Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 756/2022-T
Data da decisão: 2023-08-18  IRC  
Valor do pedido: € 793.363,21
Tema: IRC - Crédito do imposto por dupla tributação internacional; artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC.
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Sumário:

A aplicação a royalties do disposto nos artigos 13.º, n.º 2, e 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América está sujeita à aplicação do disposto na norma do artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 07/12/2022 A..., S.A. (‘Requerente’), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede em ..., Apartado ..., ...-..., ..., ..., apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, ns. 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  2. A Requerente pretende a anulação do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação adicional de IRC de 2017 com o n.º 2021..., da demonstração das liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2021... e 2021..., assim como da correspondente demonstração de acerto de contas, na qual se apura o valor a pagar de € 793.363,21, até 17 de Janeiro de 2022, todas respeitantes ao Grupo de sociedades de que é a sociedade dominante.
  3. A Requerente vem peticionar ao Tribunal a anulação parcial da liquidação adicional de IRC e do ato de indeferimento da reclamação graciosa, na parte em que negam o apuramento e a dedução a título de crédito por dupla tributação internacional no montante de € 1.249.961,85, bem como o reembolso do valor pago acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
  4. Peticiona, ainda, a título subsidiário, o reporte do valor do CIDTJI respeitante a 2016 para 2017, de acordo com a decisão de deferimento proferida no âmbito da ação arbitral n.º 7/2022-T, «à cautela e até trânsito em julgado da indicada decisão».
  5. Nomeados os presentes árbitros, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo o Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 20/02/2023.
  6. Seguindo-se os normais trâmites, em 24/03/2023 a AT apresentou resposta.
  7. Em 31/03/2023 foi proferido despacho a conceder prazo à Requerente para, querendo, se pronunciar sobre as excepções suscitadas pela Requerida, nomeadamente, litispendência e de incompetência material do Tribunal Arbitral.
  8. Em 27/04/2023 foi recebida a resposta da Requerente às excepções levantadas pela Requerida.
  9. Por Despacho de 22/05/2023 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
  10. A 20/06/2023 a Requerente vem juntar ao processo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo emitido no processo n.º 142/22.1BALSB, que transitou em julgado 09/06/2023, conforme comunicação do Supremo Tribunal Administrativo, datada de 16/06/2023, ao processo n.º 7/2022-T.
  11. A 05/07/2023 a Requerida vem apresentar requerimento, por forma a exercer o seu direito ao contraditório, nos termos do artigo 16.º, alínea a) do RJAT, sobre o requerimento apresentado pela Requerente.

 

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

 

 

  1. ARGUMENTOS DAS PARTES

Posição da Requerente

 

  1. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
    1. Nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”;
    2. Deste modo, os preceitos das CDT prevalecem sobre todas as normas de direito interno infraconstitucional português — como é o caso das constantes do Código do IRC;
    3. Quanto à qualificação dos rendimentos em causa e atinentes ao contrato de locação de equipamentos celebrado com a B..., os mesmos devem qualificar-se como royalties;
    4. O imposto que os EUA podem lançar sobre as royalties incidirá sobre o montante/rendimento bruto das mesmas e não sobre o seu montante/rendimento líquido, não sendo assim deduzidas quaisquer quantias a título de gastos incorridos com a respectiva obtenção;
    5. A fracção do imposto sobre o rendimento a calcular nos termos do artigo 25.º n.º 3, alínea a) da Convenção PT-EUA faz apelo aos rendimentos que podem ser tributados no outro Estado, pelo que correspondendo tais rendimentos ao montante bruto — e não líquido — das royalties, é esse montante que deve ser tido em conta para efeitos de determinação da fracção de imposto;
    6. Apenas a dedução integral do imposto no estado da residência (naturalmente limitado ao imposto pago nesse Estado) permite, por um lado, cumprir com os objectivos de eliminação da dupla tributação subjacentes aos acordos bilaterais celebrados com este intuito e, por outro, em homenagem ao princípio da igualdade, garantir a desejável neutralidade no que concerne às decisões de investimento, quer este se realize no próprio país ou no estrangeiro, ou seja, aquela que se denomina neutralidade na exportação de capitais;
    7. É de afastar a relevância no caso em apreço dos comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE e que, por mera referência ao seu conteúdo, fica genérica e automaticamente resolvida a questão da determinação do sentido e alcance da norma do artigo 25.º da Convenção PT-EUA;
    8. Importa interpretar o disposto no artigo 25.º da Convenção PT-EUA tendo em conta a sua letra e a sua ratio, a qual passa pela eliminação da dupla tributação, que apenas é adequadamente alcançada se forem considerados os rendimentos brutos;
    9. A Requerente vem invocar ainda a admissibilidade do reporte do crédito de imposto por insuficiência de colecta, nos termos do artigo 91.º, n.º 4, do Código do IRC.

