Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 242/2014-T
Data da decisão: 2014-10-08  IRC  
Valor do pedido: € 108.859,50
Tema: IRC – Tributações autónomas; Lucro Tributável; Encargos dedutíveis
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Marques Pinto e Elísio Brandão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 7 de Março de 2014, a sociedade comercial A SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede no … Porto Salvo, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou e do acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao exercício de 2008, objeto daquele, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício, correspondente a um montante de imposto pago de €106.859,50.

  

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que procedeu à autoliquidação de IRC e derrama relativa ao exercício de 2008 e não deduziu o encargo suportado com as tributações autónomas, tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal, o que agora entende errado e pretende ver corrigido.

 

  1. No dia 11 de Março, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 28 de Abril de 2014, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 14 de Maio de 2014.

 

  1. No dia 12 de Junho de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. A Requerente, devidamente notificada para o efeito, pronunciou-se por escrito quanto às excepções deduzidas pela Requerida na sua resposta, pugnando pela respectiva improcedência.

 

  1. Posteriormente, notificadas para o efeito, ambas as partes vieram aos autos comunicar que prescindiam da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e requerer que lhes fosse fixado prazo para apresentarem alegações escritas, pelo que a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, foi dispensada, atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e que o processo arbitral se rege pelos princípios da economia processual e proibição da prática de actos inúteis.

 

  1. Subsequentemente, a Requerente e a Requerida apresentaram, de forma sucessiva, as respectivas alegações escritas, nas quais mantiveram e desenvolveram as posições anteriormente assumidas e defendidas nos seus articulados.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A A SGPS, S.A, procedeu à autoliquidação de IRC do exercício de 2008, assim como à autoliquidação das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do Código do IRC (CIRC), num total, final de €411.472,84.

2-      Tais tributações autónomas foram totalmente pagas pela Requerente.

3-      A Requerente não deduziu, para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2008, o encargo suportado com as identificadas tributações autónomas.

4-      Pelo que não relevou os encargos com essas tributações como encargos fiscais no apuramento do lucro tributável do IRC.

5-      Em 8 de Agosto de 2013, a requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente respeitante ao exercício de 2009.

6-      A requerente optou por não exercer o direito de audiência prévia e foi notificada, da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por despacho proferido em 2 de Dezembro de 2013 e recebido em 9 de Dezembro de 2013.

7-      O pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 07.03.2014.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Como questão prévia ao conhecimento do mérito do pedido formulado pela Requerente, questiona a AT:

-          a tempestividade do pedido de revisão oficiosa relativamente à autoliquidação do exercício de 2008;

-          a susceptibilidade de apreciação do pedido de revisão pela requerida sob pena de violação da lei e da constituição;

-   a competência deste Tribunal arbitral relativamente ao acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2008.

Vejamos cada uma destas questões[1].

 

*

Argumenta a ATA, em primeiro lugar, que não será aplicável, in casu, o prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, porquanto inexistirá o erro imputável aos serviços, pressuposto por tal norma.

            Dispõe o referido artigo 78.º da LGT:

“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.”.

            Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que decorre (para além do mais) da ratio legis do preceito em causa, a admissibilidade da apresentação de pedido de revisão oficiosa, nos casos de autoliquidação, para além dos dois anos previstos no art.º 131.º do CPPT, aplicando-se em qualquer caso a presunção do n.º 2.

            Este entendimento será o único que assegura integralmente o efeito útil o disposto na norma em causa, e, como tal, o mais conforme ao princípio hermenêutico do legislador razoável.

            De facto, o espírito do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, será, precisamente, o de permitir que a revisão a que alude o número que o precede seja possível, mesmo no caso de autoliquidações. Não fora o número 2, que justamente e como é apontado na citação feita pela ATA na sua resposta (artigo 29.º) cria “uma ficção que está em manifesta dissonância com a realidade”, e não seria, aí sim, possível a revisão regulada no n.º 1, no caso das autoliquidações, por, precisamente, “sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez e não à administração tributária, que não a fez”.

            Ora, terá sido por isso mesmo que, consciente de tal circunstância, o legislador introduziu a prescrição normativa do n.º 2 em causa, porquanto não viu – como não se vê – motivo para que, no caso das autoliquidações, sejam concedidos menos meios de tutela dos direitos e interesses dos contribuintes. Por outro lado, não deixará de ter sido em conta o facto de, em tais casos, os contribuintes atuarem em substituição da Administração Tributária, assumindo um encargo que, originariamente, caberia a esta.

            Por fim, nota-se ainda que a finalidade prosseguida pela norma do n.º 2 do artigo 78.º poderia ter sido igualmente prosseguida por outra forma que não a adoptada, que passa pela tal “ficção que está em manifesta dissonância com a realidade”. Para tal, bastaria que, por exemplo, se dispusesse que, no caso de autoliquidação seria admissível a revisão nos termos do n.º 1, mesmo que o erro não fosse imputável à Administração Tributária.

            Deste modo, e sintonizando-nos com a citação acima referida, entende-se que “Por este n.º 2, conclui-se que a revisão do acto tributário é possível em relação a todos os actos de autoliquidação, uma vez que se ficciona, para efeitos do n.º 1 daquele art.º 78.º, que o erro é sempre imputável aos serviços e, com este fundamento, a revisão é admitida dentro do prazo legal de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago.” (sublinhados nossos).

            Pode-se ou não concordar com tal opção, mas, pensa-se, não se poderá razoavelmente duvidar que foi essa a do legislador.

            Neste sentido poderá ser visto, por exemplo, o Ac. do STA de 14-12-2011, proferido no processo 0366/11[2], em cujo sumário se pode ler que:

 

“Apesar de não ter sido deduzida reclamação contra o acto de autoliquidação no prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, o interessado podia ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à administração e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva – artigo 52.º do CPPT.”

 

            No mesmo sentido, da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa do acto tributário em caso de autoliquidação, para lá do prazo do artigo 131.º do CPPT, pode ver-se o Ac. do STA de 29-05-2013, proferido no processo 0140/13, em cujo sumário se lê, para além do mais, que:

 

“De acordo com o disposto no artº 78º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artº 131º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em auto liquidação.”

 

            E não se diga, como faz a ATA na sua resposta, que o entendimento que vem de se subscrever, resulta numa “contradição sistemática” com os prazos do artigo 131.º d CPPT. Com efeito, tal putativa contradição, não será mais do que a mesma situação que ocorre relativamente ao regime do mesmo artigo e aos prazos gerais de impugnação graciosa e contenciosa dos actos de liquidação em geral.

Assim, deverá improceder a primeira questão prévia ao conhecimento do mérito, suscitada pela ATA, desde que restringido, como muito bem esta aponta e tendo em conta a jurisprudência na matéria, aos “erros sobre os pressupostos de facto e de direito que levam a Requerente a uma ilegal definição da relação jurídica tributária, não considerando vícios formais ou procedimentais.”.

 

*

            Alega, também, a ATA que as questões de constitucionalidade colocadas no pedido de revisão formulado pela Requerente, não deverão ser consideradas susceptíveis de ser conhecidas em tal sede, porquanto “a pretensão aduzida pela Requerente colide frontalmente com os poderes da Requerida, a sua vinculação à lei e à Constituição.”.

