÉRIA DE FACTO

A- Factos dados como provados

 

1- O Fundo A…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional era, à data das liquidações ora em apreço, proprietário do prédio urbano, inscrito sob o artigo …, fracção “A”, na matriz predial urbana da freguesia de …, no concelho de …;

2- O referido imóvel foi adquirido em 18.12.2013, pelo montante de €105.562,50, beneficiando de isenção de IMT e de IS ao abrigo do nº 7 a) e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH;

 

3- Foram efectuadas em 25-05-2016, as liquidações de IMT, nº…, no valor de € 1.187,18 e de Imposto do Selo nº…, no montante de € 844,50;

 

4- A Requerente, por requerimento, fundamentou o pedido das liquidações referidas no disposto no art. 236º, (norma transitória no âmbito do Regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), previsto na Lei nº 83 – C/2013 de 31 de Dezembro;

 

5- Consta das respetivas notas de liquidação que as mesmas são baseadas no facto de nas escrituras de alienação iria ser dado destino diferente ao que assentou o beneficio, caducando a isenção.

 

6- As Liquidações foram pagas pela Requerente em 31 de Maio de 2016

 

B- Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

C-Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV- DO DIREITO

1- A questão controvertida na presente acção arbitral prende-se com a pretensão da Requerente na apreciação da (i)legalidade das liquidações impugnadas, que, no seu entender, foram efetuadas, ao abrigo e por força do n.º 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, e n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, alegando a sua inconstitucionalidade, por retroatividade na sua aplicação ao caso.

2- Argumentando, em seu favor, a natureza de impostos de obrigação única quer do IMT, quer do IS, cujo facto tributário, temporalmente localizado, se esgota na prática do ato de aquisição do imóvel, e no facto de lhe ter sido reconhecida a isenção daqueles impostos aquando da mesma, direito adquirido e já cristalizado na sua esfera jurídica à data das alterações ao Regime Especial dos FIIAH.

3- Refuta a AT, salientando, que sempre o Regime Especial dos FIIAH definiu com clareza os pressupostos que condicionavam a atribuição das isenções de IMT e de IS aos FIIAH, com referência aos imóveis por aqueles adquiridos, “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, atendendo ao escopo que presidiu à criação daquele Regime e que, independentemente das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, sempre a AT poderia, no âmbito do dever de fiscalização dos pressupostos dos benefícios fiscais a que se refere o artigo 7.º (atual n.º 1), do EBF, decidir pela manutenção das isenções ou pela reposição do regime da tributação-regra (artigo 14.º, n.º 1, do EBF).

 

Vejamos

4- A questão tem vindo a ser tratada de forma insistente neste CAAD, conforme, entre outras, dá conta a Resposta da AT.

Confira-se, com a devida vénia:

Processos nºs 398/2015-T, 688/2015-T, 689/2015- T,694/2015-T, 705/2015-T, 706/2015-T, 707/2015-T, 708/2015-T, 709/2015-T, 710/2015-T, 717/2015- T, 729/2015-T, 735/2015-T, 61/2016-T, 62/2016-T, 63/2016-T, 76/2016-T, 93/2016-T, 121/2016-T e 165/2016-T.

 

Decisão arbitral n.º 398/2015-T

Conforme supra mencionado, ambos os imóveis objecto de liquidação foram adquiridos pelo Requerente no início de 2014, beneficiando de isenção de IMT ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH. Tal norma obriga a que o imóvel seja destinado ao arrendamento para habitação permanente para que possa beneficiar de tal isenção.

 Ora, a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelo Orçamento de Estado para 2014, mas sim um requisito do regime fiscal dos FIIAH ab initio, aliás natural decorrência das motivações que levaram à criação destes fundos.

 ….Assim sendo, entendemos que não está em questão a retroactividade ou não da norma aplicada, o que seria o caso, se, a título de exemplo, o imóvel estivesse por um período de 3 anos no fundo sem que ainda tivesse sido afectado ao arrendamento para habitação permanente e, por esse facto, houvesse liquidação de IMT.

 No caso em concreto não é disso que se trata. Os imóveis em questão são alienados sem que tenham cumprido o seu destino - afectação ao arrendamento habitacional permanente. Não se trata de uma questão de prazo. Alienados que sejam, esse destino já não pode ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido para que a isenção de IMT seja aplicável.

