Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 750/2022-T
Data da decisão: 2023-05-24  IRC  
Valor do pedido: € 18.833,62
Tema: IRC – Benefício fiscal RFAI, Deduções à coleta de IRC; Compatibilidade com o Direito da União Europeia.
Versão em PDF

SUMÁRIO: I – Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o Código Fiscal de Investimento, e a regulação que dele consta do RFAI, e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria apenas pode ser tida como um diploma de execução de disposições de direito europeu;

 

II – E, nesse sentido, não há motivo para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, dada a sua natureza regulamentar, sobre o artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento e sobre a disposição do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, para o efeito de afastar a atribuição do benefício fiscal RFAI.

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitro Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído a 20 de fevereiro de 2023, acorda no seguinte: 

I.         Relatório

 

A..., LDA., sociedade comercial por quotas matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC..., com sede social na Rua ..., ..., ...-... ..., (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto na alínea a) do número 1 e n.º 2 do artigo 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, do artigo 95.º da Lei Geral Tributária, do artigo 99.º alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 137.º n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente visa a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação adicional de imposto (IRC) relativos a 2019 e a 2020, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios num montante total de € 18.833,62, os quais seguidamente se identificam:

- Liquidação de IRC de 2019 n.º 2022..., de 20/07/2022;

- Demonstração de acerto de contas de 2019, n.º 2022..., de 22/07/2022;

- Liquidação de IRC de 2020 n.º 2022..., de 23/07/2022;

- Demonstração de acerto de contas de 2020, n.º 2022..., de 26/07/2022;

- Demonstração da liquidação de juros de 2019, n.º 2022..., de 22/07/2022,

- Demonstração da liquidação de juros de 2020, n.º 22..., de 26/07/2022.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 12 de dezembro de 2022 e, de seguida, notificado à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitro do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de fevereiro de 2023.

 

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta em 28 de março de 2023 na qual se defende por impugnação, pugnando pela improcedência da ação, por não provada, e pela absolvição do pedido, com as legais consequências. Procedeu à junção do PA.

 

Por despacho de 04 de abril de 2023, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao que as Partes não se opuseram e foram as Partes notificadas para apresentarem alegações escritas, facultativas e sucessivas, advertindo-se a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até à data de prolação da decisão arbitral, que foi fixada para o dia 5 de junho de 2023.

A Requerente e a Requerida apresentaram alegações nas quais mantiveram as posições defendidas nos respetivos articulados.

Posição da Requerente

A Requerente baseia a sua pretensão em vício de erro de direito, alegando que, ao contrário do que entendeu a AT, a sua atividade principal de produção, transformação e comercialização de produtos à base de carne é elegível para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (adiante, RFAI).

Acrescentando que, ao dedicar-se a uma atividade de cariz industrial de produção e transformação de produtos de carne, se encontra plenamente coberta pelo âmbito de aplicação do RFAI, conforme delimitado pelas normas nacionais e europeias aplicáveis. 

Neste âmbito, a Requerente invoca o sentido das normas legais e princípios europeus aplicáveis, assim como o lastro jurisprudencial que, na sua opinião, são inequívocos no sentido da ilegalidade das correções contestadas.

 

Posição da Requerida 

           

Defendendo uma posição oposta, a Requerida defende que a atividade desenvolvida pela Requerente se reconduz à transformação de produtos agrícolas em outros produtos agrícolas, e, como tal, não se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI, face ao disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º n.º 1 do art.º 22 do CFI, e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, e ao âmbito sectorial de aplicação das Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, nº C 209, de 23 de Julho de 2013 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho 2014. Por conseguinte, sustentando a sua posição com base numa informação vinculativa (PIV n.º 14061) a Requerida defende que as OAR (pontos 10 e 11) constituem um impedimento à aplicação do benefício fiscal do RFAI.

 

            Consequentemente, conclui que os valores investidos pela Requerente no âmbito da sua atividade de transformação e comercialização de produtos à base de carne não podem dar origem a créditos de imposto a título do benefício fiscal do RFAI. 