 

Posição da AT

 

  1. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
    1. Em primeiro através da defesa por excepção, invocando litispendência quanto à anulação parcial da liquidação adicional de IRC na parte referente ao pedido subsidiário de reporte do valor do CIDTJI respeitante a 2016 para 2017;
    2. Considera a Requerida que tal pedido carece em absoluto de suporte legal, porquanto a decisão arbitral proferida no processo n.º 7/2022-T foi objeto de recurso para uniformização de jurisprudência, que corre termos no Supremo Tribunal Administrativo, o qual tem efeito suspensivo da decisão, tal como prevê o artigo 26.º do RJAT;
    3. A exceção dilatória de litispendência pressupõe a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, nos termos do artigo 580.º do CPC;
    4. A Requerida invocou ainda a incompetência do Tribunal arbitral para determinar o reporte do valor do CIDTJI respeitante ao exercício de 2016 para o exercício de 2017;
    5. O pedido formulado pela Requerente respeita unicamente às correções efetuadas pela Inspeção Tributária referente ao período de tributação de 2017 e não ao período de tributação de 2016, que foi objeto da ação arbitral n.º 7/2022-T.
    6. Em segundo lugar, em defesa por impugnação, pela aplicação do artigo 91.º do Código do IRC, a dedução em Portugal do imposto pago nos EUA pela Requerente sobre os royalties por esta recebidos está limitada à fracção do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos dos gastos directa ou indirectamente suportados para a sua obtenção.
    7. Entende a Requerida através da interpretação articulada entre o disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea da CDT e no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, que a determinação da «fração do IRC» deve basear-se no valor líquido dos rendimentos obtidos nos EUA e aí tributados, deduzindo ao respetivo valor bruto (€10.907.895,48), os gastos diretos ou indiretamente suportados para a sua obtenção, in casu, os gastos contabilizados com as depreciações dos equipamentos locados à B..., que ascendem a €20.221.490,89;
    8. Sendo o valor líquido dos rendimentos negativo, isso conduz a que seja nula a «fração do IRC» gerada pelos rendimentos provenientes das rendas do contrato de locação, afastando, deste modo, a dedução do imposto pago nos EUA;
    9. Embora um dos objetivos das convenções bilaterais seja a eliminação da dupla tributação jurídica internacional, tal não significa que o resultado seja sempre a eliminação total, em especial quando é adotado o método da imputação normal;
    10. Sendo nulo o valor da «fração do IRC» correspondente aos rendimentos obtidos nos EUA, tal redunda, na prática na inexistência de efetiva dupla tributação, pelo que a dedução do imposto pago nos EUA à coleta do IRC gerada por outros rendimentos, colocaria em crise a repartição do poder tributário entre o Estado da residência e o Estado da fonte, acordada na CDT;
    11. Portugal sinaliza nos Comentários ao artigo 12.º do MCOCDE (parágrafos 36, 43.1 e 43.2) que reserva o direito de tributar os royalties na fonte, acabando por seguir, nesta matéria, a redação do artigo 12.º do Modelo de Convenção das Nações Unidas;
    12. O modo de aplicar o método de imputação normal pode ser definido pela legislação nacional, desde que não desrespeite o princípio básico de eliminar a dupla tributação;
    13. Quanto à admissibilidade do reporte do crédito de imposto por insuficiência de colecta, nos termos do artigo 91.º, n.º 4, do Código do IRC, entende a Requerida que a regra do reporte tem como ponto de partida o montante do crédito de imposto passível de dedução, calculado segundo as regras previstas no n.º 1 do mesmo artigo, que, por ausência ou insuficiência de coleta do IRC no exercício em que os rendimentos obtidos no estrangeiro são incluídos na matéria coletável, não possa ser deduzido;
    14. Entende a Requerida que a regra de reporte não é aplicável porque, dado que o montante do crédito de imposto determinado nos termos do artigo 91.º, n.º 1, alínea b) é nulo.

 

  1. A Requerente veio responder às excepções levantadas pela Requerida, do seguinte modo:
    1. As excepções, de litispendência e incompetência do Tribunal Arbitral relacionam-se tão só e apenas com o pedido, formulado a título meramente subsidiário, no sentido do reporte do valor do CDTJI respeitante a 2016, que não possa ser deduzido naquele ano, para 2017;
    2. O processo n.º 7/2022-T, encontra-se em sede de recurso no Supremo Tribunal Administrativo, no qual o Ministério Público se pronunciou no sentido da inexistência dos pressupostos para o conhecimento de mérito do recurso;
    3. O pedido formulado nesta matéria pela Requerente foi-o apenas a título subsidiário, à cautela e sempre assumindo a prevalência da decisão final a emitir no processo n.º 7/2022-T em fase de recurso;
    4. Não se verifica uma qualquer situação de litispendência;
    5. De outro passo, o mesmo indicado pedido de reporte, concretizando-se na dedução de imposto e, por isso, potencialmente na anulação parcial da liquidação de 2017 não está, minimamente, excluído do âmbito de competência do Tribunal Arbitral.

