Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 28/2016-T
Data da decisão: 2016-10-11  IRS  
Valor do pedido: € 208.551,67
Tema: IRS/2010 – Mais-valias – Pequena empresa não cotada (artigo 43º-3, CIRS) – Artigo 10º-2/a) e b), do CIRS
Versão em PDF

                                                                                                                                           

 

 

Acórdão

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Doutor Diogo Feio e Dra. Maria  Manuela Roseiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 6-4-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

Em 22 de Janeiro de 2016, A…, contribuinte n.º…, e sua mulher B…, contribuinte n.º…, ambos com morada na Rua …, n.º…, …-… Cascais, doravante designado por Requerentes, vieram nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS n.º 2011…, relativa ao ano de 2010, no valor de € 208.551,67 e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação, assim como condenação no reembolso do imposto pago indevidamente em excesso pelos requerentes e pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 6 de Abril de 2016.

 

Antes ainda da apresentação da Resposta, veio a Requerida suscitar a falta de junção de um documento e os Requerentes pediram ampliação do pedido invocando para o efeito terem sido entretanto notificados do ato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa.

 

Na Resposta, apresentada em 13 de Maio de 2016, a AT suscitou as seguintes questões: (i)falta preterição de formalidade consignada no artigo 59.º do CPPT, (ii)intempestividade do pedido de revisão oficiosa, (iii)não preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, (iv)abuso de direito por contradição entre o pedido de revisão oficiosa e o pedido de pronúncia arbitral e o comportamento assumido anteriormente pelos Requerentes. Defendeu ainda a AT a legalidade da liquidação e inexistência de erro imputável aos serviços.

Os Requerentes apresentaram resposta às excepções e, por despacho arbitral de 16 de Junho de 2016, foi indeferida a ampliação do pedido e marcada data de reunião/inquirição de testemunhas assim como prazo para alegações sucessivas.

 

Ulteriormente veio a ser dispensada, com a concordância das partes, a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT atento deferimento do pedido dos Requerentes de aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo nº 26/2016-T (matéria de facto idêntica) e cujos registos sonoros foram mandados juntar a estes autos.

 

Os Requerentes fizeram juntar aos autos, em 17-8-2016 e 26-9-2016, decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 27/2016-T e 26/2016-T, alegando que o objeto dos litígios discutidos nesses processos eram idênticos ao discutido neste, junções que ora expressamente se admitem.

 

Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas que, no essencial, mantiveram as respetivas posições iniciais.

 

Saneador

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, são legítimas e estão legalmente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

As questões prévias e excepções suscitadas pela Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira serão apreciadas prioritariamente, logo após a fixação da matéria de facto.

 

2. Matéria de facto

 2.1. Factos provados

Com base nos elementos constantes nas peças processuais e documentos juntos por Requerentes e Requerida, consideram-se provados os seguintes factos:

a)      Por escritura pública de 28 de Junho de 1983, foi constituída entre C… e B…, D… e E…, a sociedade por quotas "F…, Lda.", tendo por objecto social principal a exploração da indústria hoteleira e similares (art. 28º pedido de pronúncia arbitral e Documento n.ºs 3 e 4 juntos com o mesmo).

b)      À data da sua constituição, a referida sociedade tinha um capital social integralmente subscrito e realizado no valor de 300.000$ (trezentos mil escudos), o qual se encontrava dividido em uma quota no valor de 200.000$ (duzentos mil escudos), pertencente à ora Requerente e duas quotas iguais no valor de 50.000$ (cinquenta mil escudos) cada uma, pertencentes a C… e a D… (art. 29º do pedido e docs 3 e 4).

c)      A Requerente dividiu posteriormente a sua quota em três novas quotas, reservando para si uma quota de 50.000$ e cedendo uma quota de 100.000$ (cem mil escudos) a G… e uma quota de 50.000$ (cinquenta mil escudos) ao Senhor H… (art 30º do Pedido e documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o mesmo).

d)     Em 20 de Dezembro de 1988, o capital social da F…, Lda. Foi aumentado de 300.000$ (trezentos mil escudos) para 40.000.000$ (quarenta milhões de escudos), correspondendo a entrada de 39.700.000$ a capital subscrito por dois novos sócios, C… e D…, que passaram a deter 99,25% do capital, repartido por duas quotas de 49,625%, no valor de 19.850.000$ cada (art. 32º do Pedido e docs nºs 5 e 6).