  

Decisão arbitral n.º 688/2015-T

 Ora, tendo em consideração a alienação do imóvel…, para fins diferentes daqueles para que foram concedidos os benefícios fiscais acima descritos, tal determinaria (e determinou no caso em análise), a reposição automática da tributação regra.

 Assim, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que o estatuído no n.º 16 do artigo 236.º do Regime Transitório, aplicado em conjugação com o disposto no nº 15º do mesmo artigo em nada altera a substância ou requisitos de aplicabilidade das isenções estabelecidas pelo artigo 8.º, n.º 7 e n.º 8 do regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, no que diz respeito às liquidações em crise.

 Nestes termos, tendo em consideração as conclusões decorrentes da análise acima apresentada, entende o Tribunal que será negativa a resposta a dar à questão colocada no ponto 6.1., supra, ou seja, que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral não enfermam de qualquer ilegalidade, pelo que deverá ser considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Decisão arbitral n.º 709/2015-T

Para cumprimento do disposto na alínea a), do n.° 7, do artigo 8.° do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel mas antes uma efetiva afetação ao arrendamento para habitação permanente.

  […] Entendemos assim que não está em causa a retroatividade ou não da lei, nem tão pouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal. O racional para atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT aos FIIAH foi estabelecido claramente desde o início - “As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento...”.

 

Decisão arbitral n.º 729/2015-T

A ratio para atribuição do benefício fiscal em sede de IMT e IS aos FIIAH é, claramente, a sua afetação a arrendamento para habitação permanente - "As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento..." - pelo que a consequência de lhe ser dado diverso destino é a de que a isenção não poderia ter sido concedida, havendo que repor a legalidade, liquidando-se os impostos que, não fosse a declaração de intenção efetuada aquando da aquisição, haveriam de ter sido liquidados.

….Concluindo, a alienação da fraçao sempre determinaria a caducidade da isenção por aplicação do disposto no n.° 3 do artigo 14.° do EBF, não estando, portanto, em causa, na situação sub judice, qualquer aplicação retroativa de norma que venha a introduzir novo regime de caducidade das isenções, tampouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pelo que entendemos assim que as liquidações de IMT e Imposto de Selo em crise são legais.

Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à alegada retroatividade do regime previsto pelo artigo 236.° da Lei do Orçamento de Estado para 2014 na medida em que, como supra ficou demonstrado, os condicionalismos que originaram as liquidações de imposto em crise em nada se relacionam com os aditamentos originados pelo referido artigo, tão só com a alienação do imóvel e consequente afetação a fim diferentes daquele para que foram concedidas as isenções de IMT e de Imposto do Selo.”

 

Decisão arbitral n.º 93/2016-T

 A ratio para atribuição do benefício fiscal em sede de IMT e IS aos FIIAH é, claramente, a sua afetação a arrendamento para habitação permanente - «As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento...» - pelo que a consequência de lhe ser dado diverso destino é a de que a isenção não poderia ter sido concedida, havendo que repor a legalidade, liquidando-se os impostos que, não fosse a declaração de intenção efetuada aquando da aquisição, haveriam de ter sido liquidados.

 Concluindo, a alienação do prédio sempre determinaria a caducidade da isenção por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14.º do EBF, não estando, portanto, em causa, na situação sub judice, qualquer aplicação retroativa de norma que venha a introduzir novo regime de caducidade das isenções, tampouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pelo que entendemos assim que as liquidações de IMT e Imposto de Selo em crise são legais.” [sublinhado nosso].

 

5- Ante o sentido decisório consolidado supra transcrito, (só conhecemos duas decisões em sentido diverso), ao qual se adere, pois que importa contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), impõe-se concluir que não é uma questão de (in)constitucionalidade de normas e suas implicações nas liquidações efetuadas, que deve ser tida em conta nos presentes autos, por força da Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas o facto de ter sido dado um destino diferente daquele em que assentou o benefício ou isenção.

6- Nessa razão, o ato tributário de liquidação contestado, não enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, impondo-se a sua manutenção na ordem jurídica e não a nulidade ou anulação como é pedido.

 

7- Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios, formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1 da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, pelo que foi referido, não há, obviamente, lugar a qualquer reembolso ou pagamento de juros indemnizatórios.

 

DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a- Não declarar a nulidade ou anulação do(s) acto(s) tributário(s) de liquidação impugnados;

b- Não determinar o reembolso do valor do imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios;

c- Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €2.031,68, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das al.s a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi considerado totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de janeiro 2017

 

O Árbitro

 

Fernando Miranda Ferreira