Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 280/2014-T
Data da decisão: 2015-01-12  IRC  
Valor do pedido: € 212.628,00
Tema: IRC - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS); Derrama Municipal
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 280/2014 – T

Tema: IRC - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS); Derrama Municipal.

 

Requerente: A – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”)

 

 

       Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Henrique Nogueira Nunes e Olívio Mota Amador, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., com o número de identificação fiscal … (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração da ilegalidade da auto-liquidação de IRC referente ao exercício de 2011 que ditou IRC a pagar no valor de € 234.672,34, acto tributário de 1.º grau, e, bem assim, do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada e do Recurso Hierárquico apresentado, que visaram a declaração de ilegalidade do mesmo acto tributário (actos tributários de 2.º grau).

 

1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada por “AT”) em 25 de Março de 2014, tendo sido designados como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo aqueles já acima indicados, que aceitaram o encargo.

 

1.4. Em 13 de Maio de 2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 28 de Maio de 2014.

 

1.6. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

 

A - Sobre a ilegalidade na auto-liquidação de IRC de 2011

 

(i) Alega que a AT deve considerar o apuramento do seu lucro tributável com referência ao exercício de 2011 como sociedade dominante por inclusão no Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedades (“RETGS”), relativamente ao exercício de 2011, de todas as participações de pelo menos 90% detidas indirectamente por si num conjunto de sociedades residentes em ... por sua vez são detidas por intermédio de sociedades de direito inglês, residentes para efeitos fiscais no Reino Unido.

 

(ii) Que é, desde 2002, a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.

 

(iii) Entende que devem ainda ser consideradas como abrangidas pelo RETGS, as empresas com sede em ... detidas pelas sociedades B, C e D.

 

(iv) Considera que o artigo 69º, nº 4, alínea f) do CIRC (na redacção e numeração à data e, vigor), ao excluir do RETGS as sociedades residentes em ..., cujo nível de participação de, pelo menos 90% é obtido por sociedades não residentes, viola claramente o direito comunitário.

 

(v) Como suporte da sua posição, vem referir, em resposta a um Pedido de Informação Vinculativo (“PIV”) por si apresentado, que a AT respondeu ao mesmo, referindo expressamente que, não obstante o disposto do artigo 69.º do Código do IRC, uma sociedade residente em território Português detida em, pelo menos, 90% do capital, por intermédio de sociedade residente noutro Estado Membro da UE, pode, de facto, fazer parte do perímetro de um grupo para efeitos do RETGS.

 

(vi) E que tal enquadramento, diz, se deve aplicar ao exercício fiscal de 2011, porquanto as razões que justificam a aplicação do regime ao exercício de 2012, sufragado pela AT, são as mesmas razões que justificam a sua aplicação a exercícios anteriores

 

(vii) Que o artigo 69.º, n.º 4, alínea f), do Código do IRC, ao excluir do RETGS as sociedades residentes em ... cuja detenção é feita através de sociedades não residentes, mais especificamente de sociedades residentes na União Europeia, está claramente a violar o direito comunitário, designadamente a Liberdade de Estabelecimento, prevista no artigo 43º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE).

 

(viii) Invocando a doutrina firmada no Acórdão do TJUE de 27 de Novembro de 2008, proferido no Processo C-418/07, mais conhecido pelo Acórdão Papillon.

 

(ix) Considera que com referência ao exercício de 2011 apurou o resultado fiscal do grupo sem incluir as sociedades detidas pelas sociedades E, B e pela D, em cumprimento com o disposto no normativo legal em vigor, mas sem se conformar com a sua ilegalidade.

 

(x) Ilegalidade, essa, que pretende ver corrigida através da correcção da autoliquidação do IRC, em causa nos autos.

 

(xi) Defende que se está perante um Acórdão interpretativo do TJUE, relativamente aos quais vigora a regra da respectiva eficácia retroactiva, princípio este que não pode ser injustificadamente derrogado pelos Estados Membros.

 

(xii) E que uma disposição prevista no Tratado da União Europeia como a da Liberdade de Estabelecimento é directamente aplicável nos ordenamentos jurídicos internos e é por si só suficiente para produzir efeitos directos na esfera jurídica individual.

 

(xiii) Pelo que não poderá deixar de ser adoptada uma solução de aplicação do normativo constante da alínea f), do n.º 4, do artigo 69.º do Código do IRC que seja compatível com a orientação decorrente do Acórdão Papillon.

 

(xiiii) Vem referir que ao contrário do que a AT conclui no PIV, a mesma tem a obrigação de garantir que a lei interna, que a mesma aplica, está em conformidade com a lei internacional, com as convenções internacionais, com o direito comunitário, ou com qualquer outra lei que tenha primado sobre o direito nacional.

 

(xv) Refere que não fez a comunicação que a AT lhe exigiu, não porque se esqueceu, mas simplesmente porque a lei nacional considerava que essas sociedades não residentes detidas por sociedades residentes não poderiam estar incluídas no RETGS.