e)      Em 29 de Maio de 1996 a Sociedade F…, Lda. foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se "I… – ..., S.A.", tendo por sócios C… (49,625% do capital social), D… (49,625% do capital social), C… (0,125% do capital social), G… (0,25% do capital social), D… (0,125% do capital social) e H… (0,125% do capital social) (art. 35º do Pedido).

f)       Também em 29 de Maio de 1996, foi promovido o aumento do capital social da I…-..., S.A. de 40.000.000$ (quarenta milhões de escudos) para 200.000.000$ (duzentos milhões de escudos), mediante o reforço de 160.000.000$ (cento e sessenta milhões de escudos), efectuado da seguinte forma:

– incorporação de reservas de reavaliação do activo imobilizado no montante de 70.470.000$ (setenta milhões, quatrocentos e setenta mil escudos), a subscrever por cada um dos accionistas atrás mencionados, na proporção do capital de que cada um é titular;

– novas entradas em espécie de bens móveis, no valor de 18.130.000$ (dezoito milhões, cento e trinta mil escudos), correspondendo a 18.130 novas acções ordinárias, do valor nominal de 1.000$ cada uma, subscrito e realizado, em partes iguais, pelo accionista C… e D…;

– nova entrada em dinheiro da sociedade J…– ..., S.A., no montante de 150.000.000$ (cento e cinquenta milhões de escudos), para subscrição e realização de 71.400 acções ordinárias do valor nominal de 1.000$ cada (artigo 36º do Pedido e Documentos n.ºs 9 e 10, juntos com o mesmo),

g)      Verificando-se que na distribuição de capital resultante, a Requerente, B…, ficou com 138 acções com o valor nominal de 138.000$ cada, correspondente a 0,069% do capital (artigos 36º a 38º do Pedido e doc. 10).

h)      Em 27 de Julho de 2000, C… e D… venderam a totalidade das acções que detinham sobre a sociedade I…– ..., S.A., ao Requerente e a outros accionistas, incluindo uma nova accionista, K…, resultando a seguinte distribuição de participações sociais: a Requerente, B… (10,7165% do capital social), G…(10,717% do capital social), H… (10,7165% do capital social), C… (10,717% do capital social), D… (10,7165% do capital social), K… (10,7165% do capital social) e J…– ..., S.A. (35,7% do capital social) (artigos 39º a 41º do Pedido e doc nº 11).

i)        As mesmas proporções se mantiveram com a redenominação, em 2000, do capital social e das acções para euros – o capital ficou em 1.000000 (um milhão de euros) representado por 200.000 acções com o valor nominal de 5 euros cada (art. 42º do pedido).

j)        Em 13 de Maio de 2003, o acionista J…– ..., S.A. vendeu à sociedade I…– ..., S.A. as suas 71.400 acções, correspondentes a 35,7% do capital social, passando a Requerente B… a deter 21.433 acções com o valor nominal de 107.165 Euros, correspondente a 10,7165% do capital social (artigos 44º e 45º do Pedido e doc nº 12).

k)      Posteriormente, a "I…– ..., S.A." deliberou uma redução de capital social (por extinção das acções próprias por ela detidas), uma anulação do desconto de aquisição de acções próprias extintas e um aumento de capital social por incorporação de reservas livres e atribuição das novas acções aos accionistas na proporção das respectivas participações sociais, daí resultando  nova distribuição de participações sociais pela qual a Requerente B… ficou com 33.333 acções com o valor nominal de 166.665 Euros, correspondente a 16,6665% do capital social (artigos 46º e 47º do pedido)

l)        Em 24 de Maio de 2010, os accionistas da "I… – ..., S.A." alienaram a totalidade das acções que detinham sobre esta sociedade: 200.000 acções com o valor nominal de €5,00 cada, pelo preço global de €14.000.000,00. (art. 48º do pedido e doc. nº 13)

m)    A participação de B… no capital social da "I…– ..., S.A." foi vendida por um preço de €2.333.310,00 (33.333 acções, com o valor nominal de €166.665,00, sendo o preço correspondente a 16,6665% de €14.000.000,00).

n)      Os Requerentes consideraram como mais-valias resultantes dessa operação €2.166.645,00, correspondentes à diferença entre o valor de realização (€2.333.310,00) e o valor de aquisição (€166.665,00) de acções por si detidas há mais de 12 meses e que apenas 50% do seu valor (€1.083.322,50), seria considerada de acordo com o artigo 43.º, 3 CIRS, por se tratar de uma pequena empresa (artigos 52º e 53º do pedido).

