Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 237/2014-T
Data da decisão: 2014-12-02  IRC  
Valor do pedido: € 121.936,95
Tema: IRC – Indeferimento tácito de revisão oficiosa – Competência material do Tribunal
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Decisão arbitral

 

Os árbitros, Juiz Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dra. Suzana Fernandes da Costa (árbitros vogais), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 14 de maio de 2014, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

A, SA, NIPC …, com sede na …, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no Artigo 10° do Decreto Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria «RJAT») e dos artigos 1° e 2° da Portaria n. 112-A/2011, de 22 de Marco, tendo em vista a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão do ato de liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2008, pretendendo assim que esse ato de indeferimento seja anulado e, consequentemente, também anulado o ato de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios relativo ao ano de 2008, (Liquidação n.º 2010 ...), revelada no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2010 ... no valor de 121.936,95 €, cujo prazo limite de pagamento cessou em 03.11.2010,

 

Alega:

“(…)

1. A requerente apresentou, a Direcção-Geral dos Impostos um pedido para promoção da revisão oficiosa do referido ato de retenção na fonte, ao abrigo do disposto no art. 78º-1/2ª parte, da Lei Geral Tributaria (LGT) - Doc. n.3

 

2.Sobre o qual já se verificou a presunção de indeferimento tácito para efeitos do disposto no artigo 102.º,n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (Ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n. 10/2011, de 20 de Janeiro), já que não foi notificada de decisão que sobre ele tenha recaído.

 

3. Certo e que a requerente discorda da liquidação supra referenciada, entendendo que não se pode manter a mesma, devendo ser a mesma anulada como anulado deve ser o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

4. A liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios relativo ao ano de 2008, resulta essencialmente da correção do prejuízo fiscal declarado da B, Lda. (atualmente C, doravante C) relativamente ao exercício de 2002.

 

5. Dessa correção resultou a correção da matéria coletável de 2008 desta sociedade (C).

 

6. Originando, como se disse, a liquidação que aqui se coloca igualmente em crise, uma vez que a requerente e a C estão integradas num grupo de sociedades tributado de acordo com as regras previstas no RETGS dos arts 69 a 71.ºdo CIRC.

 

7. Sendo a requerente a sociedade dominante, é esta quem é competente para fazer o cálculo do lucro tributável do grupo.

 

8. No entanto, a requerente não pode concordar com a correção feita à C porque ilegal.

 

9. Na verdade a administração fiscal faz uma aplicação errada da lei, ao dizer que a correção [e consequente Liquidação] de IRC 2006, encontra suporte legal nos n.1 e n.º do art. 47 (agora art.º 52) do CIRC,- Cfr. Ponto III [descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas a matéria tributável] das Correções resultantes da ação de inspeção - oficio … de 08.06.2010 da Direção de Finanças de ... - Serviços de Inspeção Tributaria - notificadas a C. - Doc 4

 

10. Porquanto o art. 47, n. 4 (hoje art.º 52) do CIRC diz que "quando se efetuarem correções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efetuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente aquele a que o lucro tributável respeite."

 

11.0 verbo efetuar é usado no passado: "efetuadas".

 

12. O que tem toda a lógica, pois o que se pretende e corrigir é não só o erro inicial (prejuízos fiscais], mas também aqueles (deduções efetuadas), que ocorreram em consequência deste primeiro erro, por não se saber (no momento das liquidações dos anos subsequentes) que os prejuízos fiscais não estavam corretos...

 

13. No nosso caso verificamos que a administração fiscal corrigiu o exercício de 2002 da C, e concretizada através da liquidação n. 2005 ..., e que a notificou em 28.10.2005. - Doc. N. 5

 

14. Ora a declaração Mod. 22 de IRC do ano de 2008 efetuada e entregue pela recorrente ocorreu muito depois, em 31.05.2009. - Doc. n. 6

 

15. Sendo que nesses termos a declaração deveria ficar automaticamente na situação de não liquidável, por terem sido declarados prejuízos fiscais a deduzir, que não constam do sistema.

 

16. Logo estamos perante um erro evidenciado na declaração do contribuinte que atento o sistema informático da administração fiscal não deveria permitir a liquidação antes de efetuada pela Administração fiscal a correção da declaração (como alias aconteceu quanta ao IRC de 2005 da C).