 

(xvi) E que, como tal, limitou-se a cumprir a lei nacional, sendo que tal facto de modo algum pode ser valorizado em seu desfavor, e muito menos impedir que a situação seja corrigida e a legalidade resposta.

 

(xvii) Considera que um particular não está habilitado a produzir leis, enquanto as mesmas, mesmo desconformes com o Direito da União Europeia, se encontrarem no ordenamento jurídico interno, pelo que, sustenta, tem de se conformar com a respectiva aplicação, podendo, todavia, vir invocar junto dos tribunais nacionais qualquer disposição comunitária pertinente para em face dela obterem uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com as prescrições comunitárias.

 

(xviii) Assim, defende que não se pode escusar a aplicação de efeitos retroactivos ao Acórdão Papillon fundada no facto de a mesma determinar no caso em concreto a cessação do RETGS do qual a Requerente é a sociedade dominante em virtude da não comunicação da integração das sociedades detidas através de sociedades não residentes, como defende a AT, quando tal possiblidade não lhe era concedida em face do direito interno.

 

 

B - Da Ilegalidade da derrama municipal

 

(i) Considera que quando está em causa a aplicação do RETGS, o lucro tributável que serve de base de incidência da Derrama Municipal deve corresponder à soma dos lucros e prejuízos fiscais das várias entidades do grupo.

 

(ii) Entende que em face do seu caso concreto, verifica-se que no período de 2011, o apuramento da Derrama Municipal deveria ter sido efectuado sobre o lucro tributável do Grupo e não sobre o lucro tributável das sociedades individualmente consideradas.

 

(iii) Baseando a sua posição em extensa jurisprudência emanada pelo STA e pelo CAAD que sobre esta mesma questão já se pronunciaram.

 

(iv) Pelo que conclui que o valor da derrama deverá ser corrigido, sendo que nessa correcção deverão também estar incluídas as sociedades que de acordo com o acórdão Papillon também devem integrar o RETGS, e cujo cálculo apresenta.

 

 

D - Da restituição da importância de € 212.628,60

 

(i) Alega que de acordo com a interpretação efectuada pelo TJUE relativamente aos requisitos de que depende a aplicação do RETGS e com o entendimento da Jurisprudência e CAAD relativamente ao apuramento da Derrama Municipal, lhe assiste o direito de ser reembolsada da importância de € 212.628,60, montante correspondente aos cálculos por si efectuados, a qual resulta da diferença entre o IRC a recuperar resultante da interpretação realizada pelo TJUE e a inscrita nas Declarações Anuais de Rendimentos Modelo 22 previamente submetidas e compreendendo o apuramento da Derrama Municipal com base no lucro tributável apurado pelo Grupo.

 

 

E – Do pagamento de juros indemnizatórios

 

(i) Considera que lhe assiste o direito ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos até pagamento integral da quantia de IRC que indevidamente suportou.

 

(ii) Porquanto, sustenta, esse direito deriva da violação do Direito da União Europeia, sendo entendimento consensual do TJUE que a cobrança de impostos em violação do Direito Comunitário determina o pagamento de juros com vista à compensação pelo prejuízo decorrente da indisponibilidade das importâncias indevidamente cobradas.

 

1.7. A AT respondeu, defendendo que os pedidos devem ser julgados improcedentes, alegando de forma sumária, como segue:

 (i) Entende que a Requerente não oferece prova sobre os pressupostos de facto para a aplicação do RETGS, nomeadamente sobre a verificação das percentagens mínimas de detenção das sociedades residentes através das sociedades não residentes em causa nos autos.

(ii) E que sendo esse um requisito material para o exercício da opção pela aplicação do RETGS cabia à Requerente tê-lo provado, porquanto não está a AT em condições de aferir se a Requerente poderia ou não ser tributada ao abrigo deste regime.

 

(iii) Configurando, diz, essa percentagem mínima de detenção do capital, um dos factos constitutivos do direito a que a Requerente se arroga, sustenta que esta está onerada com a sua prova, sob pena de se resolver contra si a pretensão deduzida nestes autos

 

(iv) Alega que a aplicação do RETGS depende da opção pela sua aplicação, da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos previstos no n.º 3 do Art.º 69º do Código do IRC e da inexistência de qualquer das cláusulas de aplicação do regime elencadas no n.º 4 do Art.º 69º do Código do IRC.

(v) Entende que a Requerente, invocando a jurisprudência do TJUE, poderia ter exercido a sua opção pelo RETGS relativamente ao exercício de 2011, tendo ao seu dispor diversos meios de reacção em caso de recusa de aplicação do RETGS com fundamento na aplicação do direito nacional sem observância da interpretação veiculada pelo TJUE.

 

(vi) Não tendo a Requerente procedido a tal opção, nem tendo cumprido com os pressupostos formais elencados na lei.

 

(vii) Considera que não se está perante uma situação em que a AT tenha recusado a tributação do Grupo A com um todo, incluído as sociedades detidas pelo Grupo C, de acordo com o RETGS, mas sim perante uma omissão por parte da Requerente no exercício de uma opção que lhe competia fazer, mormente pelo cumprimento dos requisitos formais para que tal se pudesse verificar.