o)      Em 11 de Maio de 2011 os Requerentes entregaram uma declaração modelo 3 de IRS referente a 2010 com anexos A e H identificada com o nº …-2010-… -… e, em 22 de Maio de 2011, entregaram uma declaração de substituição com anexos A, G e H, identificada com o nº …-2010-… -… (art. 9º a 11º da Resposta da AT).

p)      No quadro 8 do Anexo G da declaração submetida em 22-5-2011, os Requerentes indicaram que no mês de Maio de 2010 haviam obtido, por alienação onerosa de partes sociais, um valor de realização de €2.341.644,00 (= €2.333.310,00 + €8.334,00) contraposto a um valor de aquisição de €174.999,00 (= €166.665,00+ €8.334,00), tendo optado pelo não englobamento dos rendimentos.

q)      A Portaria nº 1303/2010, de 22 de Dezembro, modificou o modelo de declaração nº 3 e o respectivo anexo G1 de modo a reflectir, a partir de 1 de Janeiro de 2011, a alteração legislativa resultante da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, pelo que o Quadro 4 do referido anexo G1 passou a referir "alienação onerosa de acções detidas durante mais de 12 meses (Anos 2009 e anteriores)" e as "Instruções de Preenchimento" do Anexo G1 indicavam que só se admitia a declaração de alienações efectuadas nos anos de 2009 e anteriores relativamente a acções detidas pelos sujeitos passivos durante mais de 12 meses (o que foi corroborado por prova testemunhal).

r)       A declaração submetida em 22 de Maio de 2011 deu origem à liquidação nº 2011…, no valor de € 208.551,67 e, posteriormente, com base em declaração oficiosa por correcções relativas a despesas de saúde, foi emitida a liquidação nº 2011…, de 14-11-2011, com imposto a pagar no valor de €208.602,07 (artigos 14º e 15º da Resposta da AT).

s)       No acto de liquidação referido no número anterior a importância indicada como tributações autónomas no valor de € 216.664,50 resulta da aplicação da taxa especial de 20% ao saldo positivo entre mais-valias e menos-valias mobiliárias obtidas no ano em causa (€216.664,50 = €1.083.322,50 x 20%). (artigo 59º do Pedido e doc. nº 2 junto com o Pedido).

t)       Em 30 de Setembro de 2011 os Requerentes pagaram integralmente o imposto em dívida, no montante de €208.378,05 (art. 60º do Pedido e doc. nº 16).

u)      O Requerente apresentou em 26 de Junho de 2015 um pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação do IRS nº 2011…, praticado pelo Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos e referente ao ano de 2010, com fundamento em erro imputável aos serviços (arts 61º a 63º do Pedido e doc. nº 1 junto com o mesmo).

v)      Em 22 de Janeiro de 2016  não tinha sido proferida decisão sobre o pedido de revisão do citado acto tributário.

w)    Nesta data (22 de janeiro de 2016) os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que originou presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Não há outros factos essenciais, provados ou não provados.

Não se considera relevante a aparente falta de prova documental relativamente à alegada entrega pelos Requerentes, em 8 de julho de 2010 de uma declaração, modelo 4 uma vez que a Requerida não impugnou ou contestou expressamente tal facto nem este será essencial para o objeto do litígio.

 

2.3 Motivação

Para além do processo administrativo instrutor, da posição das partes nos respetivos articulados e dos demais documentos juntos, foi também relevante o depoimento prestado pelo Técnico Oficial de Contas do Requerente, L… [depoimento prestado no citado processo nº …/2016, com registo sonoro junto a estes autos] que declarou, em termos que merecem credibilidade que  a lei (o Código do IRS) tinha sido alterada a meio de 2010 e as instruções da AT eram no sentido de todas as vendas ocorridas nesse ano não beneficiarem da exclusão de tributação e, por outro lado, era a única forma de preencher a declaração modelo 3 (apresentando o anexo G e não o anexo G1, que apenas podia ser utilizado para declarar vendas ocorridas nos anos de 2009 e anteriores. Era o que resultava do Anexo G1 e das respectivas instruções de preenchimento, limitando-se a seguir as instruções da AT no preenchimento da declaração modelo 3 do Senhor H…, não existindo sequer outra forma possível de preenchimento da referida declaração de rendimentos.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Objeto do processo

 

Os Requerentes, através do pedido de pronúncia arbitral apresentado a 22/01/2016, solicitam: a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2011…, praticado em 27/06/2011, pelo Senhor Diretor-Geral da (então assim denominada) Direção-Geral dos Impostos, com referência ao ano de 2010; a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aquele ato; por último, pedem o reembolso do imposto pago indevidamente em excesso, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios à taxa legal.