 

17. Portanto não se aplica a esta situação em concreto o art. 47, n. 4 (atual art.52) do CIRC, porque a declaração modelo 22 de 2008 e posterior a correção do IRC de 2002, logo nesse momenta (26.10.2005) não havia qualquer dedução efetuada quanto ao ano de 2008, para ser corrigida, pois a liquidação só correu em Maio de 2009

 

18. Não estamos perante um caso em se efetuam correções aos prejuízos de um ano, que obriga a alterar as declarações fiscais já entregues (antes da correção) dos anos subsequentes

 

19. Ocorrendo assim vício de violação de lei

 

20. Pelo que também não aplica o art. 45, n. 3 da LGT- prazo de caducidade de 6 anos no caso de reporte de prejuízos,

 

21. Aplicando-se antes o art. 45, n 2 da LGT que nos diz "Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indiretos por motivo da aplicação a situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior e de três anos"

 

22. Logo, a liquidação encontra-se ferida de ilegalidade.

 

23. Deste modo, não podem, pois, manter-se os atos de liquidação que se pretendem revistos, por padecerem do vício de erro nos pressupostos de direito, já que a norma de incidência invocada, não é aplicável ao presente caso.

 

24. O que implica considerar que a Administração, incorreu em erro que lhe e imputável, ao proceder a tal liquidação, sendo, nessa medida, devidos juros indemnizatórios nos termos legais a serem computados desde o dia seguinte ao do pagamento indevido ate a data da emissão da respetivas nota de credito, tudo com as demais consequências legais.

 

Pede:

 

a) - A anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão do ato de liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2008;

b) - Consequentemente, a anulação do ato tributário de liquidação do imposto de IRC e respetivos juros compensatórios relativo ao ano de 2008,

c) – A condenação da AT na devolução ao Requerente do tributo indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios a computar entre a data do pagamento da quantia referida e a emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente, conforme estatuído no artigo 43° da Lei Geral Tributária (…) ”

 

 

Constituído o Tribunal veio a AT responder ao pedido da Requerente, por exceção e por impugnação, alegando, designadamente, a incompetência material deste Tribunal Arbitral.

 

No essencial e relativamente à questão da competência material, alega a AT:

 

                 Em 07/03/2014, a requerente apresentou o presente pedido arbitral, com fundamento no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa respeitante aos exercícios de 2008.

 

                 Em 21/04/2014 foi notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão, por intempestividade, o qual se converteu em definitivo em 29/05/2014, porquanto, estando em apreciação a legalidade da liquidação adicional n.º 2010..., notificado em 01/10/2010, só apresentou o pedido de revisão oficiosa em 08/07/2013, estando já ultrapassado de dois anos previsto no art.º 78.º n.º1 da LGT.

 

                 Regulando o art.º 78.º n.º 1 da LGT, com carácter genérico, os pressupostos da revisão dos atos tributários, estabelece que o ato tributário pode ser revisto a pedido do sujeito passivo, no prazo de 120 dias, com fundamento em qualquer ilegalidade, ou ainda por iniciativa da Autoridade Tributária, no prazo de 4 anos ou a todo o tempo, se o tributo não se encontrar pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

                 Assim, de acordo com o disposto na primeira parte do n.º 1 do citado art.º 78.º da LGT, é prevista a possibilidade de revisão do ato tributário, pela entidade que o praticou, por iniciativa do sujeito passivo e com fundamento em qualquer ilegalidade, no prazo de reclamação administrativa.

 

                 Deste modo, afere-se ser o pedido de revisão intempestivo, relativamente ao exercício de 2008, porquanto decorreram mais de 3 anos, desde a liquidação adicional impugnada.

 

                 Resulta assim da fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão em causa que o indeferimento se baseou na inadmissibilidade da revisão oficiosa, por intempestividade, não comportando a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

 

                 Assim tem que ser apreciada a questão da competência do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

                 Nesta faceta, a delimitação da competência do tribunal arbitral decorre do teor da vinculação da administração tributária, onde não se inclui a declaração da ilegalidade de atos de liquidação, quando essa ilegalidade não foi apreciada pelo ato que indeferiu o pedido de revisão oficiosa.

 

                 E da jurisdição arbitral está afastada, por não estar abrangida pelo art.º 2.º, n.º1 do RJAT, a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação, tal como já foi decidido nos Processos n.º73/2012-TCAAD e 210/2013-TCAAD, houve“ a preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário “ os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação”, pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem da legalidade de atos de liquidação”. (sublinhado e negrito nosso).

 

                 Foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e notificada a requerente para responder, querendo, por escrito à defesa por exceção (Cfr despacho de 27-6-2014).

 

                 Não houve resposta às exceções.

 

                 Por despacho de 11-11-2014, foi prorrogado, por 2 meses, o prazo previsto no artigo 21º-1, do RJAT.