 

(viii) Defende que a AT não foi chamada a apreciar se a Requerente poderia, ao abrigo do Princípio do Primado do Direito Comunitário, exercer tal opção, porém dizendo que não é claro se a AT, enquanto órgão de Administração Pública e na ausência de alteração legislativa acolhendo o entendimento do TJUE, poderia, sequer e ao abrigo do princípio da legalidade, autorizar o exercício de tal opção.

 

(ix) Considera que o simples facto de a Requerente não ter formalizado qualquer pretensão nesse sentido impede a apreciação da pretensão a nível administrativo, por falta de impulso passível de a suscitar.

(x) Pelo que, sustenta, se está perante uma restrição de um direito que a Requerente considerava ter e que não exerceu, não por lhe ter sido vedado pela AT, mas porque não o exerceu atempadamente.

(xi) Concluindo pela improcedência total dos pedidos formulados.

 

1.8. O Tribunal dispensou a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, considerando que os autos contêm já os elementos de facto necessários e suficientes para decidir de Direito, o que não mereceu oposição das partes. Não foram identificadas excepções, não havendo, igualmente, necessidade de apresentação de alegações, considerando que ambas as partes fundamentaram suficientemente, de facto e de direito, as suas posições. Foi inicialmente fixado o prazo até 28 de Novembro de 2014 para prolação da decisão e posteriormente tal prazo foi prorrogado para o dia 12 de Janeiro de 2015 por despacho datado de 27 de Novembro de 2014, devido à substituição temporária do árbitro presidente.

 

1.9. Após a ATA ter apresentado a sua Resposta e em face do teor desta, a Requerente entendeu apresentar um Requerimento solicitando ao Tribunal prazo até 12 de Setembro de 2014 para juntar documentação que comprovasse as participações e respectivas percentagens das empresas sediadas no Reino Unido, alegando que se encontra a tramitar no âmbito deste Centro o Processo n.º 279/2014-T, em que se discute o mesmo caso, mas com referência ao exercício de 2010 e onde tal pedido foi concedido, o que foi admitido pelo Tribunal.

 

2.0. A Requerente apresentou essa documentação no dia 16 de Setembro de 2014, para além do prazo concedido pelo Tribunal, aproveitando o mesmo acto para juntar documentação referente à natureza do pedido de informação vinculativo que apresentou e que consta da prova documental junta aos autos.

 

2.1. O Tribunal, considerando que a documentação apresentada é essencial à apreciação e decisão do mérito da causa, por corresponder a interrogações e dúvidas levantadas pela própria AT na sua Resposta, entendeu admitir o mesmo, mais decidindo pela sua notificação à AT para se pronunciar, querendo, em 10 dias, e pelo protelamento da decisão final até ao dia 28 de Novembro de 2014.

 

2.2. A AT apresentou um Requerimento no dia 30 de Setembro de 2014 em que veio informar que a Direcção de Serviços do IRC tinha concluído e informado a Requerente (em sede de apreciação do recurso hierárquico) no âmbito de um Pedido de Informação Vinculativo, no sentido de que a jurisprudência do TJUE só poderia aplicar-se a partir de 01 de Janeiro de 2012.

 

2.3. A AT apresentou um Requerimento no dia 07 de Outubro de 2014, de resposta ao Requerimento apresentado pela Requerente no dia 16 de Setembro de 2014, o que fez para além do prazo concedido pelo Tribunal, mas que foi por este admitido, alegando, em síntese (i) que a documentação junta em Inglês com este requerimento não poderia ser apreciada pelo Tribunal porquanto teriam de ter sido traduzidos, que (ii) a documentação remanescente junta com o requerimento não faz prova suficiente da percentagem mínima do capital de todas as sociedades do grupo e, por fim, (iii) que a Requerente deveria ser condenada no que se refere às custas processuais, mesmo em caso de eventual procedência do pedido. O Tribunal entendeu admitir o requerimento apresentado pela AT, deste se notificando a Requerente.

 

2.4. A Requerente apresentou um Requerimento no dia 13 de Outubro de 2014, pronunciando-se sobre (i) a questão levantada pela AT relativa à obrigatoriedade da tradução para Português de parte do documento n.º 5 por si junto e sobre (ii) a responsabilidade pelo pagamento das custas no processo arbitral.

 

2.5. O Tribunal ordenou a Requerente a juntar aos autos a tradução para Português de parte do documento n.º 5, tendo esta procedido à sua junção e tendo sido dado o prazo de 10 dias à Requerida para se pronunciar.

 

 

* * *

 

2.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

2.7. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

2.8. Não foram identificadas nulidades no processo, nem excepções, não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

 

2.    QUESTÕES DECIDENDAS 

 

       Como é pacificamente aceite por ambas as partes, as questões fundamentais que se discutem nos presentes autos prendem-se, no essencial, com o apuramento, em face do enquadramento fiscal vigente à data dos factos tributários em causa, do tratamento fiscal a conceder à inclusão da Requerente no perímetro do RETGS, relativamente ao exercício de 2011, de todas as participações de pelo menos 90% por si alegadamente detidas indirectamente nas sociedades residentes em ... por intermédio das sociedades E, B e D, sociedades residentes para efeitos fiscais no Reino Unido, e, bem assim, que seja apreciada a questão relativa ao modo como deve ser calculada a Derrama Municipal com referência ao mesmo exercício.