Os Requerentes alegam como vícios: falta de fundamentação do ato de liquidação, violação do direito de audição, ilegalidade do ato de liquidação e do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, violação da proibição de retroatividade da lei fiscal e violação da proteção da confiança.

Por sua vez, a Requerida (Autoridade Tributária e Aduaneira) invoca: falta de cumprimento do art. 59.º do CPPT, intempestividade do pedido de revisão oficiosa, inexistência de erro imputável aos serviços, e abuso de direito por parte dos Requerentes.

A Requerente alienou antes de 27/07/2010, mais concretamente em 24/05/2010, ações de uma sociedade anónima que detinha há mais de doze meses, tendo auferido mais-valias mobiliárias. Importa descortinar qual a lei aplicável para efeitos de tributação destas mais-valias.

Antes de 27/07/2010 vigorava, relativamente a esta matéria, a seguinte redação do CIRS, resultante da Lei n.º 109-B/2001, de 27/12, e do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31/10:

 

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

(...)

b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha

que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia; (redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27/12)

(...)

2 - Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:

a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses; (Redacção do

Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31/10)

b) Obrigações e outros títulos de dívida. (Redacção do Decreto-Lei n.º

228/02, de 31/10)

 

O n.º 2 do citado artigo viria a ser revogado pela Lei n.º 15/2010, de 26/07, que entrou em vigor em 27/07/2010 (cf. art. 5.º da citada Lei).

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu na liquidação impugnada sujeitar a tributação, em sede de IRS, as mais-valias resultantes da alienação de ações detidas há mais de 12 meses pela Requerente, alienação essa ocorrida antes da publicação e entrada em vigor da referida Lei n.º 15/2010, tendo aplicado a taxa de 20% prevista no art. 72.º/4 do CIRS (na redação dada pela mesma Lei) à totalidade do saldo das mais-valias e menos-valias resultantes daquela alienação.

            Este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira choca com várias decisões em sentido contrário que o Supremo Tribunal Administrativo proferiu, inclusivamente com o Acórdão Uniformizador n.º 5/2015, de 16/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 1292/14, publicado no Diário da República, I Série, de 26/10/2015, em que se decidiu que “as mais-valias decorrentes de actos de alienação de acções detidas há mais de 12 meses que tenham ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, particularmente no período compreendido entre 1 de Janeiro e 26 de Julho de 2010, continuam a seguir o regime legal de não sujeição a tributação previsto no n.º 2, alínea a), do artigo 10º do Código do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS”.

            Como já afirmado num outro processo sobre que se pronunciou este Centro de Arbitragem (cf. o processo n.º 27/2016-T), que teve por objeto uma situação semelhante à dos presentes autos, no que toca à factualidade e ao quadro legal aplicável, “há o dever de seguir a jurisprudência uniformizada, quer pela Autoridade Tributária e Aduaneira” (cf. art. 68.º-A/4 da LGT), “quer pelos Tribunais, assim concretizando ‘uma interpretação e aplicação uniformes do direito’ (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), postulada pelo princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)”.

            Consequentemente, e perfilhando o entendimento adotado no referido processo n.º 27/2016-T, que aqui seguiremos de perto pelas semelhanças já assinaladas, “tem de se partir do pressuposto de que a referida liquidação enferma de erro sobre os pressupostos de direito ao aplicar o novo regime de tributação às mais-valias resultantes de alienações de acções detidas há mais de 12 meses ocorridas antes de 27-07-2010”.

            Partindo deste pressuposto, começaremos por apreciar as questões levantadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira como obstáculos à aplicação deste entendimento ao presente caso.

 

 

3.2. Questão da falta de cumprimento do art. 59.º do CPPT

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira faz depender a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação da apresentação de uma declaração de substituição nos termos do art. 59.º do CPPT. Isto porque, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, se os requerentes pretendiam excluir de tributação a alienação onerosa de ações deveriam ter declarado tal facto no anexo G1 da declaração de rendimentos, e não no anexo G, como vieram a fazer, sendo este erro, ainda segundo a Requerida, exclusivamente imputável aos Requerentes (argumento que analisaremos infra).

No que aqui agora importa, decorre de uma análise dos preceitos legais aplicáveis no caso que “não há suporte legal para fazer depender a revisão oficiosa pedida pelo requerimento da prévia apresentação de declaração de substituição”, como já havia salientado este Centro de Arbitragem no citado processo n.º 27/2016-T.

 

 

 

 

3.3. Questão da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

Entende Autoridade Tributária e Aduaneira que o pedido de revisão oficiosa é claramente intempestivo por clara e manifesta violação dos prazos constantes do art. 78.º da LGT.