 

                 Saneamento do processo

                 A competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários

                 Factos provados

                 Para apreciação da exceção suscitada relativa à (in)competência material do Tribunal Arbitral, importa assinalar os seguintes factos provados, em resultado da análise do processo administrativo instrutor, dos documentos juntos e da posição das partes no processo que, relativamente a tal matéria, não suscitam qualquer controvérsia:

                 a) A requerente apresentou [ao abrigo do artigo 78º-1, da LGT]  na Direcção-Geral dos Impostos um pedido para promoção da revisão oficiosa de ato de liquidação adicional de IRC n.º 2010...  relativo a 2008 (Doc. nº.3, com a PI);

                 b) Esse pedido de revisão oficiosa veio a ser indeferido pela AT por extemporaneidade;

                 c) Tal pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 07/08/2013, através de requerimento dirigido ao Diretor de Finanças de ....

                 d) A Requerente, na declaração Modelo 22, relativa a 2008, enquanto sociedade dominante, utilizou o reporte de prejuízos originados em 2002, pela C Lda..

                 e) A requerente foi alvo de um procedimento de inspeção, abrangendo o IRC de 2008, instaurado pela Ordem de Serviço n.º OI..., notificada em 17/08/2010, pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de ...

                 f) …do qual resultaram correções, as quais tiveram, em síntese, a seguinte fundamentação: “ (…) quer isto dizer, que na declaração fiscal consolidada do grupo, a A, SA passa a deixar de ter um prejuízo dedutível de €470.523,75 passando a poder deduzir, apenas €5.358,75 ao valor líquido da soma algébrica dos resultados fiscais das empresas integrantes do grupo tributado pelo regime especial (campo 382 da declaração modelo 22: €3.848.146,55”.

                 g) Em consequência da notificação do relatório final de inspeção, procederam os serviços da AT à emissão da respectiva liquidação adicional n.º 2012 ..., referente ao período de 2008, a qual foi notificada à ora requerente, através do registo n.º RY…PT, emitido em 27/09/2010…

                 h) Tendo apresentado reclamação graciosa, a qual foi indeferida, apresentou também recurso hierárquico, o qual foi indeferido com fundamento em extemporaneidade, por ter sido apresentado fora do prazo de 30 dias previsto no art.º 66.º n.º 2 do CPPT.

                 i) Em 08/07/2013, a ora Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do art.º 78.º da LGT.

                 j) Em 07/03/2014, não estando decidido o sobredito pedido de revisão oficiosa, a requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral, com fundamento no indeferimento tácito daquele pedido de revisão oficiosa respeitante aos exercícios de 2008.

                 k) Em 21/04/2014 foi notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão apresentado em 8-7-2013, por intempestividade, o qual se converteu em definitivo em 29/05/2014.

 

                 Factos não provados

                 Não há factos essenciais para a decisão que não estejam provados.

 

                 O Direito

                 Está excluída da jurisdição arbitral, por não estar abrangida pelo art.º 2.º, n.º1 do RJAT, a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação - Cfr decisões arbitrais proferidas, além de outros, nos processos n.º73/2012-TCAAD e 210/2013-TCAAD.

                 Na verdade houve a preocupação legislativa  em  afastar  das  competências  dos  tribunais  arbitrais  que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, tal como decorre desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo – Cfr  alínea a) do n.º 4 do art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário “ os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação”, especificação que apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem da legalidade de atos de liquidação.

                 No caso vertente, tal como alega a AT, extrai-se de forma inequívoca que não houve uma apreciação de mérito, por ter sido considerada a “(…)manifesta intempestividade do pedido de revisão (…)”.

 

                 As questões de determinação da competência dos tribunais são de conhecimento prioritário e de conhecimento oficioso e determinam a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e da hierarquia, nos termos do art.º 13º do Código de Processo do Tribunal Administrativo e do art.º 578º do Código de Processo Civil por aplicação subsidiária, prevista no art.º 29º do RJAT.

                 Constitui uma exceção dilatória a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do Tribunal Arbitral quanto à capacidade material de apreciação dos atos objeto da pretensão arbitral (art.º 577.º do CPC e art.º 2.º do RJAT).

                 A questão é, no caso e como se está a ver, determinar se se inclui nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD declarar a ilegalidade de atos de liquidação quando essa ilegalidade não foi apreciada pelo ato que indeferiu o pedido de revisão oficiosa[1].

                 Efetivamente a apreciação das questões atinentes ao pedido de revisão oficiosa de atos de indeferimento desse pedido, previstos no art. 78.º da LGT, inclui-se nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD - artigo 2.º, do RJAT.

                 O ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo à face da definição fornecida pelo art. 120.º do Código de Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

                 Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário. Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «ato administrativo em matéria tributária».

                 Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, infere-se a regra de que a impugnação de atos administrativos em matéria tributária pode ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou de ação administrativa especial conforme esses atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação – sendo que, no conceito de «liquidação», em sentido lato, se englobam todos os atos que se reconduzem à aplicação de uma taxa a uma determinada matéria coletável e, por isso, também os atos de retenção na fonte, de autoliquidação e de pagamento por conta.