 

 

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente apresentou em 31-05-2011 a Declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2011, como sociedade dominante do Grupo A - cfr. Print dos dados constantes dos sistemas informáticos da AT junto por esta como Documento n.º 1 com a sua Resposta.

 

B) Posteriormente, em 22-05-2013, apresentou uma Declaração Modelo 22 de substituição, como sociedade dominante do Grupo A, relativo ao mesmo exercício de 2011, na qual apurou um resultado fiscal líquido de € 6.547.641,08, e um imposto a pagar de € 234.672,34 - cfr. Documento n.º 1 junto com a Petição da Requerente.

 

C) Esta última Declaração consta dos sistemas informáticos da AT como documento não liquidável tendo, no entanto, sido emitido documento de correcção relativo ao exercício de 2011, identificado sob o nº 3182 2012 D0064- cfr. Documento n.º 1 junto pela AT com a sua Resposta

 

D) Por meio de correio registado datado de 30-05-2013, a ora Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de auto-liquidação de IRC respeitante ao ano de 2011 - cfr. Documento n.º 2 junto com a petição inicial da Requerente e Processo Administrativo junto pela AT.

 

E) A reclamação graciosa não foi decidida e tendo decorrido o prazo legal de 4 meses para a decisão após a sua apresentação, foi a mesma nos termos legais tacitamente indeferida - cfr. Processo Administrativo junto pela AT aos autos

 

F) Por meio de correio registado datado de 23-10-2013, a Requerente interpôs recurso hierárquico do indeferimento tácito da reclamação graciosa, ao qual foi somente conferida capa, com atribuição do n.º … - cfr. Documento n.º 3 junto pela Requerente com a petição inicial e Processo Administrativo junto pela AT aos autos.

 

G) O recurso hierárquico não foi decidido e tendo decorrido o prazo legal de 60 dias para a decisão após a sua apresentação, foi o mesmo nos termos legais tacitamente indeferido - cfr. Processo Administrativo junto pela AT aos autos.

 

H) Em 21-03-2014 foi aceite pelo CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.

I) A Requerente é, desde 2002, a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.

J) Desse perímetro de consolidação não constavam, com referência ao exercício de 2011, a Sociedade E, sociedade residente para efeitos fiscais no Reino Unido; e as Sociedades B e D igualmente residentes para efeitos fiscais no Reino Unido.

K) A Requerente junta como Documento n.º 3 com o seu requerimento apresentado no dia 16/09/2014 e admitido aos autos, uma declaração emitida pelos seus Revisores Oficiais de Contas, atestando a relação de participações existentes à data do exercício invocadas pela Requerente na sua petição.

L) A Requerente junta como Documento n.º 4 com o seu requerimento apresentado no dia 16/09/2014 e admitido aos autos, o Relatório e Contas da sociedade F –…, S.A., datado de 31/12/2011, em que no Anexo às Demonstrações Financeiras, no seu ponto 5, é expressamente referido que esta sociedade era, em 2010 e 2011, detentora de 100% da sociedade E, com sede em Inglaterra.

M) A Requerente junta como Documento n.º 5 (o qual, posteriormente e após notificação do Tribunal, foi parcialmente traduzido para Português e junto aos autos) junto com o seu requerimento apresentado no dia 16/09/2014 e admitido aos autos, Relatório e Contas da sociedade E, em que na página 31, se refere a detenção de 100% do capital das sociedades B e D por parte do Grupo onde se insere a sociedade E e na mesma página 31 do Relatório do Auditor Independente (G) que integra este Relatório e Contas, é expressamente referido que no ano de 2010 e 2011 a sociedade E detinha 100% das sociedades B e D.

 N) A Requerente junta como Documento n.º 3 junto com o seu requerimento apresentado no dia 16/09/2014 e admitido aos autos, uma declaração emitida pelos seus actuais Revisores Oficiais de Contas, atestando a relação de participações sociais existentes tal como a Requerente configura as mesmas no presente processo e com referência aos exercícios de 2010 e 2011.

O) A Requerente junta como Documento n.º 6 junto com o seu requerimento apresentado no dia 16/09/2014 e admitido aos autos, a lista de presenças da acta da Assembleia Geral da sociedade C. SGPS, S.A., realizada em 31/03/2010, da qual resulta que a sociedade B detinha 99% do capital social da referida sociedade e uma declaração do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade C ., SGPS, S.A., datada de 09 de Setembro de 2014, em que vem declarar que com referência à Assembleia-Geral datada de 31/03/2011, a sociedade B detinha 99% do capital social da mencionada sociedade.

P) A Requerente junta como Documento n.º 10 junto com o seu requerimento apresentado no dia 16/09/2014 e admitido aos autos, actas das Assembleias Gerais datadas de 29/03/2010, 29/03/2011 e 02/04/2012 e respectivas listas de presenças, da sociedade I a partir das quais se verifica que nos anos de 2010, 2011 e 2012 a sociedade D Ltd era detentora de 100% do capital social da referida sociedade.

