Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 759/2022-T
Data da decisão: 2023-05-10  IRS  
Valor do pedido: € 2.028,39
Tema: IRS – Troca Automática de Informações
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SUMÁRIO:

 

I – A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada acto (Cf. Acórdão do STA, proc. n.º 0787/08 de 05-03-2009 e Ac. do STA proc. n.º 0399/13.9 BEAVR de 24.04.2019).

II - Da certidão e documentação apresentada pela AT, não resulta que os rendimentos de trabalho, objecto de liquidação adicional, respeitem ao período correspondente ao exercício fiscal de 2017, em Portugal;

III - As informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei – cfr. artigo 76.º, n.º 1 e n.º 4 da Lei Geral Tributária

IV - A omissão de informação quanto ao período fiscal correspondente aos rendimentos comunicados não permite validar o acto tributário.

 

 

Decisão Arbitral

 

  1. RELATÓRIO

 

A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ... n.º ..., ..., ...-... Oeiras, doravante Requerente, apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com vista a obter a anulação do indeferimento da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação adicional de IRS n.º 2021 ... referente ao período de tributação de  2017, no valor global de €2.028,39 (Dois mil e vinte e oito Euros e trinta e nove cêntimos).

 

A 10 de Abril de 2022, a AT, respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

 

Foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), tendo sido apresentadas Alegações pelo Requerente, em 26 de Abril de 2023.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (e estão devidamente representadas. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

Com relevância para a Decisão consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente é um cidadão português, natural do distrito de Lisboa, onde sempre viveu e manteve a sua residência fiscal até à data de 2010;
  2. No ano 2011, o Requerente emigrou para o Reino Unido, onde residiu habitualmente até ao mês de Outubro do ano de 2017;
  3. No ano 2011, o Requerente alterou o seu estatuto em Portugal de residente para não residente fiscal, em PT;
  4. No ano 2011, o Requerente registou-se como residente fiscal, no Reino Unido;
  5. O ano fiscal no Reino Unido ocorre entre 6 de Abril de um ano e 5 de Abril do ano seguinte;
  1. Por despacho da AT, de 29.05.2019, o Requerente foi inscrito como residente não habitual em Portugal, desde 2017;
  2. O Requerente procedeu, à submissão da respectiva Declaração Modelo 3 de IRS (“Modelo 3”) relativa ao exercício de 2017, onde, no Anexo L – Residente Não Habitual – inseriu o rendimento obtido no território nacional (campo 401, do quadro 4A) no valor de €8.915,10, correspondente à remuneração devida no âmbito do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado com a B..., S.A.;
  3. Da submissão da Modelo 3 resultou a demonstração de liquidação n.º 2018..., na qual foi apurado o valor a reembolsar no total de € 3.497,55;
  4. Após o deferimento do pedido de inscrição como RNH, foi apresentada uma declaração de substituição referente ao exercício de 2017;
  5. Da submissão da referida Declaração resultou a demonstração de liquidação n.º 2019..., de onde resultou um reembolso a favor do contribuinte, no valor de €3.872,22;
  6. No âmbito da troca automática de informação, nos termos do artigo 8.º e 21.º da Diretiva 2011/16/EU do Conselho de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei 61/2013 de 10 de maio), a Autoridade Fiscal Britânica (“AFB”) comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira, por via eletrónica, através da rede comum de comunicações que o Requerente, no ano fiscal inglês de 2018 (que decorreu de 06/04/2017 a 05/04/2018), auferiu rendimentos de trabalho dependente de fonte britânica no montante de €37.836,70, e suportou imposto sobre o rendimento no valor de €8.927,65”.
  7. De acordo com a informação prestada pela AFB, a relação contratual subjacente ao pagamento de rendimentos de trabalho dependente teve o seu início em 30/04/2015 e data de fim em 02/10/2017.
  8. O ano fiscal inglês de 2018 decorreu de 06/04/2017 a 05/04/2018;
  9. Por carta registada em 28 de Setembro de 2021, a AT notificou o Requerente para exercer o direito de audição-prévia no processo de divergências 325, não tendo a referida carta sido reclamada;
  10. Por carta registada com aviso de recepção em 20 de Outubro de 2021, a AT notificou pela 2.º vez o Requerente para exercer o direito de audição-prévia no processo de divergências 325, não tendo a referida carta sido reclamada;
  11. Com a data-limite de pagamento de 5 de Janeiro de 2022, o Requerente foi notificado de liquidação oficiosa relativa ao exercício de 2017, com o n.º 2021..., onde se apurou como reembolso devido ao contribuinte o valor de €1.843,83;
  12. Em consequência, a AT notificou o Requerente de que lhe seria devido o montante total de €2.028,39, a título de acerto de contas;
  13. A 28 de Fevereiro de 2022, o Requerente submeteu, via E-Balcão e por CTT, um pedido de fundamentação das demonstrações de liquidação de IRS e liquidação de juros compensatórios, com o respectivo acerto de contas acima identificados;
  14. Em resposta ao pedido de fundamentação, o Serviço de Finanças remeteu a certidão interna que atesta a existência de rendimentos de trabalho dependente, no montante de €37.836.70, obtidos no estrangeiro;
  15. Da certidão remetida como fundamentação da liquidação oficiosa resulta que “de acordo com os elementos disponibilizados por administrações fiscais de outros países/jurisdições, existem rendimentos obtidos no estrangeiro, nomeadamente rendimentos de trabalho dependente mencionados nas Diretivas de Cooperação Administrativa e de acordo entre Portugal e o Reino Unido que não foram declarados no anexo J da declaração mod.3 de IRS, nos termos do artigo 15.º, n.º 1 artigo 22.º n.º 6 e artigo 72.º n.º 1, todos do CIRS.”.