Decorre dos autos que o ato de liquidação de IRS n.º 2011 … sob escrutínio data de 27/06/2011, tendo os Requerentes formulado pedido de revisão oficiosa do referido ato de liquidação a 26/06/2015, antes do decurso do prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do art. 78.º da LGT, e interrompendo-se tal prazo com esse pedido (art. 78.º/7 da LGT).

Nos termos daquele n.º 1, a revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária pode fazer-se “no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

Segundo a Requerida, os Requerentes, ao fazerem uso deste prazo de 4 anos, fizeram-no pressupondo “erro imputável aos serviços”, como exige o citado preceito. No entanto, como já se referiu (e se analisará mais detidamente), segundo a Requerida inexiste erro imputável aos serviços, pelo que entende ser inaplicável tal prazo, admitindo quando muito a aplicação do prazo de 3 anos previsto no n.º 4 do mesmo preceito, que no presente caso já havia transcorrido. Conclui assim pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa por violação dos prazos consignados nos n.º 4 e 1 do art. 78º da LGT.

Ora, em rigor, aplicável é apenas o prazo de 4 anos estatuído no n.º 1 do citado art., “não o de três anos previsto no n.º 4 do mesmo artigo que se reporta à revisão da matéria tributável e não a ilegalidades decorrentes do regime jurídico aplicável” (cf. processo n.º 27/2016-T).

Deste modo, seguindo a mesma linha de raciocínio do citado processo, se se concluir pela existência de erro imputável aos serviços, torna-se imperioso concluir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em devido tempo.

3.4. Questão da inexistência de erro imputável aos serviços

 

Como já se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que, a existir erro, o mesmo é exclusivamente imputável aos Requerentes, pois apresentaram na declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2010, mais concretamente no Quadro 8 do Anexo G, ao invés de terem declarado tal facto no Anexo G1, esse sim, para alienação de ações excluídas de tributação. Conclui que, deste modo, não se encontram reunidos os pressupostos de que depende a apreciação do pedido de revisão oficiosa, consignados no n.º 1 do art. 78.º da LGT.

De facto, os Requerentes procederam ao preenchimento do Quadro 8 do Anexo G da declaração Modelo 3 de IRS submetida por referência ao ano de 2010.

Como bem salientou este Centro de Arbitragem (processo n.º 27/2016-T), “o erro que afecte um acto de liquidação é imputável aos serviços quando não for imputável ao contribuinte. O erro será imputável ao contribuinte, nomeadamente, quando este omitir informações ou fornecer informações erradas sobre os factos em que assenta a tributação ou não der satisfação a qualquer exigência de natureza declarativa pelos meios adequados”.

Não assiste, porém, razão à Autoridade Tributária e Aduaneira. Senão vejamos. O Requerente veio chamar a atenção deste Tribunal, e bem, para a existência da Portaria n.º 1303/2010, de 22/12, que aprovou os modelos de anexos à declaração Modelo 3 a utilizar relativamente ao ano de 2010, onde se diz expressamente que o anexo G1 serve exclusivamente para se indicarem as alienações onerosas, ocorridas em 2009 ou anos anteriores, de ações detidas por mais de 12 meses. De facto, das “instruções de preenchimento” relativas ao Anexo G1, constantes da referida Portaria, retira-se que:

 “Este anexo destina-se a declarar a alienação onerosa de imóveis não sujeita a tributação, nos termos do n.º 4 do art. 4.º e do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, bem como a alienação de imóveis a fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIAH) e a sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) abrangidos pelo regime especial aprovado pelo art. 102.º e seguintes da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e ainda a alienação onerosa, efectuada nos anos de 2009 e anteriores, de acções detidas por mais de 12 meses”.

Esta Portaria, ao refletir a alteração legislativa resultante da Lei 15/2010, de 26 de Julho, trouxe como consequência, portanto, que no anexo G1, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2011, deixou de ser possível declarar a alienação de ações detidas há mais de 12 meses.

Deste modo se conclui que os Requerentes não omitiram qualquer dever de declaração decorrente das regras aplicáveis à declaração Modelo 3, pelo que não ocorreu erro que lhes seja imputável.

Concluímos no mesmo sentido seguido no citado processo 27/2016-T: “o erro consubstanciado na aplicação de um regime que é considerado ilegal, à face da referida jurisprudência uniformizada, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que dispunha dos elementos relevantes para aplicar o regime nela adoptado”.

