Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 457/2014-T
Data da decisão: 2014-12-17  Selo  
Valor do pedido: € 31.578,20
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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Decisão arbitral

 

Processo n.º 457/2014-T

 

I.                   Relatório

 

1.      A, S.A., NIF ..., com sede na …, cujo serviço periférico local é o Serviço de Finanças de Lisboa 10, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular.

2.      É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.      A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação da primeira prestação de Imposto do Selo (verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo), no valor total de € 10.600,78, titulados pelos documentos, datados de 17 de março de 2014, com os seguintes números:

a)      2014 ...;

b)      2014 ...;

c)      2014 ...;

d)     2014 ...;

e)      2014 ...;

f)       2014 ...;

g)      2014 ...;

h)      2014 ...;

i)        2014 ...;

j)        2014 ...;

k)      2014 ...;

l)        2014 ...;

m)    2014 ...;

n)      2014 ...;

o)      2014 ...;

p)      2014 ...;

q)      2014 ...;

r)       2014 ...;

s)       2014 ...;

t)       2014 ...;

u)      2014 ...;

v)      2014 ...;

w)    2014 ...;

x)      2014 ...;

y)      2014 ...;

z)      2014 ...;

aa)   2014 ....

 

4.      A Requerente pede igualmente a anulação dos ofícios supervenientes para liquidação das prestações posteriores de Imposto Selo.

 

5.      A Requerente pede ainda a devolução dos valores pagos, acrescidos de juros nos termos legais.

6.      A Requerente formula assim uma cumulação de pedidos ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.

7.      A Requerente fundamenta a sua pretensão alegando a ilegalidade dos referidos atos de liquidação, alegando que a Autoridade Tributária e Aduaneira aplica a norma contida na verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo “em desconformidade com a realidade fiscal, fazendo extensivamente uma interpretação discriminatória e ilegal, adaptando-a à sua conveniência”.

8.      A Requerente alega também a violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, da irretroatividade e da igualdade “consubstanciado no princípio da capacidade contributiva”.

9.      Sustenta ainda a Requerente que “que cada uma das divisões tem um VPT abaixo de um milhão de euros e uma guia de liquidação diferenciada, isto porque a inscrição na matriz de imóveis em propriedade total, constituída por partes susceptíveis de utilização independente, obedece às mesmas regras da inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal”.

10.  A Requerente optou pela não designação de árbitro.

11.  Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação no prazo aplicável.

12.  As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

13.  Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 04-09-2014.

14.  A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual defende a total improcedência do pedido de pronúncia arbitral, não tendo suscitado qualquer exceção.

15.  A Autoridade Tributária e Aduaneira conclui a sua resposta conforme se transcreve de seguida:

“A) A verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo incide sobre os prédios urbanos com afectação habitacional.

B) O valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da sua letra, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente.

C) A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.

D) Outra interpretação viola o princípio da legalidade inscrito no art. 103º, nº 2, da C.R.P..

E) Os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, proíbem apenas as discriminações arbitrárias ou não justificadas, mas não as discriminações eventualmente justificadas pelo carácter mais evoluído dos institutos ou pela coerência do sistema fiscal.

F) Não representando a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, qualquer violação da proibição da irretroactividade fiscal.

G) Assim, o acto tributário em causa não violou, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantido no ordenamento jurídico.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente pedido de pronúncia arbitral

ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do

pedido.”

16.  Por despacho de 29/10/2014, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar a produção de alegações, atendendo a que havia acordo das partes nesse sentido.