 

“o valor do rendimento, da categoria “A” sujeito a englobamento é de 37.836,70€ constante do Campo “8” da demonstração da liquidação. No caso de rendimentos tributados no país da fonte, serve apenas para determinação da aplicação da taxa conforme dispõe o n.º 1 do art. 81.º”.

  1. Não foram juntos quaisquer documentos à certidão de fundamentação referida.
  2. A 20 de Abril de 2022, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa da liquidação oficiosa já identificada;
  3. A 9 de Setembro de 2022, a AT notificou o Requerente da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, com os fundamentos constantes do projecto de decisão.

 

2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [Cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

A matéria de facto foi selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo junto pela AT.

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

Tendo em conta o pedido formulado, pretende-se neste processo esclarecer se o acto de liquidação adicional de IRS subjacente à decisão impugnada deve ser anulado por violação do dever de fundamentação e do princípio da colaboração, falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente, falta de notificação do processo de divergências e preterição do direito de audição-prévia, no âmbito do processo de divergências.

 

Vejamos os argumentos das partes.

 

 

  1. Argumentos das Partes

 

O Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em síntese, o seguinte:

 

  1. A AT não procedeu à qualificação da totalidade dos rendimentos alegadamente obtidos no estrangeiro que sujeitou a tributação, em Portugal;
  2. A AT não identificou o período específico de recebimento dos mencionados rendimentos, que sujeitou a tributação;
  3. Não é possível ao Requerente, em face da certidão remetida pela AT, confirmar ou validar os cálculos efectuados;
  4. Ao Requerente foi-lhe vedado o acesso, como “homem médio”, ao conhecimento dos critérios que presidiram à quantificação do imposto que a AT pretende cobrar adicionalmente;
  5. Razão pela qual resulta clara a preterição de formalidade essencial, decorrente do incumprimento do dever legal de fundamentação, que nos termos do artigo 268.º da CRP e 77.º da LGT impende sobre a AT, pelo que deverá a liquidação em crise ser anulada.
  6. A AT violou, também, o princípio da colaboração, quando, em sede Reclamação Graciosa, perante a alegação do Requerente de insuficiente fundamentação considera que tal fundamentação consta da certidão emitida e que o meio processual para contestar a mesma encontra-se previsto no art. 147.º do CPPT ou seja através de uma “ação administrativa especial.”
  7. Das 3 (três) tentativas que entende a AT ter levado a cabo para notificar o Requerente, apenas numa delas, salvo melhor opinião, logrou em cumprir com a exigência legal disposta no n.º 1 do artigo 38.º do CPPT;
  8. A argumentação da AT é manifestamente infundada e insipiente, furtando-se quer à demonstração de factos, quer à enunciação de presunções, que lhe seria exigível nesta sede, pelo que resulta inequívoco que a argumentação da Requerida não pode proceder.