II.        Saneamento 

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

III.      Questão a Apreciar 

A questão a apreciar é de direito e reside em saber se os investimentos no processo produtivo efetuados pela Requerente na sua atividade de transformação e comercialização de produtos de carne encontram-se incluídos no âmbito do RFAI e se, em consequência, poderá beneficiar, para os exercícios em questão, do respetivo crédito fiscal. 

IV.      Fundamentação de Facto

1.         De Facto

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente iniciou a sua atividade em 1987, sendo uma sociedade que exerce como atividade principal a transformação e comercialização de produtos de carne, estando enquadrada nos seguintes códigos de atividade:

- CAE Principal 10130 – Fabricação de produtos à base de carne

- CAE Secundário 10110 – Abate de gado para produção de carne

- CAE Secundário 46320 – Comércio por grosso de carne e produtos à base de carne;

- CAE Secundário 47220 – Comércio a retalho de carne e produtos à base de carne, em estabelecimentos especializados; 

  1. De acordo com os dados constantes da contabilidade e análise aos relatórios de gestão a AT verificou que a Requerente se dedica à transformação e comercialização de produtos à base de carne e suínos e de aves, designadamente, carne verde de suíno, produtos fumados de carne de suíno produtos enchidos de carne de aves (alheiras) produtos curados de carne de suínos, produtos cozidos de carne de suíno (fiambre); - cfr. RIT junto com o PA;
  2. Paralelamente à transformação e comercialização dos produtos supra mencionados no Ponto B, a Requerente comercializa em regime de entreposto, algumas tipologias de carne de bovino, como sejam a picanha e a costeleta de bovino; - cfr. RIT junto com o PA;
  3. De acordo com a IES o volume de negócios de produtos acabados registado nos exercícios de 2019 e 2020, está no intervalo de 87% e 89% e menciona como atividade principal o CAE 10130 – Fabricação de Produtos à Base de Carne; - cfr. RIT junto com o PA;
  4. No exercício de 2015 a Requerente realizou um investimento numa nova unidade fabril em Pedroso, no valor de €1.222.750,00, conforme os dados registados no seu dossier fiscal e os constantes no contrato PDR2020-3.3.1. – FAEDER – 000411 – Investimento Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas, e nos anos de 2016, 2017 e 2018 efetuou investimentos em equipamentos produtivos essenciais ao desenvolvimento da atividade de transformação; 
  5. A Requerente considerou passível de enquadrar os investimentos em causa no âmbito do RFAI, por se tratar de uma operação inserida no contexto da necessidade de expandir a área de produção e da “maturidade que a empresa atingiu quer em termos da qualidade e capacidade de produções e ainda capacidade de crescimento concluiu que as atuais instalações criavam entropias à modernização dos processos tecnológicos o que a médio prazo provocaria o atrofiamento dos indicadores de performance já atingidos. Deste modo de forma a não defraudar os seus clientes, vão encetar um processo de crescimento, nomeadamente a construção de uma nova unidade a partir de um armazém já existente onde a área produtiva será duplicada”; - cfr. RIT junto com o PA;
  6. Neste âmbito, a Requerente deduziu à coleta nos exercícios de 2019 e 2020 os valores de €6.313,64 e €11.815,58, conforme o preenchimento que efetuou em autoliquidação, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, nomeadamente pelo preenchimento dos campos da declaração principal e do Anexo D; - cfr. RIT junto com o PA;
  7. Assim, e por referência ao exercício de 2019:

- A Requerente deduziu à coleta o valor de €6.313,64 referente ao benefício fiscal do RFAI – cfr. quadro 715 do Anexo D da declaração Modelo 22;

– Transitou o saldo do RFAI de €159.298,74 relativo a investimento realizado em 2016, 2017 e 2018;

– A Requerente não realizou investimentos no âmbito da atividade referida no ano de 2019, não tendo indicado no campo 714 do Anexo D da declaração Modelo 22 qualquer «dotação do período» de RFAI;