            Relativamente a este assunto, diga-se, liminarmente, que a circunstância pertinentemente apontada de à administração estar vedada a desaplicação da lei com fundamento em inconstitucionalidade, não veda, genericamente, que, perante esta sejam colocadas questões daquela índole e que, subsequentemente, independentemente da prévia confrontação daquela com tais questões, as mesmas sejam suscitadas tais questões em sede judicial. Será o caso, por exemplo, das situações ordinárias de reclamação graciosa, e subsequente impugnação judicial.

            Contudo, na apreciação da questão em causa, não poderá deixar de se ter em conta a especificidade do meio gracioso que abriu a via contenciosa à Requerente.

            Com efeito, aquelas apresentam-se a Tribunal, na sequência de um pedido de revisão oficiosa de acto tributário, dirigido à Administração Tributária, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT.

            Este meio, conforme é pacificamente reconhecido, é um meio de autocontrolo da Administração Tributária que permite que, dentro dos prazos ali referidos, aquela corrija um erro seu, de facto ou de direito.

            Por meio de um trabalho hermenêutico paulatinamente desenvolvido, tendo em conta o dever de objectividade e legalidade que obriga a Administração em geral, e a Tributária em especial, e com apoio em alguns segmentos normativos do nosso ordenamento jurídico-tributário, chegou-se ao entendimento, hoje incontestado, de que o exercício do poder-dever da Administração Tributária rever actos ilegais pode ser desencadeado pelo contribuinte, e que a subsequente decisão (ou violação do dever de decidir) da Administração Tributária, são contenciosamente sindicáveis.

            Contudo, entendeu-se igualmente que a abertura da via contenciosa desta forma operada, não é total nem incondicional, mas está limitada aos próprios condicionalismos legalmente impostos ao poder de revisão de actos tributários pela Administração. Assim, e por exemplo, tendo em conta a utilização da expressão “erro imputável aos serviços”, tem-se entendido que a Administração Tributária pode proceder à revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT, nos casos de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mas já não vícios formais ou procedimentais[3].

            Consequentemente, na fase contenciosa subsequente a um pedido de revisão oficiosa, apenas se poderá conhecer dos erros sobre os pressupostos de facto e de direito do acto tributário sob revisão, mas já não vícios formais ou procedimentais. Ou seja, não sendo admissível o conhecimento pela Administração Tributária, na sequência de um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º/1 da LGT, de vícios formais ou procedimentais, não é, igualmente, legítimo ao Tribunal conhecer de tais vícios.

            Assim sendo, como é, deve entender-se que em tal sede, o Tribunal estará a sindicar não a legalidade tout court do acto tributário sob revisão, mas unicamente a legalidade que à Administração Tributária incumbia apreciar.

            Em síntese, e conforme se escreveu no Acórdão proferido no processo 188/2013T do CAAD[4]:

“quando, esgotado o prazo de impugnação de um acto tributário, o sujeito passivo lance mão de um meio de acção gracioso, a decisão que recai sobre esse meio de acção é directamente impugnável. Mas o acto tributário primário não volta a ser directamente impugnável por força do simples facto de ser ter utilizado um meio de acção gracioso.”.

 

            Ou seja, a ilegalidade que se venha a reconhecer no acto primário (objecto mediato da impugnação) terá forçosamente de ser uma ilegalidade reflectível no acto secundário (objecto imediato da impugnação). Em sede contenciosa, o Tribunal estará a verificar se, face ao pedido de revisão oficiosa do contribuinte, a Administração Tributária tinha, ou não o dever de rever o acto.

            Ora, no caso das questões de constitucionalidade esse dever não existirá. Com efeito, estando vedado o acesso directo da Administração à Constituição, estará, obviamente, vedado a esta a revisão de actos tributários com base em inconstitucionalidade. Daí que, ao recusar a revisão de tais actos com esse fundamento, não estará a Administração Tributária a violar qualquer dever que lhe assista, mas, antes, a cumprir o seu dever de obediência à legalidade.

            Não se pode perder de vista, aqui, que o pedido de revisão oficiosa de um acto tributário, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT, não corresponde a um direito do contribuinte, mas antes constitui um mero impulso para que se desencadeie um procedimento que a Administração pode/deve desencadear oficiosamente.

            Deste modo, e se não pode a Administração Tributária rever oficiosamente um acto tributário com fundamento em inconstitucionalidade, obviamente que, pelo menos na ausência de norma legal que inequivocamente o licencie, não poderá igualmente fazê-lo a pedido do contribuinte. De facto, não se compreenderia que os poderes de revisão oficiosa, pela Administração Tributária, dos seus próprios actos, variasse conforme existisse, ou não, pedido do contribuinte nesse sentido.

            Conclui-se assim, que para além dos supra-referidos vícios procedimentais e de forma, também as questões de constitucionalidade se devem considerar excluídas do âmbito da revisão oficiosa dos actos tributários, e, consequentemente, da fase contenciosa que, eventualmente, lhes suceda.

            Não contende o que se vem de dizer com o dever de desaplicar normas inconstitucionais, imposto aos Tribunais pelo artigo 204.º da CRP. Com efeito, trata-se aqui da apreciação de um pressuposto processual, sem cuja verificação não se pode conhecer do mérito. De facto, não sendo, como se entende, o acto tributável revisível oficiosamente com fundamento em inconstitucionalidade, por tal não integrar um “erro imputável aos serviços”, o respectivo pedido de revisão com tal fundamento deveria ser rejeitado, tal como se fosse, por exemplo, apresentado fora de prazo, ou com fundamento em vício de forma.

            Assim, não se estando a conhecer do mérito da questão, não se está a aplicar qualquer norma inconstitucional.        

            Desta forma, e pelos fundamentos indicados, dever-se-ão ter por excluídas do objecto do presente processo, as questões de constitucionalidade suscitadas pela Requerente.

 

*

            Entende, por fim, a AT que sendo objecto da presente lide processual um acto de autoliquidação, e tendo essa lide sido precedida de pedido de revisão oficiosa, e não de reclamação graciosa, não será este Tribunal Arbitral competente para o seu conhecimento.

            Fundamenta a AT o seu entendimento no disposto no artigo 2.º/a) da portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, que exclui dos litígios cognoscíveis pelos tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD, as “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

            Entende a AT, face a este normativo, que o mesmo deve ser entendido na sua literalidade, proscrevendo do âmbito da jurisdição arbitral tributária as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação nos termos das referidas normas do CPPT.

            Toda a argumentação da AT na matéria acaba por se reconduzir a sustentar que foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades de actos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto é isso que diz no texto da norma interpretada.

            Sempre ressalvado o respeito devido, não se descortina, em toda a argumentação expendida pela AT, uma razão substancial que explique a racionalidade do entendimento que sustenta. Efetivamente, não se descortina qualquer razão substancial – e a AT nada apresenta nesse sentido – para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos actos de autoliquidação.

            Por outro lado, mesmo uma leitura literalística da norma em questão, desde que devidamente contextualizada, não conduz inexoravelmente ao resultado defendido pela AT nos autos.