 

3.5. Questão do abuso de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira alega, por último, que a atitude dos Requerentes – ao declararem inicialmente no Quadro 8 do Anexo G a alienação das ações não excluídas de tributação, para depois, e no seguimento da liquidação com base nos valores por si declarados, vir sindicar a legalidade do ato de liquidação – consubstancia o exercício de uma posição jurídica que contraria o comportamento anteriormente assumido (“venire contra factum proprium”, que se enquadra na proibição do abuso do direito estabelecida no art. 334.º do CC).

No entanto, como já referido, os Requerentes preencheram corretamente a sua declaração, à luz da mencionada Portaria. Não sendo imputável aos Requerentes tal erro, não se pode afirmar existir uma conduta destes que se reconduza ao “venire contra factum proprium”, pelo que improcede, também nesta parte, a argumentação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.6. Questão da falta de fundamentação do ato de liquidação e da violação do direito de audição

 

Passaremos agora em revista os argumentos que foram esgrimidos pelos Requerentes com o objetivo de obter a procedência das suas pretensões.

Invocam falta de fundamentação do ato de liquidação e violação do direito de audição, que consistem em vícios de cariz formal e procedimental.

Porém, como resulta do art. 78.º/1 da LGT, a revisão oficiosa dos atos tributários pressupõe a existência de “erro imputável aos serviços, o que afasta a relevância de vícios procedimentais e formais dos actos de liquidação, que não se enquadram no conceito de ‘erro’, que abrange apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito” (Acórdão proferido no processo n.º 27/2016-T).

Nesta parte, quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação com fundamento nestes vícios, improcede o pedido de pronúncia arbitral dos Requerentes.

 

3.7. Questão da ilegalidade do ato de liquidação e do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa

 

Entendem os Requerentes que o ato de liquidação sob escrutínio padece de vício de ilegalidade, uma vez que não teve em consideração a exclusão de tributação das mais-valias mobiliárias previstas no art. 10.º/2/a) do CIRS (na redação anterior à Lei n.º 15/2010, de 26/07), em contradição com a jurisprudência recente e uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo e, igualmente, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

No presente caso, as mais-valias mobiliárias apuradas pelos Requerentes, no decurso do ano de 2010, decorrem de uma única operação de alienação de ações detidas há mais de 12 meses, realizada antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26/07 – ou seja, entre 01/01/2010 e 26/07/2010 –, mais concretamente a 24/05/2010.

Como referimos supra, deve-se acatar a referida jurisprudência do Acórdão Uniformizador n.º 5/2015, segundo a qual: “as mais-valias decorrentes de actos de alienação de acções detidas há mais de 12 meses que tenham ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, particularmente no período compreendido entre 1 de Janeiro e 26 de Julho de 2010, continuam a seguir o regime legal de não sujeição a tributação previsto no n.º 2, alínea a), do artigo 10º do Código do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS”.

            Consequentemente, a liquidação e o subsequente indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, em causa neste processo, enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por violação do art. 10.º/2/a) do CIRS.

            Assim, justifica-se a declaração de ilegalidade da liquidação, na parte correspondente à tributação das mais-valias obtidas com a alienação de ações indicadas nos campos 801 e 802 do Quadro 8 do Anexo G da declaração Modelo 3 sob escrutínio, bem como a respetiva anulação, nessa parte (art. 163.º/1 do CPA de 2015, subsidiariamente aplicável por força do art. 2.º/c) da LGT).

 

3.8. Questão da violação da proibição da retroatividade da lei fiscal

 

Os Requerentes pugnam ainda para que este Tribunal considere violada a proibição da retroatividade da lei fiscal, ínsita no art. 103.º/3 da CRP e art. 12.º da LGT. Defendem que a Administração Tributária, ao interpretar os artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 15/2010, de 26/07 no sentido de estes permitirem a aplicação de uma taxa de imposto mais elevada (e, inclusivamente, a sujeição a tributação, no caso de mais-valias decorrentes de ações detidas há mais de 12 meses) a mais-valias apuradas em momento anterior ao da entrada em vigor da citada lei, concede àquelas normas uma aplicação retroativa, em violação do citado artigo constitucional.

Dispõe o art. 103.º/3 da CRP que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”. Por sua vez, estabelece o art. 12.º/1 da LGT que “as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.