Q) Com referência ao ano de 2011 a Requerente apresentou na sua Petição Inicial a seguinte estrutura societária:

 

 

O

N

M

L

K

J

I

C

D

B

E

F

H

A

 

 

 

R) A Requerente apresentou à AT um pedido de informação vinculativo (PIV), onde, entre outras questões não relevantes para o caso sub judice, pretende ver confirmado o seu entendimento quanto a duas questões fundamentais. A primeira questão é de que detendo a sociedade dominante do Grupo A, SGPS, S.A., a sociedade dominante do Grupo C …SGPS, S.A. em, pelo menos, 90%, através de sociedades sediadas na União Europeia (in casu, no Reino Unido), o que alega, pode passar a constituir um único grupo, em que a sociedade dominante é a A, SGPS, S.A e a segunda questão consiste em saber, sendo afirmativa a questão anterior, pelo facto da sociedade A, SGPS, SA deter, desde 2006, a sociedade C, SGPS, SA, se pode haver retroactividade na aplicação do entendimento anterior na aplicação do entendimento anterior, a 2006 (período em que, pelo primeira vez, estaria em condições de integrar o RETGS), ou a 2008, ou, no mínimo, desde o período em curso – cfr. Documento n.º 1 junto aos autos e Documento n.º 2 junto com o Requerimento apresentado pela Requerente no dia 16/09/2014 e admitido aos autos.

S) A AT despachou o supra referido PIV em 24/10/2012, tendo a Requerente tomado conhecimento do mesmo, pelo menos, desde o dia 14/11/2012 (Cfr. Documento n.º 2 junto com o requerimento apresentado pela Requerente no dia 16/09/2014 e admitido aos autos) referindo expressamente que, não obstante o disposto no artigo 69.º do CIRC, e ainda que considerando a ausência de norma interna habilitante, uma sociedade residente em território Português detida em, pelo menos, 90% do capital, por intermédio de sociedade residente noutro Estado Membro da União Europeia, pode, de facto, fazer parte do perímetro de um grupo para efeitos do RETGS, porém restringindo o seu entendimento aos exercícios de 2012 e seguintes, fazendo, contudo, condicionar a aplicação desse entendimento ao cumprimento dos pressupostos de aplicação do RETGS previstos no artigo 69.º do Código do IRC - cfr. Documento n.º 4 junto pela Requerente com a petição inicial.

 

T) O resultado fiscal constante do RETGS do qual a C ... SGPS, S.A. é a sociedade dominante ascende a um prejuízo fiscal de € 1.867.601,62 – cfr. Documento n.º 5 junto pela Requerente com a sua petição inicial.

 

U) O resultado fiscal apurado pela sociedade I –…, S.A. ascende a um lucro tributável de € 220.834,74 – cfr. Documento n.º 6 junto pela Requerente com a sua petição inicial.

 

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais, a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base na extensa prova documental junta ao processo e acima discriminada, cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

            É importante realçar que a prova das participações detidas pela sociedade C, SGPS, S.A., enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades dominadas sujeitas ao RETGS, e devidamente elencadas na Petição Inicial da Requerente não carece de ser efectuada no âmbito do presente processo arbitral, porquanto a AT na apreciação do pedido de informação vinculativo junto aos autos, e no âmbito da sua própria Resposta – cfr. artigo 53.º - em momento algum questiona essa cadeia de participações, nem parecendo fazer sentido que o fizesse, considerando a existência desde 2006 de um RETGS aplicável à sociedade C, SGPS, S.A., situação que se manteve com referência ao exercício fiscal de 2011.

 

É importante ainda realçar que a AT, no seu requerimento apresentado no dia 07 de Outubro de 2014, apesar de contestar a prova junta pela Requerente como sendo suficiente para provar a cadeia de participações relevante em causa nos autos, em momento algum individualiza ou identifica a(s) participação(ões) que carecem de prova, limitando-se a afirmar pela generalidade que a Requerente não juntou prova suficiente.

 

6.    DO DIREITO

 

De acordo com as questões enunciadas, que constam do n.º 2, e tendo em conta a matéria de facto, que está  fixada no n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.

 

6.1. A primeira questão prende-se com a inclusão da Requerente no perímetro do RETGS, relativamente ao exercício de 2011, de todas as participações de pelo menos 90% por si alegadamente detidas indirectamente nas sociedades residentes em ... por intermédio das sociedades E, B e D, sociedades residentes para efeitos fiscais no Reino Unido.

 

6.2. Importa começar por descrever o enquadramento legal vigente à data dos factos tributários em causa nos presentes autos. Na versão inicial do CIRC existia a possibilidade, ainda que restrita, de os grupos de sociedades residentes em ... optarem por ser tributados pelo lucro consolidado[1]. Tal sistema foi eliminado pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro, tendo em sua substituição sido criado o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) regulado nos artigos 63.º a 65.º do CIRC.