 

 

 

Por sua vez, a Requerida defende o seguinte:

  1. No âmbito da troca automática de informação, nos termos do artigo 8.º e 21.º da Diretiva 2011/16/EU do Conselho de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei 61/2013 de 10 de maio), a Autoridade Fiscal Britânica (“AFB”) comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira, por via eletrónica, através da rede comum de comunicações que o Requerente, no ano fiscal inglês de 2018 (que decorreu de 06/04/2017 a 05/04/2018), auferiu rendimentos de trabalho dependente de fonte britânica no montante de €37.836,70, e suportou imposto sobre o rendimento no valor de €8.927,65, conforme consta do Anexo designado “Documento comprovativo rendimentos fonte estrangeira 2018 NIF ... pdf”.;
  2. Um vez que o Requerente no ano de 2017 era residente fiscal em Portugal, procedeu-se à elaboração de Documento Único de Correção (“DCU”), dada a falta de declaração dos rendimentos obtidos no estrangeiro na sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2017;
  3. O referido DCU, que se encontra registado sob o n.º ...-2017-... -...em 18/11/2021, passou a incluir o Anexo J (Rendimentos Obtidos no Estrangeiro), no qual constam rendimentos de trabalho dependente no montante de €37.836,70 e imposto pago no estrangeiro no valor de €8.927,65, tal como foi comunicado à Requerida pela AFB.
  4. O Requerente foi informado da qualificação da totalidade do rendimento incluído no Anexo J do DCU, tendo sido indicada a devida correspondência ao campo da liquidação de IRS.
  5. Já quanto à falta de referência ao período específico de recebimento dos rendimentos, atendendo a que a informação solicitada pelo Requerente e prestada pela AT respeita à liquidação de IRS do ano de 2017, o qual coincide com o ano civil, tal significa que os rendimentos de trabalho dependente comunicados pela AFB respeitam ao período compreendido entre 01/01/2017 e 31/12/2017.
  6. É ainda de salientar que, no âmbito da troca espontânea de informação, não é fornecida informação quanto às datas especificas de pagamento, ou seja, não são identificadas as datas específicas nas quais o Requerente recebeu os rendimentos.
  7. A notificação da divergência e da concessão de prazo para o exercício do direito de audição anteriormente à liquidação, foi efectuada por carta registada em conformidade com o que se encontra previsto no artigo 38.º, n.ºs 1 e 3, do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
  8. Uma vez que a primeira notificação remetida não foi recebida pelo Requerente, em 20/10/2021 foi efectuada a segunda notificação, dando conhecimento da divergência e do prazo para o exercício do direito de audição, por carta registada com aviso de receção remetida para o domicílio fiscal do Requerente, conforme impõe o artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, a qual veio devolvida pelos CTT com a indicação “05/11/2021 – Objeto não reclamado”;
  9. Constata-se assim, que contrariamente ao alegado pelo Requerente, foi efectuada notificação dando conhecimento da divergência e prazo para o exercício do direito de audição anteriormente à liquidação, o qual não foi exercido pelo Requerente, em virtude de não ter procedido ao levantamento da correspondência nos CTT.
  10. Impugna, assim, a AT, por infundado, todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que os actos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.

 

Vejamos.