 

  1. Matéria de Facto

 

  1. Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
    1. Em 2016, a Requerente celebrou um contrato de locação de um conjunto de equipamentos à sociedade B... Inc. (adiante ‘B...’), sociedade de direito americano com sede nos EUA;
    2. Em 2017 e 2018, a Requerente faturou o montante superior a € 15.000.000, a título de rendas do referido contrato e despesas, tendo procedido ao correspondente registo contabilístico;
    3. Foram contabilizados gastos com as depreciações dos equipamentos locados à B..., que ascendem a € 20.221.490,89;
    4. A B... procedeu à retenção na fonte do valor correspondente a € 1.522.697,40, o que o fez nos termos e pela aplicação da Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (adiante ‘CDT PT-EUA’);
    5. As rendas em causa foram objecto de retenção na fonte de imposto sobre o rendimento nos EUA, à taxa de 10%, taxa aplicada igualmente ao valor das despesas por conta, nos termos do artigo 13.º da Convenção PT-EUA;
    6. A Requerente inscreveu no campo 6, do quadro 14, da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2017, o montante de € 1.249.961,85, que considerou gerado naquele exercício, o que se traduziu na invocação da constituição do direito a um CIDTJI prevista no artigo 91.º do Código do IRC.
    7. A título de reporte de anos anteriores daquele crédito e no que respeita ao exercício de 2016, a Requerente registou € 272.697,40;
    8. A mesma Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo C..., inscreveu aquele mesmo valor na Declaração Modelo 22 de IRC de 2017 do Grupo, sendo o valor de € 1.249.961,85 deduzido à colecta do Grupo.
    9. A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção tributária ao seu período de tributação de 2017;
    10. A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária (“RIT”) individual, conduzida pela AT, em Novembro de 2020;
    11. A AT efectuou igualmente uma acção de inspecção ao Grupo fiscal do qual a Requerente é a sociedade dominante (adiante “Grupo C...’), tendo notificado a Requerente do respectivo RIT em Junho de 2021;
    12. A Requerente apresentou reclamação graciosa que foi indeferida por despacho datado de 7 de setembro de 2022.

 

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

  1. Matéria de Direito

Questões prévias

 

  1. Cumpre apreciar a título prévio a matéria de exceção invocada pela Requerente, a saber a exceção dilatória de litispendência e de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

Decidindo:

 

  1. À data da presente decisão não se verifica qualquer exceção dilatória de litispendência, considerando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo emitido no processo n.º 142/22.1BALSB, que transitou em julgado em 09/06/2023, conforme comunicação do Supremo Tribunal Administrativo datada de 16/06/2023, ao processo n.º 7/2022-T, nos termos da documentação junta ao processo.

 

  1. Sendo a exceção de dilatória de litispendência improcedente.

 

  1. No que respeita ao pedido subsidiário de admissibilidade do reporte do crédito de imposto por insuficiência de colecta, nos termos do artigo 91.º, n.º 4, do Código do IRC, e à invocada incompetência do Tribunal Arbitral, entende este Tribunal que tal pedido apenas se encontra abrangido pela sua competência material no que respeita às correções do referido reporte no ano de 2017, das quais resultou a liquidação adicional de IRC de 2017 com o n.º 2021..., a demonstração das liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2021... e 2021... .

 

  1. Quanto às correções efetuadas no ano de 2016, a questão foi já resolvida no processo n.º 7/2022-T.

 

  1. Pelo que resulta deferida a exceção invocada pela Requerida quanto ao pedido subsidiário de admissibilidade do reporte do crédito de imposto por insuficiência de colecta referente ao ano 2016.

 

Questão decidenda

 

  1. Está em causa a anulação parcial da liquidação adicional de IRC e do ato de indeferimento da reclamação graciosa, na parte em que negam o apuramento e a dedução a título de crédito por dupla tributação internacional.

 

  1. A Requerente pretende que a dedução à coleta de IRC por dupla tributação internacional tenha por base o imposto pago nos Estados Unidos da América incidente sobre os rendimentos brutos aí obtidos, em aplicação do disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América, que, enquanto norma de direito internacional, prevalece sobre a disposição de direito interno do artigo 91.º, n.º 1, daquele Código.

 

  1. As partes estão de acordo quanto à qualificação dos rendimentos em causa como royalties, face à definição constante do n.º 3 do artigo 13.º da Convenção Portugal-EUA, que aí inclui, entre outras, “as retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico”, como será o caso dos rendimentos resultantes de um contrato de locação de equipamentos a uma sociedade de direito norte americano.

 

  1. A questão centra-se no cálculo do montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, ou seja, na possibilidade de dedução à coleta do IRC, nos termos previstos no artigo 90.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, da totalidade do imposto pago nos EUA, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT.

 

  1. As disposições convencionais que interessa considerar estatuem nos seguintes termos:

 

Artigo 13.º

Royalties

1- As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2- Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efetivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties.

(…).