O artigo 63.º do CIRC, com a epígrafe “Âmbito e condições de aplicação”, foi renumerado para o artigo 69.º, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que republicou aquele Código. Os nºs. 3 e 4 do artigo 69.º tinham a redacção seguinte:

 

“3 — A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;

b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;

c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.

d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime

 

4 — Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:

a) Estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;

b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da acção;

c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;

d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;

e) Adoptem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;

f) O nível de participação exigido de, pelo menos, 90% seja obtido indirectamente através de uma entidade que não reúna os requisitos legalmente exigidos para fazer parte do grupo;

g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por acções, salvo o disposto no n.º 10.”

 

O n.º 1 do artigo 70.º do CIRC estabelecia o seguinte:

Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

 

Em suma, o CIRC previa a tributação dos grupos de sociedades pelo somatório dos resultados fiscais apurados nas declarações de rendimentos de cada uma das sociedades integrantes do respectivo grupo. Só que a aplicação deste regime dependia da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, previstos no n.º 3 do artigo 69.º do CIRC, e da inexistência de qualquer das situações estabelecidas no n.º 4 do mesmo artigo.

 

6.3. A norma constante da alínea f) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC exclui do RETGS as sociedades residentes em ... detidas através de sociedades não residentes. Assim, a Requerente fica impedida de integrar no perímetro do RETGS, do qual é a sociedade dominante, as sociedades detidas pela E, pela B e pela D, residentes para efeitos fiscais no Reino Unido.

 

A restrição contida na alínea f) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC cria regimes fiscais diferenciados para sociedades residentes em função da localização das sociedades que as detêm. Essa diferenciação afigura-se susceptível de restringir a liberdade de estabelecimento e de gerar uma situação de desigualdade em razão do lugar. Estamos assim perante uma violação ao direito comunitário, designadamente à Liberdade de Estabelecimento que se encontra consagrada actualmente no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e anteriormente no artigo 43.º do Tratado que institui Comunidade Europeia (TCE).

Apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos directos, o TJUE tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando, assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais: (i) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE); (ii) a livre circulação de trabalhadores (artigos 45.º e seguintes do TFUE); (iii) a liberdade de estabelecimento (artigo 49.º e seguintes do TFUE); (iv) a liberdade de prestação de serviços (artigo 56.º e seguintes do TFUE) e (v) a livre circulação de capital (artigo 63.º e seguintes do TFUE). Através da protecção de cada uma destas liberdades, directamente aplicáveis, ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades.

Sobre a matéria em apreciação nos presentes autos arbitrais, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em 27 de Novembro de 2008, no Proc.º C-418/07, conhecido por Acórdão Papillon, concluiu que as normas que desfavoreçam no plano fiscal as situações comunitárias em comparação com as situações puramente internas, constituem uma restrição proibida pelas normas de direito comunitário relativas à liberdade de estabelecimento[2]. A AT na informação vinculativa prestada à Requerente, que se encontra junta aos autos [3], sufraga este entendimento ao afirmar:

“25. As orientações que emanam do acórdão Papillon são de tal modo claras e manifestas, não suscitando qualquer espécie de dúvida, pelo que, embora a letra do normativo legal aplicável não conduza directamente àquela solução, parece que deveria ser adotada uma solução de aplicação das disposições relevantes do artigo 69.º do CIRC em consonância com as exigências resultantes do mencionado acórdão.

26. Consequentemente, pensa-se que deve ser admitido, em atenção ao caracter claro, manifesto e indubitável da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, não obstante a atual redação da disposição do art. 69º do CIRC, possa fazer parte do perímetro de um grupo para efeitos do RETGS uma sociedade residente em território português detida em, pelo menos, 90% do capital por intermédio de sociedade residente noutro Estado Membro da União Europeia.

27. Assim, não obstante a atual redação do artigo 69º do CIRC, o facto de existir Jurisprudência do TJUE (Acordão Papillon C-418/07) que não suscita dúvidas quanto à sua aplicação ao assunto em apreciação, deve considerar-se que podem fazer parte do perímetro de um grupo para efeitos do RETGS sociedades residentes em território português detidas em, pelo menos 90% do capital, por intermédio de sociedade residente noutro Estado Membro da UE”

Consequentemente, a Requerente apresenta uma configuração societária apta à aplicação do RETGS, não obstante a limitação decorrente da letra da lei interna, sendo possível conceber que, por via do Direito da União Europeia, se possa alargar o âmbito de aplicação do RETGS previsto no artigo 69.º do CIRC.

 

6.4. A Requerida alega que a Requerente, invocando a jurisprudência do TJUE, poderia ter exercido a sua opção pelo RETGS, relativamente ao exercício de 2011, e não o fez. Assim, a Requerente não cumpriu com os pressupostos formais elencados nos números 7 e 8 do artigo 69º do CIRC. Entende este Tribunal que não assiste razão à Requerida por duas razões. 