            Com efeito, a expressão empregue por tal norma é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da assumida, e pacificamente reconhecida, intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

            A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia. Ou seja: tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela AT, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita.

            Assim, razão alguma se vê, – e, uma vez mais, nenhum subsídio a AT dá nesse sentido – para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que se a norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”. Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

            E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do Acórdão proferido no processo 42/2012T do CAAD, e jurisprudência arbitral subsequente.

            Deve, deste modo, improceder a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral, invocada pela AT.

 

***

Aqui chegados, torna-se possível, então, abordar a questão de fundo submetida a este Tribunal Arbitral.

O nó górdio da matéria em causa nos autos reside no artigo 45.º/1/a) do CIRC, na redação vigente à data do facto tributário, que dizia que:

“Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;”.

Essencialmente, trata-se de apurar in casu se as quantias suportadas pela Requerente com as tributações autónomas, liquidadas e pagas nos termos do CIRC, são ou não excluídas da determinação do lucro tributável, taxado nos termos do mesmo Código.

Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:

o   Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);

o   Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);

o   Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).

Esta precisão torna-se importante porquanto, ao contrário do laborado pela Requerente, entende-se que atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas será nesta sede, não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.

No caso dos autos, note-se desde logo, a requerente não especifica os tipos de tributação autónoma por si concretamente suportadas, centrando contudo a sua argumentação em jurisprudência e construções doutrinais que se dirigem às tributações autónomas de encargos fiscalmente dedutíveis.

Tendo em conta que a Requerente é tributada em sede de IRC – e não IRS – e que a mesma não faz qualquer referência a despesas confidenciais, ou análogas, nem sustenta, por qualquer forma que a tributação autónoma sobre aquele tipo de despesas deverá ser dedutível ao lucro tributável, restringir-se-á a discussão à tributação autónoma de encargos dedutíveis e procurar-se-á uma resposta, devidamente fundada, para a questão de saber se devem as quantias pagas no quadro das tributações autónomas sobre gastos dedutíveis por um sujeito passivo de IRC ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto.

Devidamente equacionada, nestes termos, a questão a solucionar nos autos, cumprirá ainda ter presente que o referente fundamental da resposta a dar àquela, será o formulado no artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual deverá ser reconstituído, a partir dos textos, o pensamento legislativo, que tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Neste quadro, o desiderato da presente decisão será, não o de teorizar sobre a natureza jurídica das tributações autónomas em geral, ou de qualquer dos seus vários tipos, mas antes o de apurar se o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era ou não, à data do facto tributário em questão nos autos, no sentido de que deviam as quantias pagas no quadro das tributações autónomas sobre gastos dedutíveis por um sujeito passivo de IRC ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto.

Partindo-se do princípio que a dedutibilidade, ou não, dos montantes suportados com as tributações autónomas em causa nos autos é, efetivamente, uma opção de política legislativa, tratar-se-á então de verificar qual era, no quadro legal vigente à data dos factos tributários sub iudice, o sentido de tal opção.

Fica, assim e desde já, assumido que o trilho metodológico aqui seguido, afasta-se de uma base marcadamente conceptualista, assente numa definição dogmática de conceitos monolíticos de IRC e de Tributações Autónomas, retirados, em grande parte, de normação estranha à matéria decidenda, próximo do “ontologismo escolástico” que “considerava possível deduzir de forma puramente lógica, a partir de conceitos abstractos superiores, outros, cada vez mais concretos e plenos de conteúdo[5], evidenciado na recorrente insistência na definição de IRC decorrente dos artigos 1.º e 3.º do CIRC e, sobretudo, num conceito unitário de Tributações Autónomas, agregador de realidades jurídicas de natureza e teleologia díspares.

Aqui, pelo contrário, almeja-se apenas averiguar qual a solução que, face ao direito constituído, devidamente interpretado, se afigura caber ao caso concreto, não se tomando a resposta dada à questão decidenda como uma evidência acabada, exata e com um grau extremo de rigor e exatidão, mas, meramente, como aquela que, reflexivamente, se apresentou aos seus subscritores como a, juridicamente, melhor[6].

 

*

Na apreciação da matéria em causa nos autos deve-se, igualmente, ter desde logo em conta que a norma do artigo 45.º do CIRC se situa num contexto de ampla discricionariedade legislativa. Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora.

Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas (e, em concreto, da que é própria das tributações autónomas decorrentes de gastos dedutíveis em sede de IRC), seja ela qual for, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos do imposto em questão.

Considera-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas que nos ocupam daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos de IRC, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda.

Deste modo, a questão estará em saber se até 31.12.2013, por força do entendimento de que as TA seriam IRC, se há-de concluir que o legislador tinha exercitado já a discricionariedade de incluir os encargos com tributações autónomas entre os indedutíveis para efeitos de IRC.

Sendo assim, torna-se desde já percetível que o valor conceitual do que, de um ponto de vista genérico ou doutrinal, seja IRC, ou do que seja Tributação Autónoma (se é que é possível um conceito unitário desta), será de pouca utilidade, na senda interpretativa a percorrer, já que, por natureza, deles não decorrerá uma dedutibilidade/indedutibilidade dos correspondentes encargos.

Um outro dado a ter em conta é o de que nenhum óbice de princípio existe a que o legislador isole determinados tipos de rendimentos e os grave com taxas específicas, ou diferenciadas, como ocorre, por exemplo, nos casos previstos nas diversas alíneas do n.º 4 do atual artigo 87.º do CIRC.

De igual modo, nenhum óbice de princípio existirá a que o imposto em questão seja devido, liquidado e pago, não em função de um período (mais ou menos longo) de tributação, mas por força da ocorrência de factos instantâneos, como ocorre, por exemplo, nos casos de retenção na fonte com caráter definitivo (cfr. artigo 94.º/3 do CIRC).

Esta circunstância denota que a natureza – instantânea ou continuada – do facto tributário impositivo não será decisiva para qualquer conclusão que se venha a tirar na matéria que ora nos ocupa.

Por fim, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento tributável (positivo) no final do período de tributação, é avis rara no regime do IRC.

Assim, e em alguns dos já apontados casos de retenção na fonte a título definitivo, pode dar-se a situação de que o titular dos rendimentos sujeitos àquela retenção tenha tido despesas que excedam os rendimentos, sendo, não obstante, tributado por força da sobredita retenção.

Também no caso da operacionalidade de algumas das cláusulas anti-abuso específicas (artigos 63.º a 67.º do CIRC), por força da desconsideração de custos, pode ocorrer que os sujeitos passivos sejam tributados por um lucro tributável ficto, na medida em que possa estar em causa a desconsideração de custos efetivamente suportados, mas tidos por abusivos. Poder-se-á dar o caso, assim, de um sujeito passivo ter de pagar IRC, não obstante ter tido, na realidade, prejuízos.

Diga-se que esta referência às situações de retenção na fonte a título definitivo e às normas anti-abuso não tem subjacente uma equiparação entre elas e as Tributações Autónomas sub iudice, nem sequer entre elas próprias.