Artigo 25.º

Eliminação da dupla tributação

(…) - No caso de Portugal:

Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam se tributados nos Estados Unidos com base noutro critério que não seja o da cidadania, Portugal permitirá a dedução do imposto sobre o rendimento desse residente de uma importância igual ao imposto de rendimento pago no Estados Unidos. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos;

(…).

 

  1. Por outro lado, o artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC é do seguinte teor:

1– A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.

 

  1. Dos termos das normas supra transcritas resultam duas interpretações possíveis – que correspondem às que Requerente e Requerida invocaram nos autos – e que têm tido expressão em decisões diversas da jurisdição estadual e arbitral. A divergência pode situar-se ao nível da delimitação do tipo de método de prevenção da dupla tributação usado pela Convenção (de isenção ou de imputação/de crédito de imposto, e, dentro desta, de imputação integral ou normal– sobre os quais discorre Paula Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional - Do paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 146-154) ou – supondo que não era isso mesmo que já resultava da lógica do método de imputação normal (ou ordinária) – da sua concretização pelo Direito interno posterior, como referido pelo Senhor Conselheiro Gustavo Courinha no voto de vencido que apôs ao Acórdão do STA proferido no Processo nº.142/22.1BALSB (junto aos autos) que indeferiu o pedido de uniformização de jurisprudência interposto da decisão proferida no Processo n.º 7/2007: “determinar se a legislação nacional pode densificar os termos acordados nas Convenções de Dupla Tributação para a eliminação da dupla tributação jurídica internacional”, quando está em causa “a tributação cumulativa, com o Estado da Residência a eliminar a dupla tributação por meio do método do crédito”.

 

  1. Tendo em conta que as circunstâncias de facto e de Direito dos presentes autos reproduzem exatamente as da Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 7/2022-T, e que só o STA pode, de uma vez por todas – cumprindo a função de uniformização que o legislador lhe cometeu e, portanto, contribuindo decisivamente para a segurança jurídica e o reforço da confiança na aplicação do Direito –, estabelecer se é ou não legítimo, face à totalidade do ordenamento jurídico aplicável, que a AT interprete, em matéria de tributação de royalties, o disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT à luz do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, entende o presente Tribunal, sufragar integralmente o entendimento vertido pelo Senhor Dr. António Barros Lima Guerreiro no seu voto de vencido à referida Decisão Arbitral, o qual transpomos:

«Tal interpretação da inaplicabilidade  dessa alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC  com  o simples fundamento em a norma da Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América  impor uma  dedução total e a norma de direito nacional  admitir uma dedução parcial ou nula, caso o imposto apurado segundo as regras de direito nacional seja inferior ao pago no estrangeiro, é, com efeito, expressa e inequivocamente rejeitada pelo Direito Internacional Tributário vinculativo do Estado português, do qual essa Convenção faz parte, bem como pela jurisprudência estadual superior ,  até aqui uniforme em sentido oposto  ao invocado  como fundamento da Decisão Arbitral., sendo colocado pela primeira vez após a entrada em vigor da redação a esse art., então numerado como art. 85º, dada pelo art. 10º da Lei nº 39-A/2005, de 29/7.

Esse nº 1 do art. 91º limita-se, no entanto, não a contrariar, mas a refletir o método da eliminação da dupla tributação referido usualmente por imputação ordinária, consagrado no referido art. 23º. B do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, que vem refletido na generalidade das convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português, incluindo com os Estados Unidos da América.

Tal método de imputação ordinária, sob pena de uma desconsideração total do Direito Internacional Tributário vinculativo do Estado português e do próprio direito interno em vigor, não assegura a eliminação total do imposto suportado no estrangeiro, mas apenas até ao limite do apurado de acordo com as regras de direito nacional, no caso, a alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC.  Está vertido na alínea a) do nº 3 do art. 25º da Convenção com os Estados Unidos da América, que, relativamente a Portugal, simultaneamente assegura a dedução no Estado da residência do imposto suportado no Estado da fonte e sujeita a importância a deduzir ao limite da fração do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução correspondente aos rendimentos que possam ser tributados no país da residência. Tal alínea b) do nº 3 desse art. 25º.  limita-se, aliás, a verter quase palavra por palavra o nº 1 do art. 23º- B do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE.

Com efeito, apenas o método da imputação integral assegura que todo o imposto suportado no estrangeiro seja deduzido a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, ainda que superior ao imposto apurado segundo as regras do país da residência, com a consequente obrigação de o Estado da residência reembolsar os sujeitos passivos residentes do imposto pago ao Estado da fonte. Fora do âmbito da eliminação da dupla tributação internacional por via da imputação, ordinária ou integral, está a eliminação da dupla tributação internacional por via do método da isenção regulado no art. 23º- A do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, em que, por natureza, não se constitui qualquer crédito de imposto.

A incompatibilidade da alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC com essa Convenção apenas seria possível se se sustentasse que esta seguiu o método da imputação integral, ainda que apenas relativamente aos rendimentos de “royalties”

Fora dos casos em que as convenções sigam o método da isenção. o método da imputação ordinária- não o método da imputação integral foi, com efeito, o adotado em geral por Portugal para atenuar a dupla imposição dos rendimentos dos seus residentes (Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, 2ª edição atualizada, Coimbra, 2007, pgs. 748 e sgs.).