17.  Por Despacho de 03/11/2014, o Tribunal Arbitral admitiu a ampliação do pedido, solicitada pela Requerente, na sequência dos atos de liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo, relativa aos mesmos factos, ascendendo o pedido ao valor total de € 20.977,64, e titulados pelos documentos, datados de 17 de março de 2014, com os seguintes números:

a)      2014 ...;

b)      2014 ...;

c)      2014 ...;

d)     2014 ...;

e)      2014 ...;

f)       2014 ...;

g)      2014 ...;

h)      2014 ...;

i)        2014 ...;

j)        2014 ...;

k)      2014 ...;

l)        2014 ...;

m)    2014 ...;

n)      2014 ...;

o)      2014 ...;

p)      2014 ...;

q)      2014 ...;

r)       2014 ...;

s)       2014 ...;

t)       2014 ...;

u)      2014 ...;

v)      2014 ...;

w)    2014 ...;

x)      2014 ...;

y)      2014 ...;

z)      2014 ....

 

18.  Por Despacho de 09/12/2014, o Tribunal Arbitral admitiu nova ampliação do pedido, solicitada pela Requerente, na sequência dos atos de liquidação de mais uma prestação do Imposto do Selo, relativa aos mesmos factos, ascendendo o pedido ao valor total de € 31.578,20, e titulados pelos documentos, datados de 17 de março de 2014, com os seguintes números:

a)      2014 ...;

b)      2014 ...;

c)      2014 ...;

d)     2014 ...;

e)      2014 ...;

f)       2014 ...;

g)      2014 ...;

h)      2014 ...;

i)        2014 ...;

j)        2014 ...;

k)      2014 ...;

l)        2014 ...;

m)    2014 ...;

n)      2014 ...;

o)      2014 ...;

p)      2014 ...;

q)      2014 ...;

r)       2014 ...;

s)       2014 ...;

t)       2014 ...;

u)      2014 ...;

v)      2014 ...;

w)    2014 ...;

x)      2014 ...;

y)      2014 ...;

z)      2014 ...;

aa)   2014 ....

 

19.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

20.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

21.  Não se vislumbra qualquer nulidade.

II.                Matéria de facto

a.      Factos provados

22.  Consideram-se provados os seguintes factos:

22.1.A Requerente é proprietária do imóvel sito na …, 1, 1A a 1M, 2, 2A a 2E e 3, 3A a 3C e …, 1, 1A e 1B, em …, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …. sob o n.º ...;

22.2.O imóvel identificado supra encontra-se inscrito na caderneta predial urbana em propriedade total, com 74 andares ou divisões de utilização independente, e um valor patrimonial total de € 4.875.840,00;

22.3.As liquidações contestadas pela Requerente referem-se aos seguintes andares, cujo Valor Patrimonial Tributário (VPT) também se indica:

a)      1.º 102, com um VPT de € 80.410,00 (oitenta mil quatrocentos e dez euros);

b)      1.º 108, com um VPT de € 116.550,00 (cento e dezasseis mil quinhentos e cinquenta euros);

c)      1.º 113, com um VPT de € 132.960,00 (cento e trinta e dois mil novecentos e sessenta euros);

d)     1.º 3, com um VPT de € 178.320,00 (cento e setenta e oito mil trezentos e vinte euros);

e)      1.º D, com um VPT de € 72.350,00 (setenta e dois mil trezentos e cinquenta euros);

f)       1.º E, com um VPT de € 197.520,00 (cento e noventa e sete mil quinhentos e vinte euros);

g)      2.º 102, com um VPT de € 86.710,00 (oitenta e seis mil setecentos e dez euros);

h)      2.º 108, com um VPT de € 114.520,00 (cento e catorze mil quinhentos e vinte euros);

i)        2.º 113, com um VPT de € 144.840,00 (cento e quarenta e quatro mil oitocentos e quarenta euros);

j)        2.º 3, com um VPT de € 192.280,00 (cento e noventa e dois mil duzentos e oitenta euros);

k)      2.º D, com um VPT de € 81.600,00 (oitenta e um mil e seiscentos euros);

l)        2.º E, com um VPT de € 191.950,00 (cento e noventa e um mil novecentos e cinquenta euros);

m)    3.º 102, com um VPT de € 84.920,00 (oitenta e quatro mil novecentos e vinte euros);

n)      3.º 108, com um VPT de € 102.910,00 (cento e dois mil novecentos e dez euros);