– Transitou para o ano seguinte o saldo de RFAI de €152.985,10;

  1.   Por referência ao exercício de 2020:

– A Requerente deduziu à coleta o valor de €11.815,58 referente ao benefício fiscal do RFAI - cfr. quadro 715 do Anexo D da declaração Modelo 22;

– A Requerente dispunha de um saldo do RFAI de €152.985,10 relativamente a investimento realizado nos períodos de 2016, 2017 e 2018;

– A Requerente não realizou investimentos no âmbito da atividade referida no ano de 2020, não tendo indicado no campo 714 do Anexo D da declaração Modelo 22 qualquer «dotação do período» de RFAI;

- Transitou para o ano seguinte o saldo de RFAI de €141.169,52.

  1. A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva realizada ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2021... e OI2021..., de âmbito parcial nos períodos de tributação de 2019 e 2020; - cfr. RIT junto com o PA;
  2. No âmbito das ações inspetivas identificadas no ponto J, foi elaborado um projeto de Relatório que conclui pela existência de infrações, nomeadamente “omissões e inexatidões praticadas na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC e os seus anexos decorrentes da infracção ao artigo 15.º, n.º 1, alínea a), subalínea 2) e artigo 90.º n.º 2, alínea c) do Código do IRC”; - cfr. RIT junto com o PA;
  3. Segundo o RIT “a dedução à coleta de IRC antes referida efetivamente utilizada pelo SP, nos exercícios de 2019 e 2020, para ser elegível fiscalmente carecia do cumprimento dos termos legais para tal, ou seja, deveria, entre outros, respeitar o enquadramento nas atividades elegíveis que nesse diploma, e na legislação para que o mesmo remete, se indicam e definem. Tendo em vista esse enquadramento fiscal, importa posicionar o investimento levado a cabo pelo sujeito passivo, bem como a atividade por si efetivamente desenvolvida (...).

Do exposto retira-se, sem margem para dúvidas, que o referido investimento, que relevou para RFAI, teve enquadramento num programa europeu de apoio à agricultura, correspondendo mais concretamente a uma operação inserida no eixo 3.3.1 do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), que contemplava, como aí se referia, um investimento em “transformação e comercialização de produtos agrícolas”.

Saliente-se, ainda, que como resulta dos enquadramentos da atividade principal CAE 10130 – Fabricação de produtos à base de carne, concluindo-se, também, que o referido investimento foi relevado pela sociedade para efeitos de dedução à coleta de IRC como benefício fiscal apurado como RFAI.

            (...)

O Regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), constante dos artigos 22.º a 26.º do novo CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014 e encontra-se regulamentado na Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, o “RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2022) e do RGIC (Regulamento geral de inspeção por categoria).

O n.º 2 do artigo 2.º do CFI obriga a que os “projetos de investimento devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC”.     

As atividades económicas especificamente previstas no CFI são apenas as seguintes:

  1. Indústria extrativa e indústria transformadora;
  2. Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
  3. Atividades e serviços informáticos e conexos;
  4. Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
  5. Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta tecnologia;
  6. Tecnologias de informação e produção de audiovisual e multimédia;
  7. Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
  8. Atividades de centros de serviços partilhados;

“com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC,” conforme dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 22.º do CFI.

Por sua vez a Portaria 282/2014 de 30 de setembro identifica os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.

A referida portaria define os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, conforme estipula o n.º 3 do mesmo artigo do CFI: – “Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior”, definindo-se aqueles que são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, nomeadamente, para efeitos do RFAI;

Assim os projetos de investimento enquadráveis no âmbito do RFAI têm de estar relacionados com as seguintes atividades (artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 de 30 de dezembro):

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

O regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado no respetivo preâmbulo, “pela necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.

O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que se faz referência como atividade económica elegível, a indústria transformadora. Como se observou no acórdão proferido no Processo n.º 307/2021-T, que abordou esta matéria, importa ter presente que o elenco das atividades constante daquele preceito legal é exaustivo (...)