Antes, tratam-se aquelas situações de meros tópicos reflexivos sobre a questão da imposição de obrigação tributária em situações de ausência de um rendimento (lucro), facilitadores da compreensão do processo analógico de “aproximação da situação da vida à norma” e “por outro lado, da norma à situação da vida[7].

            Por esta via se denotará então que, a circunstância de as Tributações Autónomas que são objeto destes autos poderem impor uma obrigação tributária, mesmo em situações de prejuízo fiscal, apesar de, prima facie, impressionante, não deverá ser, ela também, decisiva na argumentação subjacente à decisão final que na matéria se haja de tomar.

 

*

Voltando à situação concretamente em causa nos autos, verifica-se que a Requerente sustenta o seu pedido, essencialmente, no entendimento segundo o qual as tributações autónomas relativas a despesas com encargos dedutíveis em sede de IRC incidem sobre despesa, e não sobre rendimento.

Reconhecendo-se a matéria em causa como inequivocamente complexa, resultado de uma sucessão de alterações legislativas num contexto de degradação económica, entende-se que não só as coisas não serão, necessariamente, como pugna a Requerente, como, até, aquele não será o enquadramento mais adequado dos dados legais.

Na apreciação da questão em causa, dever-se-á, desde logo, ter presente a jurisprudência formada ao longo dos últimos anos, relativamente à constitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que fez retroagir a 1 de Janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal, e que culminou com a respectiva declaração de inconstitucionalidade.

Esta jurisprudência, como é sabido, não se debruçou diretamente sobre a natureza jurídico-tributária das tributações autónomas em questão, mas incidiu especificamente sobre a questão da determinação da natureza do respectivo facto impositivo-tributário, ou seja, visou apurar qual o concreto facto do qual resultava o nascimento da obrigação jurídico-tributária de suportar o imposto, tendo concluído que tal facto era a realização de determinadas despesas relativas a encargos identificados na lei – facto de natureza instantânea – e que, como tal, a aplicação impositiva a factos anteriores à entrada em vigor da lei seria contrária à Constituição. Esta jurisprudência não abrange, assim, a questão da "natureza" das tributações autónomas em IRC, mas unicamente da determinação da natureza do facto tributário (instantâneo ou continuado), que lhes subjaz.

Não quer, todavia, o que vem de se dizer significar que da jurisprudência em questão não se possam retirar subsídios sobre o entendimento que esteve de alguma forma subjacente à corrente jurisprudencial em causa, na matéria que ora nos ocupa. Não se deve é deixar de ter em vista que, como se disse, não foi essa a questão que constituiu, diretamente, alvo de ponderação dos tribunais, e que qualquer pretensão que se tenha no referido campo deverá obter sustentação no próprio texto argumentativo das decisões, tendo em conta o respectivo contexto, e não no imediato segmento decisório-conclusivo.

Ora, vistas as coisas desta forma, concluir-se-á, senão no sentido contrário ao veiculado pela Requerente, pelo menos no sentido de que não se deverá considerar como, necessariamente, subjacente à jurisprudência em questão, o entendimento sustentado por aquela.

Com efeito, e desde logo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19-12-2012[8], parece aderir à posição do Prof. Saldanha Sanches na matéria, ali citada, segundo a qual:

"Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.";

 

Ainda no mesmo Acórdão pode ler-se também que "Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa" (sublinhado nosso), demonstrando assim ter subjacente a ideia, de que não obstante o facto gerador do imposto ser a realização da despesa, a tributação ainda ocorre no âmbito do IRC!

Continuando, refere o Acórdão em questão que:

“Por esta razão, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.”

Também no segundo voto de vencido do mesmo Acórdão se escreveu que:

"Não estamos aqui, em rigor, perante um imposto de obrigação única mas perante factos tributários que incidindo sobre as despesas dedutíveis estão indissociavelmente ligados ao apuramento e liquidação do IRC" (sublinhado nosso).

 

De resto, já no Ac. 18-2011 do Tribunal Constitucional, se podia ler, no voto de vencido percursor da inversão jurisprudencial subsequentemente operada, que:

"Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula" (sublinhado nosso).

 

Ou seja, e independentemente do que se considere ser o entendimento subjacente relativamente à natureza das tributações autónomas de despesas dedutíveis em IRC, conclui-se que na jurisprudência constitucional sobre a matéria nunca esteve em causa que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o era a título de IRC, de onde se conclui que dessa jurisprudência não decorre, desde logo, que os encargos suportados por aquelas devam ser considerados custos dedutíveis para efeitos do referido imposto.

 

É certo que, ainda no citado Acórdão 617/2012 do Tribunal Constitucional, se refere que:

“Na verdade, embora a tributação de determinados encargos esteja formal​mente inserida no Código do IRC e o respetivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, tal tributação é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC.”

 

Contudo, e salvo melhor opinião, não estará aqui o Tribunal Constitucional a tomar posição quanto à natureza jurídica das tributações autónomas ora em causa, entendendo-as como um imposto distinto do IRC.

É que, desde logo, o Tribunal Constitucional, pensa-se que deliberadamente, não utiliza a expressão “imposto”, ao exprimir a distinção que opera, falando antes em “imposição fiscal” e “tributação”.

Por outro lado, contextualmente entendida, tendo em conta não só as passagens já atrás evidenciadas, em especial a citação de Sérgio Vasques, como o quadro e a finalidade com que é feita a distinção em causa, dever-se-á concluir que a afirmação ora comentada se reporta à forma de imposição da obrigação fiscal de pagar as quantias tributadas em sede de tributação autónoma, como sendo materialmente distinta da forma de imposição ordinária da obrigação fiscal de pagar IRC.

 

*

            Será, também, pertinente, na matéria que nos ocupa, fazer uma referência, em jurisprudência do STA relativa a outras questões que não aquela que imediatamente atrás se abordou, mas com ela relacionada, designadamente:

-          a questão relativa ao âmbito de aplicação do artigo 12.º do CIRC, antes da alteração operada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro[9];

-          a questão relativa à aplicabilidade das normas relativas às tributações autónomas incidentes sobre despesas confidenciais, a uma entidade sujeita a imposto sobre o jogo[10].

Antes de mais, e no que a esta matéria diz respeito, diga-se que se entende inexistir qualquer oposição entre a presente decisão, e a referida jurisprudência.

É que, desde logo, as questões jurídicas decididas são – patentemente – distintas, podendo, quando muito, verificar-se alguma incompatibilidade entre os respectivos fundamentos teóricos.

Com efeito, as questões que se colocam nos arestos em causa, não é a de saber se determinada norma aplicável ao IRC, seria aplicável também a tributações autónomas sobre despesas. Esta é, antes, a questão que, conceptualmente, a Requerente abstrai dos arestos que analisa. Efetivamente, as questões que são decididas nos acórdãos do STA em causa são aquelas que acima se indicou, enquanto que, na presente decisão, como se disse já, procura-se saber se em 2008 o legislador tinha exercitado já a discricionariedade de incluir os encargos com tributações autónomas entre os indedutíveis para efeitos de IRC.