o)      3.º 113, com um VPT de € 152.020,00 (cento e cinquenta e dois mil e vinte euros);

p)      3.º 3, com um VPT de € 184.060,00 (cento e oitenta e quatro mil e sessenta euros);

q)      3.º D, com um VPT de € 81.480,00 (oitenta e um mil quatrocentos e oitenta euros);

r)       3.º E, com um VPT de € 195.340,00 (cento e noventa e cinco mil trezentos e quarenta euros);

s)       4.º D, com um VPT de € 68.990,00 (sessenta e oito mil novecentos e noventa euros);

t)       4.º E, com um VPT de € 159.510,00 (cento e cinquenta e nove mil quinhentos e dez euros);

u)      4.º 102, com um VPT de € 70.090,00 (setenta mil e noventa euros);

v)      4.º 113, com um VPT de € 70.830,00 (setenta mil oitocentos e trinta euros);

w)    4.º 3, com um VPT de € 154.460,00 (cento e cinquenta e quatro mil quatrocentos e sessenta euros);

x)      ST 102, com um VPT de € 44.740,00 (quarenta e quatro mil setecentos e quarenta euros);

y)      ST 108, com um VPT de € 55.630,00 (cinquenta e cinco mil seiscentos e trinta euros);

z)      ST 113, com um VPT de € 72.130,00 (setenta e dois mil cento e trinta euros);

aa)   ST 116, com um VPT de € 70.700,00 (setenta mil e setecentos euros);

 

22.4.Nenhum dos andares descritos tem, portanto, um valor patrimonial tributário de valor superior a € 1.000.000,00;

22.5.Para efeitos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou o somatório do VPT dos diversos andares com afetação habitacional, correspondente ao valor total de € 3.157.820,00;

22.6.Com base neste valor, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu às liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, ora contestadas pela Requerente, à taxa de 1%, no montante total de € 31.578,20;

22.7.Este montante foi já integralmente pago, em três prestações, pela Requerente.

b.      Factos não provados

23.  Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.

c.       Fundamentação da decisão da matéria de facto

24.  Os factos foram dados como provados com base na prova documental.

III.             Matéria de direito

25.  Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.

26.  A primeira questão a decidir pelo Tribunal é a que se prende com saber se o valor patrimonial tributário (VPT) a considerar para efeito de aplicação da Verba 28 da TGIS, estando em causa prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, é o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente e com afetação habitacional, ou se é o VPT global, correspondente ao somatório dos VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e com afetação habitacional.

27.  A Verba 28 da TGIS, ora em apreciação, foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, com o seguinte teor:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

 

28.  O Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarece qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.

29.  O art. 68.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que “[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.

30.  O legislador, no n.º 1 do art. 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:

“Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”

31.  Conforme observam SILVÉRIO MATEUS e CURVELO DE FREITAS, “o n.º 1 deste artigo [do artigo 2.º] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico” (Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 101, anotação n.º 1.1).

32.  Deste modo, não ficam excluídas do conceito de prédio, relevante para efeitos de CIMI e de CIS, os andares ou divisões de utilização independente de imóvel inscrito na caderneta predial urbana em propriedade total.

33.  O n.º 4 do artigo 2.º do CIMI prevê ainda que:

para efeitos deste imposto [IMI], cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

34.  Mais uma vez, deste preceito não resulta a exclusão do conceito de prédio, dos andares ou divisões de utilização independente de imóvel em propriedade total.

35.  No n.º 4 do art. 2.º do CIMI o legislador esclarece, de forma inequívoca, que as frações autónomas de imóveis inscritos em propriedade horizontal são consideradas prédios, para efeitos de IMI.

36.  Mas tal não legitima o intérprete a fazer uma interpretação a contrario, no sentido de excluir do conceito de prédio as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total.

37.  Parece, na verdade, que a ratio, do n.º 2 do art. 4.º é precisamente a de permitir uma interpretação extensiva do disposto no n.º 1 do art. 2.º, de modo a incluir no conceito de prédio as unidades (frações, andares ou divisões) de utilização independente.