Por outro lado a elegibilidade dos projetos fica ainda dependente em concreto da especificação dos códigos de atividade (CAE) que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Embora a alínea b) do artigo 2.º da mesma portaria refira que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões de 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explicito quando refere “sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior”.

Em todo este contexto, interessa começar por chamar à colação o Regulamento Geral de Isenção Por Categoria que declara as categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, e em especial o seu artigo 1.º que define o âmbito de aplicação do Regulamento. (...)

O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

c) auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas nos seguintes casos:

(i) (...)

(ii) (...)

Para densificar o que se entende por “transformação e comercialização de produtos agrícolas” cabe considerar as definições que constam do artigo 2.º do RGIC especialmente as das suas alíneas 9), 10 e 11;

9) “Produção agrícola primária”, a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza dos produtos;

10) “Transformação de produtos agrícolas”, qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

11) “Produto agrícola”, um produto enumerado no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia constam “animais vivos” (Capítulo I) e carnes e miudezas comestíveis (Capítulo II).

Resulta de todas estas disposições de direito europeu, interpretadas articuladamente, que a transformação de produtos agrícolas inclui a transformação de animais e carnes e miudezas, que - como se viu – se enquadram no conceito de produto agrícola a que se refere a alínea 11) do artigo 2.º do RGIC.

Por outro lado, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do RGIC, há pouco transcrito, só se encontra vedada a concessão de auxílios à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações mencionadas nas subalíneas i) ou ii).

(...)

Da leitura destes conceitos e da conjugação dos diversos diplomas supra referidos, resulta que, quando está em causa a atividade de “transformação de produtos agrícolas” apenas pode beneficiar do RFAI a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38.º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do anexo deste tratado”, a parte que nos interessa integra os seguintes capítulos. “capitulo 2 – Carnes e miudezas, comestíveis” e capítulo 16 – preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos”.

 

Salienta-se que a elegibilidade da candidatura da entidade para efeitos de PDR 2020 constitui, em si mesma, um “indício” de exclusão do âmbito de aplicação do RFAI, pois o PDR 2020, Programa de Desenvolvimento Rural de Portugal – Continente (2014 – 2020) visa o apoio ao investimento na transformação e comercialização de produtos agrícolas.

 

As atividades económicas que ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 230/2014 de 11 de novembro, beneficiaram do referido incentivo financeiro são as seguintes: fabricação de produtos à base de carne (CAE 10130) e fabricação de doces, compotas, geleias e marmelada (CAE 10393).

(...)

Conclui-se relativamente à entidade em causa, verifica-se que cada um dos produtos transformados, bem como o produto final resultante das transformação, integram o capitulo 2 a 16 da Nomenclatura de Bruxelas, a que se refere o Anexo I do TFUE sendo, portanto, considerados produtos agrícolas de acordo com a definição constante do Regulamento EU n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho, nos termos do qual o RFAI foi aprovado (RGIC), pelo que as atividades em concreto desenvolvidas pela entidade, compreendidas nos códigos CAE 10130 e 10110, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI, não podendo dele beneficiar.

(...)

Do ante exposto, resulta de corrigir, nos anos 2019 e 2020 os valores de €6.313,64 e €11.815,58 de imposto (IRC), correspondente à dedução à coleta de IRC, incluída nos valores de €12.627,28 e € 21.238,78, respetivamente, constantes do campo 355 do Quadro 10 da DR M22 IRC dos exercícios em análise.”

- Cfr. RIT, junto com o PA, o qual se dá por integralmente reproduzido.    

                             

  1. Embora a Requerente tenha exercido o direito de audição a AT confirmou as conclusões e correções propostas no Projeto de Relatório da Inspeção Tributária; 
  2. Ora, tal entendimento gerou a emissão de duas liquidações adicionais de IRC, relativas a 2019 e 2020, demonstrações de acerto de contas e as correspondentes demonstrações de liquidação de juros, no valor global de € 18.833,62, seguidamente identificadas:

- Liquidação de IRC de 2019 n.º 2022..., de 20/07/2022;

- Demonstração de acerto de contas de 2019, n.º 2022..., de 22/07/2022;

- Liquidação de IRC de 2020 n.º 2022..., de 23/07/2022;

- Demonstração de acerto de contas de 2020, n.º 2022..., de 26/07/2022;

- Demonstração da liquidação de juros de 2019, n.º 2022..., de 22/07/2022;

- Demonstração da liquidação de juros de 2020, n.º 22..., de 26/07/2022.