 

Em cumprimento do disposto nos artigos 65.º, n.º 4, e 76.º, n.º 4, ambos do Código do IRS, atento o pedido formulado pelo Requerente, importa recordar que, nos termos do artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

Impõe-se, assim, ao Tribunal estabelecer a prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

Assim, considerando o enquadramento factual descrito tem de ser apreciado antes de mais o vício formal atinente à falta de fundamentação do acto tributário sub judice, dado o conhecimento das razões em que se fundou o autor do acto ser  imprescindível para apreciar os vícios de fundo (vide Acórdão do STA, Proc. 915/05, de 25.01.2006)

  1. Falta de Fundamentação

 

O direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias -Título II da parte 1ª da CRP - artigo 268.º, n.º 3[1]. - tendo o respetivo princípio constitucional sido densificado no artigo 77.º nºs. 1 e 2 da LGT.

 

A fundamentação tem a função de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação. A fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).

 

A falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial),verifica-se, pois, quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório: o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto.

 

A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada acto (Cf. Acórdão do STA, proc. n.º 0787/08 de 05-03-2009 e Ac. do STA proc. n.º 0399/13.9 BEAVR de 24.04.2019).

 

Cabe-nos verificar se neste acto em concreto, um destinatário normal, perante o teor do acto e das suas circunstâncias, ficou em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu acrescer ao rendimento declarado pelo Requerente, a quantia de €37.836,70, como rendimento de trabalho, no ano 2017, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.

 

No caso concreto em análise, verifica-se que o acto de liquidação adicional de IRS de 2017, sub judice, foi, de acordo com a AT, emitido na sequência de informação prestada pelo Reino Unido, no âmbito da Directiva 2011/16/EU, do Conselho, de 15.02.2011.

 

A informação obtida pela AT foi realizada ao abrigo da troca automática de informações previstas na legislação interna no Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de Maio, em especial, com base no artigo 6.º que dispõe, para o que aqui releva, o seguinte:

“1 - A autoridade competente nacional comunica às autoridades competentes de outros Estados-Membros, mediante troca automática, as informações disponíveis relativas a residentes nesses outros Estados, no que se refere aos seguintes tipos de rendimentos e de elementos patrimoniais tal como são definidos pela legislação nacional aplicável: a) Rendimentos do trabalho; b) Remunerações dos membros de órgãos de gestão/administração; c) Produtos de seguro de vida não abrangidos por outros instrumentos jurídicos da União Europeia em matéria de troca de informações e outras medidas análogas; d) Pensões; e) Propriedade e rendimento de bens imóveis.

2 - Consideram-se informações disponíveis, para efeitos da troca obrigatória e automática prevista no presente decreto-lei, as informações constantes dos registos e bases de dados que podem ser obtidas pelos procedimentos de recolha e tratamento de informações da Autoridade Tributária e Aduaneira.”

 

Conforme resulta dos documentos juntos aos autos, após o pedido de fundamentação do Requerente, a AT informou, por certidão, o Requerente do seguinte:

 

o valor do rendimento, da categoria A sujeito a englobamento é de €37.836,70”, resultando tal correcção dos “elementos disponibilizados por administrações fiscais de outros países/jurisdições, que existem rendimentos obtidos no estrangeiro, nomeadamente rendimentos de trabalho dependente mencionados nas Diretivas de Cooperação Administrativa e do acordo entre Portugal e o Reino Unido que não foram declarados no anexo J da declaração mod.3 de IRS, nos termos do artigo 15.º, n.º 1 artigo 22.º, n.º 6 e artigo 72.º, n.º 1, todos do CIRS.

 

“o valor do rendimento, da categoria “A” sujeito a englobamento é de 37.836,70€ constante do Campo “8” da demonstração da liquidação. No caso de rendimentos tributados no país da fonte, serve apenas para determinação da aplicação da taxa conforme dispõe o n.º 1 do art. 81.º”.