                 À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial, os atos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes mesmos atos de liquidação. Caso contrário, será aplicável a ação administrativa especial.

                 Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral por referência ao conteúdo do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa depende da análise do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

                 Ora, no caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é, originariamente, um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito.

                 Ulteriormente e já na pendência deste processo arbitral, é proferido ato expresso a indeferir o pedido formulado por extemporaneidade.

                 Ou seja: ainda que se pudesse presumir uma apreciação de mérito denegatória do pedido de anulaçãoo por ilegalidade, tal presunção foi afastada ou ilidida com a pronúncia expressa nos termos em que o foi.

                 Por isso é que o pedido de pronúncia arbitral formulado está fora do âmbito de competência material do CAAD estabelecida no RJAT e na Portaria (nº 112-A/2011, de 22-3) de vinculação à arbitragem da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

                 Efetivamente, este pedido só poderia ser decidido no âmbito de uma ação administrativa especial e não no âmbito do presente processo.

                  Por esta razão terá que se considerar que o presente tribunal é incompetente para decidir nos termos peticionados pela Requerente[2].

                 Na verdade e precisando melhor:

                 O âmbito da jurisdição arbitral tributária resulta, em primeira linha, do disposto no art. 2.º, n.º 1 do RJAT, que enuncia os critérios de determinação material da competência dos tribunais arbitrais nos seguintes termos:

                 “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

                 a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

                 b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

                 Ora em face deste dispositivo, deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).

                 A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub judice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art. 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

                 Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial(cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).

                 Desta forma, tendo presentes estes princípios básicos, para apurar a competência do tribunal arbitral cabe averiguar o conteúdo do ato impugnado, de modo a verificar se comportou a apreciação de um ato de liquidação.

                 Para o efeito, como resulta da expressão “apreciação” utilizada na alínea d) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, basta que, no ato em apreço, se tenha avaliado ou examinado a “legalidade do ato de liquidação”, mesmo que essa apreciação não seja o fundamento da decisão administrativa (Cfr., neste sentido, o acórdão arbitral de 06/12/2013, proferido no processo n.º 117/2013-T).

                 Ora como claramente resulta dos autos, sem controvérsia das partes, está aqui em causa um ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa respeitante à liquidação nº 2010..., de IRC, relativa ao ano de 2008 e que na pendência deste pedido de pronúncia arbitral, foi proferido ato expresso de indeferimento com fundamento em que, citando o despacho, “(…)a regularização pretendida não pode ser autorizada por intempestividade do respetivo pedido, face ao disposto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA(…)”

                 Do exposto resulta a conclusão óbvia de que, quer no caso de  indeferimento tácito quer no caso de indeferimento expresso,  a Administração Fiscal não apreciou a legalidade da liquidação.

                

                 Como nota final, assinale-se que não se desconhece certo entendimento jurisprudencial no sentido de que o indeferimento tácito equivale a uma pronúncia de mérito [cfr v.g., os Acs do STA proferidos nos processos nºs 306/09, de 8-7 e 1950/13, de 2-7].

                 O entendimento de que em causa está, mediatamente, no caso de indeferimento tácito de reclamação, recurso hierárquico e/ou revisão oficiosa, a legalidade do ato tributário será admissível, em tese geral, se concretamente se não verificar a extemporaneidade, por exemplo, da apresentação dos respetivos pedidos (reclamação, recurso ou revisão).

                 O que não é manifestamente o caso.

                 Ou seja: o ato que se encontra em causa e que constitui o objeto imediato do presente processo, é, consequente e indubitavelmente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

Como tal, considera-se, na esteira e com os fundamentos de anteriores decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral[3], que não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento, tácito ou expresso, de pedidos formulados ao abrigo do artigo 78º, da LGT.

Destarte e em conclusão: é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub juditio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

O que deixa obviamente prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos autos.

            III DECISÃO

Ponderando a fundamentação exposta, este Tribunal decide:

a) Julgar procedente a exceção de incompetência material deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, absolve a Requerida da instância;

b) Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais exceções e da questão de mérito.

c) Condenar a requerente no pagamento das custas (artigo 22º-4, do RJAT), fixando estas na importância de € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

*

 Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 121.936,95.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2014 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente

 

 

 

 

Paulo Ferreira Alves

(vogal)

 

 

 

 

Suzana Fernandes da Costa

(vogal)

 



[1] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de ato de decisão de procedimento de revisão oficiosa de ato de liquidação ser a ação administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do ato de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08. Adotando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar atos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de atos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.

[2] Neste mesmo sentido, conferir os acórdão do Tribunal Arbitral, n.º 147/2014-T.

[3] Cfr., v.g., além doutros citados anteriormente, os  Acs nºs 236/2013-T e 244/2013-T, in www.caad.org.pt