Deste modo, e voltando, agora com propriedade, à jurisprudência do STA[11], apenas se verificará contrariedade entre decisões quando ocorra “oposição entre soluções expressas e que tal oposição deverá existir relativamente às decisões propriamente ditas e não em relação aos seus fundamentos [não bastando, sequer, a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta”.

            Não se nega, evidentemente, que algumas considerações tecidas aqui e ali, no quadro do já aludido processo de “aproximação da situação da vida à norma” e “por outro lado, da norma à situação da vida”, sejam incompatíveis. Mas o decidido numas e outras decisões não o é, justamente porque a “situação da vida” apreciada, não o é.

            De resto, qualquer juízo de contraditoriedade decisória será, em todo o caso, ultrapassável, se nos desligarmos de um conceptualismo apriorista e aguerrido e abraçarmos uma compreensão sistemática do direito aplicável na sua globalidade, compreendendo, assim, que a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram, como abaixo se voltará a referir, a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), e uma periferia que integra regulamentações “marginais”, subtraídas, em grande parte, à lógica, natureza e princípios do IRC tout court, mas que, não obstante, ainda se situam no “campo gravitacional” daquele.

            E é no processo de concretização desta zona de difícil definição que as referidas decisões analisadas operam, não podendo as mesmas ser devidamente compreendidas sem que se compreenda também que, de facto, o que todas as decisões em questão estão a fazer é apurar quais as consequências que a “gravitação” em torno do core do IRC aportam para as matérias em cada uma delas abordadas.

            Vistas as coisas deste modo, não se poderá deixar, inclusive, de encontrar uma certa linha de coerência entre as decisões em causa, que decorre, para além do mais, da circunstância de que as entidades abrangidas quer pelo artigo 7.º, quer pelo artigo 12.º, do CIRC, são sujeitos passivos de IRC, pelo que se lhes aplicará o regime legal do IRC – IRC em sentido amplo – sem prejuízo de uma parte substancial, correspondente ao IRC em sentido estrito, se ver afastada por força da especialidade dos regimes a que estão sujeitas (transparência fiscal/imposto especial do jogo).

            Assim, e desde logo, verifique-se que, em relação à decisão do processo 0830/11 do STA, se concluiu, justamente, no sentido em que veio o legislador a dispor. Ou seja, o STA considerou que a não sujeição a IRC das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal não abrangia as tributações autónomas, justamente o que foi consagrado legalmente, dentro da lógica de as tributações autónomas ainda integrarem o regime do IRC.

            Ora, tal só será logicamente compreensível dentro do quadro hermenêutico acima desenhado, ou seja, de que, por força da evolução histórica do respectivo regime legal, se constituiu um tipo de IRC que integra um núcleo duro – no qual o julgador do STA considerou, e bem, não se integrarem as tributações autónomas – e um grupo de normações adjacente, que comunga de parte da lógica e do regime daquele, mas que em muitos aspetos diverge dos mesmos.

            Do mesmo modo, e já no que diz respeito à matéria do processo 077/12, e com a particularidade, que não se pode deixar de sublinhar, de estarem ali em causa tributações autónomas sobre despesas confidenciais, poder-se-á compreender o ali decidido à luz do entendimento supra-referido, ou seja, de que o que o Tribunal efetivamente fez foi definir que a não aplicabilidade do regime do IRC às atividades sujeitas a imposto especial sobre o jogo limita-se ao IRC tout court, excluindo-se as tributações autónomas sobre despesas confidenciais, tendo, porventura, subjacente o entendimento de que o imposto sobre o jogo integrará, de alguma forma, um regime de tributação especial do rendimento (à semelhança, por exemplo, da antiga contribuição predial), que não prejudica a aplicação do regime geral do IRC no que com aquela tributação especial não for incompatível.

 

***

Aceitando-se, então, como materialmente distinta, no sentido estatuído pelo Tribunal Constitucional, quanto à forma de imposição fiscal, a tributação em sede das tributações autónomas que ora nos ocupam, da que ocorre em sede de IRC tout court (sendo uma através de um facto instantâneo e outra através de um facto continuado), entende-se contudo que tais tributações autónomas, incidentes sobre encargos dedutíveis, ocorrem ainda no âmbito e a título de IRC, do mesmo modo que, por exemplo, as tributações autónomas em sede de IRS (e as próprias taxas liberatórias que, salvo melhor opinião, integrarão elas próprias também uma espécie de tributação autónoma[12]), apesar de poderem ter por base factos instantâneos, são liquidadas e pagas a título de IRS, integrando o regime deste imposto.

Entende-se, assim e em suma, que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a causa[13] da obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC.

Neste sentido, dever-se-á atentar, para além de tudo o mais, que o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referente de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.

De facto, as tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente, ao IRC, e não ao IVA, ao IS, ou a um qualquer novo imposto. É que, embora se possa aceitar que o facto tributário impositivo será cada um dos singulares encargos legalmente tipificados, o certo é que não são estes, qua tale, o objeto final da tributação, a realidade que se pretende gravar com o imposto. Se assim fosse, seriam obviamente taxados todos os gastos realizados por todos os sujeitos, e não apenas por alguns deles[14].

Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo, e, mais especificamente, à atividade económica por eles levada a cabo.

Este aspecto torna-se ainda mais evidente, se se atentar num outro dado fundamental presente desde o início: a circunstância de as tributações autónomas que ora nos ocupam apenas incidirem, à data deste diferendo, sobre gastos dedutíveis!

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC[15].

De facto, não só:

-          apenas os encargos realizados por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitos à imposição de tributação autónoma em tal quadro;

-           como tais encargos apenas o estarão se aqueles sujeitos os elegerem como gastos dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto.

O quadro deste modo traçado é, considera-se, substancialmente distinto do que seria um imposto que incidisse sobre determinadas despesas, objetivamente consideradas, afigurando-se que a qualidade e a opção do sujeito passivo têm aqui uma relevância, senão maior, pelo menos idêntica ao encargo que despoleta a imposição tributária.

 De resto, sempre se poderá dizer que se o sujeito passivo de IRC optar por não deduzir ao lucro tributável para efeitos daquele imposto os encargos correspondentes às despesas sujeitas a tributação autónoma, não terá de suportar esta, o que será demonstrativo do que acima se apontou, ou seja, de que a causa das tributações autónomas radicará, ainda e em última análise, no regime do IRC.

 

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Neste quadro, e voltando-se à questão decidenda formulada ab initio, como sendo a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º/1/a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

Considera-se, assim, que o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era, à data do facto tributário em questão nos autos, no sentido de que as quantias pagas no quadro das tributações autónomas sobre gastos dedutíveis por um sujeito passivo de IRC não deviam ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável sujeito àquele imposto.

A correspondência de tal intenção no texto legislativo é bem patente no teor daquele artigo 12º do CIRC, vigente já à data do facto tributário, que refere que:

“As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.” (sublinhado nosso).

Ou seja, na perspectiva do sistema legal, refletido no respectivo texto, as tributações autónomas integram o regime do, e são devidas a título de, IRC, razão pela qual na norma que se vem de transcrever o legislador ressalvou expressamente a sua aplicação. Daí que, paralelamente, se fosse intenção do legislador excluir as tributações autónomas do âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, o teria dito expressamente, já que não faria sentido (não seria razoável) que numa norma do Código (o artigo 12.º) o legislador entendesse que a tributação em IRC abrange as tributações autónomas e noutra (o artigo 45.º) entendesse o contrário.