 

O Requerente alega que, em face da informação comunicada pela AT, não é possível entender a qualificação da totalidade dos rendimentos alegadamente obtidos no estrangeiro que foram sujeitos a tributação, em Portugal, identificar o período específico de recebimento dos mencionados rendimentos sujeitos a tributação, em 2017 ou confirmar ou validar os cálculos efectuados.

 

Apreciando a informação  disponibilizada pela AT entende-se que ao Requerente é possível compreender que foram considerados obtidos no estrangeiro rendimentos de trabalho ou categoria A, encontrando-se, portanto, os rendimentos qualificados do ponto de vista do IRS, como rendimento de trabalho.

 

Não obstante, em caso algum, resulta claro da certidão ou documentação apresentada pela AT que os rendimentos de trabalho contabilizados dizem respeito ao período correspondente ao exercício fiscal de 2017, em Portugal, sendo certo que da declaração de rendimentos (DAC 1) junto aos autos pela AT resulta que o período de comunicação dos rendimentos é referente ao período de 30.04.2015 a 2.10.2017.

 

Tendo em conta que o período fiscal no Reino Unido (RU) é diferente do período fiscal em Portugal, havendo coincidência de meses no ano 2017, visto que o ano fiscal inglês de 2018 decorreu de 06/04/2017 a 05/04/2018, a falta de identificação do período temporal a que respeitam os rendimentos comunicados pela AFB determinam que o acto sub judice não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que reclama o pagamento daquele quantitativo de imposto adicional ao Requerente.

Na falta da referida informação não é possível a um “homem médio” entender quais foram os critérios que presidiram à quantificação do imposto que a AT pretende cobrar adicionalmente.

Ademais, é a própria AT que alega que a AFB não forneceu qualquer informação quanto às datas especificas de pagamento, ou seja, não são identificadas as datas específicas nas quais o Requerente recebeu os rendimentos. Por isso estava a AT obrigada a realizar as diligências necessárias à descoberta da verdade material (nº 1 do artigo 74º da LGT) (vide, entre outos, CAAD, Proc. 838/2021-T, de 29.05.2022, Proc. 252/2022-T, de 6.01.2023).

 

 

No fundo, da Declaração que fundamenta o acto de liquidação adicional deveria resultar clara a identificação dos rendimentos por referência ao intervalo de meses/anos e valores sujeitos a tributação no país da residência, de forma a possibilitar confirmar a sua sujeição a imposto, em Portugal, no período fiscal em causa. A pretensão da AT de dar como provado esse facto com base na presunção de que o AFB apenas comunicou os rendimentos correspondentes aos meses sujeitos a tributação em Portugal não permite validar o acto tributário.

 

 

Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 76.º, n.º 1 da LGT as “informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.”, acrescentando o número 4 do mesmo artigo que a regra do n.º 1 se aplica às “informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”. 

 

A este propósito foi fixado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.11.2017, o seguinte:


II - Para apurar se um despacho está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.


III - É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que existem indicadores fundados que legitimam a sua actuação de proceder a correcções, liquidando imposto devido por aquisições intracomunitárias – cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária.


(..)


V - As informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei – cfr. artigo 76.º, n.º 1 e n.º 4 da Lei Geral Tributária.”

 

Em consequência da procedência do pedido de falta de fundamentação impõe-se a anulação do acto de liquidação de IRS sub judice.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

O Requerente reclama pelo pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

Contudo, o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, que não se deve ter por verificado quando o acto de liquidação é anulado, por falta de fundamentação, da declaração que lhe serviu de base - (Vide Acórdão do STA, Proc. 2009/18.9BASB, de 30.09.2020).

Deste modo, indefere-se o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa identificada e o acto tributário subjacente, no valor de €2.028,39 (Dois mil e vinte e oito euros e trinta e nove cêntimos).

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €2.028,39 (Dois mil e vinte e oito euros e trinta e nove cêntimos).

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT.

Lisboa, 10 de Maio de 2023

A Árbitro,

 

 

(Magda Feliciano)

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)