O art. 103.º/3 da CRP traduz-se numa especial densificação, “explicitando assim um princípio que já poderia considerar-se como uma decorrência do princípio da protecção da confiança, inscrito no princípio do Estado de direito (art. 2.º (…))” (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, pp. 1092-1093). Deveremos considerar incluídas na proibição deste preceito “as normas fiscais retroativas de incidência oneradoras ou agravadoras da situação jurídica dos contribuintes” (cf. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª ed., Coimbra, p. 150), as “normas que interferem na definição de uma obrigação tributária, com os respetivos elementos previsivo e estatuitivo” (cf. Bacelar Gouveia, “A irretroactividade da norma fiscal na Constituição Portuguesa”, in Perspectivas Constitucionais – Nos 20 Anos da Constituição Portuguesa, Vol. III, Coimbra, 1998, p. 466.) ou, simplesmente, “qualquer norma fiscal desfavorável (…) quando assuma natureza retroativa retroativa” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 135/2012).

O âmbito de aplicação do referido preceito abrange as normas que definam a relação fiscal quanto aos seus elementos essenciais – ou seja, as regras legais que fixam a incidência pessoal, a matéria coletável, a taxa do imposto e as isenções. De fora ficam as normas que não respeitam a tais elementos essenciais – como, por exemplo, as relativas aos atos integrantes dos procedimentos de liquidação e cobrança do tributo, ou as normas de organização dos serviços – e, bem assim, as normas que concretamente estabeleçam um regime fiscal mais favorável para o contribuinte.

Importa dar mais uma nota prévia, antes de considerarmos as posições assumidas pelas partes. É relevante para o tratamento do caso sub judice recuperarmos a classificação preconizada por Alberto Xavier e, posteriormente, adotada por outros autores. Referimo-nos à distinção entre três graus de retroatividade das leis fiscais. Pressupondo-se que a retroatividade implica sempre uma sucessão de leis no tempo, aquele autor distinguia entre:

i)              A retroatividade de 1.º grau: a lei nova pretende regular um facto tributário que se verificou e produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei anterior, pretendendo a nova lei retirar desse facto efeitos jurídicos distintos;

ii)            A retroatividade de 2.º grau: o facto tributário ocorreu ao abrigo da lei anterior, mas nem todos os seus efeitos se esgotaram à sombra dessa lei, antes continuando a produzir-se no domínio temporal da lei nova; entre os efeitos ainda não esgotados podem mencionar-se, por exemplo, os relativos à liquidação e pagamento do imposto; e

iii)          A retroatividade de 3.º grau: a lei pretende regular um facto tributário que não se verificou totalmente ao abrigo da lei anterior, antes se continua a formar na vigência da lei nova (cf. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1974, pp. 196 e ss.; nos mesmos termos, Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Vol. II, Lisboa, 1996, pp. 414 e ss.; Américo Fernando Brás Carlos, Impostos – Teoria Geral, 3.ª ed., Coimbra, 2010, pp. 142 e ss.).

 

 O passo lógico seguinte é saber que graus de retroatividade encontram guarida no teor do art. 103.º/3 da CRP.

Que a retroatividade de 1.º grau está abrangida pela proibição do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição parece algo de seguro para a doutrina e jurisprudência nacionais. Segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 128/2009, o artigo 103.º, n.º 3 “proíbe a retroatividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova)”.

Deve igualmente entender-se – dado ser essa a posição do Tribunal Constitucional (cf., nomeadamente, o Acórdão n.º 310/2012, depois confirmado pelo Plenário do Tribunal Constitucional através do Acórdão n.º 617/2012, seguido posteriormente por outras decisões - por exemplo, o Acórdão n.º 85/2013), que é igualmente seguida pela maioria da doutrina – que o artigo 103.º, n.º 3 da Constituição proíbe igualmente a retroatividade de 2.º grau.

De fora do âmbito do art. 103.º/3 está a referida retroatividade de 3.º grau (cf., nomeadamente, o Acórdão n.º 399/2010, de onde parece resultar que o Tribunal apenas recorre à categoria da retroatividade imprópria para afastar da proibição constante do artigo 103.º/3 as situações de retroatividade de 3.º grau).

Qual a retroatividade que podemos descortinar nos presentes autos?

Temos como seguro que não se trata de retroatividade de 3.º grau, uma vez que o facto tributário, que se consubstancia numa alienação (cf. art. 10.º/1/b) e 3 do CIRS), já ocorreu

Assim, seja essa retroatividade qualificável como retroatividade de 1.º grau ou de 2.º grau, em qualquer dos casos estamos perante uma violação da Constituição, uma vez que ambas as modalidades de retroatividade são proibidas pelo artigo 103.º/3 da CRP.

Em conclusão, a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao aplicar retroativamente Lei n.º 15/2010, de 26/07, violou o citado preceito constitucional.