Esclareça-se que não se procede aqui, por qualquer forma, à assimilação das tributações autónomas a IRC, dizendo-se, antes, que a redação da norma em questão, vigente à data dos factos tributários sub iudice, tem subjacente (ou faz parte do processo evolutivo da construção do IRC nos termos acima já abordados - em sentido estrito e em sentido amplo - tal como acontecerá na norma que aqui nos ocupa, o artigo 45.º/1/a) do CIRC então vigente), e, já agora, no artigo 7.º do CIRC, devidamente interpretado e entendido.

Por outro lado, e reforçando o que se vem de expor, o artigo 3.º da recente Lei 2/2014 de 16 de janeiro, veio aditar o artigo 23.º-A do CIRC, que sucede ao anterior artigo 45.º e ao qual, pelo que vem de se dizer, deve ser conferido, na matéria que nos ocupa, carácter interpretativo, veio dispor que:

“1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;” (sublinhado nosso).

Ou seja, e em suma, da consideração do texto legislativo no seu todo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário, devendo ter o mesmo tratamento em sede de dedutibilidade para efeitos de cômputo do lucro tributável.

Não obstará, ao que vem de se dizer, o disposto no artigo 1.º do CIRC, que refere que o imposto em causa “incide sobre os rendimentos obtidos (...) no período de tributação[16].

Com efeito, e desde logo, a norma em causa deverá ser entendida como uma norma programática ou ordenatória, proclamando um sentido ou intencionalidade geral (normal) do tributo em causa, mas não tendo subjacente qualquer intenção estritamente tipificadora ou delimitadora da operacionabilidade do mesmo.

Por outro lado, tal norma preexiste à emergência do atual regime das tributações autónomas em IRC, não se devendo, portanto, retirar qualquer conclusão decisiva da manutenção do seu teor face àquele fenómeno, a não ser, eventualmente, a falta de ponderação pelo legislador da globalidade do sistema, quando procede a alterações pontuais daquele.

De facto, o legislador fiscal tem, num passado recente, mudado o tratamento fiscal relacionado com as tributações autónomas, sem nunca ter alterado a perspectiva de as incluir na tributação sobre o rendimento. Saliente-se, a este título, a introdução numa primeira fase da não dedutibilidade das ajudas de custo e dos encargos com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal nos casos desenvolvidos nessa disposição para, rapidamente, transformar a não dedutibilidade em dedutibilidade generalizada desses encargos substituindo-a por (mais uma) tributação autónoma. Outro ziguezague no tratamento fiscal nesta sede relaciona-se com a substituição da não sujeição parcial (apenas sobre a parcela das depreciações) a tributação autónoma quando existe acordo escrito com o trabalhador ou órgão estatutário sobre a utilização das viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto na alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS, para, na sequência da recente Reforma do IRC, essa substituição passar a ser total, ou seja, se existir esse acordo escrito, não haverá tributação autónoma sobre quaisquer encargos relacionados com essas viaturas. E antes desta alteração, tinha havido outra (curiosamente apenas refletida no Código do IRC, e não no IRS, relativamente à tributação autónoma das viaturas automóveis relacionadas com alguns encargos da categoria B) no sentido de alargar a tributação autónoma em sede de IRC a todos os encargos efectuados ou suportados, e não apenas aos dedutíveis, como constava à data da ocorrência de que estamos a tratar.

Em todo o caso, afigura-se que não será sequer caso de, em concreto, ratificar aquela conclusão, na medida em que, como se disse, na perspectiva do legislador, as tributações autónomas em questão nos autos integrarão, efectiva e inequivocamente o regime do IRC, sendo devidas a título deste imposto.

Não significa o que vem de se dizer, que se entenda que a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC esteja ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral, sendo esta postura epistemológica própria de um conceptualismo que, liminarmente, se repudiou.

Pelo contrário: trata-se do reconhecimento daquilo que, face ao quadro legal vigente, se impõe como o mais razoável: o abandono definitivo de qualquer definição de aplicação transversal/geral de IRC, e o reconhecimento do regime deste como uma realidade complexa e multifacetada, irredutível a uma definição daquela índole, que apenas um conceptualismo fundamentalisticamente abstracionista poderá pressupor.

 

*

Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava o Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do Tribunal Constitucional.

O reconhecimento desta dualidade de natureza não prejudica, contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, seja o mesmo[17]. Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão, globalmente considerado, for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pelo lucro, ora pelos gastos, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita para o Estado.

A este respeito, entende-se que, no contexto atual, não obstante a inegável constatação de que as tributações autónomas têm vindo a pesar de forma significativa nas receitas fiscais do IRC, não se poderá concluir que aquelas sejam essencialmente um imposto de arrecadação de receita (finalidade “essencialmente reditícia”), desproporcionais e desligadas da capacidade contributiva. Efetivamente, num quadro em que as taxas de IRS atingem valores significativamente para lá dos 50%, para níveis de rendimento ainda de classe média, as tributações autónomas não integrarão, seguramente, o “olho do furacão” de tal problemática.

Não obstante, o referido modus operandi pela via do gasto, típico das tributações autónomas em análise, será, ainda assim, susceptível de ser materialmente conexionado com o rendimento que, em última instância, legitima o IRC.

Efetivamente, e como atrás se evidenciou, as referidas tributações intervêm, mormente (à data dos factos em questão nos autos, integralmente) nas tributações autónomas ora em causa, porquanto o sujeito passivo opta por deduzir os gastos sobre que incidem aos seus ganhos, para efeitos de IRC. Esta circunstância explicar-se-á materialmente pela existência de lucros atuais que o sujeito passivo pretende ver diminuídos, ou por uma expectativa de lucros futuros, que serão igualmente diminuídos por força da contabilização do encargo correspondente à despesa sujeita a tributação autónoma.

Dito de outra forma: um contribuinte que não tenha, nem conte vir a ter, lucro tributável em IRC, não será afetado pelas tributações autónomas em causa nos autos[18] já que poderá, simplesmente, não deduzir aos seus ganhos as despesas que despoletam aquelas. Em tal situação, o contribuinte em causa terá um prejuízo fiscal menor – o que lhe será irrelevante, já que a dimensão deste apenas terá significado se, e quando, se coloca a questão do seu abatimento a um lucro tributável – mas não será sujeito à tributação autónoma.

Desta forma, num ou noutro caso, estar-se-á sempre em última análise a ter em vista um rendimento, presente ou futuro, que o legislador tolera tributar menos (por força da consideração do gasto deduzido), em troca de uma tributação imediata, aquando da realização do gasto, visando então, nesta perspectiva, as tributações autónomas a que nos referimos, ainda que mediatamente, o rendimento do sujeito passivo.

Tais tributações serão, sob este ponto de vista, uma forma (enrevesada, é certo) de, indiretamente e através da despesa, tributar, ainda, o rendimento (efetivo ou potencial/futuro) das pessoas colectivas.