A regra geral do Direito Internacional Tributário é também a dedução apenas parcial do imposto estrangeiro, nos casos em que este seja superior àquele que o Estado da fonte aplica aos seus próprios rendimentos.

Reflete essa alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC o seguinte Comentário ao nº 1 do art. 23º- B do Modelo de Convenção Fiscal sobre o, Rendimento e o Património da OCDE, editado pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE em 2007, pgs. 474 e sgs. dos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal nº 206: “O art. 23º- B da Convenção, assente no princípio da imputação, segue o método da imputação normal: o Estado da residência deduz do imposto por ele cobrado sobre os rendimentos ou o património uma importância equivalente ao imposto cobrado no outro Estado sobre o rendimento obtido nesse outro Estado ou sobre o património aí detido, mas a importância deste modo deduzida limita-se à fração correspondente do seu próprio imposto”.

É também esse método o previsto na art. 25º da Convenção com os Estados Unidos, quer quando esses rendimentos sejam auferidos no outro Estado Contratante ou em país terceiro, inclusivamente quanto aos rendimentos de “royalties”, pelos motivos seguidamente expostos.

A razão de ser dessa solução de Direito Internacional Tributário, como explica Alberto Xavier, ob. e local citados., é a relutância (legítima) dos Estados nacionais, condescendentes em reembolsar os seus contribuintes dos impostos que pagaram no seu território, mas avessos a reembolsar esses contribuintes dos impostos pagos no estrangeiro e que não receberam.

Para esse efeito, o crédito de imposto é um rendimento adicional tributado no país da residência, a acrescer que lhe deu origem. É o que determina, aliás, o nº 1 do art. 68º do CIRC: para efeitos do crédito do imposto relativo a dupla tributação internacional, os rendimentos são considerados ilíquidos do imposto pago no estrangeiro.

Com efeito, como explica o citado autor, é necessário, antes da dedução, reajustar o imposto estrangeiro, acrescendo o seu valor à base de cálculo do imposto no país da residência.

Essa é uma consequência necessária do modelo de imputação ordinária que abrange apenas a fração do imposto do Estado de residência calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributados no outro Estado. Tal método impõe que a dedução máxima admitida seja calculada do mesmo modo que o rendimento líquido, ou seja, sobre os rendimentos brutos do Estado da fonte, menos as deduções autorizadas conexas direta ou indiretamente com tais rendimentos, ou se se quiser, dos custos incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC (ver pg. 477 da referida edição do Centro de Estudos Fiscais do Modelo de Convenção Fiscal”).

O método da imputação ordinária, como o da imputação integral, é um dos métodos possíveis de eliminação da tributação internacional.

É pacífico que o método da imputação ordinária foi o adotado na alínea a) do nº 1 do art. 91º do CIRC e consta da alínea a) do nº 3 do art. 25º da Convenção com os Estados Unidos, como da generalidade das convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português, e não o método da imputação integral. Também não oferece dúvidas que o art. 13º da Convenção com os Estados Unidos, pelos motivos seguidamente expostos, consagra uma competência cumulativa ( e não exclusiva do Estado da residência, como acontece com a generalidade dos rendimentos empresariais, nos termos do art. 7º do Modelo de Convenção Fiscal, em que a dupla tributação internacional é eliminada pelo método da isenção), na tributação das “royalties”, não seguindo, assim, a recomendação(não  imposição)do art. 12º desse Modelo de Convenção Fiscal.

Apenas em caso de dúvida sobre o sentido e alcance do Direito Tributário Internacional e do direito interno aplicável seria de seguir outro critério. Tal dúvida pressuporia a ausência de clareza das disposições a aplicar, cujo sentido é, no entanto, claro

Assim, a eliminação da dupla tributação internacional, quando não garantida pelas Convenções, o que acontece quando os Estados adotem pelo método da isenção ou da imputação integral deve resolvida unilateralmente  por cada Estado, caso este o  pretenda e  de acordo com os métodos que considere adequados.

A não eliminação total da dupla tributação internacional não é certamente um objetivo desejado pelos Estados membros da OCDE, estando em causa apenas os métodos para o fazer, necessariamente adequados à natureza internacional da referida organização.

Segundo se diz a pg. 479 dos Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE, Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, Lisboa, 2008, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, 206, “Os problemas suscitados mais atrás dependem, em grande medida, do legislador e da prática interna, pelo que a sua solução deve ser remetida para cada Estado. A este propósito, note-se que alguns Estados aplicam o método de imputação de forma muito liberal. Alguns Estados consideram também ou acolheram já a possibilidade de reportar para outros exercícios os créditos de imposto não utilizados. Os Estados Contratantes são livres, evidentemente, de alterar o presente Artigo nas negociações bilaterais de modo a contemplar um ou outro dos problemas referidos”.