 

 

 

3.9. Questão da violação da proteção da confiança

 

Por último, os Requerentes reclamam ainda que a atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao aplicar o novo regime legal de tributação de mais-valias mobiliárias (Lei n.º 15/2010, de 26/07) às mais-valias mobiliárias decorrentes de alienações ocorridas antes da data de entrada em vigor do referido diploma legal, foi inconstitucional, na medida em que violou o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP).

Os Requerentes afirmam-se possuidores de legítimas expectativas resultantes diretamente do comportamento do legislador ao não proceder a quaisquer alterações à taxa de tributação das mais-valias mobiliárias nos anos que precederam a alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 15/2010, de 26/07. Afirmam ainda que tal comportamento legislativo os motivou a optarem por, naquele momento, alienar os valores mobiliários em causa e que, caso tivessem conhecimento da referida alteração legislativa, poderiam ter optado por não alienar as ações em causa.

Não assiste porém, nesta parte, razão aos Requerentes.

O princípio da segurança jurídica, ínsito no artigo 2.º da CRP, “projeta exigências diferenciadas dirigidas ao Estado, que vão desde as mais genéricas de previsibilidade e calculabilidade da atuação estatal, de clareza e densidade normativa das regras jurídicas e de publicidade e transparência dos atos dos poderes públicos, designadamente os suscetíveis de afetarem negativamente os direitos dos particulares, até às mais específicas de observância dos seus direitos, expectativas e interesses legítimos e objetivamente dignos de proteção” (Cf. J. Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2003, p. 816.).

Interessa-nos particularmente esta última dimensão, enquanto vertente subjetiva de proteção da confiança dos particulares na constância do quadro legislativo vigente. Confluem aqui exigências de sentido contrário a que importa atender, a fim de eleger a prevalecente, em cada caso concreto (trata-se, pois, de uma análise casuística).

Que exigências?

Por um lado, os particulares gozam do direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, mas igualmente o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente construíram quanto à subsistência de um certo quadro legislativo.

Mas, por outro lado, no quadro de um Estado de Direito Democrático, o legislador está adstrito à prossecução do interesse público, o que envolve, sempre e necessariamente, a disposição de uma margem de conformação da ordem jurídica ordinária, o que inclui a possibilidade de alteração das leis em vigor.

 

4. Juros indemnizatórios

 

Os Requerentes pedem o reembolso do imposto pago indevidamente em excesso acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal.

A anulação parcial da liquidação dá lugar a reembolso da quantia indevidamente paga.

No caso em apreço, importa recordar o afirmado pelo Acórdão do STA de 12/07/2006, proferido no processo n.º 402/06: “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT”.

Tal regime encontra a sua razão de ser na ausência de diligência do contribuinte na apresentação da reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no art. 78.º/1 da LGT.

Deste modo, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas somente a partir da data em que se completou um ano após ter apresentado o pedido de revisão, tal como resulta do art. 43.º/3/c) da LGT, norma que se aplica no presente caso dos autos. Segundo esta, são devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26-06-2015, pelo que apenas a partir de 27-06-2016, data mais de um ano posterior a formulação do pedido, há direito a juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

O montante a reembolsar e os juros indemnizatórios deverão ser calculados em execução do presente acórdão.

 

5. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar improcedentes as questões suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira como obstáculo à apreciação do mérito da causa;

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegal a liquidação de IRS n.º 2011…, na parte em que teve subjacente as mais-valias obtidas com alienações de ações ocorridas antes de 27-07-2010 indicadas nos campos 801 e 802 do Quadro 8 do anexo G da declaração modelo 3 apresentada pelos Requerentes relativamente ao ano de 2010;

– anular a sobredita liquidação n.º 2011…;

– julgar procedentes os pedidos de reembolso da quantia paga indevidamente e de pagamento de juros indemnizatórios, a partir de 27-06-2016, à taxa legal supletiva, sobre o valor a reembolsar e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar estes pagamentos Requerentes.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 208.551,67.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 11-10-2016

 

Os Árbitros

 

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

 

 

 

 

(Diogo Feio)

 

 

 

 

Declaração de voto do árbitro Maria Manuela Roseiro: Voto a presente decisão, em sentido oposto à por mim subscrita no processo arbitral nº 771/2014-T, atendendo ao teor do AUJ  nº 5/2015, emitido pelo Pleno da Secção de CT do STA no âmbito da decisão do recurso que anulou a decisão arbitral proferida no proc. 107/2014-T.

 

 

(Maria Manuela Roseiro)