E por ser isto assim é que é conferida ao sujeito passivo a opção de contabilizar como encargo dedutível o montante do encargo sujeito a tributação autónoma, suportando-a, ou não o deduzir, sendo tributado pelo rendimento daí decorrente, nos termos “normais”.

Este aspeto, que condiciona o evento do tipo de tributação autónoma em causa nos autos a uma opção do sujeito passivo de IRC, evidencia ainda que não está ali visado, pelo menos diretamente ou em primeira linha, o rendimento da pessoa singular putativamente beneficiária das despesas ou gastos, já que, se assim fosse, deveria a tributação autónoma em questão operar, independentemente da sua elegibilidade como encargo dedutível, pelo sujeito passivo de IRC, como, de resto, acontece com outros tipos de tributação autónoma.

 

*

As tributações autónomas em questão integrarão também, sob um outro ponto de vista, o elenco de normas anti-abuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC, que dispõe que:

“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.

Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas em discussão, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respectiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos da norma supra, ou noutros que entendesse adequados. Em vez disso, optou-se por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afetado por tal dedução.

Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.

O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será, objetivamente, inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos próprios beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim, que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida diretamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento das pessoas colectivas.

Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objectivamente, à data dos autos (o artigo 12º do CIRC será suficientemente esclarecedor sobre o espírito do legislador, como já se apontou anteriormente), uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a actual redação, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).

Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a)      a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b)      pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;

c)      trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efectiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

d)     considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exata da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.

Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais atuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.

Este caráter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita.

Sob este prisma[19], as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efetivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)[20].

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC[21]), optou por consagrar o regime atualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Esta presunção de “empresarialidade parcial”, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão genericamente consagrada no art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora[22].

Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:

a) não deduzir a despesa;

b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária, de discutir a questão da empresarialidade da despesa;

c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.

E não se diga que ao contribuinte não será possível não deduzir ao seu lucro tributável uma despesa que, sendo-o, estaria sujeita a tributação autónoma.

Assim, e desde logo, dever-se-á ter presente que a contabilidade não é um sistema normativo fechado e de aplicação mecânica/automática, antes pelo contrário, contendo  sempre uma margem discricionária do respectivo sujeito, assente em inelimináveis juízos valorativos de diversa índole (técnica, jurídica, económica, de gestão), explicando-se, para além do mais, desse modo a vocação normalizadora da sua regulamentação. De facto, as normas contabilísticas poderão estabelecer “(…) uma verdadeira discricionariedade no sentido kelseniano, i.e., uma indeterminação intencional, como acontece por exemplo, quando a norma contabilística estabelece vários métodos alternativos para a valoração das existências (…)”[23].

Deste modo, não se afigura correcto o entendimento de que estará vedada (de que será proibida, ou ilícita) a não dedução ao lucro tributável de uma despesa que, sendo-o, estaria sujeita a tributação autónoma. Não se encontra, desde logo, qualquer normativo de onde tal decorra.

Por outro lado, tem sido recorrentemente reconhecido a nível jurisprudencial, um espaço de “autonomia” e “liberdade de gestão do contribuinte[24], no qual será inadmissível a intromissão da AT, e onde se incluirá o “juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos”, que “é exclusivo do empresário”. E, se é certo que esta consideração se tem reportado à classificação dos gastos como necessários, por identidade, senão maioria, de razão, se haverá que entender como abrangendo, justamente, o juízo de desnecessidade daqueles.

Ou seja, se o empresário, no exercício do “juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos”, os reputar como não necessários à manutenção da fonte produtora, tal não poderá, salvo melhor opinião, ser disputado pela AT, quanto mais não seja por falta do pressuposto geral (do processo mas aplicável ao procedimento) de falta de interesse em agir[25].

Não se está aqui a sustentar, evidentemente, que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete ao sujeito passivo. Recorde-se – uma vez mais – que aqui se aprecia unicamente a tributação autónoma de despesas dedutíveis.

Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam “omitir despesas”. Efetivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é, precisamente, o oposto da sua omissão. Aliás, nem podia ser doutra maneira, atendendo a que as normas fiscais devem aplicar-se dentro do princípio de conexão formal.[26]

O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima sugeridos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respectiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada.

 

*

Em jeito de conclusão, face a tudo o que se vem de expor, e em favor de um rigor conceptual, dir-se-á ainda que se pende para o entendimento de que as tributações autónomas, tal como existem actualmente, se poderão configurar como um imposto “híbrido”[27], incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação. Tendo-se em conta que também não incidem sobre o património, e uma vez que a Constituição da República Portuguesa não prevê outros tipos de tributação, ao legislador só restavam duas soluções: a tributação em IRS, na categoria A, na pessoa dos beneficiários diretos (o que já faz nalguns casos) ou em IRC (e, por arrastamento, na categoria B do IRS). Neste último caso, podia o legislador atuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente. Perante a constatação histórica de um elevado número de sujeitos passivos de IRC com prejuízos fiscais, a opção pela generalização das tributações autónomas acabou por se impor.

Também aqui, uma vez mais, não se consumará qualquer contradição. A circunstância de o legislador poder optar pela indedutibilidade ou dedutibilidade parcial das despesas que, em vez disso, decidiu submeter a tributações autónomas, não só não contraria, como reforça[28], o que vem de se dizer, o que será claro se se tiver presente a não se valida, por qualquer forma, a ocultação das despesas sujeitas à tributação autónoma em causa. Assim, a possibilidade, reconhecida ao legislador de limitar ou excluir a dedutibilidade dos gastos em causa, não colidirá, de qualquer modo, com a autonomia do empresário ao classificar como indispensáveis – ou não – as despesas em que incorra[29]. Simplesmente, no último caso, a faculdade em questão será inócua – já que, indispensável ou não, o gasto não será dedutível – e no primeiro, apenas terá parte do seu efeito normal – se classificar o gasto como indispensável deduzi-lo-á parcialmente (caso tal classificação não seja validamente disputada pela AT, evidentemente), enquanto se o não classificar como tal, não o deduzirá, de todo.

Considerando-se, então, que as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime, e são devidas a título, deste imposto, e, como tal estão abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, não constituirão as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, entende-se:

a) que não se verificou errada interpretação dos artigos 17.º, 23.º n.º 1 e 45.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC;

b) que não se verifica qualquer dupla tributação e violação do princípio da coerência do sistema;

c) que não se tratam, as tributações autónomas em causa, de um imposto indirecto, sobre o consumo, pelo que não se coloca qualquer questão de violação do Direito Comunitário, em concreto do sistema comum do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA); e

d) não se verifica qualquer violação do princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real,

devendo, em consequência, improceder a presente ação arbitral.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter o acto tributário impugnado;

b)      Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de €3.060.00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €108.859,50, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa

 

8 de Outubro de 2014

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(João Ramos Pinto)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Elísio Brandão)

 

 



[1] No que diz respeito à primeira e segunda questões seguir-se de muito perto o decidido, quanto a idênticas questões, no Ac. proferido no processo 209/2013T do CAAD, enquanto que no que diz respeito à terceira questão, seguir-se-á o decidido, também relativamente a questão idêntica, no processo 94/2014T do CAAD. Ambos os referidos e seguido Acórdãos relatados pelo aqui relator.