Esse é, pois, o regime – regra no âmbito da OCDE: nos casos em que não haja convenção sobre dupla tributação internacional nem esta assegure a eliminação total da dupla tributação internacional, essa eliminação integral é assegurada individualmente pelos Estados membros.

É, assim, abusiva a interpretação das normas das convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português que seguem o padrão do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE no sentido de obrigarem o Estado português a reembolsar os seus residentes do imposto de fonte estrangeira que, por inexistência ou insuficiência de coleta, não possa ser deduzido ao imposto devido por estes em Portugal: ou seja, de imposto não recebido pelo Estado português, mas por outro Estado[1].

Tal  método de imputação ordinária exige, sem dúvida , que o Estado português credite  os residentes do imposto português suportado no estrangeiro, mas não que reembolse os seus residentes do imposto suportado no  estrangeiro,  quando superior ao imposto nacional que recai sobre os mesmos rendimentos, através do método da imputação integral  ou qualquer outro com os mesmos efeitos, solução que constituiria  uma absoluta e inusitada  exceção no universo das países da OCDE, além de implicar  uma relativamente relevante erosão das receitas fiscais, ainda por cima sem a garantia da reciprocidade do outro Estado Contratante, no presente caso, os Estados Unidos da América, eventualmente não dispostos a reembolsar os seus residentes, dado a tal não obrigar a referida Convenção, do imposto suportado em Portugal .

Esta interpretação da lei que aqui sustentamos baseia-se também, entre outros elementos, no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE.

O Conselho da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) adotou, em 30 /7/63, com efeito,  uma recomendação sobre a eliminação da dupla tributação e convidou os governos dos países membros a conformarem-se, através da celebração ou revisão de convenções bilaterais, com um «modelo de convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o património», elaborado pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE e anexo à referida recomendação  Este modelo de convenção fiscal é revisto e alterado regularmente e é  objeto de comentários aprovados pelo Conselho da OCDE que, embora não vinculativos, são um elemento interpretativo da maior importância.

Nem o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, nem os comentários aprovados, integram, com efeito, o direito internacional público, carecendo de qualquer coercividade.

Os Estados não são obrigados a seguir as recomendações contidas no Modelo de Convenção.

Tão pouco os Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal constituem uma interpretação autêntica das Convenções sobre dupla tributação internacional, a que as partes teriam também de se conformar, quer relativamente às normas que tiverem por base o Modelo de Convenção Fiscal ou não.

Não passam tais Comentários de elementos auxiliares de interpretação das convenções sobre dupla tributação internacional em vigor (Acórdão do TJUE de 26/2/2019, proferido nos processos apensos C-115/16, C-118/16, C-119/16 E C-299/16), que se aplicam, no entanto, quando o método de eliminação da dupla tributação for o da imputação, quando for o da isenção.

Assim, os Comentários  integrantes do art. 23º- B do Modelo de Convenção Fiscal  são suscetíveis de aplicação, enquanto elementos  auxiliares, de acordo com os critérios gerais de interpretação e aplicação das leis,  à tributação cumulativa dos rendimentos das “royalties”, que naturalmente depende de as partes da Convenção em causa não terem seguido a regra da tributação exclusiva  no país da fonte prevista no nº 1 do art. 12º, possibilidade que, aliás, seria expressa através de uma reserva do Estado português e outros Estados a quando da celebração da Convenção. Tal recurso interpretativo a esses Comentários não é imperativo, e também não é proibido: depende da sua adequação a cada caso concreto, no caso, manifesta.

Tais Comentários, como mostram os relativos ao art. 12º do Modelo de Convenção, pgs. 307 e sgs., abrangem tanto os casos em que a dupla tributação seja eliminada pelo método da imputação, integral ou ordinária, como pelo método da isenção. É desprovida de fundamento:   a tese de que, pelo facto de a Convenção com os Estados Unidos ter optado pela tributação cumulativa dos rendimentos com a natureza de “royalties”, não poderem na sua interpretação, ser utilizados os Comentários do Modelo de Convenção, ainda quando se mostrem apropriados e se harmonizem com a posição expressa pelo Estado português aquando da negociação da Convenção.

A pronúncia citada de “a dedução máxima é equivalente à taxa do imposto do estado de residência aplicada sobre o rendimento obtido no outro estado” (cfr., neste sentido, Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, “As Convenções sobre Dupla Tributação”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, 1988, pág. 290)”, não autoriza que, do cálculo da dedução máxima sejam excluídas das depreciações dos bens locados, calculadas de acordo com a lei portuguesa.

Tal pronúncia não coincide com o nº 63 da Anotação ao art. 23º- B, reproduzida na pg. 477 do Modelo de Convenção Fiscal, de acordo com a qual a dedução máxima é normalmente calculada do mesmo modo que o imposto sobre o rendimento líquido, ou seja, de acordo com o rendimento líquido global apurado no Estado na fonte menos as deduções autorizadas, específicas ou proporcionais, conexas com esse rendimento, em que se incluem tais depreciações. É essa doutrina que a alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC fielmente reproduz.