 

  1. No dia 07 de Dezembro de 2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral; - (cfr. requerimento eletrónico submetido no CAAD).
  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto 

            Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada. 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos (nomeadamente a declaração modelo 22 de IRC relativa aos períodos de tributação de 2019 e 2020, e o relatório de inspeção tributária bem como os demais elementos juntos com PA) tendo em conta a posição assumida pelas Partes em relação aos factos essenciais, não tendo sido produzida prova testemunhal. 

  1. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não se identificaram factos alegados que devam considerar-se não provados.

V.        DO DIREITO

A questão a dirimir subsume-se, desta forma, em saber se os investimentos realizados pela Requerente na sua atividade, em particular a construção de uma nova unidade, com a ampliação do edifício da fábrica, a partir de um armazém já existente, duplicando assim a área produtiva, se enquadram no âmbito de aplicação do RFAI, podendo beneficiar da dedução à coleta de IRC nos exercícios de 2019 e 2020, em face da interpretação do artigo 2º e 22º do CFI, artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º282/2014 e demais legislação aplicável, bem como do quadro legislativo europeu relevante, designadamente o artigo 38.º do TFUE.

 Ora, o Código Fiscal do Investimento, doravante designado por CFI, estabelece no seu artigo 1.º (sob epígrafe “Objeto”) o seguinte:

a) O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo;

b) O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI);

c) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II); e

d) O regime de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).

2 - O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014, e alterado pelo Regulamento (UE) 2021/1237, da Comissão, de 23 de julho de 2021, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 270/39, de 29 de julho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC). (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho; produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022)

(…)

Por outro lado, o artigo 2.º do mesmo Código refere:

Artigo 2.º        

Âmbito objetivo

(…)

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2022-2027 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 153/1, de 29 de abril de 2021, e no -RGIC: (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho; produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022)

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior. (sublinhado nosso)

 

O 22.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), estabelece que:

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

(…)

Por fim, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que define os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes a várias atividades, dispõe que:

(…)

Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.

Assim:

Manda o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e da Economia, ao abrigo do n.º 3 do artigo 2.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, e nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 2.º do mesmo Código, o seguinte:

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas. (Sublinhado nosso)

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

(…)

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

(…)

Da leitura e articulação do acima exposto, resulta claro que este quadro normativo surgiu para assegurar a conformidade com o quadro legal europeu aplicável em matéria de auxílios de estado – o qual não pode nunca olvidar as normas/regulamentos que os regulam, já que os mesmos revestem, na sua essência, instrumentos de execução do normativo europeu. Aliás, o que se confirma pelas remissões efetuadas pelo artigo 22.º do CFI para as limitações impostas pelo âmbito setorial das Orientações sobre Auxílios de Estado Regionais (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Assim, por forma a obter-se uma correta execução do normativo europeu em matéria de auxílios de estado, deverá ser efetuada uma análise de acordo com o TFUE, do RGIC e, por último, das OAR.

Ora, o RGIC (Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014), no âmbito do seu artigo 2.º, refere:

Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

(…)

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;” (sublinhado e negrito nosso).

Por outro lado, as OAR declaram certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, assumindo particular importância o § 10 que afasta do seu campo de aplicação, entre outros, os auxílios ao setor da agricultura, com a justificação de que:

“estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações”, 

explicitando a nota de rodapé (11) que os auxílios à agricultura cobrem”:

“Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”

Acresce, conforme refere a Requerente, que nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33: 

“Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020. Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos sectores agrícolas e florestal.” (sublinhado negrito nosso).