[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência indicada sem menção especial.

[3] Neste sentido, cfr. p. ex. o Ac. do STA de 27-06-2007, proferido no processo 080/07.

[4] Disponível em www.caad.org.pt.

[5] Arthur Kaufman, “Filosofia do Direito”, 3.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 44.

[6] “É precisamente nas argumentações pedantemente exactas, pensadas com um grau extremo de rigor e exactidão, que temos frequentemente a impressão de que algo, de alguma forma, não faz sentido.”; idem, p. 89.

[7] Arthur Kaufman, op.cit., p. 186.

[8] Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120617.html.

[9] Cfr. Ac. do STA de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11, disponível em www.dgsi.pt.

[10] Cfr. Ac. do STA 12 de Abril de 2012, proferido no processo 077/12, disponível em www.dgsi.pt.

[11] Ver, por todos, o recente Ac. de 26/02/2014, proferido no processo 01936/13, disponível em www.dgsi.pt.

[12] A este respeito, sublinha-se como especialmente relevante no que diz respeito ao regime daquelas, a autonomização dos rendimentos a elas sujeitos, e correspondentes taxas, e a instantaneidade do respectivo facto tributário. Por outro lado, afigura-se inegavelmente próximo o regime da tributação autónoma de gratificações em sede de IRS (artigo 72.º/2 do CIRS 2010), que pressupõe um rendimento e incide sobre o respectivo titular, com o das taxas liberatórias. O que, se para nada mais servir, põe em relevo a vã glória de fabricar um conceito unitário de tributações autónomas, e por ele, a outrance, porfiar.

[13] A este propósito, cfr. Soares Martinez, “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, Almedina, 1993, pp. 191 e ss.

[14] Este aspecto é particularmente evidente em sede de IRS, onde as tributações autónomas previstas no artigo 73.º do respectivo Código, apenas se aplicam aos “sujeitos passivos que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, no âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais”. E mesmo de entre estes, “Excluem-se (...) os sujeitos passivos a quem seja aplicado o regime simplificado de determinação do lucro tributável previsto nos artigos 28.º e 31.º.” (n.º 8 do artigo 73.º).

[15] Dificilmente se compreenderia que no CIVA, ou no CIS, ou mesmo num diploma regulador de um imposto autónomo, se consagrasse que determinadas despesas apenas estariam sujeitas a imposto, se dedutíveis em sede de IRC...

[16] As considerações infra serão igualmente válidas, sem necessidade, de qualquer adaptação, para o artigo 3.º do CIRC, que se tratará de mera concretização do artigo 1.º

[17] Daí a referência a um IRC em sentido estrito/amplo, reflexo da tal dualidade.

[18]  Hoje em dia, e após as mais recentes alterações no regime legal em causa, não será afetado ou será pouco afetado, pois os encargos não dedutíveis não serão, por norma, de monta.

[19] Que, uma vez mais, acresce a todos os restantes que antecedem, não sendo, como tal, o fundamento do decidido, no sentido pretendido pela Requerente.

[20] E não se diga que a parte referida como “particular”, será, na perspectiva do sujeito passivo de IRC, ainda empresarial, como aconteceria, por exemplo, com a utilização de viatura para fins particulares do trabalhador, que seria, ainda, remuneração deste, e, como tal, empresarialmente necessária. Ressalvado o devido respeito, entende-se que tal juízo encerra uma falácia. Efetivamente, se se tratar de remuneração não devida (não contratualmente acordada) ao usuário da viatura, a despesa é objetivamente desnecessária do ponto de vista empresarial. Já se houver uma vinculação contratutal do sujeito passivo de IRC a remunerar da forma descrita o sobredito usuário, estaremos perante um acordo subsumível à previsão do artigo 2.º/3/b)/9 do CIRS, ficando afastada a tributação autónoma, nos termos do n.º 6 do artigo 88.º do CIRC.

Também quanto às ajudas de custo, o seu excesso não será apenas remuneração. Se o fosse, de resto, o sujeito passivo de IRC atribuiria o correspondente excesso como tal (ou seja, como remuneração), e procederia à respectiva contabilização dessa forma, afastando a tributação autónoma. O busilis, está, precisamente, na situação de o sujeito passivo de IRC, contabilizar como ajuda de custo, o que não o é. E, enquanto ajuda de custo (que é o que é sujeito a tributação autónoma), na parte que for objectivamente excessivo em face dos custos acrescidos em que incorre o trabalhador por estar fora ao serviço da empresa, a despesa é objetivamente desnecessária, já que não se verifica a sua razão de ser (compensar o trabalhador por custos acrescidos ao serviço da empresa).

[21] Tenha-se presente que, na perspectiva da técnica legislativa utilizada, a discricionaridade do processo legislativo licencia que o legislador aplique o mesmo mecanismo que entendeu adequado para as despesas a favor de sociedades off-shore, a outras despesas, designadamente as aqui em questão. Ou seja, e para que fique claro: não se descortinam motivos, de um ponto de vista jurídico, que obstem a que a técnica legislativa utilizada no tratamento de ambas as despesas seja a mesma.

[22] Em tal caso, de resto, dever-se-á entender que o montante liquidado a título de tributação autónoma deverá ser anulado, e qualquer montante pago restituído/compensado, assim se afirmando, também por esta via, a patente imbricação das tributações autónomas com o regime do IRC, que integram.

[23] Cfr. Nina Aguiar,“ A lei fiscal e os Juízos Contabilísticos Discricionários” in O SNC e os Juízos de Valor uma perspectiva crítica e multidisciplinar, Almedina, junho 2013, p.302

[24] Cfr., por exemplo, Ac. do STA de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11.

[25] Note-se que estamos aqui a falar de despesas documentadas. As não documentadas, pela sua própria natureza, cuja análise escapa ao âmbito da presente decisão, serão justificadoras de tratamento distinto.

[26] Ao abrigo deste princípio, as normas fiscais não se substituem às normas contabilísticas nem desconectam o cálculo do lucro tributável do lucro contabilístico, embora conduzam a um resultado diferente. Assim, mesmo que um encargo seja não dedutível fiscalmente, se esse encargo tiver relevância contabilística, terá que ser contabilizado em conformidade com o sistema normativo contabilístico vigente na jurisdição em análise. Ora, no direito fiscal português em termos de IRC, no artigo 17.º, n.º 3, estabelece-se uma remissão para a regulação “contabilística em vigor” e, no n.º 1 da mesma norma, uma regra de conexão formal entre as normas contabilísticas e fiscais. Aliás, a fórmula portuguesa do princípio da conexão formal, anda muito próxima da que existe no direito espanhol e italiano.

[27] Integrando, o tal sistema de natureza dual, já acima aludido.

[28] Demonstrando que são meios alternativos de prosseguir os mesmos fins.

[29] Faculdade de onde decorre, como se viu, que, se, no exercício de tal autonomia, o empresário classificar como não indispensáveis determinadas despesas que, se o fossem, estariam sujeitas à tributação autónoma em causa neste processo arbitral, aquela tributação não terá lugar.