Primeiro, no enquadramento legal vigente à data dos factos objeto de apreciação nos presentes autos a comunicação por parte da Requerente era destituída de sentido, porque a norma constante da alínea f) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC excluía do RETGS as sociedades residentes em ... detidas através de sociedades não residentes. Assim, a Requerente não comunicou a integração das sociedades detidas através de sociedades não residentes, porque tal não lhe era permitido pelas normas legais nacionais. Não se ignora que a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido acto de autoliquidação de IRC e depois recurso hierárquico do indeferimento tácito, que também foi tacitamente indeferido[4].

Segundo, o facto de o legislador nacional não adequar atempadamente o ordenamento jurídico ao direito comunitário não pode impedir que o contribuinte veja a sua a situação corrigida e a legalidade resposta. Assim, o contribuinte pode invocar junto dos tribunais nacionais qualquer norma comunitária com vista a obter uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com o direito comunitário[5]. Importa referir que o legislador nacional só com a recentemente aprovada Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro que alterou o CIRC, transpondo a Directiva n.º 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de Julho, que altera a Directiva n.º 2011/96/UE relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes adequou o regime especial de tributação de grupos de sociedades à jurisprudência recente do TJUE[6].

 

6.5. A segunda questão respeita ao modo como deve ser calculada, no exercício de 2011, a Derrama Municipal relativamente à Requerente tendo em conta a aplicação do RETGS.

Uma das manifestações do poder tributário próprio das autarquias locais, previsto no n.º 4 do artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), é o lançamento da derrama nos termos da LFL.

Na LFL de 1998 (Lei n.º 42/98 de 6 de Agosto), a derrama incidia em função da colecta determinada pelos sujeitos passivos do IRC. Nos termos do n.º 1 do artigo 18.º daquele diploma, os municípios podiam “… lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 10% sobre a colecta do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.”

A LFL de 2007 (Lei n.º 2/2007 de 15 de Janeiro) estabeleceu um novo regime para a derrama. O artigo 14.º n.º 1 da LFL estabelece que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.”

A derrama, com a LFL de 2007, deixou de ser um adicional ao IRC para passar a ser um adicionamento, ou seja, deixou de ser calculada por aplicação de uma taxa à colecta, passando a ser calculada por aplicação de uma taxa à matéria colectável.

Da análise da LFL de 2007, resulta que a derrama pode ter regras próprias, por exemplo, de determinação da matéria colectável, de liquidação, de pagamento, de obrigações acessórias diferenciadas das normas do IRC. Só que a LFL não regula de forma completa a relação jurídico tributária da derrama. O regime da derrama, à data do presente caso arbitral, era omisso relativamente a regras específicas de determinação da matéria colectável. Assim, concluímos que, à data dos factos do presente caso, a LFF era omissa relativamente a regras próprias para a determinação da matéria colectável da derrama, devendo aplicar-se o regime do IRC.

Da factualidade objecto dos presentes autos arbitrais resulta que a Requerente estava sujeita ao RETGS.

Quando é aplicado o RETGS, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do Grupo e não já sobre o lucro individual de cada uma das sociedades que o integram, porquanto a matéria colectável da derrama tem por referencia o mesmo lucro tributável agregado. Só não seria assim, se existisse uma norma legal que estatuísse uma regra de determinação da matéria colectável específica para a derrama e diferente da que consta do n.º 1 do artigo 70.º do CIRC. Mas essa norma não existia à data dos factos objecto de análise nos presentes autos arbitrais.

O Ofício-Circulado n.º 20132, de 14 de Abril de 2008 afirma: “ No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64.º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais. Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável. Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual. Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso. O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante…”

O Oficio-Circulado não é fonte de direito fiscal e integra o chamado direito circulatório composto por orientações genéricas dirigidas aos serviços da administração fiscal relativas à interpretação e aplicação das normas tributárias (artigo 59.º n.º 3 alínea b) da LGT).

A interpretação constante do Oficio-Circulado n.º 20132, de 14 de Abril de 2008, viola a lei não podendo ser invocado para fundamentar a liquidação da derrama. 

Por fim, é necessário analisar o facto de a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprova a Lei do Orçamento do Estado para 2012, no artigo 57.º ter procedido à alteração de vários preceitos da LFL (Lei n.º 2/2007 de 15 de Janeiro) e aditado um novo n.º 8 ao art. 14.º da LFL com a redacção seguinte: “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.”

Assim, entrou em vigor, no dia 1 de Janeiro de 2012, uma norma específica de determinação da matéria colectável para a derrama, em casos de grupos de sociedades.

Daqui sai reforçado o entendimento no sentido de que o legislador alterou o regime vigente, porque estava ciente que a anterior redacção do artigo 14.º da LFL não permitia sustentar a interpretação constante do Oficio-Circulado n.º 20132, de 14 de Abril de 2008.

A norma do n.º 8 do artigo 14.º da LFL não tem natureza interpretativa, porque não existe qualquer referência, directa ou indirecta na norma ou no articulado do Orçamento do Estado, ao seu carácter interpretativo.

Além disso, tendo em conta o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, constante do disposto no n.º 3 do artigo 103 da CRP, a referida norma também não pode ser aplicada retroactivamente. 