Assim, resulta claro desta segunda parte do ponto acima (33), que as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.

Por outro lado, o RGIC não exclui as atividades de agricultura nem de transformação e comercialização de produtos agrícolas na aplicação de auxílios com finalidade regional.[1]

Ora, o ponto 168 das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que:

Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

(a)

Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;

(b)

Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;

(c)

As condições estabelecidas na presente secção.

Ora, conclui-se, assim, à luz do acima exposto, que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente a atividade de preparação e transformação dos produtos de carne e enchidos, não é uma das «atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC, ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

 Por seu turno, na esteira de outras decisões arbitrais supra referidas, entendeu-se no Processo Arbitral n.º 43/2022, com pertinência para estes autos, o seguinte: “o âmbito de aplicação do RFAI, tal como configurado pelo artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, não exclui a aplicabilidade de tal benefício às indústrias cuja atividade consista na transformação de “produtos agrícolas” em “produtos agrícolas”. Seria inconstitucional sustentar tal exclusão com o disposto no n.º 1 da Portaria n.º 282/2014, dada a natureza regulamentar de tal diploma. Para mais está em causa a configuração de um benefício fiscal a qual só pode ser feita por Lei ou Decreto-lei autorizado. Das normas da União Europeia aplicáveis não resulta proibição da concessão de auxílios de estado, como é o caso do RFAI, às indústrias cuja atividade consista na transformação de produtos agrícolas em produtos agrícolas, salvo ocorrendo uma das situações por elas expressamente excecionadas, o que não foi alegado no presente caso”.

Pelo exposto, não colhe o argumento que fundamenta a exclusão da aplicação do RFAI que foi invocado pela Requerida ao referir “ sendo as atividades em concreto desenvolvidas pela entidade compreendidas nos códigos CAE 10130 e 10110, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola” – in casu produtos transformados à base de carne – estando “enumerados no anexo I do Tratado , encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI, não podendo dele beneficiar”.

Note-se ainda, que a respeito do disposto no n.º 1 da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, invocado pela AT para excluir do âmbito de aplicação do RFAI as atividade exercidas pela Requerida, importa referir que tal como tem vindo a ser decidido para jurisprudência maioritária do CAAD, o n.º 3 do artigo 2.º do CFI apenas remeteu para a Portaria a delimitação dos Códigos de atividade económica e não a definição dessas atividades, porquanto, a definição do âmbito objetivo dos benefícios fiscais é matéria da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, como decorre dos artigo 103.º n.º 2 e 165.º, n.º 1 alínea i) e 198.º da CRP.[2]

Desta forma, é de concluir que a liquidação impugnada enferma de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao ter como pressuposto o entendimento de que a atividade principal da Requerente de produção, transformação e comercialização de produtos à base de carne não era elegível para efeitos de RFAI. 

Juros compensatórios

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto a respetiva liquidação de IRC (n.º 8 do artigo 35.º da LGT), pelo que enferma do mesmo vício que afeta esta, justificando-se desta forma também a sua anulação.

Juros indemnizatórios

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que dispõe que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Os erros que afetam as liquidações são imputáveis à Administração Tributária, que as efetuou por sua iniciativa, assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT e 61.º do CPPT, até ao integral reembolso.

 

VI.      Decisão

À face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar a ação totalmente procedente e anular as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios impugnadas, relativas a 2019 e 2020, com as legais consequências.

VI.      Valor do Processo 

            Fixa-se ao processo o valor de € 18.833,62 correspondente ao valor das liquidações de IRC cuja anulação é peticionada pela Requerente – vide artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VII.     Custas 

            Custas no montante de € 1.224,00 a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Notifique-se.

Lisboa, 24 de maio de 2023 

A Árbitro,

Filipa Barros

 



[1] Vide, neste sentido entre outras, Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 463/2019-T de 06-02-2020, Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 220/2020-T de 12-10-2020Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 273/2021-T de 21-10-2021 e

[2] Neste sentido, Processo arbitral n.º 220/2020, de 12-10-2020.