Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 608/2023-T
Data da decisão: 2023-11-28  IRS  
Valor do pedido: € 12.817,85
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares - reinvestimento para aquisição de imóvel destinado a casa de morada da família.
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SUMÁRIO: 

 

1-    Nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 29.º, n.º1 alínea e), do RJAT, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide;

2-    A Requerida satisfez de modo voluntário a pretensão do Requerente, através do acto de revogação de IRS objecto de controvérsia, assim como determinou o pagamento de juros indemnizatórios;

3-    O evento que determinou a apreciação do mérito da causa verificou-se depois da constituição do Tribunal Arbitral;

4-    Não há, pois, efeito útil na prolação da decisão, termos em que se verifica a inutilidade superveniente da lide.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. A..., portador do número de identificação fiscal..., residente na Rua ..., ..., ..., Almada, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º, no número 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante CPPT) requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos:

  1. Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) identificada sob o n.º 2023..., num montante global de EUR 12.817,85, referente ao período de tributação de 2021;
  2. Decisão que deferiu parcialmente a Reclamação Graciosa no âmbito do processo n.º ...2023..., previamente apresentada pelo Requerente contra a anterior liquidação de IRS n.º 2022... de 02/12/2022 referente aos rendimentos auferidos durante o ano de 2021, que determinou o pagamento de imposto no valor de EUR 32.044,63 (trinta e dois mil, quarenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos);
  3. Liquidação de IRS n.º 2022 ... de 02/12/2022 referente aos rendimentos auferidos durante o ano de 2021, que determinou o pagamento de imposto no valor de EUR 32.044,63 (trinta e dois mil, quarenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos).

2.  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que a ora signatária foi nomeada pelo CAAD em 30 de Agosto de 2023, e as partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de o recusar, pelo que o Tribunal ficou constituído em 6 de Novembro de 2023.

4.    A Requerida, após notificação para responder, em 23 de Novembro de 2023, notificou o CAAD de que foi revogado o acto objecto de litígio, a saber, a liquidação supra indicada, conforme processo DSIRS nº .../23, que mereceu despacho de concordância da Senhora Sudirectora Geral da Área da Gestão Tributária, proferido em 19 de Novembro de 2023.

5.    No mesmo despacho e respetiva fundamentação a AT reconhece ao Requerente o direito a juros indemnizatórios.

6.    Notificado sobre o conteúdo da comunicação da Requerida em 24 de Novembro de 2023, o Requerente nada disse.

7.   Em linhas gerais, na situação controvertida está em causa a análise dos requisitos referentes ao reinvestimento do valor de realização previstos no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, mais concretamente, a afectação do imóvel (o alienado) a habitação própria e permanente, mais concretamente, o conceito de habitação própria e permanente do sujeito passivo.

8.    Tal como a Requerida concluiu, “(…) vem o requerente alegar que o seu agregado familiar (mais concretamente, a mulher) tinha a habitação própria e permanente no imóvel alienado. Ora, efetivamente, a norma legal (transcrita supra) refere expressamente a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” (sublinhado nosso). À data da alienação do imóvel, o número 4 do art.º 13º do CIRS determinava que: “4 - O agregado familiar é constituído por: a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes;”. Por sua vez, o n.º 2 do mencionado artigo estabelecia que: “2 - Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta.

Consultada a declaração de rendimentos Mod 3 referente ao ano fiscal de 2021, entregue pelo requerente em 2022JUN23, verifica-se que o mesmo indicou como estado civil “casado”, embora não tenha optado pela tributação conjunta, tendo indicado o NIF do cônjuge no quadro 6A (agregado familiar).

Esses dados foram, depois, transpostos para as declarações oficiosas elaboradas em 2022NOV21 e 2023MAI17 (esta última, na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa).

Estará, pois, justificada a existência de agregado familiar. Além disso, o n.º 12 do artigo 13º do Código do IRS, estabelece que “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”.

E, por outro lado, a Autoridade Tributária, diversamente do que sucedeu no caso do requerente, aceitou o facto de a mulher do requerente estar a declarar a intenção de reinvestimento da mais-valia obtida com a alienação da sua habitação própria e permanente, tanto que na liquidação de IRS resultante da declaração por si entregue em 2022JUN23 (liquidação n.º 2022...), é indicado um rendimento global de 30.031,31 € e um valor a pagar de 6.880,02 €.

Ou seja, a Autoridade Tributária, na prática, considerou a concretização do reinvestimento (no que à mulher do requerente diz respeito).

Em conformidade com o exposto, deverá ser reconhecido ao requerente o direito à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias.”

9.  Ou seja, decorre do exposto que a Requerida, pelo aludido despacho da Senhora Subdiretora Geral da AT, reconheceu toda a razão ao Requerente, pelo que determinou a restituição do tributo indevidamente liquidado e pago pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.

10. O Tribunal, por lapso, procedeu em 24 de Novembro de 2023 à marcação da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 30 de Janeiro de 2024 às 10,30.

11. Atendendo ao exposto, o Tribunal, face à inutilidade superveniente da lide determinando a extinção do processo, cancela a referida reunião e profere, por esta via, a prolação da decisão.

 

II- SANEADOR

 

12. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março)

13. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, é competente e processo não enforma de nulidades. 

 

III- DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

14.- O artigo 277º do CPC, alínea e), aplicável no caso por força do artigo 29.º do RJAT ,dispõe que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

15. Ora, a inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de um facto ocorrido na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação ao demandante ou porque o fim visado com a ação foi atingido de outra forma.

16. No caso concreto, como referimos, a Requerida revogou o acto tributário de liquidação e reconheceu ao Requerente o direito a juros indemnizatórios, dando assim satisfação por inteiro à pretensão do Requerente.

17. Assim sendo, não se justifica a pronúncia pelo Tribunal quanto à questão de fundo, pelo que se reconhece a inutilidade superveniente da lide.

 

IV- DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar extinta  a instância por inutilidade superveniente da lide.

 

V- VALOR DA CAUSA

 

O Requerente indicou como valor da causa o montante de 12.817,85 (doze mil oitocentos e dezassete euros e oitenta e cinco cêntimos) que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação de IRS por parte da AT, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

VI- CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12º, nº2 e 24º, nº 4 do RJAT e 4º, nº 5 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, que fica a cargo da Requerida (artigo 536º, nº 3 do CPC).

 

Lisboa, 28 de Novembro de 2023

 

 

A Árbitro

 

Clotilde Celorico Palma