Em face do exposto, o regime constante no n.º 8 do artigo 14.º da LFL, deve vigorar apenas para o futuro, ou seja, desde 1 de Janeiro de 2012, sendo insusceptível de aplicação no presente caso arbitral que respeita ao exercício de 2011.

A jurisprudência do STA e a jurisprudência arbitral convergiu no entendimento de que a derrama, quando seja aplicável o RETGS, deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram. Assim, decidiram os Acórdãos do STA proferidos nos processos 909/10 de 02/02/2011, 309/11de 22/06/2011, 234/2012 de 02/05/2012 e 1302/12, de 09/01/2013 e as Decisões Arbitrais proferidas nos processos 8/2011-T, 10/2011-T, 19/2011-T, 24/2011-T, 1/2012-T, 2/2012-T, 5/2012-T, 16/2012-T, 53/2012-T, 88/2012-T, 98/2012-T, e 106/2012-T, entre outras.

Em suma, os actos de autoliquidação da derrama devida pela Requerente relativamente ao exercício de 2011 estão inquinados pelo vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que o cálculo da derrama deveria ter incidido sobre o lucro tributável do grupo fiscal da Requerente e não sobre o lucro tributável de cada sociedade individualmente considerada. Nessa correcção deverão estar incluídas as sociedades que integram o RETGS em consequência do disposto no Acórdão Papillon.

 

6.6. Nestes termos, o tribunal arbitral entende que deve ser declarado ilegal o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2011 devendo a Requerente ser reembolsada da importância que resulte da diferença entre o valor inscrito nas Declarações Anuais Periódicas Modelo 22 e os valores resultantes: (i) da interpretação conforme ao direito comunitário quanto aos requisitos de que depende a aplicação do RETGS; e (ii) do pagamento da Derrama Municipal com base no lucro tributável apurado pelo Grupo e não sobre o lucro tributável das sociedades individualmente consideradas. 

 

6.7. Importa analisar agora o pedido de juros indemnizatórios por parte da Requerente. De acordo com o disposto no artigo 43, n.º 1, da LGT, o processo de impugnação judicial admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O artigo 24.º, n.º 5, do RJAT estatui que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”

Como resulta do exposto, embora a Requerente tenha efectuado a autoliquidação, verifica-se que o acto agora anulado era ilegal, pois não dependia da Requerente a definição do enquadramento legal dos requisitos de que depende a aplicação do RETGS nem a definição do pagamento da Derrama Municipal, tendo de resto, a Requerente tentado demonstrar isso mesmo em sede de procedimento administrativo, pelo que procede o pedido de juros indemnizatórios.

Assim, nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 2 do art. 43.º da LGT, e do art. 61.º do CPPT são devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.

 

6.8. Por fim, a Requerida, no seu requerimento, datado de 7 de Outubro de 2014, vem afirmar que mesmo no caso da (eventual) procedência do pedido deve entender-se que foi a Requerente quem deu causa à acção devendo, por conseguinte, ser esta condenada nas custas devidas pelo processo, de acordo com a regra geral vertida no artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.

O artigo 527.º (Regra geral em matéria de custas) do Código de Processo Civil (CPC) dispõe o seguinte:

“1 — A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2 — Entende -se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 — No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende -se às custas.”

 

O Tribunal Arbitral, nos termos do atrás exposto, julgou o pedido do Requerente procedente e, consequentemente, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a responsabilidade pelo pagamento da taxa arbitral é inequivocamente da Requerida.

 

7 – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente anular o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2011, condenando-se a Requerida a restituir o montante de € 212.628,60 (duzentos e doze mil seiscentos e vinte e oito euros e sessenta cêntimos);

b)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto apurado na autoliquidação agora anulada até à data do integral reembolso das quantias cobradas;

c)      Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo.

 

 

Fixa-se o valor do processo em € 212.628,60 (duzentos e doze mil seiscentos e vinte e oito euros e sessenta cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em € 4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a pagar integralmente pela Requerida, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 12 de Janeiro de 2015

 

Os árbitros

 

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

 

Henrique Nogueira Nunes

 

Olívio Mota Amador

 

 

***

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 



[1] Vd., Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 154.

[2] O TJUE declarou neste Acórdão o seguinte: “O artigo 52 do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.º CE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro por força da qual se concede um regime de tributação pelo lucro consolidado a uma sociedade-mãe residente desse Estado Membro que detenha filiais e subfiliais também residentes desse Estado, mas se exclui a concessão desse regime a essa sociedade-mãe se as suas subfiliais residentes forem detidas por intermédio de uma filial residente doutro Estado-Membro.”

[3]  Vd., alínea R) do n.º 3 desta Decisão Arbitral.

[4] Vd., alíneas D), E),F), e G) do n.º 3 desta Decisão Arbitral.

[5] A este respeito vd. o Acórdão do TJUE, de 13 de Novembro de 1990, no Proc.º C-106/89, conhecido por Acordão Marleasing, de 13 de Novembro de 1990.

[6] Segundo artigo 5.º esta lei aplica-se se aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de Janeiro de 2015.