38.  Este sentido parece, aliás, ser confirmado pelo disposto no n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, que a seguir se transcreve:

“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

39.  Donde resulta que as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total são objeto de avaliação com base nos critérios previstos no artigo 38.º do CIMI.

40.  Já o art. 6.º do CIMI enuncia as espécies de prédios urbanos, e prevê que [h]abitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

41.  Conforme é afirmado na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 50/2013,

Daqui podemos concluir que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

 

42.  Ao considerarmos o elemento literal da interpretação constatamos que, na parte final do preceito contido na verba 28.1 da TGIS, se determina que o valor tributável corresponde ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

43.  A Autoridade Tributária e Aduaneira considera como VPT relevante para efeito de aplicação da verba 28.1 da TGIS o VPT global do imóvel inscrito em propriedade total, em manifesta contradição com a prática de uma pluralidade de atos de liquidação, relativos aos vários andares suscetíveis de utilização independente.

44.  Do elemento literal da interpretação, em conjugação com os elementos sistemático e teleológico, resulta que o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos da aplicação da verba 28.1 do CIS é o correspondente a cada uma das unidades suscetíveis de utilização independente.

45.  E afigura-se-nos ser este também o entendimento mais conforme com o princípio da prevalência da substância sobre a forma.

46.  Para além disso, este é o sentido mais conforme com o princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

47.  A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao aplicar de modo diferenciado a verba 28.1 da TGIS consoante a unidade habitacional esteja inserida em imóvel inscrito em propriedade horizontal ou em propriedade total está a fazer prevalecer um critério formal de diferenciação, em detrimento da igualdade material exigida pela Lei Fundamental.

48.  Do ponto de vista da capacidade contributiva, enquanto critério operativo do princípio da igualdade, que postula uma igualdade material, é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal – a capacidade contributiva evidenciada é a mesma, devendo a aplicação da verba 28.1 da TGIS ser feita nos mesmos termos.

49.  Não procedem, contudo, os argumentos da Requerente que se referem à alegada inconstitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da TGIS, por violação dos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade, uma vez que não está em causa a aplicação retroativa de normas fiscais nem uma aplicação restrospetiva que possa postergar de forma excessiva as expectativas dos cidadãos.

50.  Assim, relativamente a imóveis inscritos em propriedade total, apenas está sujeito a Imposto do Selo, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, o andar ou divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior € 1.000.000,00.

51.  Atendendo a que, no presente processo, nenhum dos andares relativamente aos quais foi liquidado Imposto do Selo por aplicação da Verba 28.1 da TGIS tem um VPT igual ou superior € 1.000.000,00, conclui-se pela ilegalidade dos respetivos atos de liquidação.

52.  Concluindo-se pela ilegalidade dos atos de liquidação contestados nos autos, o Tribunal deve decidir uma segunda questão, que se prende com saber se são ou não devidos à Requerente juros indemnizatórios.

53.  O n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária prevê que:

 “[s]ão devidos  juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

54.  Considera-se que “[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, 4.ª ed., Lisboa, 2012, p. 342).

55.  A lei determina ainda, no art. 100.º da Lei Geral Tributária, que:

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

56.  Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 11/02/2009, recurso n.º 1003/08,

“Tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.”

57.  No presente processo estamos perante uma pluralidade de liquidações de Imposto do Selo fundadas em erro imputável aos serviços, donde resultaram pagamentos indevidos de prestações tributárias pela Requerente, pelo que se reconhece a esta o direito a juros indemnizatórios.

58.  De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), “[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.

 

IV.             Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a)              Julgar procedente o pedido de anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação impugnados, e condenar a Requerida ao reembolso das prestações fiscais indevidamente pagas pela Requerente;

 

b)            Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

V.                Valor do processo

O valor do processo é fixado em € 31.578,20, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VI.             Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Lisboa, 17 de dezembro de 2014

 

O Árbitro,

 

 

  Paulo Nogueira da Costa