A posição citada tem, no entanto, 34 anos e baseia-se no Modelo de Convenção de 1977, não tendo tido em conta, por força da natureza das coisas, a reflexão que precederia o art. 23º - B do Modelo de Convenção Fiscal de 2008.

As outras decisões arbitrais citadas, além de terem sido emitidas num contexto normativo em que o Estado português não assegurava totalmente a eliminação da dupla tributação jurídica internacional, não são, aliás um precedente obrigatório que a presente Decisão Arbitral teria de respeitar.

Tal tipo de precedente é privativo dos regimes de “common law”, como o Reino Unido, mesmo assim aí restrito às decisões dos tribunais estaduais.

Os árbitros do CAAD não podem, por outro lado, decidir livremente conforme a equidade, nem, por maioria de razão, conforme o modelo de eliminação da dupla tributação internacional que lhes pareça mais apropriado.

Tal  implicaria substituírem-se à Assembleia da República na celebração de tratados internacionais, nomeadamente interpretando sistematicamente as convenções sobre dupla tributação internacional à luz de um inexistente regime- regra da neutralidade da exportação, ao qual o legislador não aderiu e, caso seja levado às últimas consequências, beneficiaria os países exportadores de capitais, em detrimento dos países importadores, como ainda é Portugal como mostram concludentemente, para quem estiver disponível para a sua leitura, as anotações ao art. 13º do Modelo de Convenção, pgs . 307 e sgs.

Está igualmente fora de causa, por absurda, a hipótese que o CAAD possa aqui replicar, em nome do combate à dupla tributação internacional, o ativismo judiciário do TJUE.

Em sentido totalmente oposto, por recaírem sobre situações substancialmente idênticas, no sentido em que a dedução do imposto suportado no estrangeiro não vem garantida pelos acordos sobre dupla tributação internacional aplicáveis, mas apenas dentro dos limites da legislação interna de cada Estado membro e dessas convenções os. Acórdãos do STA de 14/5/2021, proc. 0858/16.4BEPNF, de 4/5/2022, proc. 1084816. 4BEPNF, e de 8/6/2022, 03162/16.1BEPRT, não se conhecendo também nenhuma outra jurisprudência superior em sentido diferente.

Tais Acórdãos seguem a doutrina dos Acórdãos do STA de 24/9/2008, proc. 0459/08, que expressamente declara a não dedução integral do imposto suportado no estrangeiro não colidir com a imposição constitucional da tributação das empresas segundo o seu rendimento real, e  de 11/5/2016, proc. 0351/14.

Segundo este último Acórdão, caso BNU Macau, para efeitos da tributação prevista no 1 do art.  4º do CIRC (tributação pelo rendimento mundial), os rendimentos obtidos fora do território nacional são necessariamente englobados na sua totalidade, e esse englobamento é feito pelas importâncias ilíquidas do imposto pago no estrangeiro, originado tal pagamento um crédito de imposto que é dedutível ao IRC liquidado em Portugal, em conformidade com o disposto no art. 73º do CIRC, correspondente ao atual art. 91º, que consagra o método da imputação ordinária.Tal regime impõe-se ao sujeito passivo, independentemente do uso do crédito que a lei lhe reconhece, e, por conseguinte, não é um regime facultativo, mas, antes, um regime obrigatório, já que se impõe ainda que não seja possível deduzir (total ou parcialmente) o crédito de imposto, designadamente por ausência de coleta, salvo nos casos de imputação integral.

Assim, se determinado sujeito passivo residente em território nacional obtém rendimentos no estrangeiro que aí foram sujeitos a tributação, em face da regra da universalidade poderá ocorrer uma situação de dupla tributação em território nacional. Sucede, assim, uma dupla tributação jurídica internacional quando o mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, é tributado no mesmo período em diferentes Estados, podendo o Estado de residência do beneficiário do rendimento permitir a sua eliminação. O mecanismo do crédito de imposto consiste em deduzir à coleta do IRC determinada quantia de imposto já paga no outro país com o limite daquela que seria liquidada em território nacional.  O imposto pago no estrangeiro constitui um crédito relativamente ao tributo devido no Estado de residência (Portugal), mas tal crédito não excederá o valor de IRC. que seria devido no caso de tais rendimentos terem sido originados no nosso país. O mesmo é dizer que a dupla tributação é totalmente eliminada quando o imposto pago no estrangeiro for igual ou inferior ao liquidado no estado de residência e será, apenas, atenuada caso seja superior, salvo quando tiver sido adotado, unilateralmente pelo Estado português ou de acordo com a convenção sobre dupla tributação internacional aplicável,  o método  de imputação integral”.

Assim, nos casos em que a Convenção sobre dupla tributação internacional elimine a dupla tributação  internacional pelo método da imputação ordinária e não pelo método da imputação integral, o crédito do imposto suportado no estrangeiro é limitado ao imposto nacional que recai sobre esses rendimentos, sem que essa limitação ofenda qualquer norma de direito internacional público relevante para a decisão do presente processo arbitral, incluindo a alínea a) do nº 1 do nº 3 do art. 25º da Convenção com os Estados Unidos.

É pacífico, pois, que, no método da imputação ordinária, aliás consagrado pelo direito interno português e pelas convenções sobre dupla tributação internacional a que o Estado português se vinculou, a dedução consentida tem o limite máximo relativo à fração do próprio imposto devido no Estado da residência correspondente aos rendimentos provenientes do país da fonte. Na imputação integral, em que o Estado da fonte se limita a reembolsar a totalidade do imposto pago a Estado estrangeiro, esse limite não existe: o imposto estrangeiro é completamente deduzido.

Tal regime é, assim, aplicável em todos os casos de eliminação da   dupla tributação internacional pelo método da imputação ordinária.

Não pode ser negada a identidade da questão de direito discutida nesses Acórdãos e no presente processo arbitral com fundamento em uma pretensa especificidade da tributação das “royalties”. A eliminação da dupla tributação internacional dos rendimentos das “royalties” está expressamente prevista na Convenção Modelo, que recomenda o método da isenção do art. 23º-A em detrimento do método da imputação ordinária ou integral (ver detalhadamente sobre o assunto Alberto Xavier, ob. cit., pgs. 687 e sgs.). Ao optarem pela tributação cumulativa, Portugal e os Estados Unidos optaram por um dos métodos possíveis de eliminação da dupla tributação internacional previsto no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE.

Não viola essa regime, como referem os já referidos Acórdãos de 14/5/2021 e 4/5/022, o princípio da neutralidade na exportação de capitais apenas recomendado e não imposto pela Organização Mundial do Comércio, segundo o qual os sujeitos passivos que obtenham rendimentos noutros Estados devem ficar abrangidos por um tratamento fiscal similar ao aplicável àqueles cujos rendimentos sejam obtidos exclusivamente no estado de residência". Tal método, no exercício de uma reserva legítima do Estado português, não foi adotado, em especial na tributação das “royalties”, nas convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português, incluindo com os Estados Unidos da América, que preferiu com a toda a legitimidade a neutralidade da importação de capitais.

Explicam esses Acórdãos que a neutralidade na exportação está na base da concessão unilateral pelo Estado português do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, mas de acordo com as regras do direito nacional e não do direito convencional ou não fosse esse crédito concedido unilateralmente pelo Estado português. O direito convencional apenas pode, assim, apenas invocado para limitar o crédito de imposto àquele que resulta da aplicação do método da imputação ordinária e não para obter o reembolso de imposto sem qualquer fundamento legal.

 (…)

Repare-se finalmente que o crédito por dupla tributação jurídica internacional  não utilizado por insuficiência ou inexistência de coleta não é um gasto dedutível ao rendimento, dedução que teria de ser sempre efetuada pelo próprio sujeito passivo na declaração modelo 22 e não oficiosamente pela administração fiscal, mas um abatimento à coleta apenas dedutível nos termos do nº 4 do art. 91º do CIRC, sendo que os pressupostos desse abatimento não se verificaram no exercício de 2016 o único em que a autoliquidação foi posta  em causa .

De acordo com a própria jurisprudência citada pela Requerente(Acórdãos  do TJUE C-436/08 e C 437/00, emitidos a propósito de uma situação similar,  estando em causa dividendos em vez  de “royalties”), o art. 63º do TFUE não obriga um Estado-Membro a prever, na sua legislação fiscal, a imputação do imposto cobrado sobre os dividendos através de retenção na fonte noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro, a fim de prevenir a dupla tributação jurídica dos dividendos recebidos por uma sociedade estabelecida no primeiro Estado-Membro, desde que essa tributação tenha resultado de exercício paralelo, pelos Estados em causa, da sua competência fiscal respetiva.  Tal imputação, aliás, é reconhecida da legislação nacional, mas é sujeita a restrições que apenas não seriam compatíveis com o TFUE caso violassem o princípio da não discriminação.

Nesta medida, a fundamentação da Decisão Arbitral ignora princípios fulcrais do Direito Internacional Tributário e do direito nacional.

(…).”

 

 

  1. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral Colectivo indeferir na totalidade o Pedido de Pronúncia Arbitral, condenando a Requerente nas custas, nos termos infra fixados.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões formuladas pela Requerente.

Consequentemente, indefere-se o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 793.363,21 (setecentos e noventa e três mil, trezentos e sessenta e três euros e vinte e um cêntimos)., montante indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo do Requerente, no montante de € 11.322 (onze mil, trezentos e vinte e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT.

Lisboa, 18 de Agosto de 2023

O Árbitro Presidente

 

                                                               Victor Calvete

 

O Árbitro Adjunto

 

 

David de Oliveira Silva Nunes Fernandes

 

                                                                                                                                       

A Árbitro Relatora

 

 

Ana Pinto Moraes